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com-alain-bergala
Prática Pedagógica
De que forma o cinema foi contemplado no Plano de Cinco Anos para as Artes e a
Cultura?
BERGALA Depois de salvar a produção cinematográfica da França com
investimentos e incentivos quando foi ministro da Cultura, Jack Lang assumiu
a pasta da Educação e firmou a ideia de que era preciso garantir um contato
estreito entre o mundo das artes e os estudantes e incluiu o gênero. Ele
estabeleceu que o foco seria o cinema como arte: o estudo deveria
contemplar mais que a linguagem cinematográfica e suas técnicas. Também
deixou claro que o plano tinha de garantir a democratização. Essas diretrizes
balizaram a elaboração do material para as escolas, principalmente a coleção
L'Éden Cinéma, com DVDs de filmes clássicos e curtas-metragens. Dessa
maneira, todos os alunos franceses, inclusive aqueles das escolas do interior
do país com uma só turma, teriam acesso a esse mundo. O resultado foi
imediato: os educadores aderiram à ideia - não somente os das disciplinas da
área de humanas. Professores de Educação Física se ofereceram para
organizar sessões. Mas, embora o combinado fosse que o projeto durasse
cinco anos, houve uma mudança política e as coisas ficaram um pouco
estagnadas. Deveríamos ter entregue uma coleção de 100 DVDs, mas no final
foram somente 32.
A coleção L'Éden Cinéma é eclética, com obras do inglês Charles Chaplin (1889-1977),
do iraniano Abbas Kiarostami e de origem africanas. Quais os critérios para reuni-las?
BERGALA O primeiro foi a diversidade, ter mais que produções francesas. A
seleção deveria contemplar o cinema mundial para que os alunos
conhecessem o panorama. O ministro Lang chegou a pensar que a coletânea
poderia ter somente filmes europeus. Mas não fazia sentido. Seria como
ensinar literatura apresentando aos estudantes só os autores europeus. O
segundo foi escolher títulos indiscutíveis do ponto de vista artístico. Essa
responsabilidade ficou inteiramente na minha mão e me rendeu algumas
inimizades no ministério: para garantir a qualidade, o projeto custou muito
dinheiro, pois não se tratava de quaisquer filmes. A linha editorial era tão
clara a ponto de não ter me preocupado em incluir na coleção obras que
seriam cobradas no baccalauréat (exame de qualificação acadêmica que os
estudantes prestam ao final do Ensino Médio para ingressar no Ensino
Superior), como alguns professores fazem.
Alguns educadores usam filmes para trabalhar conteúdos curriculares. Isso é ruim?
BERGALA Não,tanto que com os DVDs da coleção, os educadores recebiam
sugestões de temas para trabalhar com a turma. Mas é fundamental saber
que é perigoso escolher uma obra levando em conta só o que precisa ser
abordado em classe. Existe uma hierarquia. O que deve vir em primeiro lugar
é o cinema propriamente dito. As obras devem ser selecionadas para a sala
de aula pelo que são e não somente porque têm assuntos a ser estudados.
Para que uma obra seja útil na exploração de um conteúdo ou suscite uma discussão
relevante sobre um tema da atualidade, é preciso que o professor apresente-a na
íntegra?
BERGALA Não.Sei que nem sempre há tempo para sessões de uma hora ou
uma hora e meia de duração. Utilizar trechos é interessante e possível. No
entanto, o professor precisa compreender que uma parte isolada não serve
para muita coisa. Ele precisa ter o compromisso de selecionar vários títulos,
escolher pedaços de cada um e criar condições para que a garotada
estabeleça conexões entre eles. O YouTube é uma ferramenta incrível para
realizar essa tarefa. Existem muitas, muitas produções dos mais diversos
países à disposição de quem quiser. Com essa ferramenta, o educador pode
pedir que os alunos assistam a diversas partes de filmes pré-selecionados por
ele como lição de casa e organizar uma discussão na aula seguinte. Esse
também é um jeito de usar a internet de um modo inteligente. Não podemos
esperar que mesmo diante de um conteúdo vasto, as crianças e os jovens
saibam o que escolher para assistir. Eles tendem a selecionar o que já
conhecem ou o que está em destaque na mídia - isso não é ruim, apesar de
ser insuficiente.
Qual produção pode ser indicada a fim de despertar o interesse das crianças e os
jovens para o cinema?
BERGALA Onde Fica a Casa do Meu Amigo?, de Kiarostami, chama a atenção de
todas as faixas etárias e é um dos filmes da coletânea de DVDs. Conta a
história de um menino que, mesmo proibido de ir ao outro lado da colina,
sabe que seu amigo que está lá será expulso da escola se ele não lhe entregar
um caderno. Então, o garoto infringe a lei social para ajudar o companheiro.
Já apresentei essa obra a crianças japonesas e elas ficaram tão interessadas e
presas à história quanto as francesas. Não é à toa: ela aborda um tema
universal, a amizade.