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Formação Doutrinária Umbandista | Alan Barbieri

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Breve história do Espiritismo


Em toda história humana , principalmente entre os povos mais antigos da Índia, Egito,
Grécia, se fazem presentes os fatos mediúnicos. Existem registros na Bíblia de que os
Hebreus faziam evocações aos mortos. Também observamos registros destes fatos nos
escritos religiosos dos Vedas, as pitonisas, os oráculos, etc.

Na Idade Média, devido à intolerância religiosa tornou-se difícil a prática destas


manifestações.

Somente no século XIX, em 1844, acontece o início da corrente espiritualista nos Estados
Unidos da América, liderada por Andrew Jackson Davis protagonista de diversos fenômenos
de desdobramento e experiências fora do corpo físico que levou a publicação de um
conjunto de livros conhecidos como Filosofia Harmônica.

Em 1848 houve maior interesse nas manifestações com o caso das irmãs Fox. O fenômeno
ficou conhecido por ruídos, pancadas e movimentos cujas causas eram desconhecidas. Da
América esse fenômeno multiplicou-se por toda Europa, em particular na França onde por
alguns anos pessoas se colocavam em torno de mesas que emitiam ruídos e produziam
movimentos. As mesas girantes, como foram chamadas na época, se tornaram moda e
criaram divertimento nos salões da França.

Em 1854 Hipolite Leon Denizard Rivail, pedagogo e educador, foi convidado a participar de
reuniões onde era estudado o fenômeno das mesas girantes e conheceu o Sr. Baudin,
passando a frequentar as reuniões em sua casa, onde a técnica utilizada não era mais a das
mesas girantes e sim a das cestas escreventes. A partir daí passou a estudar
metodicamente os fenômenos, observando, comparando, analisando e concluindo sobre
todas as experiências de que participava formando um conjunto de mais de cinquenta
cadernos de relatos.

Ao concluir que as respostas obtidas através destas manifestações continham profundo


sentido lógico, o estudioso publicou em 1857 o "Livro dos Espíritos". O livro foi publicado
sob o pseudônimo de Allan Kardec visto que o professor Rivail não achava justo publicar
algo que não era dele mas que provinha do ensinamento de pessoas que já havia falecido.
No ano seguinte fundou a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas e editou a Revista
Espírita.


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Em 1859 publicou "O que é o Espiritismo", em 1861, o "Livro dos Médiuns", em 1864 "O
Evangelho Segundo o Espiritismo" , em 1865 "O Céu e o Inferno", e em 1868 "A Gênese".

Com o desencarne de Allan Kardec em 1869, assumiu a liderança do movimento espírita


Leon Denis, considerado o consolidador do espiritismo desenvolvendo o lado filosófico da
doutrina.

O culto de Jurema Sagrada


A Jurema Sagrada é remanescente da tradição religiosa dos índios que habitavam o litoral
da Paraiba, Rio Grande do Norte e no Sertão de Pernambuco e dos seus pajés, grandes
conhecedores dos mistérios do além, plantas e dos animais. Depois da chegada dos
africanos no Brasil, quando estes fugiam dos engenhos onde estavam escravizados,
encontravam abrigo nas aldeias indígenas, e através desse contato, os africanos trocavam o
que tinham de conhecimento religioso em comum com os índios. Por isso até hoje, os
grandes mestres juremeiros conhecidos, são sempre mestiços com sangue índio e negro. Os
africanos contribuíram com o seu conhecimento sobre o culto dos mortos (egun) e das
divindades da natureza, os orixás voduns e inkices. Os índios, estes contribuíram com o
conhecimento de invocações dos espíritos de antigos pajés e dos trabalhos realizados com
os encantados das matas e dos rios. Daí a jurema se compor de duas grandes linhas de
trabalho: a linha dos mestres de jurema e a linha dos encantados.

O Cachimbo na Jurema e na Umbanda


O cachimbo é um instrumento bastante conhecido e apreciado na Umbanda. Normalmente
o vemos na boca de um Preto Velho, que sabiamente o pita quando aconselha um filho de
fé.
A origem do cachimbo é muito antiga e ele é encontrado em todos os continentes, possui
diversos formatos e é fabricado com materiais variados.
Na Mãe África o cachimbo é empregado pelos curandeiros nativos com finalidades mágicas
e religiosas. O Kimbanda – o mago bantu – nunca deixa seu Pexi (cachimbo) de lado. Nei
Lopes, no Novo dicionário banto do Brasil, afirma que a origem da palavra vem do idioma
kimbundu: kuxiba, "chupar" (a fumaça).


