observacional: a radiação cósmica de fundo em microondas
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A THYRSO VILLELA, IVAN FERREIRA E CARLOS ALEXANDRE WUENSCHE
o ligarmos um televisor em um canal em que não
há transmissão, observamos na tela um ruído
sem nenhum padrão. Esse ruído deve-se às ondas de rádio
que permeiam nosso planeta, sejam sinais gerados pelo
homem ou emissões de objetos astronômicos que chegam
à Terra. Parte desse ruído (cerca de 3% da intensidade
total) viajou desde os primeiros instantes do universo para
chegar até nossos aparelhos. Ele é conhecido como Radia-
THYRSO VILLELA, ção Cósmica de Fundo em Microondas (RCFM). Nosso IVAN FERREIRA e CARLOS ALEXANDRE planeta é banhado por essa radiação que o atinge vindo de WUENSCHE são pesquisadores da todas as direções do céu. Divisão de Astrofísica do Instituto Nacional de Em 1929, o astrônomo Edwin Hubble fez uma interes- Pesquisas Espaciais do Ministério da Ciência e sante descoberta que mudou radicalmente a forma como Tecnologia.
entendemos o universo. Seus resultados indicavam que,
quanto mais distante estava o objeto observado, maior era
sua velocidade de afastamento do observador, sugerindo
que o universo estava se expandindo. A interpretação des-
sa expansão diz que o próprio espaço em que essas galáxias
se encontram está aumentando. Isso contrastava com a
idéia anterior de um universo estático, proposta por
Einstein em seu trabalho sobre uma teoria geral da
gravitação. Uma questão que pode ser imediatamente le-
vantada é: se o universo está em expansão, ele deve ter sido
menor no passado; então, que conseqüências físicas pode-
mos deduzir desse processo de expansão?
A RCFM é uma das mais importantes ferramentas uti-
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lizadas para tentar responder a essa ques- res. Quando eles souberam dos resultados tão. Na verdade, ela pode nos ajudar a co- de Penzias e Wilson, perceberam que o nhecer uma série de processos físicos que objetivo do experimento que estavam cons- ainda não podem ser reproduzidos nos la- truindo já havia sido atingido e, tendo já boratórios na Terra, e é uma das quantida- uma idéia clara do que ele significava, con- des astronômicas observáveis mais impor- cordaram que a publicação dos resultados tantes no estudo da cosmologia. A sua exis- e a interpretação correspondente fossem tência foi prevista por George Gamow, feitas simultaneamente: Penzias e Wilson Ralph Alpher e Robert Herman no final da mostrariam as medidas num artigo e Dicke década de 40, quando estudavam a origem e colaboradores interpretariam a descober- dos elementos químicos e o estado da ma- ta de Penzias e Wilson como sendo a radia- téria no universo primordial, levando-os a ção produzida nos primórdios do universo. concluir que essa matéria, que estaria Essa descoberta é considerada como uma ultracomprimida, deveria ter liberado uma das mais importantes da história da ciência radiação (a RCFM) que teria, hoje, uma e, por isso, Penzias e Wilson ganharam o temperatura entre 5 e 10 K. Prêmio Nobel de Física em 1978. A RCFM foi descoberta acidentalmen- te em 1964 por Arno Penzias e Robert A RCFM é perfeitamente descrita por Wilson, embora evidências observacionais uma curva de corpo negro a uma tempera- anteriores de que o universo estava imerso tura de 2,726 +/- 0,010 K (ver “Espectro de num banho de radiação em microondas já Corpo Negro”). Pode-se dizer, então, que a estivessem presentes no trabalho de A. temperatura do universo hoje é de aproxi- McKellar e G. Herzberg em 1941. Herzberg madamente 2,7 K (cerca de -270o C). A descobriu, baseado nas observações de curva de corpo negro correspondente a essa McKellar, que havia uma temperatura que temperatura tem intensidade máxima na descrevia o grau de excitação observado faixa de microondas do espectro eletromag- em moléculas de CN presentes no meio nético. Essa emissão térmica é resquício de interestelar, como se elas estivessem uma época em que o universo ainda era imersas em um recipiente em equilíbrio a muito jovem. Nessa época, toda matéria uma temperatura de 2,3 K. Na época, po- formava um plasma, em que prótons, elé- rém, as conseqüências desse resultado não trons e fótons se mantinham em constante foram exploradas. interação, impedindo a formação de áto- Penzias e Wilson trabalhavam no Bell mos. Toda vez que um próton se juntava a Telephone Laboratories, nos EUA, e esta- um elétron para formar um átomo de hidro- vam preocupados em