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CENTRO DE INSTRUÇÃO TÉCNICA


RÁDIO • ELECTRICIDADE • TELEVISÃO

TRANSISTORES
LIÇÃO N.° 2

BANDAS DE ENERGIA

O átomo, tão ínfimo de volume, trás consigo um mundo de com-


plicações. Um mistério, um mistério que tem sido desvendado à custa
de muito esforço, de muita imaginação. Já se disse que os electrões
planetários gravitam em órbitas à volta do núcleo. Ali giram indefi-
nidamente em equilíbrio, se nada vier perturbar esse equilíbrio.
O equilíbrio resulta de duas forças que se compensam: a força cen-
trífuga desenvolvida pelo seu movimento de translação que os tenta
afastar do núcleo, e a força de atracção eléctrica que as cargas po-
sitivas do núcleo lhes impõem. Os electrões de uma camada de um
átomo, considerado isolado dos outros, terão todos a mesma energia,
pois descrevem órbitas iguais. Os electrões de uma camada externa
têm mais energia do que os electrões de uma camada interior.
A energia de cada electrão é tanto maior quanto maior for a ordem
da camada a que pertence.
Se a um electrão de uma camada for comunicada uma certa
energia — energia calorífica, por exemplo — esse electrão pode
transmutar-se e passar a uma camada superior. Se a energia não
- 2 - Lição n.° 2

é suficiente, ele momentâneamente girará numa órbita de raio maior


mas acaba por regressar à situação anterior. Por outro lado, se um
electrão for forçado a circular numa órbita interior com respeito
à original, ele terá de abandonar uma certa quantidade de energia.
E isto acontece, por exemplo, quando numa válvula de raios cató-
dicos o impacto dos electrões do feixe catódico no «écran» fluores-
cente provoca luz. Os electrões da substância luminescente recebem
um impulso de energia, transferem-se para uma órbita superior,
depois regressam às órbitas originais restituindo energia sob a forma
de luz.
Pois bem, o que queríamos salientar é que num átomo isolado,
ou muito distante dos outros átomos, cada electrão possue uma
quantidade de energia bem definida, que não pode ser maior nem
menor. E essa energia é a mesma para os electrões de uma dada
camada. Ora nos semicondutores os átomos não se podem considerar
isolados, pelo contrário, vivem até numa vizinhança muito estreita
uns com os outros. Deste modo, os electrões de átomos vizinhos
reagem de tal modo uns com os outros que já não é possível dizer
que na mesma camada todos os electrões são portadores de igual
quantidade de energia. Passa a haver desigualdade energética, já não
se pode falar em níveis de energia, mas em bandas ou domínios de
energia. Dentro de cada banda este electrão terá uma energia su-
perior àquele, aqueloutro uma energia inferior a um terceiro, em-
bora essas diferenças possam ser muito pequenas. O que se poderá
dizer é o seguinte: há um nível de energia superior e outro inferior,
e os electrões de uma camada terão energias limitadas por esses
dois níveis.
As duas bandas de energia que importa considerar no estudo
dos semicondutores são a banda de valência e a banda de condução.
A banda de condução corresponde a energias mais altas do que a
banda de valência. E há entre as duas uma banda interdita, isto é,
um domínio de energia que nenhum electrão pode habitar.
A figura 1 pretende resumir essa situação. Devemos dizer que
as energias dos electrões, muito pequenas, se avaliam em electrões-
-volts. Um electrão-volt é a energia que ganha um electrão sujeito à
acção de 1 volt. Pois bem, os electrões de valência de um semicon-
dutor intrínseco à temperatura de zero absoluto (— 273 °C) têm
de possuir todos uma energia compreendida entre n i e n 2 electrões-
-volts. Estão, portanto, todos integrados na banda energética de va-
lência, ainda que sejam diferentes as energias de cada um. Todavia,
quando se eleva a temperatura do semicondutor, alguns electrões
Lição n.° 2 - 3 -