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Nossos indígenas são peritos na arte de cachimbar e os pajés são verdadeiros mestres
cachimbeiros.

Seja na boca de um Preto Velho ou de um Caboclo, que também usa o charuto para a
mesma finalidade religiosa, o cachimbo possui muitos segredos.
Na Pajelança Cabocla e na Jurema Sagrada, uma variante da Pajelança Indígena, ele é
símbolo do Universo.
Seu forno, onde colocamos ervas misturadas ou simplesmente tabaco, é a imagem da Mãe
Mata - o feminino sagrado. O tubo, por onde a fumaça é aspirada, representa o Pai Céu - o
masculino sagrado.

As ervas colocadas no forno são as criaturas viventes: os minerais, os vegetais e os animais.


A fumaça é a Natureza em movimento, o sopro que tudo envolve e o espírito que anima os
seres.
Quando a fumaça cobre um objeto ou um vivente, ela infunde o poder do encanto que liga
a Terra ao Céu, e o Mundo Humano ao Mundo Divino.

Pitar o cachimbo, dentro de um ambiente religioso, é um ato sagrado. O cachimbeiro é um


veículo dos bons espíritos e um agente da cura dos males do corpo e da alma.

O cachimbo de um pajé não é mera madeira. Ele é um aliado e uma criatura com alma.

Nos rituais da Pajelança Cabocla e da Jurema o pito recebe um nome mágico. Ele é
lavado com ervas secretas e depois é enterrado numa Lua Cheia especialmente escolhida.

Num ritual fechado para os não iniciados, o cachimbo é retirado do ventre da terra e é
festejado como um novo membro da irmandade.

Como “virou bicho”, no linguajar dos curandeiros da floresta, ele será alimentado, de
tempos em tempos, com sumos vegetais. Também habitará numa toca, lugar escuro e
quieto, onde repousará depois das sessões de cura.

Na calada da noite o cachimbo fala com o pajé e toma a forma de um animal de poder... Ele
está vivo!

Ervas variadas podem ir dentro do Petenguá, como os guaranis chamam o cachimbo. A


ordem delas varia segundo a finalidade, o momento e a intenção do ritual.

Plantas brasileiras e de outras terras formam a farmácia do cachimbeiro caboclo. O tabaco


é a mais conhecida.

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Na Pajelança Cabocla o Pai Tabaco possui dois espíritos aliados: a Yawara (onça) e a Yibóia
(Jibóia). A onça é uma emanação da Mãe da Mata e a jibóia é sua filha. Estes dois espíritos
são invocados quando o pajé se enfumaça e canta as palavras certas, que convidam os
aliados a se manifestarem nesse mundo.

O Pajé Avarumã, nosso amigo e mestre, fala que nenhum curandeiro pode usar o tabaco
como recreio! Quem é viciado no tabaco, diz ele, caiu na rede dos espíritos e está cativo.
Uma pessoa viciada é uma escrava da planta, acaba doente e deve prestar conta aos
encantados.

Nenhum iniciado nos saberes da mata pode ser escravo! Afinal, um xamã é um guerreiro...
Cachimbo e tabaco só nos rituais de fé.

Quando armados com o cachimbo, fala o sábio da floresta, nos erguemos como uma árvore
muito alta. Nossa cabeça toca o céu, nossos pés afundam no solo... O coração bate junto
com o da Mãe Terra e por nossas veias corre o sangue verde dos espíritos.

A Pajelança Cabocla possui dois ramos espirituais: o Caminho do Cachimbo (Casa do Fogo e
do Ar) e o Caminho do Maracá (Casa da Terra e da Água). No primeiro ramo, o futuro
guerreiro curandeiro estuda os mistérios do Mundo da Fumaça, onde moram os sonhos e
os aliados. Ele também aprende que o cachimbo está no corpo: o forno é a cabeça e o tubo
é a coluna vertebral.

Dentro do cachimbo-corpo o pajé coloca as ervas e adiciona o fogo (espiritual), para a


fumaça (alma) sair e viajar até os encantados.

O cachimbo é quem cachimba o cachimbeiro, fala Avarumã.

Outras plantas fumáveis são também utilizadas. As mais comuns, que podemos encontrar
com facilidade e foram reconhecidas pelos curandeiros como amigas espirituais, embora de
origem estrangeira, aqui estão.

Alfazema - muito empregada em defumações e fumaçadas no culto da Jurema Encantada.


Ela entra na composição da mistura básica de esfumaçamento, junto com tabaco forte,
incenso (olíbano) e alecrim.

