Você está na página 1de 61

Da família anaparental: Do reconhecimento como entidade familiar

Susileine Kusano

Resumo: A família é um instituto em eterna mutação e, fruto da sociedade que


é, a família a ela se adéqua. E nem sempre ao legislador é possível normatizar
todas as condutas sociais, e menos ainda na seara de direito de família, que é
um dos ramos do direito mais humano, não possuindo assim, de pronto,
soluções para todas as questões familiares que surgem, tendo que se valer o
aplicador do direito das normas a que dispõe, tendo sempre em vista a
promoção da dignidade humana e o bem de todos. Com a democratização do
direito de família, novas modalidades de famílias vem se formando, fundadas
primordialmente no afeto, carinho, dedicação e apoio mútuo, como a família
anaparental. A questão que surge é a possibilidade ou não da mesma ter
proteção estatal como uma entidade familiar, tal como tem as espécies de
famílias do rol do artigo 226 da Constituição Federal, bem como os efeitos civis
advindos desse reconhecimento.[1]

Palavras chaves: Entidade familiar. Família anaparental. Dignidade.


Reconhecimento. Efeitos.

Abstract: The family is an institute in eternal changing, which is the result of


society, the family fits to the society. And to the legislature is not always
possible to standardize all social behaviors, and less in the camp of family law,
which is a more human law, in virtue of that it doesn’t have, thus, ready, all the
solutions to the family issues that arise, the law enforcer has to use the rules
that exist, wanting to promote human dignity and welfare for all. With the
democratization of family law, new forms of families is being formed, based
primarily on affection, love, dedication and mutual support as the no parental
family. The question that arises is the possibility or not of the State gives the
same protection to this type of family, as are the species of the family role on
Article 226 of the Federal Constitution, as the effects of the civil recognition.

Keywords: Family, Parental family, Dignity, Recognition, Effects.

Sumário: Introdução. 1. Breve histórico acerca do instituto família. 2. A família


no Brasil: noção histórica e evolução. 2.1. Entidade familiar no ordenamento
jurídico brasileiro. 2.1.1. Sucinta evolução legislativa da família: das
Constituições e aos Códigos Civis de 1916 e 2002. 2.1.2. A transformação da
família à luz da Constituição Federal de 1988. 2.1.3. Do Código Civil de 2002.
2.1.4. Breves comentários ao Projeto de Lei nº 2.285/07: Estatuto das Famílias.
3. Conceito de família: classificação e peculiaridades. 3.1. Do princípio da
dignidade da pessoa humana e sua efetiva aplicabilidade ao Direito de Família.
3.2. Da afetividade e seu valor jurídico na constituição das famílias. 4. Rol do
artigo 226 da Constituição Federal: taxativo ou meramente exemplificativo? 4.1.
Espécies de famílias. 4.1.1. Da Família matrimonial. 4.1.2. Família
Monoparental. 4.1.3. Família Informal. 4.1.4. Da família homoafetiva e da
família substituta. 4.1.5. Família Pluriparental. 4.1.6. Família Paralela. 4.1.7. Da
Família Eudonista. 4.2. Da família anaparental e a possibilidade de
reconhecimento como entidade familiar. 5. Possíveis efeitos civis decorrentes
do reconhecimento da família anaparental como entidade familiar. 5.1. Dos
alimentos. 5.2. Da sucessão. 5.3. Do direito real de habitação. Considerações
finais. Referências.

INTRODUÇÃO

A Constituição Federal em seu artigo 226 consagra a família como a base da


sociedade, conferindo a ela especial proteção do Estado, e em seus parágrafos
alenca o rol de espécies de entidades familiares, sendo elas: a constituída pelo
casamento civil ou religioso com efeitos civis, a união estável e a família
monoparental.

Porém, em decorrência das rápidas mudanças sociais, novas modalidades de


famílias vêm se formando, constituídas não só pelos laços consanguíneos ou
matrimoniais, mas pautadas, primordialmente, na afinidade de uns em relação
aos outros e no afeto, transformando estas convivências em verdadeiras
entidades famílias.

Estes novos arranjos são as denominadas famílias sócio-afetivas, e dentre elas


figura a família anaparental, a qual possui como basilar o elemento afetividade,
que se caracteriza pela inexistência da figura dos pais, ou seja, constituí-se
basicamente pela convivência entre parentes do vínculo da colateralidade ou
pessoas – mesmo que não parentes e sem conotação sexual - dentro de uma
mesma estruturação com identidade de propósitos, que é o animus de
constituir família.