testar receptores para gênio, um fóton (com temperatura igual ou serem usados em medidas da emissão em maior que 3.000 K) colidia com o átomo, microondas da nossa galáxia quando se ionizando-o. Com a expansão do universo, depararam com um ruído persistente em essa temperatura foi diminuindo, possibi- seus dados que não desaparecia de forma litando então a formação de átomos. alguma. Independentemente da região do A RCFM é uma das fontes mais ricas de céu para a qual apontavam a antena, do dia informação sobre o universo primordial, já e da hora, o “excesso” de sinal que eles que nenhum outro observável cosmológico mediam era sempre o mesmo. Essas obser- revela um passado mais remoto do univer- vações foram feitas no comprimento de so. Nem mesmo as galáxias e os quasares onda de 7,35 cm e indicavam uma tempe- mais distantes conseguem nos revelar como ratura do céu de aproximadamente 3,5 K. era a fase inicial do universo. A título de Na mesma época, um grupo de astrofísicos comparação: a luz do Sol viaja oito minutos liderados por Robert Dicke, da Universi- até chegar a nós; a luz da estrela mais próxi- dade de Princeton, também nos EUA, esta- ma da Terra (depois do Sol) viaja cerca de va construindo um experimento para veri- quatro anos e meio até chegar a nós; a luz da ficar a previsão de Gamow e colaborado- galáxia Andrômeda, que é uma das mais
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próximas da Terra, leva alguns milhões de ma primordial estavam fortemente anos até chegar aqui. Os fótons da RCFM, acoplados, ou seja, o que acontecia com a por sua vez, levam quase 14 bilhões de anos matéria seria sentido também pela radia- viajando até serem detectados na Terra. ção e vice-versa. Nessa época, a energia O universo, a partir de sua origem, su- média dos fótons se tornou menor do que o postamente um estado de altíssima densi- potencial de ionização do átomo de hidro- dade e temperatura, evoluiu num processo gênio. Como conseqüência, os elétrons li- de expansão contínua. Quando atingiu apro- vres foram capturados pelos prótons, for- ximadamente 370 mil anos de idade, sua mando átomos de hidrogênio neutro, num temperatura estava em torno de 3.000 K e processo chamado de recombinação (ape- os fótons e a matéria que formavam o plas- sar de ser a primeira vez que as duas partí-
ESPECTRO DE CORPO NEGRO
O nome corpo negro tem diversosfatoresmas,nocaso energiadeumcorpo,auma
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culas se combinavam, de forma estável, para dependendo da freqüência, podem operar formar átomos de hidrogênio). Com a di- no solo (em geral em locais de grandes al- minuição do número de elétrons livres, a titudes) ou no espaço, a bordo de satélites, matéria e a radiação deixaram de interagir foguetes e balões estratosféricos. Para medir de forma significativa, iniciando um pro- as flutuações de temperatura, os receptores cesso chamado de desacoplamento. Dize- são sintonizados numa certa freqüência e mos então que o universo se tornou trans- apontados para diferentes regiões do céu. parente à radiação e todos os efeitos provo- Dessa forma, medindo intensidades dife- cados pelos processos físicos que ocorre- rentes do sinal da RCFM numa dada fre- ram antes do desacoplamento aparecem qüência, podemos associar diferentes tem- como uma assinatura do universo jovem na peraturas ao corpo negro que emitiu esse distribuição espacial dessa radiação, que sinal, no caso o universo primordial. Pode- pode ser lida hoje através das observações mos fazer um mapa da distribuição do flui- da RCFM. Chamamos de superfície de úl- do primordial que existia no universo par- timo espalhamento à região em que esses tindo das medidas das variações de intensi- processos físicos entre matéria e radiação dade da RCFM por todo o céu. Com esse aconteceram pela última vez, ao final do mapa, é possível inferir os parâmetros que desacoplamento. descrevem o universo. O estudo da distri- Essa radiação nos fornece, portanto, buição espacial da RCFM no céu é impor- informações sobre uma época em que o tante para que se possa escolher o melhor universo tinha cerca de 370 mil anos de modelo cosmológico que explique como idade e pode ser estudada a partir de medi- surgiram as estruturas de matéria que ob- das de seu espectro, polarização e distri- servamos hoje no universo, como planetas, buição espacial no céu. Essas medidas são estrelas, galáxias, aglomerados de galáxi- feitas por experimentos que observam o as