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A «Lei de Murphy» e os aquários

A ideia de que «se alguma coisa puder correr mal, irá certamente correr mal» não
necessita obrigatoriamente de se aplicar aos aquários. Quanto mais nós soubermos
acerca do nosso tanque, menores serão as probabilidades de os nossos peixes
morrerem.

CONSEGUIR MANTER UM AQUÁRIO equilibrado e que funcione em excelentes


condições durante anos não é, com os equipamentos e a tecnologia disponíveis hoje em
dia, uma tarefa muito complicada, sobretudo se prestarmos atenção a alguns aspectos
cruciais. Mas para a maior parte dos aquariófilos inexperientes identificar esses
pormenores pode implicar «lições» particularmente dolorosas e com custos elevados...
E a verdade é que a maior parte deles podem ser sintetizados de forma sistemática;
consistem basicamente em dez «regras de ouro» - uma espécie de leis naturais -, que
devem ser religiosamente observadas para se conseguir pôr qualquer tanque a
funcionar correctamente e conservá-lo em óptimas condições...

Convém no entanto referir que, apesar de no plano teórico a estrita observância destas
leis ajudar a criar as condições para que peixes e plantas possam disfrutar de uma vida
saudável e vigorosa, elas dependem sempre de factores incertos. Dependem
nomeadamente das condições específicas do aquário durante as semanas seguintes à
sua instalação - a chamada fase de «arranque» - e dependem também de todas as
ocorrências posteriores que envolvam a comunidade de seres vivos, pois se um peixe
for constantemente agredido por outro, poderá ficar doente e transmitir esse problema a
todos os outros... Mas também nestes casos a atenção aos detalhes ajudará a prevenir
em vez de ter de se remediar...

Regra #1 - Fomentar uma filtragem biológica eficiente

Por «biológica» entende-se uma filtragem através de um meio que as bactérias


aeróbicas possam colonizar e a partir daí exercer a sua acção benéfica na água e retirar
dela certas substâncias prejudiciais, limpando-a e purificando-a. Aliás, existem até
algumas bactérias especiais que conseguem mesmo remover da água o excedente de
fertilizantes. Várias estações de tratamento de esgotos industriais também se socorrem
desta técnica de filtragem, embora em grande escala, como é óbvio. Através dela, chega
até a ser possível a regeneração da água dos esgotos ao ponto dessa água voltar a ser
potável, com uma qualidade que a torne apta para ser bebida sem problemas pelo ser
humano...

Nos dias de hoje praticamente todos os grandes fabricantes de equipamentos de


tratamento de água e filtros para aquários oferecem uma gama completa dos produtos
necessários para assegurar essa purificação controlada por bactérias aeróbicas. Desde
massas filtrantes especialmente vocacionadas para serem colonizadas por esse tipo de
bactérias até culturas específicas de bactérias prontas a serem directamente
introduzidas no tanque, nada falta, sendo que essas culturas se revelam muito úteis na
instalação de um novo aquário e durante a fase de amadurecimento do sistema.

Regra #2 - Ter a temperatura correcta em todo o ambiente

Esta regra é particularmente importante nos aquários tropicais e, além da água,


estende-se ao substrato. Na maior parte dos aquários plantados as diferenças de
temperatura entre o substrato e a água é o grande factor restritivo ao desenvolvimento
das plantas enraizadas. Embora seja um método pouco implantado entre nós, o sistema
de aquecimento colocado debaixo do areão é inquestionavelmente o que proporciona
melhores resultados com as plantas enraizadas. O aquecimento enterrado sob o areão
do aquário deve abarcar todo o substrato e interagir com todo o ciclo físico-químico do
tanque, com a criação de correntes de convecção.