Energia em A
electrões volts

BANDA DE CONDUÇÃO

n3

BANDA INTERDITA OU PROIBIDA

n2

BANDA DE VACENCIA
ni

Fig. 1 — Bandas de valência, de condução e interdita

são capazes de se libertar, ganham energia suficiente para ultrapas-


sar a banda interdita, e vão cair na banda de condução. A diferença
de energia de ti, para n 3 é a largura da banda interdita, e é aquela
energia que é necessário que o electrão adquira para romper as suas
ligações covalentes e passar a ser um electrão livre. Já se sabe que
cada electrão que passa à banda de condução deixa uma lacuna na
banda de valência. A largura da banda interdita é de 1,1 electrões-
-volts para o silício, 0,7 electrões-volts para o germânio. O germânio
precisa, portanto, de uma energia mais fraca que o silício para ver
destruídas as ligações covalentes dos seus átomos.
À temperatura do zero absoluto não haverá qualquer electrão
na banda de condução. O semicondutor comporta-se então como um
isolante perfeito.
Shockley, que foi um dos três inventores dos transistores como
atrás se disse, teve uma imagem simples para vincar a noção destas
bandas energéticas. Comparou-as ele com uma garagem de dois pisos.
O piso inferior — banda de valência — se estiver repleto de carros
não permite a sua circulação. Também no piso superior — banda de
- 4 - Lição n.° 2

condução — não poderá haver circulação de carros se, efectiva-


mente, os lá não houver. Levando um carro (electrão) do primeiro
piso para o segundo — comunicando-lhe, portanto, energia — o
carro pode circular no segundo piso, e até os do piso de baixo se
podem movimentar, se bem que entre pequenas distâncias. Está claro
que o carro ao subir deixou em baixo um lugar vago — lacuna — e
por via dela se pode mexer um carro, outro depois, ainda outro, etc.
Este movimento é comparável aos electrões de valência a preencher
as lacunas. Shockley, que deu ao mundo uma lição de génio ao criar
os transistores, dá-nos agora outra com o exemplo apontado: a lição
da simplicidade. Realmente tudo é simples quando bem entendido;
noções confusas são noções de quem não soube entender as coisas.
Acrescentamos que o número de electrões da banda de valência
aumenta quando se juntam ao semicondutor impurezas com 5 elec-
trões de valência; o número de lacunas na banda de valência au-
menta quando se juntam impurezas com 3 electrões de valência.

( a) ( b)

Fig. 2— (a) os carros no piso inferior da garagem não podem movimentar-se


por falta de espaço; no piso superior também não há movimento por falta de
carros. (b) transferindo um carro para o piso superior ele pode movimentar-se
em cima à vontade (electrão livre), em baixo também pode haver mudanças
de carros (movimento dos electrões de valência e das lacunas).

Um material isolante dispõe de uma banda interdita muito larga,


vale dizer que é necessário fornecer muita energia aos electrões da
banda de valência para que eles possam transpor essa região proi-
bida. Pouquíssimos serão então os electrões que passam à banda de
condução de um corpo isolante. Por isso é muito elevada a resistivi-
dade de um material isolante. Pelo contrário, os corpos condutores
Lição n.' 2 - 5 -
J11-
(metais) não dispõem de banda interdita, e assim, o menor campo
eléctrico que se estabeleça (a mais ligeira tensão) dá imediatamente
lugar a um intercâmbio contínuo de electrões entre átomos. A sua
resistividade é, por isso, muito baixa.

/Banda de condo'ç 62,

Banda de condução /
Banda interdita

Banda interdita / Banda de condução /

//
/ Banda de valência / Banda de valência / , Banda de valência
///// //Z
ISOLADOR SEMI CONDUTOR CONDUTOR

Fig. 3 — Comparação entre as bandas de energia de um isolante, um semicon-


dutor. A banda interdita é muito grande nos isoladores, nula nos condutores.

MOBILIDADE DOS PORTADORES DE CORRENTE

Os portadores de corrente são os electrões livres e as lacunas.


Ora estas partículas movem-se nos semicondutores com velocidades
muito desiguais. Os electrões livres são muito mais velozes, deslo-
cam-se com uma velocidade muito maior do que as lacunas quando
sujeitos a um campo eléctrico que os solicita.
A mobilidade das partículas é uma grandeza que se exprime na
sua unidade própria. Exprime-se em centímetros quadrados por volt-
-segundo. Estranha parece tal unidade, mas na realidade não é tanto
assim. A mobilidade é, efectivamente, a velocidade dos portadores
em centímetros por segundo (cm/s). Mas há que ver que essa velo-
cidade é altamente dependente do campo eléctrico que solicita os
6 - Liçãc n.° 2

portadores. Ora o campo eléctrico avalia-se em volts por centímetro,


e na definição de mobilidade entende-se que as partículas estão su-
jeitas a um campo de 1 volt por centímetro.
Ora então podemos exprimir a mobilidade em cm 2 /Vs, pois que:

cm volt
= cm 2 /volt-seg. ou, abreviadamente, cm 2 /Vs
S • CM

Porque é a mobilidade dos electrões maior que a das lacunas?