e, em última instância, até mesmo a vida. céu em microondas. Esses instrumentos, O instrumento Firas (Far Infrared Figura 1 Absolute Spectrophotometer), que era um dos experimentos que compunham o saté- lite Cobe (Cosmic Background Explorer), confirmou de forma espetacular, em 1990, que a RCFM possui um espectro de corpo negro quase perfeito. Essas medidas são impressionantes do ponto de vista obser- vacional, já que os erros envolvidos são extremamente pequenos. Esse resultado se tornou uma das mais fortes evidências a favor do modelo conhecido por “hot big- bang” (ou modelo cosmológico padrão) e mostra que a matéria e a radiação no uni- verso à época do desacoplamento estavam em um estado de equilíbrio termodinâmico quase perfeito, ou seja, tinham a mesma temperatura. A determinação precisa do Mapas da RCFM. A figura no topo representa a espectro de corpo negro da RCFM foi uma das mais importantes contribuições ao es- temperatura absoluta do universo. A figura do meio tudo da cosmologia, uma vez que ficou mostra o efeito de dipolo, quando subtraímos a estabelecida de forma inequívoca a origem temperatura de 2,7 K da figura de cima. A figura de térmica dessa radiação.
baixo mostra as anisotropias da RCFM, quando A Figura 1 apresenta os dados obtidos
subtraímos o dipolo da figura do meio. pelo experimento DMR (Differential
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Microwave Radiometer), também a bordo As primeiras indicações da existência do satélite Cobe, e mostra como é o céu em desse fenômeno na distribuição angular da microondas. Os mapas são construídos em RCFM, conhecido como efeito de dipolo, cores falsas para permitir que nossos olhos vieram de experimentos realizados em 1969 percebam as pequenas diferenças de tem- e no início da década de 70. A confirmação peraturas em microondas. A primeira ima- desse efeito veio com medidas realizadas gem de cima para baixo mostra o céu com em meados da década de 70, com um expe- uma temperatura totalmente uniforme, sem rimento embarcado num avião espião U-2 nenhuma estrutura aparente. Quando me- para realizar as observações a 20 km de lhoramos a qualidade da medida por um altitude. Em meados da década de 80, esse fator mil, ele se apresenta como na figura efeito já era muito bem conhecido graças a do meio, com duas regiões claramente di- experimentos realizados a bordo de balões ferentes e separadas por 180 graus (com as estratosféricos, inclusive no Brasil, com a temperaturas representadas pelas cores la- participação do Inpe (ver Figura 3) e con- ranja e azul). firmados posteriormente pelo satélite Cobe. Esse efeito se deve ao nosso movimen- O responsável por um dos experimentos to em relação à RCFM e provoca uma dife- conduzidos no Brasil foi David Wilkinson, rença de temperatura da ordem de três mi- colaborador de Robert Dicke no artigo que lésimos de graus Celsius no céu: numa re- explicava o resultado de Penzias e Wilson, gião a temperatura é maior, representada e um dos mentores e líderes do projeto do pela cor laranja, e na outra a temperatura é satélite WMAP, sobre o qual falaremos menor, representada pela cor azul (ver se- mais à frente. Wilkinson faleceu meses gundo mapa da Figura 1). A diferença en- antes da divulgação dos primeiros resulta- tre as cores é semelhante ao que acontece quando ouvimos o barulho de um carro que Figura 2 se aproxima de nós e depois se afasta. Nes- se caso, ao invés de um aumento de tempe- ratura do carro, percebemos um aumento da freqüência do barulho do seu motor (som mais agudo) quando ele se aproxima de nós e uma diminuição dessa freqüência (som mais grave) quando ele se afasta. Esse efei- to, conhecido como efeito Doppler, acon- tece sempre quando há movimento relati- vo entre um observador e uma fonte de si- nal. A variação de temperatura observada no segundo mapa da Figura 1 é uma conse- qüência do efeito Doppler resultante do nosso movimento em relação à RCFM.
Representação do dipolo da RCFM e dos movimentos relativos do Sistema Solar, Galáxia
e Grupo Local em relação ao referencial da RCFM. No painel A, temos o Sistema Solar, em B a Via Láctea, em C o Grupo Local, em D o aglomerado de Hidra-Centauro e em E temos uma representação de todo o universo. O painel E mostra o plasma primordial (1), a superfície de último espalhamento (2), a partir da qual se vêem os fótons livres (em azul e vermelho representando o efeito de dipolo) e a região escura que precede a formação dos primeiros objetos (3).