E em que é que consiste a convecção? Na explicação dada pelo Dicionário Porto Editora,
é a «transferência da energia calorífica através de um líquido ou de um gás, efectuada à
custa do movimento do próprio fluido». Simples, não é? Se o aquecimento for
processado por meio de um termostato imerso no aquário, por exemplo - como é vulgar
verificar-se -, apenas a água é aquecida, permanecendo o substrato à temperatura
ambiente do sítio onde o tanque estiver colocado. Ou seja, haverá sempre diferenças de
temperatura não recomendáveis.

Uns meses depois, o mais provável é que o substrato comece a ficar sujo e muito
escuro, quase negro, e que as raízes das plantas não consigam desempenhar a função
que lhes compete... O resultado é que as plantas começam lentamente a definhar e
acabam por morrer. Ao invés, um sistema de aquecimento enterrado no substrato ajuda
a simular no aquário as correntes subterrâneas que existem em todas as águas naturais
com algum movimento. E como o calor sobe, a água fica rapidamente à mesma
temperatura, obtendo-se um clima mais ou menos uniforme.

Aqui é também importante notar que um substrato equilibrado não depende só da


qualidade; depende igualmente da quantidade. Como substrato equilibrado
recomenda-se uma primeira camada com 2 a 3 centímetros de espessura composta por
uma mistura de areão e de laterite tropical com um elevado índice de ferro. Esta camada
deve ser secundada por uma outra de sensivelmente igual espessura mas já só de
areão, sendo que o areão deve ser composto por pequenos seixos inertes de 2 a 3
milímetros de diâmetro cada.

Este tipo de substrato apresenta as seguintes vantagens: os materiais nutrientes para as


plantas serão activados no substrato e poderão ser absorvidos por elas tanto através
das raízes como das folhas. Além disso, com seixos deste diâmetro, o oxigénio poderá
ser levado até ao substrato, mantendo-o funcional por um período de tempo muito
alargado. E seria errado pensar que os aquecedores enterrados debaixo do substrato
podem apresentar mais riscos para a segurança das pessoas e dos peixes em caso de
avaria do que os outros, pois os padrões de fraca voltagem adoptados pela indústria são
muito semelhantes para todos os equipamentos.

Regra #3 - Provocar uma eficaz circulação da água

Há quem pense que uma circulação eficaz da água equivale a falar de uma forte
circulação da água, mas na realidade não é bem assim. A circulação deverá estar
ajustada às necessidades das espécies de peixes e plantas que queremos colocar no
aquário. No entanto, para esses será certamente mais prejudicial uma circulação
deficitária do que ligeiramente superavitária. O que temos que ter sempre presente é
que uma boa movimentação da água é essencial pelas seguintes razões:

Para facilitar a troca gasosa à superfície do aquário, oxigenando a água


Para assegurar uma temperatura constante em todas as zonas submersas do tanque
Para retirar os resíduos orgânicos das folhas das plantas, onde limitariam a sua
capacidade de absorver a luz
Para permitir que nutrientes frescos possam chegar à superfície das folhas das plantas
Para providenciar uma corrente aos peixes e plantas originários de zonas com águas
mais rápidas

Escusado será alargarmo-nos neste ponto: com a quantidade de filtros e bombas


existentes hoje no mercado, a implementação de um sistema que ajude a atingir este
propósito é algo extremamente simples.

Regra #4 - Implementar uma iluminação adequada

A luz assume uma dupla função para o sistema dentro do aquário: ilumina a pequena
cópia do mundo aquático de uma forma adequada aos olhos humanos e fornece
simultaneamente a energia de que as plantas necessitam para fazerem a fotosíntese e
crescerem. Na verdade, esta segunda função da iluminação afigura-se como um
aspecto muito importante no seio do processo químico e biológico completo do aquário
e muitas vezes, designadamente quando já são velhas, as lâmpadas ainda conseguem
assegurar a primeira função em condições satisfatórias mas já não a segunda.

