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A pedagogia e o esporte: primeiras impressões

    Primeiramente, antes de refletirmos sobre as questões concernentes à pedagogia do esporte


e sua implicação para a prática pedagógica em Educação Física, é preciso refletir sobre o
conceito de pedagogia, substrato para pensarmos e trabalharmos pedagogicamente o esporte.
De um modo geral, a pedagogia não se refere unicamente ao modo como vamos ensinar
nossos alunos - seja no âmbito escolar ou acadêmico - mas, poderíamos dizer que:

A pedagogia seria uma reflexão sobre todo o contexto que envolve a ação educativa,
coadunando numa efetiva prática de intervenção. Uma intervenção comprometida, intencional,
dirigida, organizada e ciente de suas responsabilidades educacionais (MINISTÉRIO DO
ESPORTE, 2004, p. 9).

    O professor de Educação Física pode ser visto como um pedagogo e, como tal, este possui
algumas responsabilidades no que tange a transmissão de conhecimentos, dando um
tratamento, uma direção pedagógica que pode ser intencional, consciente ou organizada. Com
efeito, é correto afirmar que para se ensinar um determinado conteúdo não basta que o
professor seja um especialista em determinada área do conhecimento. Nas palavras de Libâneo
(2002, p. 35):

[...] para ensinar matemática não basta ser um bom especialista em matemática. É preciso que
o professor agregue o pedagógico-didático, ou seja: que conteúdos da matemática-ciência
devem constituir-se na matemática-matéria de ensino visando à formação dos alunos? A que
objetivos sociopolíticos serve o conhecimento escolar da matemática? Que representações,
atitudes, convicções são formadas em cima do conhecimento matemático? [...] que seqüência
de conteúdos é mais adequada à aprendizagem dos alunos, considerando sua idade, nível de
escolarização, conceitos já disponíveis dos alunos, etc.?

    Portanto, não basta apenas conduzir ao saber, ao conhecimento; o professor deve ir além e
pensar no "como ensinar", "para quem ensinar" e "por que ensinar". Devemos buscar novos
métodos, novas formas em nossas aulas para atingirmos o objetivo proposto, qual seja: um
ensino de qualidade.

    Para Roitman (2001, p. 146), a educação visa fundamentalmente preparar o homem


(crianças, jovens e adultos) para a vida, construindo o seu tempo e o seu lugar no mundo,
procurando "inculcar os valores vigentes, o modo de viver do grupo, seu sistema de crenças e
convicções, seu saber e suas técnicas, bem como, de sua perspectiva libertária, assegurar o
pleno exercício da cidadania".

    Realizado esta pequena reflexão sobre o conceito de pedagogia, passamos agora a pensar
no conceito de pedagogia do esporte.

    Não há dúvidas de que o esporte é um fenômeno sócio-cultural de grande relevância em


nossa sociedade; cada vez mais, diferentes grupos sociais praticam esporte, nos parques, nas
ruas, como forma de lazer, distração e integração. Tal é a sua importância, enquanto fenômeno
social e cultural que o esporte hoje é praticado no mundo todo (FLORENTINO, 2006b).

    O esporte contemporâneo passa por um processo complexo e permanente de metamorfose.


Podemos dizer que não há mais um estatuto de verdade absoluta, isto é, não há mais fronteiras
bem delimitadas entre os saberes. Isto porque, hoje, várias são as áreas do conhecimento que
contribuem para que o esporte cresça em sua cientificidade. Segundo Paes (2006), entre as
áreas de conhecimento podemos citar: a Engenharia com a construção de aparelhos esportivos
e espaços físicos que proporcionam uma prática perfeita da Educação Física e do esporte; a
Medicina por meio das intervenções; a Psicologia que contribui e muito com pesquisas para a
Ciência do Esporte; a Sociologia, mais especificamente a sociologia do esporte, que volta seu
"olhar", por meio de suas teorias sociológicas, para o fenômeno esporte.
    Desse modo, não seria errado afirmarmos, tendo em vista seu processo evolutivo, que "o
esporte assim como outras áreas do conhecimento, integra-se às ciências. Entre os vários
ramos da ciência que estudam o fenômeno esporte encontra-se a pedagogia" (PAES, 2006, p.
171 [grifo nosso]).

    De acordo com Libâneo, a pedagogia:

[...] é um campo de conhecimento sobre a problemática educativa na sua totalidade e


historicidade e, ao mesmo tempo, uma diretriz orientadora da ação educativa. O pedagógico
refere-se a finalidades da ação educativa, implicando objetivos sociopolíticos a partir dos quais
se estabelecem formas organizativas e metodológicas da ação educativa (LIBÂNEO, 2002, p. 30
[grifo nosso]).