E apesar do crescimento do número desta nova realidade no Brasil, ela ainda


não ganhou a atenção e a importância devida dos estudiosos do direito e do
próprio Estado. E esta é facilmente constatada, a exemplo é a convivência de
dois irmãos que, tendo falecido os pais, continuam a viver juntos, situação em
que, às vezes, um passa a se responsabilizar pelo outro irmão,
desempenhando os papéis de pai e mãe, dando não só assistência material,
mas amor e carinho; ou então, por esforço mútuo, adquirem patrimônio comum.

E como a família anaparental não se restringe tão só aos parentes, há ainda o


exemplo de duas amigas aposentadas e viúvas que, decidem compartilhar sua
velhice juntas, dividindo alegrias e tristezas, convivência esta que se
caracteriza pelo auxílio material e emocional mútuo e pelo sentimento sincero
de amizade.

Porém, estes conviventes ainda não gozam da proteção do Ordenamento


Jurídico como uma entidade familiar, não sendo a eles garantido os direitos
que somente são disponibilizados para os que constituem uma das espécies de
entidades familiares do rol do artigo 226 da Constituição Federal.

Assim, o problema apresentado refere-se ao rol das espécies de entidades


familiares do artigo 226 da Constituição Federal. É ele taxativo ou meramente
exemplificativo, possibilitando, assim, sua extensão a outras espécies de
famílias? Sendo que esta possível extensão seria verificada face o Princípio da
Pluralidade Familiar e o Princípio da Dignidade Humana, fundamento máximo
da Carta Maior.

Indaga-se ainda sobre o elemento caracterizador da entidade familiar - poderia


a família anaparental ser assim caracterizada tão só pela presença da
afetividade entre seus membros? – e, ao final, busca-se apresentar possíveis
efeitos jurídicos civis decorrentes deste reconhecimento a tal entidade.

Para a busca de tais respostas, o método a ser utilizado no presente trabalho


será o dedutivo e o histórico. O dedutivo resulta do estudo de premissas, como
a possibilidade da interpretação extensiva do artigo 226 da Constituição
Federal e do elemento afetividade como formador de família o que permitirá se
chegar a conclusão da possibilidade ou não do reconhecimento jurídico da
família anaparental. E o método histórico decorre do estudo da evolução
histórica do instituto família, o que permite compreendê-la nos dias atuais, uma
vez que a família é fruto da sociedade.

O direito de família é um dos ramos do direito mais voltados para o aspecto


humano, pois cuida da relação pessoal de cada indivíduo na seara que lhe é
mais íntima, os sentimentos. E quando se trata de família, novas situações
sempre surgem, já clamando por solução ou amparo no ordenamento jurídico
brasileiro, respostas estas que, nem sempre se encontram na letra da lei.

Assim, o magistrado, ao aplicar as leis que tem em mãos, deve humanizá-las,


pois as normas de Direito de Família não podem ser aplicadas tão só se
observando ipsi litteris a letra da lei, mas, também, com observância aos
Direitos Humanos, procurando sempre o bem comum e a preservação da
dignidade da pessoa humana, para a aplicação da verdadeira justiça.

1. BREVE HISTÓRICO ACERCA DO INSTITUTO FAMÍLIA

A família é um instituto em eterna mutação. Pode-se dizer que ela se confunde


com a própria história - sendo considerada por muitos autores, inclusive, como
uma das entidades mais antigas do mundo -, pois ao longo da história da
civilização, a cada mudança, seja cultural, econômica, artística ou religiosa, a
família a ela se adequou, esculpindo diversos modelos de família. Assim, a
família deve ser analisada, antes de tudo, sob o ponto de visto sociológico,
uma vez que esta se transforma e se adapta na medida em que ocorrem as
mudanças sociais.

Como bem assevera Gama (2008, p. 5), “[...] não há como reconhecer um
modelo único de família universal, hermenético, estanque e intocável”. Ou seja,
é incabível afirmar que o modelo de família adotado durante os primórdios no
mundo Ocidental, era o mesmo no Oriental, afinal, os costumes, as crenças, os
regimes políticos, enfim, a sociedade era – e é – em muito diferentes.

Em face da escassez de documentos fáticos comprobatórios acerca de origem


da família no mundo Ocidental, não há como se traçar um linear histórico
perfeito que a explique desde seus primórdios, assim já dizia Pereira (2007, p.
23):

“Quem rastreia a família em investigação sociológica, encontra referências


várias a estágios primitivos em que mais atua a força da imaginação do que a
comprovação fática; mais prevalece a generalização de ocorrências
particulares do que a indução de fenômenos sociais e políticos de franca
aceitabilidade.”

