CERQUEIRA Filho, Gisálio. A 'questão social' no Brasil. Capítulo 5. Item 1.
O período 1946-1964 e o fenômeno do populismo. Item 2. Os trabalhadores e a política populista. Item 3. O discurso populista e a “questão social”. pp 147-192. Civilização Brasileira 1982.
O populismo, explanado por Cerqueira, é nítido em toda a Segunda República, onde a
classe dominante, para superar a crise hegemônica, governa compactuada com a classe burguesa e as oligarquias agrárias e por meio políticas sociais paternalistas absorve também a aprovação das camadas mais baixas da população. A ideologia populista se mostra bastante efetiva no sentido de manter a coesão das classes sociais, já que por si, prega a integralização das mesmas, abafando suas lutas e, até certo ponto, antecipando parte de suas demandas de forma paternalista, que nada mais é do que a sua manutenção de forma autoritária e ideologia do favor, em que o dominado pensa estar recebendo uma benesse do seu dominante, assumindo seu caráter manipulativo que encobre a relação trabalho x capital, estabelecendo um relação de dependência onde as classes populares não participam do projeto político ideológico. O discurso populista se valendo da necessidade do desenvolvimento industrial, acaba por delimitar bastante o que seria a nossa democracia a partir de 46, como podemos ver na seguinte afirmação: A ideologia desenvolvimentista nos fazia crer na articulação crescimento econômico/justiça social como elemento intrínseco do projeto populista. A ideologia desenvolvimentista apontava na direção de uma ampla revolução económica e social a partir de uma revolução das expectativas. A formação social de então reuniria as condições para a chamada decolagem (takc off/Rostow) em direção ao desenvolvimento. Apesar de não ser uma ideologia nova no Brasil, em 46 ela toma força no terreno fértil semeado pela Carta de 1946, unindo o elitismo, conservadorismo, autoritarismo e liberalismo permitindo a manutenção da hegemonia das classes dominantes e que as classes populares externassem seus anseios. Observando o populismo no Brasil, é possível dizer que é uma ideologia que se desenvolveu de forma multifatorial e não somente para a solução da crise hegemônica evitando o “vazio de poder”, como citado por Cerqueira, em resposta à “transformação global tanto do capitalismo a nível internacional quanto da sociedade brasileira ao nível das classes sociais, dos Aparelhos de Estado e dos seus efeitos”. Destaca-se também o nacionalismo como forma de controle burguês, com o conceito de valorização do povo e mesmo dizendo que pressupunha a superação do modelo populista, criticando o modelo da personificação do líder carismático e alegando a necessidade de melhor administração voltada para o desenvolvimento industrial nacional, essa ideologia também se mostra ambígua nas suas propostas, por não apresentar nenhuma mudança substancial, mantendo a mesma relação paternalista de caráter tutelar, mais uma vez suprimindo a luta de classes. Dentro de toda essa efervescência do desenvolvimentismo, apesar de todo o controle do estado, e da sua intervenção paternalista na manutenção da "questão social", é nesse cenário que a classe operária cresce numericamente, tanto em seu número de sindicalizados como na quantidade de sindicatos, que agora podem exercer pressão tanto no estado como no mercado se revelando importante força de articulação política, que se organiza também em outras estruturas horizontais tendo sua maior expressão no Comando Geral dos Trabalhadores, mesmo sendo uma representatividade da classe operária, é subordinada ao populismo quando se mostra afinada com o nacionalismo e a colaboração de classes. A luta sindical é usada por João Goulart, o então ministro do trabalho de Getúlio Vargas como propaganda eleitoral, logo após a greve geral de 53, elevando a "questão social" a caso política, sendo o auge do seu reconhecimento no governo, porém essa mesma greve é mais uma expressão da crise que fará com que a Era Vargas chegue ao seu fim com o suicídio de Getúlio no ano seguinte, e deixando espaço para os militares começarem a se mostrar mais expressivos no cenário político esboçando o que viria culminar no golpe de 1964, no regime ditatorial onde os movimentos das classes populares foram suprimidos ao máximo. O autor pontua ainda que mesmo que a formação dos sindicatos tenha tido na sua formação a pecha populista, ele foi importante para a organização da luta dos trabalhadores e sua organização enquanto classe. Passando pelo governo de transição de Café Filho, que já começou a abertura e incentivo do capital estrangeiro prejudicando a o desenvolvimento da indústria nacional, continuado pelo governo JK. No entanto, no governo JK a repressão do estado em cima dos sindicatos se arrefece com as alianças entre comunistas, burguesia e o apoio do, agora, vice- presidente João Goulart que também era simpático à causa. Tendo essas alianças em mente e todos os conflitos gerados pela abertura do capital estrangeiro, o estado, por diversas vezes, agia como mediador entre burguesia industrial e classe operária, sendo conciliador para manter a integralidade entre as classes, já que era de seu interesse manter a ordem vigente sem transparecer o fracasso do falso nacionalismo. Com o crescimento da consciência política e os conflitos entre a burguesia industrial e classe operária foram se mostrando mais expressivas e irreconciliáveis, os sindicatos se movimentaram em direção ao estado e distanciaram da base, se concretizando como força política aliada ao Aparelho do estado e assumindo assim diálogo direto e relegando à burguesia um papel secundário no jogo político, como Cerqueira expõe: As correntes políticas populistas, trabalhistas de um forma geral, e mesmo os comunistas não compreenderam em toda a sua profundidade o caráter restritivo/autoritário da estrutura corporativista do Estado Novo. De modo geral foram prisioneiros de uma estrutura que, por dependente do Estado, acabou propiciando cargos, postos, recursos financeiros fáceis e influência política que acabaram por subverter o caráter orgânico que deve presidir relação entre as lideranças sindicais e suas bases, gerando uma política colaboracionista (porque ocultando os conflitos de classe) e paternalista (porque fundada no autoritarismo e na ideologia do "favor"). É importante conceituar a diferença entre o populismo tutelar e o populismo emancipatório, já que eles se alternaram em momentos do governo populista no período de 1946 a 1964. Os dois se mostram semelhantes entre si, mantendo comum as suas características principais: paternalismo, onde o estado atende as demandas das expressões da "questão social" com o assistencialismo social, e o controle autoritário do estado suprimindo as reivindicações dos sindicatos, o que difere o populismo emancipatório é a possibilidade das classes populares obterem alguma, ainda que pouca, vantagem na sua organização, lutas e reivindicações, possibilitando pressão nas classes da classe dominada em cima da classe dominante. Uma grande forma de controle da pressão da classe trabalhadora, antecipando-se às suas demandas foi a Justiça do Trabalho, onde todas as suas questões estariam previstas e atendidas dentro do permitido pelo estado, varrendo a "questão social" pra debaixo do tapete, ao passo que satisfaz superficialmente a classe trabalhadora no intuito de mantê-la sob controle, escancara o estreitamento do governo com o liberalismo bem alinhado a ideologia populista. O Direito Social começa a ter campo de desenvolvimento no Brasil e se apoiado na religiosidade e conservadorismo para resolver a "questão social" como maneira de manter harmonia entre as classes sociais, possibilitando o surgimento do corporativismo como forma de organização derivado do liberalismo apenas acrescentando a si a nuance espiritualista e psicológica do desenvolvimento do trabalhador. De toda forma, o autor deixa claro que o populismo apenas mascara a luta de classes e a "questão social", ocultando a relação capital e trabalho, o que não significa que ela deixe de existir, ela continua crescendo e será exposta novamente potencializada pelo tempo que passou reprimida.