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Folhateen – Folha de São Paulo, 08 de novembro de 2010

Geração download

COMPRAR MÚSICA NA WEB OU BAIXÁ-LA DE GRAÇA? PREÇO, QUALIDADE E LEI


COMPLICAM A QUESTÃO
Carlos Cecconello/Folhapress

Luka, 15, já baixou de graça 20 mil músicas

CARLOS MINUANO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

O jovem Luka S., 15, é um típico filhote da internet. Há quatro anos baixa música na rede e já
acumula um acervo de 20 mil canções. Tudo sem pagar um centavo, vale destacar. "Tentei comprar,
mas era complicado", diz.
Legal ou ilegal, cresce o consumo de música digital entre jovens. "Fazer, produzir e consumir
música passou por uma revolução", afirma Marco Mazzola, produtor musical das antigas.
Mazzola idealizou o Prêmio de Música Digital, cuja primeira edição acontece agora. A ideia é jogar
luz em novos nomes da música que estão bombando na rede.
Até a próxima segunda-feira (15/11), internautas poderão votar e eleger os vencedores três
categorias (folha.com.br/ft826333).

INTERNET NA BERLINDA
O prêmio também se propõe uma dura tarefa: estimular internautas a consumir música legalmente.
Luka, como a maioria, sabe que baixar arquivos de graça não remunera compositores, músicos ou
produtores. Mesmo assim, não se convenceu a pagar por isso.
Por via das dúvidas, prefere não divulgar o sobrenome.
Ele acaba de baixar os álbuns indicados no livro "1001 Discos para Ouvir Antes de Morrer", de
Robert Dimery e Michael Lydon.
Nos EUA, a indústria chiou, e a Justiça mandou fechar o Lime Wire, um badalado programa de
download gratuito. O motivo é óbvio: violação de direitos autorais.
O debate sobre a ilegalidade dessa prática avança no mundo. No Brasil, a internet caminha rumo a
uma encruzilhada nebulosa: muita discussão sem consenso.
A proposta do Ministério da Cultura (MinC) de mudança na Lei de Direitos Autorais, que acenava
com avanços no tema, segue agora para o Congresso sem um artigo sobre o meio digital.
"Falta um capítulo contra violação de direitos autorais na internet. Música é o conteúdo mais
pirateado", ressalta Paulo Rosa, presidente da Associação Brasileira de Produtores de Disco
(ABPD).

AI-5 DIGITAL?

A chamada Lei Azeredo, que tramita na Câmara, é vista por muitos como ameaça.
Seu alvo são crimes como pedofilia, mas ela atinge condutas triviais e usuários comuns. O PL está
agora pronto para ser aprovado numa versão em que provedores terão que vigiar usuários mesmo
sem evidências de que estejam cometendo crimes.
O senador defende que há gente inventando problemas que o projeto não tem.
Uma limitação técnica, no entanto, pode azedar o andamento do PL. "Substitutivos propostos
obrigam que o trâmite seja reiniciado", diz Rodrigo Savazoni, diretor do Laboratório Brasileiro de
Cultura Digital.
Para o professor Pablo Ortellado, do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas da USP (Gpopai),
"aprovações sem muita análise são comuns em troca de mandato".
O Gpopai propôs uma alternativa que sugere a legalização da troca de arquivos.
A troca de música será debatida no dia 15, às 14h, no Fórum da Cultura Digital Brasileira (lgo.
Senador Raul Cardoso, 207, São Paulo).

REVOLUÇÃO DIGITAL
Ilegalidades à parte, curtir música nunca foi tão fácil.
Apesar da pirataria, a venda de músicas pela rede aumentou 159,4% entre 2009 e 2010, segundo a
ABPD.
A estudante Ana Luiza Goldemberg, 20, faz parte dessa estatística. Ela diz que "gastava os tubos em
CDs".
Hoje, admite ser uma compradora assídua de música digital. "Compro só a faixa que eu quero." Ela
diz já ter pirateado músicas, mas diz que a qualidade não é a mesma. "Sem dizer que é ilegal!"

AZEDOU GERAL?

Situações que podem levar ao xilindró se a Lei Azeredo (PL 84/99) for aprovada:

• Desbloquear o celular

• Comprar músicas para o iPod e transferi-las para outro aparelho

• Disponibilizar na web programa que permita o desbloqueio de celulares

• A cana prevista para os casos acima varia entre um e cinco anos, e ainda rola uma multa

FONTE: Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da FGV

84% das pessoas que fazem downloads gratuitos de música têm entre 15 e 34 anos de idade

ANÁLISE

Música digital precisa ouvir o que deseja seu consumidor

RONALDO LEMOS
COLUNISTA DO FOLHATEEN

Para resolver o problema da música digital, basta prestar atenção no consumidor. Hoje, ele quer 0.
Quem compra música quer ouvi-la em qualquer aparelho ou lugar. Isso é portabilidade. Não faz
sentido vender música com travas.
A música "travada" não toca no iPod. Quem paga enfrenta restrições que não existem no download
ilegal.
A música, além de produto de consumo, é matéria-prima. Quem lê o Folhateen sabe o que é mash-
up: mistura de músicas para criar outra.
As lojas deveriam facilitar a vida de quem usa música criativamente: criar um sistema universal de
preços e eliminar as dificuldades das autorizações para esse uso.
Outro problema são catálogos incompletos. Desde 1999, quando surgiu o Napster, ficou claro que
as gravadoras precisam organizar seus catálogos e facilitar o licenciamento entre si. Dez anos
depois, esse trabalho ainda está por ser feito.
Há também o problema do preço. Nos EUA, o download de uma faixa pelo iTunes custa, em média,
US$ 0,99 (R$ 1,67). No Brasil, R$ 1,70. Só que a renda média aqui é quatro vezes menor que lá.
Adicione a tudo isso o fato de que serviços com o Spotify (que permite ouvir música on-line
legalmente) não têm previsão de funcionar no Brasil, e está pronto o coquetel de incentivo à
pirataria.
A guerra contra a pirataria será vencida, não com repressão, mas com serviços que façam sentido
para o consumidor digital.

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