Artemísia - chamada de Tabaco de São Pedro: usada na forma de charuto, pó, chá, tintura,
extrato, essência, sumo, banho e até vinho (Vinho de São Pedro). Ela é tônica e vermífuga.
Não deve ser usada em grande quantidade como chá, mas fumada é inofensiva.


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Uma mistura de cachimbo famosa é a “Velha Bruxa”: 10 gramas de folha de figueira, 15


gramas de verbena, 30 gramas de tabaco suave e 5 gramas de artemísia. Ela também é
usada no Tauarí ou charuto de pajé.

Escarola – conhecida como Tabaco Longa Vida: uma planta fumável bem conhecida e usada
para substituir o tabaco. Empregada como alimento, loção, pó, charuto, loção e cataplasma
por centenas de anos. Ela é nutritiva, depurativa, analgésica e sedante, por isso não deve
ser fumada em grande quantidade. Combinada com um pouco de artemísia obtemos um
boa fonte de fumaça curativa.

Verbena - a preferida pelos Mestres dos Bosques – os curandeiros bruxos de Portugal - que
foram exilados para o Brasil no período colonial. Boa planta para fumar, mas deve ser
misturada com artemísia e tabaco. Uma maravilha para defumar. Ela purifica o ambiente e
destrói os miasmas (energias negativas aglomeradas nos cantos das casas).

Muito ainda podemos contar sobre este instrumento sagrado. É uma pena que alguns
centros de Umbanda estão deixando o cachimbo de lado e adotando o cigarro.
Outros centros estão abandonando a fumaça, seja a do cachimbo ou a do defumador. Isso é
preocupante. O cachimbo e a fumaça sagrada estão no início da história da Umbanda,
desde que o primeiro Preto Velho sentou no seu canto e pediu o querido pito...
Seria triste ver a alegre e perfumada Umbanda parecendo uma melancólica e inodora igreja
evangélica!

Os Orixás na África
O termo “ Oríxá” nos parecera outrora relativamente simples, da maneira como era
definido nas obras de alguns autores que se copiaram uns aos outros sem grande
discernimento, na segunda metade do século passado e nas primeiras décadas deste.
Porém, estudando o assunto com mais profundidade, constatamos que sua natureza é mais
complexa. Léo Frabenius é o primeiro a declarar, em 1910, que a religião dos iorubás tal
como se apresenta atualmente só gradativamente tornou-se homogênea. Sua
uniformidade é o resultado de adaptações e amálgamas progressivos de crenças vindas de
várias direções. Atualmente, setenta anos depois, ainda não há, em todos os pontos do
território chamado Iorubá, um panteão dos orixás bem hierarquizado, único e idêntico. As
variações locais demonstram que certos orixás, que ocupam uma posição dominante em
alguns lugares, estão totalmente ausentes em outros. O culto de Xangô, que ocupa o

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primeiro lugar em Oyó, é oficialmente inexistente em Ifé, onde um deus local, Oramfé, está
em seu lugar com o poder do travão. Oxum, cujo culto é muito marcante na região de Ijexá,
é totalmente ausente na região de Egbá. Iemanjá, que é soberana na região de Egbá, não é
sequer conhecida da região de Ijexá. A posição de todos estes orixás é profundamente
dependente da história da cidade onde figuram como protetores Xangô era, em vida, o
terceiro rei de Oyó. Oxum, em Oxogbô, fez um pacto com Larô, o fundador da dinastia dos
reis locais, e em consequência a água nessa região é sempre abundante. Odudua, fundador
da cidade de Ifé, cujos filhos tornaram-se reis das outras cidades iorubás, conservou um
caráter mais histórico e até mesmo mais político que divino.

A religião dos orixás está ligada à noção de família. A família numerosa, originária de um
mesmo antepassado, que engloba os vivos e os mortos. O orixá seria, em princípio, um
ancestral divinizado, que, em vida, estabelecera vínculos que lhe garantiam um controle
sobre certas forças da natureza, como o trovão, o vento, as águas doces ou salgadas, ou,
então, assegurando-lhe a possibilidade de exercer certas atividades como a caça, o trabalho
com metais ou, ainda, adquirindo o conhecimento das propriedades das plantas e de sua
utilização o poder do ancestral-orixá teria, após a sua morte, a faculdade de encarnar-se
momentaneamente em um de seus descendentes durante um fenômeno de possessão por
ele provocada.

