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Projeto Instrumentação e Orquestração: novas técnicas, novas tecnologias

Dr. Felipe Kirst Adami1


Universidade Federal do Rio Grande do Sul
felipekadami@gmail.com

Resumo: O projeto “Instrumentação e Orquestração: novas técnicas, novas tecnologias”


pretende ampliar a oportunidade de formação musical dos graduandos de música, produzindo
e organizando materiais didáticos inovadores na área de orquestração musical, cujo acesso se
estenderá a outras disciplinas, cursos de graduação, pós-graduação e extensão, além de ser
disponibilizado para a comunidade em geral. O projeto prevê o uso de recursos síncronos e
assíncronos de interação, que poderão refletir na qualificação do debate e da construção do
conhecimento musical. Será enfatizada a forma colaborativa de trabalho, que propicie a maior
interação possível entre os participantes dentro processo de produção, reprodução e
manipulação dos sons, no aperfeiçoamento constante do material.
Palavras-chave: Instrumentação e orquestração, Ensino Superior de Música, Tecnologias
digitais.

Origem do interesse pela temática e desenvolvimento

A origem do interesse pela temática de pesquisa surgiu a partir da prática docente no


Curso de Música do Instituto de Artes da UFRGS, onde o professor e pesquisador atua. No
levantamento sistemático de produções para a área de orquestração e instrumentação,
constatou-se a necessidade de organização de acervo aos alunos, bem como a
complementação dos materiais devido à pouca quantidade de materiais com caráter didático
que permitam uma vivência mais efetiva da orquestração para o Ensino Superior, em função
da dificuldade de interação entre alunos de graduação com orquestras sinfônicas profissionais.
Apesar de podermos falar nos sons dos instrumentos por analogia, utilizando termos
como “doce”, “brilhante” ou “quente”, eles não são sabores ou formas físicas, mas ondas
sonoras que são sentidas e traduzidas em sensações, as quais são diferentes para cada ouvinte.
Podemos falar em som longo ou curto, forte ou fraco, agudo ou grave, utilizando medidas
físicas, mas os timbres são muito mais complexos do que durações, intensidades e alturas,
sendo antes uma combinação destes três outros parâmetros. Falar sobre sobreposições de
ondas e espectros sonoros também está distante demais da vivência cotidiana para que se crie
alguma significação que possa ser prontamente utilizada em um contexto musical. Conforme
afirma Kennan:

1
Doutor em Composição Musical pela UFRGS. Professor do Departamento de Música da UFRGS.
O ponto aqui é que timbres não podem realmente ser descritos em palavras.
É muito bom ler em um livro de orquestração que o clarinete é ‘escuro’ no
seu registro grave, mas até que se tenha realmente escutado o som em
questão e tido impressões em seu ‘ouvido da mente’, não se terá uma
concepção real da cor particular daquele som para propósitos de
orquestração (KENNAN, 1970, p. 1-2).

Supõe-se, portanto, que a melhor alternativa é a experiência da audição musical, e a