Porque na banda de condução os electrões movem-se livremente, na
banda de valência os electrões andam aos «saltinhos» de átomo para
átomo, e estes saltos sucessivos dificultam a sua marcha. E repare-se
que falámos nos «saltos» dos electrões de valência, pois esses
«saltos» são os «saltos» — pelo menos aparentes — das lacunas.
Daí que a mobilidade dos electrões de valência seja a mobilidade
das lacunas, só que os sentidos das marchas são contrários.
A mobilidade dos portadores depende do semicondutor, é maior
no germânio que no silício, depende ainda da temperatura a que se
encontra o semicondutor, depende até de imperfeições que possam
existir ao longo da malha cristalina do semicondutor. Para efeitos
comparativos deixamos na tabela abaixo as diferentes mobilidades
para o germânio e para o silício, ambos à temperatura de 25 °C.
Indica-se também na tabela a resistividade em ohms por centí-
metro e as larguras da banda proibida. Repare-se como a resistivi-
dade do germânio é muito mais baixa do que a do silício. Será de
admirar que o germânio seja muito melhor condutor da electricidade
do que o silício? Claro que não, se repararmos que o germânio tem
uma largura de banda interdita muito menor.

Germân io Silício Unidades

Mobilidade dos electrões 4 000 1 400 cm 2 /Vs

Mobilidade das lacunas 1 900 500 cm 2 /Vs

Resistividade do semicondutor intrínseco 65 200 000 ohms/cm

Largura da banda interdita 0,7 1,1 electrões-volts

CORRENTE NOS SEMICONDUTORES N E P

Um semicondutor N é um semicondutor que foi deliberadamente


contaminado com uma impureza doadora, uma impureza com 5 elec-
Lição n.° 2 - 7 -

trões de valência. Um semicondutor P é um semicondutor que foi


contaminado com uma impureza com 3 electrões de valência, apta
portanto a receber um quarto. Também chamada, por isso, aceita-
dora ou receptora (aceitadora de electrões).
Pois bem, num semicondutor tipo N que cargas eléctricas há?
Há electrões livres devido aos átomos doadores; cada átomo gera
o seu electrão livre. Mas cada átomo origina também um ião posi-
tivo. Este é fixo; na realidade executa pequenos movimentos vibra-
tórios em torno de uma posição média, mas não pode deslocar-se ao
longo da massa. Não pode, portanto, considerar-se um portador de
corrente. Há, é certo também, mas em muito menor grau, electrões
livres e lacunas devidos, não ao doseamento de impurezas, mas à
temperatura a que se encontra o cristal. Estas lacunas serão as por-
tadoras minoritárias e façamos de conta, por agora, que elas não
existem. Em consequência, podemos representar as cargas eléctricas
de uma pastilha de semicondutor N, como se indica na figura 4.
Os átomos ionizados (positivos) estão indicados pelo sinal +, os
electrões por círculos mais pequenos.

Ti po N Tipo N

e lo
o e,e06
Lâm in a me tál ica

e o•c)
• o
C). •$0

C) Iões Positivos

• Electrões livres

Fig. 4 — Num semicondutor tipo N há tantos iões positivos como electrões


livres (desprezam-se as lacunas e os electrões intrínsecos, isto é, devidos à
temperatura)
8– Lição n.° 2

A pastilha no seu todo é neutra, porque as cargas positivas e


negativas são em igual número.
Se aplicarmos uma tensão à pastilha, conforme a figura indica,
circulará corrente. Realmente, o negativo da bateria repele os elec-
trões para a direita e o positivo atrai-os. Os electrões saem pela lâ-
mina L2, seguem pelos fios exteriores, passam através da bateria,
entram novamente para o semicondutor através da lâmina L,, per-
correm o semicondutor novamente, e andam continuamente nesta
roda. E isto é a corrente eléctrica, a corrente que pode ser medida
por um miliamperímetro sensível intercalado nos condutores exter-
nos. Por outro lado, os iões positivos não se deslocam; eternos prisio-
neiros na estrutura do cristal, não podem formar corrente.
Vejamos agora os que se passa num semicondutor tipo P. Só
nos interessa, da mesma forma, os portadores maioritários. Aqui
há iões negativos, fixos, um por cada átomo da substância aceitadora,
e outras tantas lacunas. O semicondutor é globalmente neutro porque
as lacunas (positivas) e os iões negativos coexistem em número
igual.