Com efeito, a luz precisa de fornecer energia e é dessa energia que as plantas precisam
para terem um óptimo metabolismo. A luz é, por assim dizer, o «motor» que faz andar a
vida no aquário: ajuda as plantas a regularem as suas exigências de nutrientes, a
produzirem oxigénio e a controlarem assim as descargas de dejectos orgânicos que são
produto dos seus metabolismos e dos dos outros seres vivos que com elas coabitam. E
também aqui não é só a quantidade, mas também a qualidade, da luz que conta. Por
isso, a iluminação deve estar tanto adaptada às dimensões do aquário - incluindo a
profundidade - como à água e as condições de vida do seu meio ambiente.

Regra #5 - Assegurar a estabilidade da água


Como regra geral para um aquário comunitário, basicamente o que se pretende é isto:
um valor neutro no pH e ainda uma dureza de carbonatos estável e de 3-4° dH no
mínimo. Isto porque num aquário comunitário - algo que, por convicção pessoal,
admitimo-lo, não consideramos a melhor opção, preferindo claramente os aquários de
biótopo -, os peixes e as plantas provêm frequentemente de águas que diferem entre si
tanto geográfica como quimicamente. Alguns vêm de águas mais ácidas, outros de
águas ligeiramente alcalinas...

Por conseguinte, a solução é tentar «agradar a gregos e a troianos». Nestes casos um


pH de valor neutro é o recomendável para se criar um ambiente apto para todos os
peixes e todas as plantas. E é fácil estabelecer e manter um pH neutro, particularmente
se se instalar um sistema de fertilização por injecção de dióxido de carbono no tanque,
solução que permite simultaneamente fornecer às plantas aquáticas submersas a
quantidade óptima de carbono. Quanto ao modo de regulação dos sistemas modernos
de fertilização através do fornecimento suplementar de dióxido de carbono, tanto pode
ser semi-automático como totalmente automático.

Regra #6 - Proporcionar uma nutrição natural às plantas

A pré-condição mais importante para que haja um crescimento saudável das plantas
dentro do aquário é que elas tenham sempre disponíveis todos os nutrientes de que
necessitam, incluindo os elementos residuais. Contrariamente às águas tropicais onde
essas plantas habitam, a água da torneira apresenta grandes deficiências nesse
domínio: faltam-lhe muitos nutrientes importantes e elementos residuais, tendo
inclusivamente alguns deles sido extraídos da água durante os processos a que ela foi
sujeita na estação de tratamento para consumo doméstico.

Além disso, muitos nutrientes - especialmente elementos residuais importantes - são


completamente consumidos pela luz ou pelas plantas no aquário. Todavia, mesmo que
só falte um único nutriente, o crescimento das plantas é atrofiado ou então acabam
mesmo por perecer, tal como nos enuncia a «Lei dos Mínimos» de Liebigs: «a
distribuição de uma espécie é controlada por aquele factor ambiental para o qual o
organismo apresenta o menor grau de adaptabilidade ou controlo».

A título complementar, refira-se uma outra lei de Liebigs, a «Lei dos Factores
Limitativos», segundo a qual há seis factores que afectam o crescimento e a produção
das plantas; são eles o ar, a água, a luz, a temperatura, o solo e os nutrientes que
estiverem disponíveis no meio ambiente. De acordo com esta lei, «a produção de uma
colheita é restringida pela falta de um único elemento, mesmo que possam todavia
existir quantidades suficientes de todos os outros nutrientes essenciais».

Regra #7 - Plantar de forma densa e abundante

Tal como sucede no ambiente terrestre, também no aquário a criação das melhores
condições de vida exige uma boa vegetação. Para se manterem em óptimas condições,
os aquários devem ter uma densa quantidade de plantas saudáveis e que nele cresçam
vigorosamente. Desde logo porque, entre várias outras, um tanque bem plantado
apresenta as seguintes vantagens:

As plantas libertam oxigénio para a água e para o substrato, prevenindo desse modo
que o substrato fique preto
As plantas removem detritos orgânicos
Algumas plantas em especial são capazes de destruir germes causadores de doenças...
...e até remover substâncias tóxicas da água
Uma vegetação densa e com forte crescimento é a melhor protecção contra todos os
tipos de algas...
...e ajuda a criar bons esconderijos e lugares de procriação para os peixes