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dos do WMAP (originalmente MAP – ordem de 310 km/s (Figura 2D). Microwave Anisotropy Probe) e a equipe Um outro resultado importante obtido resolveu homenageá-lo, passando a cha- pelo Cobe foi a descoberta de pequenas mar o satélite de Wilkinson Microwave flutuações na distribuição angular de tem- Anisotropy Probe (WMAP). peratura da RCFM no céu, que, de acordo com os modelos teóricos, estão ligadas à O efeito de dipolo é o resultado do formação das estruturas hoje observadas movimento da Via Láctea em relação ao no universo. Essas flutuações são conheci- sistema de coordenadas definido pela das como anisotropias, já que o que se ob- RCFM, que é de aproximadamente 600 serva é uma dependência da temperatura km/s na direção da constelação do Leão. do céu com a direção de observação, ou Ele equivale a uma diferença de tempera- seja, não há isotropia na distribuição angu- tura de 0,1% entre duas regiões do céu se- lar de temperatura. O terceiro mapa da Fi- paradas por 180 graus. Os números envol- gura 1 mostra essas anisotropias, juntamen- vidos no efeito de dipolo são impressio- te com a emissão de microondas proveni- nantes do ponto de vista das velocidades a ente do plano da nossa galáxia, vista como que estamos acostumados aqui na Terra, a faixa vermelha no centro da imagem. mas corriqueiros no universo. Nosso mo- Entretanto, o valor dessas anisotropias é vimento na direção da constelação do Leão extremamente baixo, da ordem de 10-5 K, é a resultante dos movimentos relativos de o que dificulta sobremaneira a tentativa vários sistemas dos quais fazemos parte: o de observá-las, uma vez que esse valor é movimento de rotação da Terra ao redor do 100.000 vezes menor do que a temperatura Sol, da ordem de 30 km/s (Figura 2A), o da RCFM, que é 2,7 K acima do zero abso- movimento de rotação do Sistema Solar em luto. Na realidade, medir um sinal com relação ao centro da Via Láctea, da ordem intensidade tão baixa foi um dos maiores de 230 km/s (Figura 2B), o movimento da desafios astronômicos de todos os tempos. Via Láctea em relação ao Grupo Local de Essa descoberta teve um profundo impacto galáxias, da ordem de 40 km/s (Figura 2C), na cosmologia, pois pela primeira vez foi e o movimento do Grupo Local na direção detectada uma anisotropia intrínseca à do superaglomerado de Hidra-Centauro, da RCFM, isto é, uma anisotropia que não estava ligada a nenhum efeito que fosse Figura 3 devido ao próprio observador ou a algum fenômeno que tenha ocorrido no universo recentemente: ela revelava como era o uni- verso há mais de 13 bilhões de anos! As medidas de temperatura da RCFM são con- sideradas umas das mais importantes des- cobertas científicas do século passado. Embora notáveis, os resultados do DMR apresentam duas limitações importantes: os dados que mostram anisotropia na dis- tribuição angular da RCFM não permitem que sejam obtidas informações a respeito Mapa da RCFM em 90 GHz, feito a partir de dados do processo de formação de galáxias, uma vez que a distância angular que compreen- de vôos no Hemisfério Norte e Hemisfério Sul (Brasil), de os tamanhos envolvidos nas nuvens produzido em 1985. Ele mostra o efeito de dipolo protogalácticas (1,5 grau) é menor que a com a intensidade máxima representada pela mancha distância angular que o Cobe é capaz de resolver (7 graus). Para perceber essa dife- vermelha no centro da figura e que corresponde rença basta olhar os dois mapas da Figura à mancha laranja da imagem central da Figura 1. 6. A segunda limitação decorre do fato de
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essas flutuações terem sido detectadas no Figura 4 limite de sensibilidade do DMR, uma vez que o sinal das anisotropias era extrema- mente fraco. Buscando suprir essa limita- ção do Cobe, vários outros experimentos, no solo e a bordo de balões, começaram a medir flutuações de temperatura na distri- buição angular da RCFM numa grande fai- xa de freqüências, em diversas escalas an- gulares e com grande sensibilidade, na ten- tativa de obter mais detalhes sobre a distri- buição de temperatura no céu. Esses expe- rimentos proporcionaram um grande avan- ço na determinação dos parâmetros que nos ajudam a entender como é o universo, de