associação com as diversas experiências pessoais, que permitem ao orquestrador imaginar as
sonoridades e traduzi-las na escolha instrumental de cada trecho imaginado.
Existem diversos livros e sites sobre Instrumentação e Orquestração Musical, porém a
abrangência de grande parte deles é restrita, não apresentando a totalidade de recursos
técnicos dos instrumentos ou a grande variedade de possibilidades orquestrais. Alguns livros
apresentam gravações, sendo o mais completo o de Samuel Adler, intitulado “The Study of
Orchestration” (2000), que cujo conteúdo inclui um conjunto de seis CDs com áudio e vídeo
de exemplos musicais. Existem sites que apresentam materiais hipermidiáticos, sendo o mais
completo o “The Orchestra: a user’s manual” de Andrew Hugill com a Philharmonia
Orchestra, que apresenta gravações e vídeos com técnicas expandidas, pouco presentes em
outros materiais didáticos sobre o assunto.
No Brasil, Bota e Carrasco lançaram em 2005 o primeiro de uma série de três DVDs-
Rom pela Unicamp. A criação desses DVDs-Rom, segundo os autores, “está ligada
principalmente à [sic] ideia de se criar uma linguagem própria, pertinente ao contexto da
Multimídia” (Bota e Carrasco, 2012, p. 2). Os DVDs-Rom basicamente apresentam exemplos
filmados de instrumentistas tocando diferentes trechos musicais, exemplificando diferentes
articulações e figurações e timbres, bem como a tessitura dos instrumentos, contando também
com uma “melodia de confronto”, composta por Bota, para comparar as sonoridades dos
diferentes instrumentos gravados em um único trecho musical (Bota e Carrasco, 2012, p. 3).
No entanto, ainda são muito escassos os materiais acerca do assunto em português, e
praticamente inexistem partituras e gravações que permitam comparar efetivamente materiais
musicais idênticos orquestrados para diferentes instrumentos. Este projeto busca preencher
esta lacuna dentro desta área de ensino da música. A etapa inicial foi marcada pela realização
de pesquisa bibliográfica referente ao tema, procedimento que é sistemático, devido à
constante necessidade de atualização. O projeto piloto “Orquestra Virtual UFRGS”,
intimamente ligado à proposta da pesquisa atual, foi realizado entre 2010 e 2011, resultando
num site produzido pelo docente (ADAMI, 2012b), com o apoio da SEAD/UFRGS2. No
estágio atual, o site apresenta elementos básicos de instrumentação e orquestração, como a
história do desenvolvimento orquestral, os instrumentos da orquestra e sua divisão em naipes,
e a existência de diferentes funções musicais divididas em diferentes instrumentos ou grupos
instrumentais, para os quais já foram produzidos objetos de aprendizagem virtuais em forma
de áudio interativo. O site também conterá hipertextos sobre as combinações instrumentais
mostrando como ocorrem as misturas de timbres entre os diferentes instrumentos, em
diferentes contextos, como uníssonos, oitavas, executando melodias em primeiro plano ou
acompanhamento. É neste sentido que o projeto “Orquestra Virtual” pretende apresentar
materiais inovadores.
As etapas que estão por vir necessitam de equipe multidisciplinar, com atividades
divididas entre conteudista/pesquisador e web designer. As versões para comparação vão ser
em parte produzidas a partir de partituras pré-existentes de obras conhecidas ou a partir de
exemplos criados pela equipe de produção. Por exemplo: no início da Oitava Sinfonia de
Schubert (“Inacabada”), em determinado trecho, uma melodia é executada em uníssono entre
oboé e clarinete. Qual seria a diferença sonora se o mesmo trecho fosse executado por flauta e
clarinete? Por flauta e oboé? Ou ainda, por duas flautas em oitavas? Dessa forma, será
possível acompanhar a partitura do trecho com a audição da versão original, comparar com
diferentes possibilidades de combinação e tentar encontrar uma hipótese sobre o que motivou
a escolha do compositor, o que mais adiante poderia ser utilizado pelo próprio aluno ao fazer
uma orquestração.
Os arquivos serão disponibilizados online para download clicando-se em um link da
página da Web. Pode parecer complexo e necessitar de uma capacidade de memória virtual
muito grande para armazenar um material desses. Porém os recursos eletrônicos de edição
musical atuais permitem uma grande eficiência nesse sentido. Pretende-se produzir arquivos
que podem ser abertos pelo software livre Audacity3, que utilizará uma faixa para cada
instrumento a ser comparado, permitindo que se desligue e ligue a execução de cada
instrumento (utilizando a função mute). Assim, não é necessário criar um arquivo para cada
combinação, mas um para cada instrumento a ser utilizado em combinação. Matematicamente
pode-se perceber como se reduz a quantidade de faixas utilizadas. Se tivéssemos 6

2
O projeto foi contemplado com o edital 13 da Secrataria de Educação a Distância da UFRGS, contando com
auxílio técnico na produção do site.
3
O Audacity está atualmente na versão 2.0, e pode ser utilizado nos três principais sistemas operacionais:
Windows (XP, Vista e 7), Mac OSX e Linux/Unix.
instrumentos para utilizar em combinações, seriam necessários usualmente 15 faixas para
combinarmos eles 2 a 2. Com esse sistema, reduzem-se a seis o número de faixas necessárias.
E mais: pode-se não só observar as combinações dois a dois, mas selecionar qualquer número
de instrumentos dentre as faixas gravadas para ser ouvidos simultaneamente, o que
normalmente aumentaria exponencialmente se fosse feita uma faixa para cada combinação,
mas não altera em nada se utilizar-se uma faixa para cada instrumento permitindo
combinações através do software.
Este recurso pode ser utilizado também para que o aluno possa observar a
sobreposição de naipes ou de camadas orquestrais, entendendo qual a importância de cada um
dentro de uma determinada textura. Pode-se utilizar, por exemplo, uma linha melódica em
primeiro plano interagindo com uma linha de segundo plano, junto a um acompanhamento
rítmico-harmônico, um baixo, e um grupo de instrumentos com função de sustentação, sendo
utilizada uma faixa para cada camada. Ao eliminar o baixo o aluno poderia ouvir o quanto a
harmonia pode perder em direcionamento, ou retirando os instrumentos de sustentação, como
a sonoridade geral do conjunto fica menos misturada. Um primeiro exemplo de áudio,
apresentando faixas diferentes para cada naipe orquestral e coro, já está disponível on-line
(ADAMI, 2012a). Para este exemplo, foram utilizados samples de alta qualidade da orquestra
virtual East West Quantum Leap, bem como gravação no estúdio do CME4/UFRGS da parte
do coro, com os cantores Sellen Scholl Mater (soprano), Raissa Panatieri (contralto), Eduardo
Alves (tenor) e Alex Barbosa (Baixo).