Regra #8 - Manter uma população de peixes equilibrada

Para qualquer aquariófilo, o conceito de uma população de peixes equilibrada é


indissociável da sua ambição de projectar um ambiente óptimo tanto para os peixes
como para as plantas. No tanque ideal, os peixes e as plantas devem resultar numa
combinação harmoniosa e para que isso se verifique há que observar estas regras
básicas:

Não misturar peixes que se ataquem uns aos outros continuamente


Evitar peixes que comam plantas
Introduzir no tanque desde o início peixes comedores de algas a título preventivo
Ter a certeza de que todos os peixes têm as mesmas exigências relativamente à água,
especialmente no que toca à temperatura, ao pH e à dureza
Escolher peixes que ocupem todas as áreas do aquário, ou seja, as zonas do fundo, do
centro e da superfície
Não introduzir peixes com gostos alimentares fora do vulgar, sobretudo quando não se
tem a certeza de lhes poder depois vir a fornecer sempre a alimentação de que
necessitam

Regra #9 - Recriar os ambientes originários dos peixes

Estamos agora a chegar à parte mais interessante. Como é que conseguimos cuidar dos
peixes recriando condições compatíveis com as que eles encontram nos trópicos?
Muito simples: em primeiro lugar recolhendo informação sobre isso, ou seja, estudando.
O resto é a parte mais fácil: os peixes dependem de uma alimentação equilibrada, rica
em vitaminas e que possam digerir com facilidade para gozarem de uma boa saúde e
terem um comportamento naturalmente activo no longo prazo, tal como os restantes
animais. E esse tipo de alimentação é hoje em dia fácil de encontrar nas lojas da
especialidade.
Aliás, como a maioria dos peixes tropicais provêm de águas com níveis de salinidade
muito reduzidos, essas comidas já asseguram que eles apenas recebam uma dieta com
muito pouco teor de sal, caso contrário a ocorrência de doenças intestinais seria algo
praticamente inevitável. Assim, resta pouco com que se preocupar ao aquariófilo neste
domínio: é só ver se os flocos, o granulado ou as tabletes são adequadas ao tipo de
peixes - dependendo se eles se alimentam à superfície, se comem no fundo, etc - e à
dimensão das suas bocas. Ocasionalmente, pode variar a dieta dando-lhes comida
congelada de fonte fidedigna...

Regra #10 - Monitorizar frequentemente todas as variáveis

Depois de instalado o aquário, a componente mais importante da sua manutenção


passa a residir sobretudo no controlo minucioso e regular dos parâmetros mais
importantes da água. É assim que se conseguirá prevenir que as condições dentro do
aquário possam modificar-se de tal modo que venham a descambar para níveis
incontrolados. Aquelas pequenas mudanças que ocorrem a cada dia não devem passar
despercebidas ao aquariófilo, sob pena de mais tarde ele se vir na obrigação de efectuar
grandes mudanças, que dão muito mais trabalho e apresentam quase sempre
resultados pouco satisfatórios.

Equivale isto a dizer que é necessário monitorizar diariamente a temperatura e testar


com regularidade parâmetros como o valor do pH, a amónia, os nitritos e os nitratos, a
dureza de carbonatos, os teores de ferro e de cobre e os níveis de fosfatos. Comparado
com os cursos naturais, o aquário é uma massa de água muito pequena e os valores
obtidos nestes testes provam que frequentemente esses parâmetros podem oscilar de
um extremo ao outro num curto período de tempo. É por isso que o aquariófilo deve
tentar obter um elevado grau de estabilidade e continuidade no meio a seu cargo. Tal
como esta regra se aplica a qualquer sistema vivo, também aqui a análise e o
diagnóstico são sempre essenciais para a terapia.

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