Tipo P

°e,° ® °c)
O
., o e0 r
e - Iões Negativos

Oo° o °
O eo eo e e O – Lacunas

O e° e
0 0

Fig. 5 — Num semicondutor tipo P há tantas lacunas quantos iões negativos


(desprezam-se os electrões e lacunas intrínsecos)

Que sucede agora se a uma pastilha P for aplicada uma tensão


eléctrica? Haverá corrente. Recorremos à figura 5 para explicar
como essa corrente se engendra. Suponha-se que a pastilha de semi-
condutor tem apenas oito átomos de germânio e um átomo de índio,
Lição n.' 2
elo - 9 --

A 8

• •• • •• •• •• •

••:• ••• :•• • •
•••• • ••O • ••• • • •• •• ••
• •• • •• • •
Lacuna

•• • • O
•• (Z4: • • ••• • G ••
• •
:

\ Lacuna
1
+
+II -
Átomo de Indio Átomo de Indio

c
• • • • •
•• ••
• •
• Lacuna
• • Lacuna
• ____ • • •• • •• • •
• • • • • • "/ •• • • • •
• • • • • • —
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• • • e • •
O• •••••
•• •• •• •••
•• •
•• e •
• •• • • •• ••••

1- 1-
• Átomo de Germânio ou Silício O Lacuna
eD Átomo de impureza trivalente • Electrão de valência

Fig. 6 — Circulação de corrente por meio de lacunas num semicondutor tipo P

números apenas para simplificar a explicação. Logo que o átomo


de índio se integra na malha forma-se a lacuna. Suponha-se que o
átomo de índio ocupa a posição central no fundo da malha. Enquanto
a lacuna se mantiver na apertada vizinhança do átomo de índio este
conserva-se neutro. Todavia, o campo eléctrico através da malha,
provocada pela bateria, tende a forçar os electrões de valência a
deslocarem-se para a esquerda da pastilha. É então bem provável
que um electrão de valência de um átomo de germânio, à direita
- 10 - Lição n.° 2

— como se vê em B —salte para o local da lacuna e vá formá-la no


ponto de onde saiu.
Deste modo, o átomo de índio transforma-se num ião negativo,
e ali fica para sempre naquela posição, mas a lacuna progrediu para
a direita, na direcção do pólo negativo da bateria.
Mas outro electrão de um átomo vizinho salta para o local da
lacuna e forma-a ainda mais à direita, até que ela vai formar-se na
periferia da malha, como se vê em C. Uma vez aí, ela não pode cir-
cular nos fios de cobre que estabelecem a ligação da bateria à pas-
tilha. Não, nos condutores não há lacunas e o cobre é um condutor.
O que agora sucede é que um electrão de valência à esquerda da
pastilha, rompe as suas ligações covalentes, circula segundo as setas
através dos condutores e vai preencher a lacuna à direita, anulando-a.
Todavia, forma a lacuna à esquerda — como se representa em D —
ao quebrar as ligações que o prendiam ao átomo.
Quer dizer que por cada lacuna destruída à direita na pastilha
há uma lacuna formada à esquerda, e circula um electrão ao longo
do fio exterior.
Ora, o que se passa com uma lacuna passa-se com milhões e
milhões delas, e o resultado é um perpétuo fluxo de electrões ao
longo dos fios condutores, que afinal constituem a corrente eléc-
trica.
É de todo evidente que, para a mesma tensão da bateria, a cor-
rente é tanto maior quanto mais elevado for o número de lacunas
no material semicondutor, quanto maior dose de impurezas se lhe
ministrar na sua preparação. Mas também a corrente é maior se,
para uma determinada dose, aumentarmos a tensão da bateria.
Porque então as lacunas são movimentadas com maior velocidade
e vem resultar que no fio externo passam mais electrões por segundo.
Em conclusão: num circuito eléctrico parcialmente constituído
por um semicondutor P a corrente é constituída pelo movimento
de electrões com um dado sentido nos fios condutores, e pelo movi-
mento de lacunas com o sentido contrário no interior do semicon-
dutor.