Justificativas
O projeto “Instrumentação e Orquestração: novas técnicas novas tecnologias”
ampliará o número de materiais didáticos sobre Instrumentação e Orquestração em português
e gerará novos recursos interativos inovadores que permitam comparar efetivamente materiais
musicais idênticos, mas orquestrados para diferentes instrumentos preenchendo uma lacuna
na área. A utilização das TIC – Tecnologias de Comunicação e Informação – será uma
característica marcante do trabalho desenvolvido, cuja reflexão e prática já vêm sendo
difundidas em ambiente virtual de aprendizagem e site destinado ao tema, ainda em âmbito
interno na instituição do pesquisador.

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Centro de Música Eletrônica da UFRGS.
Esse projeto de pesquisa possui uma concepção pedagógica e científica inclusiva,
utilizando softwares livres, com recursos de interatividade consolidados de forma gratuita na
internet, o que torna o acesso com alto nível de autonomia aos interessados.
O projeto pretende ampliar a oportunidade de formação musical dos graduandos,
produzindo e organizando materiais didáticos na área de orquestração e instrumentação
musical, cujo acesso se estenderá a outras disciplinas, cursos de graduação, pós-graduação e
extensão, além de ser disponibilizado para a comunidade em geral. O projeto prevê o uso de
recursos síncronos e assíncronos de interação, que atuarão na qualificação do debate e da
construção do conhecimento musical. Será enfatizada a forma cooperativa de trabalho, que
propicie a maior interação possível entre os participantes dentro processo de produção,
reprodução e manipulação dos sons.

Objetivos

Enquanto a maioria dos recursos de manuais de orquestração apresenta exemplos


extraídos do repertório orquestral tradicional em sua forma original, o “Projeto
Instrumentação e Orquestração: Novas Técnicas, Novas Tecnologias” possui como objetivo
específico permitir que se comparem diferentes versões de orquestração, utilizando diferentes
combinações instrumentais, para um mesmo trecho musical. Os principais objetivos desse
trabalho podem ser sintetizados como:
1) Analisar orquestrações de obras de diferentes períodos e registrar essas análises de modo a
consistir um acervo de obras analisadas. Também serão feitas análises comparativas de
orquestrações de uma mesma peça feita por diferentes compositores, bem como análises
comparativas sobre estilos de orquestração e efetivos orquestrais de peças de diferentes
épocas.
2) Realizar levantamento das possibilidades técnicas dos instrumentos orquestrais, incluindo
técnicas convencionais e expandidas.
3) Criar objetos de aprendizagem que permitam a comparação de diferentes versões de
orquestração de um mesmo trecho musical destas obras de uma forma inovadora, através de
recursos digitais, com acesso livre e gratuito na web, em página da UFRGS.
4) Avaliar a aplicabilidade dos recursos gerados na pesquisa no estudo da instrumentação e
orquestração.
Metodologia