    Neste sentido, a pedagogia do esporte tem o compromisso de "analisar, interpretar e


compreender as diferentes formas esportivas à luz de perspectivas pedagógicas. Obriga-se, de
certa forma, a refletir sobre o sentido do esporte como prática de formação e educação, de
realização da humanidade e da condição humana no homem" (BENTO, 2006, p. 26). O esporte
é pedagógico e, por conseguinte, educativo, tendo em vista a sua possibilidade de proporcionar
obstáculos e desafios, fazendo com que o aluno experimente as regras e aprenda a lidar com o
próximo e, porque não dizer, o esporte torna-se educativo quando a sua prática não for uma
obrigação, mas um prazer para o aluno. O educador físico, portanto, deve estar atento às novas
exigências, pois...

A modernidade exige que o profissional de Educação Física compreenda o esporte e a


pedagogia de forma mais ampla, transformando-se em facilitador no processo de educação de
crianças e jovens. Nesse contexto, é preciso ir além da técnica e promover a integração dos
personagens, o que só será possível se essa proposta pedagógica estiver embasada também
por uma filosofia norteada por princípios essenciais para a educação dos alunos (PAES, 2002, p.
91 [grifo nosso]).

    Assim, devemos ter em mente que, quando uma prática pedagógica estiver promovendo o
desenvolvimento esportivo o qual contemple a generosidade e o respeito às regras e aos
adversários, a noção de consciência sobre a prática esportiva e sua ideologia, aí o esporte irá se
mostrar educativo. Por outro lado, "uma prática excludente e seletiva, que impede crianças,
adolescentes e jovens de serem livres e de desenvolverem sua autonomia e criticidade,
contradiz os atributos educativos [...]" (MINISTÉRIO DO ESPORTE, 2004, p. 11).

O esporte como meio de sociabilização

    Os motivos que levam crianças e adolescentes a praticarem uma determinada atividade física
e desportiva são muitos e a sociabilidade pode estar associada a esta escolha. A necessidade de
pertencer a um grupo é muito forte na adolescência e isto pode ser um dos fatores primordiais
para os jovens se envolverem com o esporte. Segundo Weinberg e Gould (2001), as crianças
apreciam o esporte devido às oportunidades que o mesmo proporciona de estar com os amigos
e fazer novas amizades. Para Tubino (2005), não há menor dúvida de que as atividades físicas
e principalmente esportivas constituem-se num dos melhores meios de convivência humana.

    É por meio dessa convivência que as muitas oportunidades de contato social são
proporcionadas à criança, contribuindo para o seu desenvolvimento moral (FARINATTI, 1995;
FONSECA, 2000). Portanto, estar com amigos, fazer parte de um grupo ou fazer novas
amizades, tem um papel importante no desenvolvimento, tanto psicológico quanto moral e ético
de crianças e jovens.

    A amizade, a sociabilidade e a competência constituem normas que regulam a aceitação


social e, constituem fatores para o desenvolvimento de competências fundamentais para que a
criança e o adolescente possam ser oportunizados a um bom crescimento e adaptação à vida
adulta. Segundo Papalia e Olds (2000), os motivos dos adolescentes parecem estar associados
à melhora da saúde e à performance física, característicos da fase de busca de uma identidade
e de uma afirmação nos grupos.

    Em estudo realizado por Paim e Pereira (2004) com adolescentes de 11 a 18 anos de idade,
participantes de clubes escolares de capoeira em escolas públicas de Santa Maria/RS verificou-
se, através da análise de três categorias (competência desportiva, saúde e amizade/lazer) os
motivos para a prática deste esporte. Para os autores, os motivos relacionam-se,
primeiramente, à saúde; em segundo lugar, amizade/lazer e, em terceiro lugar, à competência
desportiva. Em outro estudo, realizado por Juchem (2006) com tenistas brasileiros infanto-
juvenis, constatou que na categoria "até 16 anos", a dimensão sociabilidade obteve valores
significativos para que estes praticassem atividade física regular.

    É preciso que professores e/ou treinadores tenham uma atenção especial a esta dimensão,
pois é possível perceber, por meio de resultados de pesquisas, que o fato de estar com amigos,
de fazer novas amizades, de participar de novos grupos sociais, pode ser associado a um dos
motivos que levam os jovens à prática regular de atividade física e, também, pela busca de
novos valores, tais como: o exercício da disciplina; agir seguindo regras, ter respeito e ética;
ser responsável (SALDANHA, 2007).

    A respeito do que foi dito, Bento (2004, p. 49) afirma que os valores do jogo não são apenas
ensinados para terem "valimento no esporte, mas sim e essencialmente para vigorarem na
vida, para lhe traçarem rumos, alargarem os horizontes e acrescentarem metas e meios de
alcançá-las". Em outras palavras, podemos dizer que tais valores tomam a direção da
concretização dos princípios que devem reger a educação de nossas crianças e jovens.

    Segundo Juchem (2006), proporcionar a estas crianças e adolescentes um ambiente (escolar


ou "clubístico") em que os contatos e os valores afetivos e sociais sejam oportunizados é de
suma importância, podendo assim auxiliar na diminuição da pressão por resultados e pela
competição exacerbada.