A JUNÇÃO PN

Quando se põe em contacto muito íntimo uma pastilha dum


semicondutor P com outra dum semicondutor, N cria-se o que se
chama uma junção PN. E esta junção tem propriedades tão impor-
tantes que bem se pode dizer que foram elas que puseram de pé a
Lição n.' 2

poderosíssima e «explosiva» indústria dos transistores e outros dis-


positivos afins. A junção PN é afinal a superfície de separação entre
um bloco de semicondutor P e outro de semicondutor N. Devemos
todavia dizer que estes dois blocos não são geralmente fabricados
separadamente para depois serem postos em contacto. Não, as pas-
tilhas P e N constituem um bloco único, homogéneo à partida, depois
então parte fica doseado com impurezas doadoras, outra parte com
impurezas aceitadoras. E esta diferente dosagem permite formar
uma junção P, outra N, no mesmo bloco semicondutor.
Nada impede que se chame junção NP ou junção PN. É, eviden-
temente, a mesma coisa. Simplesmente acontece que toda a gente se
habituou a dizer PN, e portanto é assim que nós também lhe cha-
maremos.
Mas repare o nosso aluno na figura 7. Aí tem uma pastilha P,
outra N, separadas uma da outra. Pura e simplesmente fazendo de

Pastilha P Pastilha N

°e oO06
e•
e 00 0 e:c).o:
00 0 e o e e• o
e eo 0 O • o•
• e •
oe
e • e •®

O Ião Positivo • Electrão livre

O Ião Negativo O Lacuna

Fig. 7 — O semicondutor P contém lacunas e átomos negativos (iões).


O semicondutor N contém electrões livres e átomos positivos (iões)
- 12 - Lição n.° 2

conta que não existem electrões livres nem lacunas devido à acção
da temperatura, teremos na pastilha P iões negativos fixos e lacunas.
Na pastilha N existem iões positivos fixos e electrões livres. Tanto
uma pastilha como a outra são globalmente neutras porque o número
de lacunas em P é igual ao número de iões negativos; o número de
electrões em N é igual ao número de iões positivos.
As lacunas de P podem movimentar-se ao acaso, assim com os
electrões livres de N. Todavia, terão sempre uma certa tendência
em se espraiarem de um modo sensivelmente uniforme ao longo de
toda a massa que lhe é oferecida. A este efeito se chama difusão,
e é coisa que acontece em muitos outros fenómenos. Por exemplo,
o fumo de um cigarro não tem uma tendência em se difundir por
toda a sala em que o fumador se encontra? Como também se mistu-
rarmos um líquido colorido com outro igual mas não colorido, não
toma toda a massa líquida, algum tempo após, a mesma cor? A di-
fusão é geral: sempre que as partículas moleculares ou sub-mole-
culares se podem movimentar difundem-se, tentando abranger todo
o espaço que lhes é oferecido.
Ora, se isto é assim, levando as duas pastilhas P e N a um con-
tacto perfeito, como se mostra na figura 8, pareceria que as lacunas
de P deveriam difundir-se pela região N, os electrões de N difun-
dir-se pela região P. Se isto assim acontecesse, nos seus trajectos
erráticos electrões e lacunas haveriam de encontrar-se ao fim de
algum tempo e destruir-se-iam totalmente. Desapareceriam as cargas
livres — se, evidentemente, houvesse tantos electrões em N como
lacunas em P— e a junção não teria qualquer préstimo. Felizmente
não sucede assim, pois desenvolve-se na junção uma barreira de
potencial eléctrico.
Barreira de potencial — Continuando a observar a figura 8 che-
ga-se muito fàcilmente a esta conclusão: no momento em que as duas
pastilhas são postas em contacto há, efectivamente, uma migração
de lacunas para N e uma migração de electrões para P; simplesmente
essas migrações são momentâneas. De facto, as lacunas imediata-
mente à esquerda da junção progridem para a junção, mas deixam
atrás de si os iões negativos fixos. Por outro lado, os electrões de N
progridem para a esquerda mas deixam também atrás de si iões
positivos. Lacunas e electrões que atravessam a junção destroem-se
mútuamente, anulam-se, de modo que os iões positivos e negativos
não têm na sua vizinhança cargas contrárias que os compensem.
E assim cria-se à esquerda da junção uma carga espacial negativa
devida aos iões negativos (não compensados por lacunas), e à direita
Lição n.° 2 - 13 -