que componentes ele é constituído, qual é a sua idade, composição, geometria, etc., e Resultado do experimento HACME que mostra também na compreensão de um dos mais flutuações de temperatura da ordem de alguns sérios contaminantes dessas medidas, a nossa própria galáxia. microkelvins em duas regiões do céu próximas das Um experimento conhecido como estrelas aUMi e _Leo. Esse experimento foi realizado HACME, parte de uma colaboração nas quais participavam, dentre outras institui- a bordo de balão estratosférico. A figura mostra uma ções, o Inpe, a Universidade Federal de comparação entre essas duas regiões vistas pelo satélite Itajubá, em Minas Gerais, e a Universidade Cobe e pelo HACME (Fonte: Tegmark et al., da Califórnia, em Santa Bárbara, detectou flutuações de temperatura na RCFM com The Astrophysical Journal, 2000). uma precisão maior do que a do Cobe. Esses resultados são mostrados na Figura 4. e as flutuações de temperatura que ele Atualmente, o mesmo grupo que cons- mediu, da ordem de 30 microkelvins. O truiu o HACME participa do experimen- BEAST concorre com outros experimen- to BEAST – Background Emission tos tais como Archeops, Boomerang, CAT, Anisotropy Scanning Telescope (Figura CBI, Dasi, Maxima e VSA, e é o protótipo 5A). Ele pode operar tanto no solo quanto do experimento LFI que irá a bordo do sa- suspenso por um balão estratosférico a 40 télite Planck, da Agência Espacial Euro- km de altitude e emprega uma tecnologia péia (ESA), planejado para ser colocado muito mais moderna do que a do Cobe, em órbita em 2007. superando-o, por exemplo, em resolução Lançado em 30 de junho de 2001, numa angular: 7 graus no Cobe contra aproxima- órbita localizada a um milhão e meio de damente 0,3 grau no BEAST. O projeto quilômetros de distância da Terra, com óptico desse telescópio, uma das partes uma massa de 830 kg e uma altura de 3,6 cruciais do experimento, foi inteiramente m, o satélite WMAP representa mais um desenvolvido no Brasil. O BEAST vem esforço dos astrofísicos para entender a realizando observações da RCFM a 3.800 origem do universo. Um dos seus objeti- m de altitude numa estação de pesquisa da vos é produzir mapas com sensibilidade Universidade da Califórnia, chamada White 45 vezes maior que os feitos pelo Cobe e Mountain Research Station, nos EUA. O revelar detalhes que o Cobe não conse- resultado dessas observações é mostrado guiu em função de sua resolução angular, na Figura 5B, na qual aparece a área do céu 33 vezes menor que a do WMAP. Além observada pelo BEAST (comparada com o disso, o WMAP também será capaz de mapa completo do céu feito pelo WMAP) medir a polarização da RCFM e de melho-
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Figura 5
(A) (B)
rar a estimativa atual dos parâmetros cos- Representação da região observada
mológicos. Recentemente, foram divulgados os pelo BEAST superposta ao mapa primeiros resultados do WMAP, mostran- do WMAP (A) e foto do BEAST do flutuações de temperatura da ordem de no pátio da Universidade da alguns microkelvins na RCFM. A Figura 6 mostra uma comparação desses resultados Califórnia, em Santa Bárbara (B). com os do Cobe, obtidos cerca de dez anos antes. Estando o espectro e a distribuição an- gular de flutuações de temperatura da Figura 6 RCFM bem determinados, a caracteriza- ção da terceira propriedade dessa radiação, a polarização, só começou a ser feita efeti- vamente nos últimos dois anos, apesar de as primeiras tentativas para detectá-la te- rem começado na década de 70. Uma onda eletromagnética é dita linearmente polari- zada quando o seu campo elétrico se en- contra oscilando sempre numa mesma di- reção. Caso a direção varie com o tempo, a onda será circularmente polarizada. Em geral, um campo de radiação qualquer, que é a superposição de ondas eletromagnéti- Comparação entre os mapas de cas polarizadas em todas as direções, apre- anisotropias do Cobe e do WMAP. senta apenas uma porcentagem de sua in- tensidade total com uma polarização bem Note a diferença nos detalhes do definida, gerando um padrão que pode ser mapa de baixo em relação às mapeado. Para a RCFM, essa fração pola- rizada corresponde de 0,1% a 1% da ampli- mesmas regiões apresentadas no tude das flutuações de temperatura, depen- mapa de cima.