O orixá é uma força pura, asé imaterial que só se torna perceptível aos seres humanos
incorporando-se em um deles. Esse ser escolhido pelo orixá, um de seus descendentes, é
chamado seu elégùn, aquele que tem o, privilégio de ser “ montado” por ele. Torna-se o
veículo que permite ao orixá voltar a terra para saudar e receber as provas de respeito de
seus descendentes que o evocaram.

Os elégùn muitas vezes são chamados iyawóòrìxà (iaô), mulher do orixá. Este termo tanto
se aplica aos homens quanto às mulheres e não evoca uma ideia de união ou de posse
carnal, mas a de sujeição e de dependência, como antigamente as mulheres o eram aos
homens.

Orixá, ancestral divinizado, é um bem de família, transmitido pela linhagem paterna.

Conservando sua filiação ao culto do orixá familiar, pode acontecer que um indivíduo deva,
por certas razões que lhe são indicadas pela adivinhação, seguir o culto a uma outra
divindade, a de sua mãe, por exemplo, após a sua morte; ou de qualquer outra que lhe seja
imposta em decorrência de certas situações: doenças, dificuldades na procriação de um


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herdeiro, defesa contra uma ameaça precisa ou imprecisa. Nesses casos, o indivíduo
encontra-se implicado mais diretamente na prática desse culto pessoal.

Uma das características da religião dos orixás é seu espírito de tolerância e a ausência de
todo proselitismo. Isso é compreensível e justificado pelo caráter restrito de cada um
desses cultos aos membros de certas famílias. Como e por que as pessoas poderiam exigir
que um estrangeiro participasse do culto, não tendo nenhuma ligação com os ancestrais em
questão?

Olódùmarè, o Deus Supremo.


Acima dos orixás reina um deus supremo, Olódùmarè, cuja etimologia é duvidosa. É um
deus distante, inacessível e indiferente às preces e ao destino dos homens. Está fora do
alcance da compreensão humana. Ele criou os orixás para governarem e supervisionarem o
mundo. É, pois, a eles que os homens devem dirigir suas preces e fazer oferendas.
Olódùmarè, no entanto, aceita julgar as desavenças que possam surgir entre os orixás.

Essa definição parece ser uma tentativa de elaboração de um sistema que centraliza o que
era diverso e harmoniza o que era incompatível entre orixás vindos de horizontes muito
diferentes, como sugere Léo Frobenius.

Admitindo o papel de deus supremo atribuído a Olódùmarè e se pairarmos acima das


sutilezas locais, evitando fazer alusão às incoerências que resultam da pluralidade dos
orixás, todos igualmente poderosos, parece que poderemos elaborar um sistema em que
cada orixá torna-se um arquétipo de atividade, de profissão, de função, complementar uns
aos outros, e que representam o conjunto das forças que regem o mundo.

Olódùmarè mora no além, Òrun, traduzido geralmente por “céu”. Mas há ai, sem dúvida
alguma, incompreensão por parte dos pesquisadores, todos formados com a ideia de que
Deus mora no céu.

É no Òrun que habitam os montes, os ará Òrun, que voltam periodicamente ao mundo, ayé,
para se tornarem novamente seres vivos, ará ayé. “ Esses além assemelhar-se a terra,
porém triste e lúgubre” . As almas apressar-se-iam em voltar para a terra, para a mesma
família, da qual alguns membros usam o nome de Babatúndé ou o de Iyátúndé, o que


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significa “ o pai ou a mãe voltou” . Estamos longe do céu paradisíaco e macio dos cristãos e
muçulmanos.

Os próprios deuses não parecem felizes em seu desterro no Òrun-além, e durante as


cerimônias realizadas em seu louvor apressam-se em volta as terras, encarnando-se nos
corpos em transe de seus descendentes que lhes são consagrados.

A ideia de que Òrunalém está situado embaixo da terra é comprovada durante as oferendas
aos orixás, quando o sangue dos animais sacrificados é derramado em um buraco cavado
na terra, em frente ao local consagrado ao deus, e os olhares se voltam para o chão e não
para o céu.

O culto dos Orixás


Na África, cada orixá estava ligado originalmente a uma cidade ou a um país inteiro.
Tratava-se de uma série de cultos regionais ou nacionais, Sàngó em Oyó, Yemoja na região
de Egbá, Iyewa em Egbado, Ògùn em Ekiti e Ondô, Òun em Ijexá e Ijebu, Erinlé em Ilobu,
Lógunèdé em Ilexá, Otin em Inixá, Òbàálà-Obàtálá em Ifé, subdivididos em Òxàlúfan em
Ifan e Òàgiyan em Ejigbô...