Pastilha P Pastilha N

cb o e e e•ci e
e(._, e e e e•e
o oe o e.
eo e e • c, •
keoee e•Q-)•
L__
1 .4. 1

Vo

Potencial de barreira

Fig. 8—Na junção PN não se dá como seria de esperar a difusão das partículas
móveis, por causa do potencial de barreira que se levanta entre as pastilhas

uma carga espacial positiva devida aos iões positivos. Na vizinhança


imediata da junção há uma zona limpa de electrões e lacunas, cha-
mada zona de deplecção. Ela é limpa de electrões e lacunas porque
as lacunas e electrões que lá existiam se combinaram e anularam.
Ora, então se de um lado da zona de deplecção existe uma carga
positiva, do outro uma carga negativa, entre os dois lados levanta-se
um potencial eléctrico, indicado na figura por Vo, designado por
potencial de barreira. É claro que a bateria só lá está para dar indi-
cação desse potencial, ela não existe naturalmente.
Não é uma bateria mas é, efectivamente, uma capacidade. A jun-
ção funciona ali como um condensador com cargas positivas à direita
e negativas à esquerda, e com a zona de deplecção por dieléctrico.
Mas um condensador carregado estabelece através do dieléctrico um
campo eléctrico, representado por linhas de força (figura 9). E agora
repare-se: o campo eléctrico é tal que um electrão livre ao tentar,
vindo de N, penetrar na junção, é repelido para a direita, para a
origem; uma lacuna caída no campo é também repelida para P, para
14 — Lição n.° 2

Zona de deplecção
0

e e e e
C:) e
P e e
e
e
O O e Ião positivo

Ião negativo/ e
e-
Linha de força do campo
eléctrico da barreira

Fig. 9-0 campo eléctrico levantado na junção impede a progressão das


lacunas e dos electrões livres através da junção

a origem. Quer dizer que o campo eléctrico trava a migração de elec-


trões e lacunas através da junção — por isso se chama barreira —
e opõe-se, portanto, à difusão das cargas móveis.
Assim: a força da difusão gera um potencial de barreira que
se opõe a ela, logo que as duas acções contrárias se equilibram cessa
pràticamente toda a travessia das cargas móveis através da junção.
A zona de deplecção nunca é perfeitamente definida, mas é
sempre muito estreita, da ordem dos milésimos de milímetro. Tam-
bém é pequeno o potencial de barreira, da ordem dos poucos décimos
de volt.

A barreira e os portadores minoritários — Os portadores mino-


ritários, também chamados intrínsecos ou de formação térmica,
serão eles também contrariados pela barreira de potencial? Não, pelo
contrário, a barreira até os favorece na travessia da junção.
Sabemos que na pastilha P os portadores minoritários são elec-
trões livres, na pastilha N as lacunas. Também estes tendem, natural-
mente, a viajar por todo o bloco PN. Logo que um electrão livre
Lição n.° 2 - 15 -

nasce por efeito da temperatura na região P, na vizinhança da jun-


ção acontece que os átomos positivos não compensados de N soli-
citam-no para a direita; os átomos não compensados negativos de P
repelem-no para a direita também. Com tudo isto ele acaba por ir
parar à região N. De igual modo uma lacuna criada em N, e na vizi-
nhança da junção, emigra também para a região P. A barreira faci-
lita a passagem dos portadores minoritários, ao mesmo tempo que
contraria a passagem dos portadores maioritários.
Também alguns portadores maioritários poderão atravessar a
zona de deplecção. Será preciso que a temperatura lhes comunique
energia suficiente para que eles possam dar o «salto». E o que é certo
é que a corrente eléctrica através da junção devida aos portadores
maioritários tem um sentido contrário à corrente devida aos mino-
ritários. Quando estas duas correntes se igualam, a junção diz-se em
equilíbrio, e esse equilíbrio ela própria o constrói. Equilíbrio, toda-
via, que nós podemos destruir por aplicação de uma tensão externa.
Quando tal tensão é então aplicada a junção diz-se polarizada. E con-
forme o sentido da tensão aplicada a polarização diz-se directa ou
inversa.