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dendo do processo físico que deu origem à sensibilidade necessária, unindo tecnolo- polarização, sendo, entretanto, sempre li- gia de ponta e um dos melhores sítios de nearmente polarizada, visto que resulta de observação na superfície terrestre: o conti- um espalhamento. nente antártico. Ele foi capaz de mapear o Quando as primeiras estrelas de grande padrão de polarização em torno do Pólo massa surgiram (cerca de 200 milhões de Sul celeste, indicando que este tinha sido anos após o big-bang), a luz que elas emi- gerado por perturbações escalares. Em 2003 tiram foi capaz de ionizar as moléculas de o instrumento WMAP confirmou essa hidrogênio que permeavam o universo, medida, porém com um mapeamento do num processo conhecido como reionização. céu inteiro. Resultados preliminares indi- Os elétrons liberados durante a reionização cam as assinaturas da reionização e das puderam interagir com os fótons presentes perturbações escalares. no meio, inclusive aqueles da RCFM, dei- xando-a com um pequeno grau de polari- As flutuações de temperatura da RCFM zação, da ordem de 1% para grandes esca- são extremamente pequenas, o que dificul- las angulares. ta sobremaneira a realização de experimen- Por outro lado, fenômenos presentes no tos para medi-las. É necessário empregar, momento da recombinação também pro- entre outros recursos, os melhores recepto- duziram polarização. O espalhamento dos res de microondas que existem e as melho- fótons pelos elétrons do fluido primordial res técnicas de criogenia para que os expe- (espalhamento Thomson), que apresenta- rimentos possam efetivamente medir algum vam um movimento ordenado seguindo as sinal de origem cosmológica. É um desafio ondas acústicas que se propagavam no tecnológico, além de científico. Vários fa- plasma, produziu polarização com uma in- tores complicam a realização desses expe- tensidade da ordem de 1%. Além dessa per- rimentos: a nossa atmosfera, que emite turbação escalar (ondas acústicas), o plas- microondas e também absorve uma parte ma também sofre a ação de perturbações das que vêm do céu, as radiofontes cósmi- tensoriais: o espaço-tempo oscila, alongan- cas, a nossa própria galáxia, que ocupa uma do, comprimindo e torcendo o plasma. O grande área do céu e, obviamente, atrapa- termo tensorial, ao contrário de escalar, in- lha a observação direta das microondas dica que a perturbação requer uma orienta- cosmológicas, entre outros. O advento da ção definida. Essas oscilações são decor- era espacial foi crucial para que o progres- rentes da passagem de ondas gravitacionais so nessa área fosse enorme, já que um dos produzidas durante a inflação. O espalha- maiores fatores de interferência pode ser mento dos fótons pelos elétrons durante esse contornado: a nossa atmosfera. processo de torção do plasma também pola- Para podermos extrair informações dos riza a radiação, por uma fração menor que mapas da RCFM, precisamos nos valer de 0,1%, devido à pequena amplitude das on- algumas ferramentas estatísticas. Uma des- das gravitacionais. Polarização gerada des- sas ferramentas nos possibilita compor um sa maneira tem características distintas, per- espectro como o da Figura 7, o qual repre- mitindo uma completa caracterização das senta a amplitude das flutuações em fun- ondas gravitacionais que a produziram. ção da escala angular. Os picos são refle- Dada a pequena intensidade da compo- xos das oscilações acústicas no plasma. nente polarizada da RCFM, sempre duas Podemos associá-los com os modos har- ordens de grandeza abaixo da intensidade mônicos dessa oscilação. O primeiro pico das anisotropias, até o ano 2002 nenhuma representa o harmônico fundamental – a detecção tinha sido realizada, visto que maior onda que poderia aparecer no meio. nenhum instrumento tinha sensibilidade Sendo assim, ela define o tamanho do uni- para tal. Foi então que o instrumento Dasi, verso observável, ou escala angular do desenvolvido por um consórcio liderado horizonte. Os outros picos estão ligados aos pela Universidade de Chicago, atingiu a outros harmônicos. A conseqüência dessa