O projeto Orquestra Virtual teve apoio inicial de Editais de fomento ao uso das
Tecnologias promovidos pela SEAD/UFRGS e atualmente conta com o professor pesquisador
proponente e apenas um bolsista de graduação. A intenção é buscar novas formas de fomento
à produção e pesquisa direcionadas à área de orquestração, já que o objeto de aprendizagem é
aberto e constantemente sofrerá ampliações e aperfeiçoamento e, conforme mencionado
anteriormente, necessita de equipe interdisciplinar de trabalho.
A etapa de revisão ocorreu por meio da pesquisa bibliográfica concernente ao tema,
mas consiste num conjunto de procedimentos que ocorrerão ao longo de todo o
desenvolvimento do projeto, em constante diálogo entre os materiais publicados na área,
buscando enriquecer a fundamentação teórica. A concepção de revisão desse trabalho, em
conformidade com as ideias de Thomas e Nelson (1996), pode ser descrita como o
levantamento da produção recente e a realização de análise crítica, envolvendo também
avaliação e organização desses materiais para posterior difusão.
A seguir pretende-se realizar experimentações instrumentais diretamente com
músicos, a fim de registrar peculiaridades de cada instrumento musical. Esta exploração
sonora junto a instrumentistas profissionais buscará registrar efeitos e notações que expandem
a sonoridade convencional do instrumento, abarcando, portanto, também a técnica expandida.
Os pressupostos da pesquisa experimental (THOMAS e NELSON, 1996) podem ser
descritos como uma investigação que implica na manipulação de materiais, considerando
variáveis e relações de causa-efeito.
Os objetos de aprendizagem serão produzidos sistematicamente ao longo do projeto,
explorando as combinações entre instrumentos de um mesmo naipe bem como de diferentes
naipes, e envolvendo diferentes técnicas instrumentais e recursos de orquestração, através de
orquestras virtuais, utilizando-se samples de alta qualidade.
Por fim, os resultados da utilização dos materiais gerados serão avaliados através de
pesquisa qualitativa, com a aplicação de questionários aos alunos da disciplina de
Instrumentação e Orquestração do Curso de Música da UFRGS, com a finalidade de analisar
a forma como eles utilizaram os recursos gerados na pesquisa e como eles auxiliaram no
estudo da Instrumentação e Orquestração nos diferentes semestres da disciplina.
Aplicabilidade dos recursos e retorno esperado

Praticamente a integralidade do material resultante poderá ser “baixada” pelo usuário e


utilizada como fonte de estudo e pesquisa. Os arquivos serão disponibilizados online para
download clicando-se em um link da página da Web.
Toda a produção resultante deste projeto, bem como as experiências e testagens
metodológicas poderão ser adaptadas a inúmeros contextos educacionais focados no processo
de ensino e aprendizagem da música como linguagem. Essas produções também poderão ser
adaptadas para contextos diversos de educação musical, inclusive escolar, numa linguagem
acessível que possibilite a estudantes manipular e criar orquestrações diversas. O material
didático poderá também ser utilizado em outras disciplinas do curso de licenciatura e
bacharelado em música, presencial ou a distância, como Introdução à Educação Musical,
Tecnologias Aplicadas à Música e a Educação Musical e Composição Musical.
O benefício do diálogo dos alunos de graduação com as TIC é inquestionável, e no
curso de música isso é ainda mais nítido. O emprego dos recursos da Educação a Distância
possibilita tanto a inserção dos estudantes no mundo virtual, como também desenvolver uma
nova relação com o saber, a partir do diálogo e da construção do conhecimento em rede.
O sentido de constante aperfeiçoamento está presente na concepção desse projeto,
considerando que as produções serão agregadas ao acervo hipermidiático à medida que forem
construídas. E mesmo as produções construídas terão uma concepção aberta no que tange à
sua qualificação permanente.
Referências

ADAMI, Felipe K. Instrumentos da Orquestra. Disponível em:


http://thor.sead.ufrgs.br/edital13/FelipeAdami/instrumentos.php. Acesso em 24 Maio 2012a.

ADAMI, Felipe K. Orquestra Virtual UFRGS. Disponível em:


http://thor.sead.ufrgs.br/edital13/FelipeAdami/index.php. Acesso em 24 Maio 2012b.

ADLER, Samuel. The Study of Orchestration, 3a. Edição. Londres: W.W. Norton, 2000.

BOTA, João Vitor; CARRASCO, Claudiney R. DVD-ROM Didático de Instrumentação e


Orquestração. Vol. 1 - Madeiras. Unicamp, 2005. DVD-Rom.

BOTA, João Vitor; CARRASCO, Claudiney R. DVD-ROM Didático de Instrumentação e


Orquestração: usos e recursos multimídias no estudo musical. In: Na. 2. Seminário Música,
Ciência e Tecnologia. Universidade Estadual de Campinas, 2012. Disponível em
http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?pid=MSC0000000102005000100015&script=sci
_arttext

HUGILL, Andrew; PHILHARMONIA ORCHESTRA. The Orchestra: a user’s manual.


Disponível em: http://andrewhugill.com/manuals/. Acesso em 21 Fev. 2011.

KENNAN, Kent Wheeler. The technique of orchestration. Englewood Cliffs: Prentice-Hall,


1952.

THOMAS, Jerry R.; NELSON, Jack K. Research methods in physical activity.


3.ed. Champaign : Human Kinetics, 1996.

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