Zona de Deplepão

e ,3)
O (fo,
O (i)
Região P Região N
e e
Coe
Electricamente e CD Electricamente
Ge
Neutra e G) Neutra
e
Porque as Lacunas Porque os Electrões
e Iões Negativos se 9)ee e iões Positivos se
compensam mútua- e ee)
e compensam mútua -
mente e mente
eo
e e
Vo

Fig. 10— Zona de deplecção em que só há como cargas eléctricas os iões


positivos e negativos
16 - Lição n.° 2

Junção Inversamente polarizada — Tem-se na figura 11 uma


junção de polarização inversa. Vale isto dizer que o positivo da ba-
teria externa é aplicada à região N, o negativo à região P. Que faz

POLARIZAÇÃO INVERSA

P N

+ Lacuna

— Electrão livre

Fig. 11 — Numa junção inversamente polarizada não há cargas eléctricas


através da junção

esta polarização inversa? Os electrões livres de N são solicitados


pelo pólo positivo da bateria na direcção da lâmina metálica CD;
as lacunas de P são solicitadas pelo negativo da bateria para a lâ-
mina AB. Não há movimento de cargas através da junção, não há
corrente no circuito. O que a tensão aplicada fez foi afastar instan-
tâneamente as cargas móveis da junção, deixando a «descoberto»
mais iões positivos (não representados na figura) à direita e negati-
vos à esquerda. Desta maneira aumenta-se a carga espacial, aumen-
ta-se a zona de deplecção e o potencial de barreira. A junção com-
porta-se como um isolante. Um isolante perfeito? Certamente que
não há nenhum isolante perfeito. O que a junção é é altamente
resistiva, pràticamente isolante. Se não é um isolante perfeito é
porque afinal sempre alguma corrente atravessa a junção e dá a
Lição n.° 2 - 17 -

volta completa ao circuito. Realmente assim é, e essa corrente, dita


corrente inversa da junção é devida aos portadores minoritários.
Explicamos: porque o potencial de barreira foi reforçado pela
tensão externa, os portadores maioritários não conseguem agora
atravessar a junção. Mas, todavia, os minoritários, electrões de P e
lacunas de N, atravessam-na até com mais facilidade. E isso dá ori-
gem a uma corrente inversa fraca. Realmente o negativo da bateria
impele os electrões minoritários de P para a direita, o positivo impele
as lacunas minoritárias de N para a esquerda.
Estas cargas aproximam-se e encontram-se na junção. Aí se
combinam e se destroem. Mas por cada combinação um electrão
foge de N, passa à bateria e entra em P. Forma novamente a lacuna
em N e o electrão em P. Isto é, carga destruída é carga regenerada.
Deste modo há um movimento contínuo de electrões através dos fios
condutores, e isso é a corrente inversa da junção.
Aumentando a tensão inversa, aumentará a corrente inversa?
Antes que a tensão inversa atinja um determinado limite, relativa-
mente grande, a corrente inversa é pràticamente independente da

P N
■B MO

Electrões Lacunas
wee4
Minoritários
4mm. "1"
Minoritárias
4•0
1=1

Fig. 12 — Estabelecimento da corrente inversa numa junção PN


- 18 -- Lição n.° 2

tensão aplicada. E isto é assim porque a corrente inversa depende


dos portadores minoritários e estes são devidos à temperatura.
A tensão inversa põe em movimento todos esses portadores e por
isso se.designa também por corrente de saturação. Saturação porque
todas as cargas circulam. Para aumentar a corrente inversa bastaria
aumentar os portadores minoritários, quer dizer, aumentar a tem-
peratura.
A corrente inversa é indesejável. Às vezes bastante perturbadora,
pelo que se usam métodos para combater os seus maléficos efeitos.
É mais elevada nos semicondutores de germânio do que nos de
silício. Nestes últimos não ultrapassa alguns milésimos de miliam-
pere. E compreende-se que seja maior no germânio visto ser nele
mais estreita a banda interdita.
Dissemos que a junção inversamente polarizada se comportava
como um condensador. Condensador que tem por dieléctrico a zona
de deplecção. Um condensador especial, pois a sua capacidade varia
com a tensão inversa aplicada. Se esta tensão for aumentada, a capa-
cidade diminui porque o dieléctrico aumenta de espessura.
Esta capacidade é de mau efeito quando a junção deve trabalhar
frequências elevadas porque, correspondendo-lhe uma reactância ca-
pacitiva baixa, essas frequências têm tendência a ser curto-circui-
tadas por um tal condensador.