Os Orixás viajaram, em seguida, para outras regiões africana, levadas pelos povos no curso
de suas migrações. Se as pessoas formavam um grupo numeroso, o orixá tomava tal
amplitude que englobava o conjunto da família, e alguns Olorixás, sacerdotes do orixá,
asseguravam o culto para todo o grupo. Se alguém se fixa com a sua família restrita à sua
mulher e aos seus filhos, o orixá assumia uma feição mais pessoal. Quando o africano era
transportado para o Brasil, o orixá tomava um caráter individual, ligado à sorte do escravo,
agora separado do seu grupo familiar de origem.

A qualidade das relações entre um indivíduo e o seu orixá é, pois, diferente, caso ele se
encontre na

África ou no Novo Mundo. Na África, a realização das cerimônias de adoração ao orixá é


assegurada pelos sacerdotes designados para tal. Os outros membros da família ou grupo
não têm outros deveres senão o de contribuir materialmente para os custos do culto,
podendo, entretanto, se assim o desejarem, participar nos cantos, danças e festas
animadas que acompanham essas celebrações. Devem, além disso, respeitar as proibições


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alimentares e outras, ligadas ao culto, ligadas ao culto de seu orixá, e, assim agindo, estão
perfeitamente em regra com as suas obrigações.

No Brasil, ao contrário, cada um deve assegurar pessoalmente as minuciosas exigências do


orixá, tendo, porém, a possibilidade de encontrar num terreiro de candomblé um meio
onde inserir-se, e um pai ou mãe de santo competente, capaz de guiá-lo e ajuda-lo a
cumprir corretamente suas obrigações em relações ao seu orixá. Se a pessoa for chamada a
tornar-se filho de santo, caberá igualmente ao pai ou mãe de santo a tarefa de levar a bom
termo a sua iniciação, e preparar o assento de seu orixá individual (o vaso que contém os
seus Otás, as pedras sagradas, receptáculos da força do deus). Existem, assim, em cada
terreiro de candomblé múltiplo orixás pessoais, reunidos em torno do orixá do terreiro,
símbolo do reagrupamento, do que foi disperso pelo tráfico.
Fonte: Livro Orixás, Pierre Fatumbi Verger

A origem dos Terreiros de Candomblé


Desde os tempos coloniais, observamos que várias manifestações religiosas de origem
africana se consolidaram em terras brasileiras. O batucajé, o calundu e o batuque são
apenas alguns dos nomes que designavam as manifestações religiosas trazidas pelos negros
e realizadas em diversas senzalas espalhadas pelas grandes fazendas do território. De forma
muito diversa, a religiosidade africana se manifestava em cantos, danças, instrumentos
percussivos, curas, magias e adivinhações.

Segundo a indicação de alguns pesquisadores, o desenvolvimento dos terreiros de


candomblé passou a se manifestar a partir do século XVIII. Nessa época, o crescimento dos
centros urbanos se tornava um ambiente propício para que vários negros se reunissem e
organizassem experiências religiosas mais estáveis e regulares. Foi nesse contexto que o
candomblé deu seus primeiros passos rumo à consolidação de uma experiência religiosa
identificável.

A relação do candomblé com a cidade pode ser explicada através da situação dos escravos
que ali viviam. Nos centros urbanos havia negros alforriados, escravos de ganho e
domésticos que circulavam com maior frequência e, dessa forma, estreitavam seus laços
com maior facilidade. Em contrapartida, as condições de trabalho mais rígidas e a própria

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dificuldade de locomoção determinavam maiores empecilhos para que algo semelhante


ocorresse no meio rural.

Já no século XIX, era possível pontuar a existência de alguns sobrados antigos e casarões
coletivos em que negros livres organizavam pontos de encontro para a realização de seus
cultos. Apesar da existência da repressão imposta pelas autoridades oficiais, o candomblé
dava seus primeiros passos formativos. No ano de 1889, a proclamação da República,
precedida pela Abolição da Escravatura, também contribuiu para que as crenças afro-
brasileiras se expandissem.

Nesta conjuntura inédita, os terreiros de candomblé foram sendo criados e dando forma
aos rituais e crenças que o definiriam. Mais do que isso, também funcionaram como meio
de confraternização e socialização de vários negros que saíam do meio rural visando outras
oportunidades de emprego. Com isso, os terreiros também serviam como lugar de lazer,
solidariedade e manutenção de uma memória coletiva que se mostrou essencial no
surgimento desta rica prática religiosa.
Por Rainer Sousa, graduando em História.


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