A questão do ensinar na Educação Física e no esporte

    Não raro, ainda nos deparamos nas escolas com métodos de ensino tecnicistas,
mecanicistas1 e, mesmo, biologistas da Educação Física. Tais discursos e métodos, de um modo
geral, caracterizam-se por uma preocupação excessiva no desenvolvimento das habilidades
físicas e motoras dos alunos - na busca pelos mais "aptos" ao esporte. Em outras palavras, uma
visão positivista de que o movimento nada mais é que um comportamento, um gesto motor,
onde o corpo é tido apenas como uma "máquina perfeita", constituído por músculos, ossos,
órgãos e tecidos.

    O movimento deve ser compreendido, acima de tudo, como humano. O homem deve ser
encarado como um ser social. Sabendo disso (pelo menos deveria saber), o professor de
Educação Física tem a responsabilidade de preparar seus alunos para a cidadania. Neste
sentido, um desafio que se impõe ao professor e ao futuro profissional da área está na
superação da visão de desenvolvimento (do aluno) que enfatiza simplesmente o mecânico, o
rendimento, o alto nível (FLORENTINO, 2007b).

    Não estamos querendo, com isso, abolir a competição entre os que praticam esporte. Pelo
contrário, sabendo dosar, a competição é extremamente sadia entre as crianças e jovens.
Gostaríamos apenas que o educador físico ciente de seu compromisso social - pois, a Educação
Física também contribui para a formação cultural e moral - pensasse, em primeiro lugar, no seu
aluno e não nos recordes, nos rendimentos, nas vitórias. Que o futuro profissional da área
pensasse na criança e no jovem como um todo, como um ser em formação e não mais um
corpo a ser trabalhado.
    Com relação a isso Roitman (2001, p. 150) afirma que:

O ensino é um processo complexo: abrange uma situação interativa, na qual professores estão
envolvidos em relações interpessoais e na interpretação de comunicações não-verbais. As aulas
de Educação Física constituem-se em locais privilegiados, para o professor desenvolver hábitos,
atitudes e valores - objetivos da área afetiva - que contribuem para a formação de um cidadão.
Ao professor de Educação Física, dadas as características das atividades que desenvolve, é
facilitado atender às diferenças individuais dos alunos e oferecer uma atmosfera social que
estimule a cooperação, a segurança, a criatividade e a auto-estima .

    Segundo Bento (1991), o ensinar na Educação Física e no esporte, não deve se caracterizar
numa simples transmissão de conhecimento ou imitação de gestos, mas, sim, deve ser
entendido como uma prática pedagógica que leve em conta o sujeito, o seu contexto. O
educando deve ser instigado a aprender esportes, por meio de uma pedagogia desafiante, que
possibilite uma busca pelo superar-se; o esporte há de ser uma atividade instauradora e
promotora de valores.

    Hoje, há uma nova orientação, por assim dizer, na qual as áreas que se relacionam com o
movimento humano - incluindo o esporte - não podem estar isoladas de seu contexto social,
cultural e humanístico. De acordo com Queirós (2004), não se pode mais ignorar as mudanças
que ocorrem no sistema social e no sistema tradicional do esporte, tendo em vista que o
mesmo está inserido em uma mudança de valores, tal como outros sistemas parciais da
sociedade contemporânea. Para tanto, devemos buscar compreender quais os valores que
regem o desenvolvimento do esporte na atual conjuntura social; qual o seu paradigma
norteador no processo de mudanças axiológicas as quais estamos vivendo
contemporaneamente.

    Os sistemas sociais, como um todo, e os diferentes sistemas sociais em particular,


desenvolvem-se a partir de uma ordem dominante de valores ou de diferentes valores ao longo
de nossas vidas; valores, estes, que derivam do tipo e das características comunicacionais de
cada agrupamento pertinente ao "sistema-mundo". Portanto, podemos pensar que se todo e
qualquer processo de formação do ser humano visa o aperfeiçoamento ou o desenvolvimento
pleno, não somente das crianças e jovens, mas do grupo e da sociedade como um todo, então,
o esporte enquanto atividade social, desenvolvido à luz de princípios e referenciado por
objetivos, também se vê pautado por um quadro de valores, de mensagens e de comunicações
que serão importantes para a prática pedagógica (QUEIRÓS, 2004).

    Para Bento (2004), o esporte apresenta um caráter normativo e prescritivo em suas práticas,
onde existam responsabilidades e direitos, quer tratamos do esporte no setor da educação, da
saúde, do lazer, da cultura ou do rendimento. O autor complementa que o esporte comporta e
deve assumir seu estatuto cultural e as obrigações que esta circunstância lhe impõe, incluindo
sua dimensão de tempo e espaço.

    Se considerarmos que estamos perante uma sociedade em que há uma crise dos valores
morais e sociais, os quais nos conduzem muitas vezes a uma situação de incerteza e
insegurança, especialmente, segundo Queirós (2004), entre grupos de jovens que necessitam,
por assim dizer, de um novo rumo no caminho da valorização, das certezas e da inclusão social,
é neste sentido o papel que o esporte deve representar, o de agente, um meio ambiente ou
entorno, possibilitador de novas mensagens e de comunicações que venham alterar, "irritar" a
construção de um novo enquadramento axiológico nos diferentes grupos ou sistemas sociais.

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