Junção directamente polarizada — Invertendo a polaridade da


tensão aplicada tem-se uma junção de polarização directa. Fica então
o positivo da bateria ligado à região P, o negativo à região N. É o que
se observa na figura 13. Aqui temos, representado por linhas de
força (setas), o campo eléctrico produzido pelo potencial de barreira.
Ora o campo eléctrico que a bateria externa comunica a todo o corpo
do semicondutor tem o sentido justamente contrário. O potencial
de barreira é anulado, a barreira destruída. Uma autêntica nuvem
de lacunas desloca-se para a direita na direcção da junção; outra
nuvem de electrões precipita-se para a esquerda, também na direcção
da junção. Nas vizinhanças da junção há uma grande quantidade
de electrões e lacunas que se combinam mútuamente, destruindo
as suas cargas eléctricas. Mas por cada combinação salta um electrão
de valência junto da lâmina AB, passa à bateria e penetra na região N.
deste modo há um fluxo permanente de electrões através do circuito
externo que constitui a corrente directa da junção.
A junção conduz fortemente ou, por outras palavras, oferece
uma baixa resistência à circulação da corrente.
Lição n.° 2 - 19 -

POLARIZAÇÃO DIRECTA

P N

+ {

Lacunas% 1 Electrões
♦ 4- ♦ -../+"-
+ + 4- ,

Electrões Electrões

Fig. 13—A barreira é destruída e lacunas e electrões precipitam-se


para a junção

Também a corrente cresce fortemente quando a tensão aplicada


cresce. E compreende-se que assim seja. Se a tensão aplicada é muito
baixa o potencial de barreira pode ser-lhe superior, a barreira não é
completamente anulada. Haverá combinações de electrões e lacunas
mas em número reduzido. Aumentando a tensão, a barreira vai sendo
destruída e vai passando a ser uma porta cada vez mais franqueada
ao trânsito dos portadores de corrente, facilitando o número de com-
binações.
Por outro lado, as cargas minoritárias de formação térmica dão
origem a corrente. Realmente os electrões minoritários de P são
arrastados através do circuito externo pela bateria, vão à região N,
circulam ou combinam-se com lacunas. Concorrem, portanto, para
aumentar a corrente directa. Só que, atendendo a que é muito maior
a corrente devida aos portadores maioritários, essa corrente mino-
ritária não tem muita importância na polarização directa. Tem impor-
tância, isso sim, na polarização inversa porque é única.
– 20 – Lição n.° 2

CURVAS CARACTERISTICAS CORRENTE-TENSÃO DAS JUNÇÕES PN

Se representarmos num gráfico a corrente de uma junção PN


em função da tensão aplicada obter-se-á uma curva como as da
figura 14

60°
E –300 25°

cL»s)
U cr,
2_) a
¡S E –200
(1 . (11
c •–
E
o
ci –100

Polarização Inversa
Volts t 0.5

0.5 1 Volts
25°
Polarização Directa
E
–10 cv
ni
a
(b
60°
cE
20
"C"' 2u
Êj
o

Fig. 14 — Duas características corrente-tensão numa junção PN, uma para


a temperatura de 25°C, outra para a temperatura de 60 °C

Têm-se à direita do zero no eixo horizontal as tensões directas


aplicadas, à esquerda as tensões inversas. Na parte positiva do eixo
vertical representa-se a corrente directa, graduada em miliamperes.
Na parte negativa deste eixo a corrente inversa, agora graduada em
microamperes. Realmente é tão pequena a corrente inversa que a
sua graduação em miliamperes exigiria gráficos de grandes dimen-
sões para se tornar perceptível.
Lição n.° 2 - 21 -

Repare-se que de zero a 0,5 volts de polarização directa a cor-


rente directa vai aumentando com certa lentidão. Isto significa que
o potencial de barreira ainda não foi de todo vencido. Mas a partir
daí a corrente aumenta fortemente para pequenos aumentos de
tensão.
Por outro lado, a corrente inversa pouco aumenta quando a
tensão aumenta, e é sempre muito pequena. Repare-se, todavia, que
se passarmos a temperatura do bloco semicondutor de 25 para 60 °C,
há um apreciável aumento de corrente inversa, mas não é assim rela-
tivamente apreciável o aumento da corrente directa.
Como são as cargas minoritárias as responsáveis pela corrente
inversa, e estas cargas são devidas à temperatura, não é de estranhar
que assim aconteça.
Pois bem: se a junção PN conduz fortemente num sentido e é
bom isolante no sentido contrário, não admira que seja utilizada
como rectificadora. Esta é uma função importantíssima que desem-
penha, como veremos na próxima lição.
RCE-244

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