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associação é que podemos determinar al- gumas das quantidades fundamentais do universo (idade, composição, geometria) com base no número, largura, altura e po- sição dos picos. A RADIAÇÃO Observações da RCFM vêm fornecen- do uma vasta gama de informações sobre o DE 2,7 K TEM universo. O espectro da RCFM é gerado a MESMO ORIGEM partir de dados que revelam como era o universo quando ele tinha pouco mais de CÓSMICA? um mês de idade. As anisotropias na distri- buição angular dessa radiação são o retrato do universo na época da recombinação, mas sua forma geral foi estabelecida cerca de Sãomuitososindíciosque um picossegundo (10-12 segundos) após o big-bang. Já a componente tensorial da dãobaseaoargumentoafavor polarização da RCFM está ligada à defor- daorigemcosmológicadessa mação do espaço-tempo causada pelas radiaçãoemmicroondasque ondas gravitacionais primordiais geradas nosbanha.Oprimeiro,emais ao final da era de Planck, cerca de 10-43 s simples,provémdauniformi- após o big-bang. Podemos ver, portanto, que o estudo da dadeemgrandeescaladessa RCFM nos fornece informações extrema- radiação.Nãoobstantea mente interessantes sobre a evolução do direçãoparaaqualseaponte universo em seus primeiros instantes. A odetector,ter-se-áamedida nossa compreensão do universo mudou de um mesmo fluxo, não se radicalmente nos últimos quinze anos e, a julgar pelos problemas ainda não resolvi- podendo,porconseguinte, dos referentes à polarização da RCFM e indicarumafonteemparticular outros aspectos relacionados ao processo quesejaresponsávelporessa de formação de estruturas, ainda existe um emissão:todoouniversobrilha vasto campo de estudos em que a RCFM deve continuar desempenhando um papel emmicroondas. de grande destaque na cosmologia. Outroindíciovemda presençadeumdipolo,oqual Figura 7 indicaquefazemospartede umgrupodeobjetosquese moveemrelaçãoaoreferen- cialemquearadiaçãode2,7 Képerfeitamenteisotrópica. Esseefeitoapresentaames- maconfiguraçãoqueoutros dipolosencontradosem observáveisindependentes, como em contagens de radiogaláxiasequasaresou Espectro de potência das flutuações de temperatura da RCFM.
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em mapeamentos da emissão elasestãoenvoltasporum difusaemraios-X.Aforma fluxodefótonsuniformee comoamatériaestádistribuí- constante,queimpedequeas danaViaLácteanãopoderia moléculas se mantenham em gerar uma emissão com esse seusníveismaisbaixosde padrãodedipolo. energia.Aenergianecessária Oespectro daRCFM, parasemanterestemínimode caracterizandoumcorponegro excitaçãoéexatamenteaquela de2,7K,éomelhorargumen- fornecidapelosfótonsda todequeouniversoapresen- RCFM.Porexemplo,oespec- touumestágiodeequilíbrio trodeumanuvemmoleculara térmicoentrematériae 20milhõesdeanos-luzde radiação,numestadoconheci- distânciamostraqueelaestá docomoplasmaprimordial. sendo bombardeada por uma Devidoàexpansãodouniver- radiaçãocujatemperaturaestá so,comoconseqüente entre6e14K,sendoquea resfriamentodoplasma,houve previsãoteóricaéde9,1K, odesacoplamentoentrea istoé,estãoemperfeito radiaçãoeamatéria,tãologo acordocomoesperado. atemperaturaatingiu3.000K. Podemosaindafalarda Ouniversocontinuouse distribuiçãoangulardas expandindoeassimaradiação flutuaçõesdetemperaturaque, foiresfriandoatéatingira segundomedidasrecentese temperaturaatualmente bastanteprecisas,concordam medida.Casoestecenárioseja exatamentecomaprevisãodo ocorreto,deveriaserpossível modeloinflacionário,istoé, mediroefeitodeumaradiação essasflutuaçõessãoresulta- defundo“maisquente” dosdeperturbaçõesde observando-seobjetosdistan- densidadeproduzidasnos tes.Issodefatoocorre, primeirosinstantesdouniver- mostrando-seamaisconclusi- so.Assim,teoriasalternativas vaprovadanatureza que tratavam a RCFM como cosmológicadaRCFM. resultadodaemissãodeuma Dadossobrediversas distribuiçãodifusadegrãosde nuvensmoleculares–compos- poeiranoespaçointerestelar taspormoléculasdehidrogê- encontram-sefadadasao nio,CN,etc.–mostramque esquecimento.
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