De acordo com Marcassa ([s.d], p. 85), um dos precursores a se aventurar


nesta seara foi Frederich Engels, em sua obra intitulada “A origem da família”,
da propriedade privada e do Estado, na qual descreve os três estágios pré-
históricos pelo qual teria passado a cultura e os respectivos modelos de
famílias predominantes de cada época, que segundo a concepção de Morgan
(apud MARCASSA, p. 85) são as seguintes: o Estado Selvagem, que
preponderou a família consangüínea, em que era comum a relação carnal entre
os familiares; na Barbárie, deu-se início às relações entre os grupos, originando
as chamadas “gens”, em que a família tinha origem na matriarca, sendo após,
substituída pela família sindiásmica que era o matrimonio por pares, mas
presente ainda a figura da poligamia como direito exclusivo dos homens; e a
Civilização, que prevaleceu o modelo monogâmico de família.

Angels, no prefácio de sua obra de 1891, escreveu que o início do estudo da


história da família somente se deu por volta de 1860, com a obra de Bachofen,
intitulada Direito Materno (BUORICORNE, 2007). Bachofen sustentava a tese
Matriarcal – Estado Bárbaro -, onde no estado primitivo das civilizações, os
grupos familiares tinham sua origem na matriarca, ou seja, a família se
originava da mãe. Naquela época, as mulheres se relacionavam com qualquer
homem que integrasse a tribo a que pertenciam, era a chamada endogamia
(VENOSA, 2008, p. 3), e, como conseqüência, era possível se conhecer com
certeza, apenas a mãe da criança gerada, arcando sozinha a genitora com o
sustento, zelo e carinho para com seu filho.

E segundo explica Venosa (2008, p. 3), com o passar dos tempos, na vida
primitiva, “[...] com as guerras, a carência de mulheres e talvez uma inclinação
natural, os homens passaram a buscar relações com mulheres de outras tribos,
antes que em seu próprio grupo”. Este fenômeno, “[...] os historiadores fixam
como a primeira manifestação contra o incesto no meio social”. Levando o
homem a constituir relações mais estáveis com as mulheres, com caráter de
quase exclusividade, que fora o nascedouro das relações individuais, ou seja,
da monogamia.

Formou-se assim a Família Sindiásmica (MARCASSA, 2006), na qual o homem


passa a viver com uma mulher principal, porém, tal fato não aboliu a figura da
poligamia e da infidelidade, constituindo estes costumes, agora, em direitos
exclusivos dos homens, sendo de outro norte, exigido maior rigor no que tange
a fidelidade das mulheres aos seus respectivos companheiros, sendo elas
cruelmente castigados em caso de adultério. É a partir deste ponto que se tem
o nascedouro daquele conceito da família patriarcal romana, modelo adotado
pelo mundo ocidental.
Em oposição ao que ocorre com a tese anterior, o modelo patriarcal - que até
muito perdurou em nossa sociedade – possui muitos e variados registros
históricos que contribuem para enriquecer em detalhes as várias etapas pelas
quais esta forma de família adquiriu ao longo do tempo.

Em Roma, a família se estruturava na figura marcante do patriarca, era o


chamado paterfamilia, este detinha total autoridade sobre toda a sua família.
O pater era ao mesmo tempo, o chefe político, sacerdote e juiz, exercendo
sobre sua esposa autoridade total e sobre os filhos, o direito de vida e de
morte, podendo-se dizer que estes eram eternamente incapazes; inclusive, os
bens que eventualmente adquirissem, era por direito de propriedade do pater.
A mulher vivia toda sua vida sob a autoridade de um homem: quando solteira,
sob a autoridade do pater, seu pai, e após o matrimônio, tornava-se
subordinada de seu marido, tornando-se propriedade do mesmo (GAMA,
2008).

De acordo com Venosa (2008), o fundamento da família era a religião, ou seja,


a família romana era organizada em razão da idéia religiosa, motivo pelo qual
todas as casas eram quase que templos, sendo ali realizados os cultos aos
seus deuses e antepassados. A figura da religião doméstica para esse povo se
constituía em um forte vínculo familiar, pois cada família cultuava seu deus,
tradição que era passada de geração a geração, sempre por meio do filho
primogênito.

A mulher ao se casar, passava a cultuar os deuses e antepassados do seu


marido. Daí a importância para as famílias que o filho descendente desse
continuidade aos cultos, sendo o celibato visto como uma desgraça, pois
colocava em risco a continuidade do culto familiar. O filho deveria ser
proveniente de um casamento religioso, sendo inadmissível o filho havido fora
do casamento – denominado bastardo – dar continuidade ao culto religioso
familiar.

Nesta época, em decorrência da importância da continuidade do culto familiar,


era aceitável a figura da adoção que, na impossibilidade de o filho de sangue
dar continuidade ao culto, este era feito pelo filho adotivo, como forma de
perpetuar a família e a memória de seus antepassados, pois o adotivo não
carregava sobre si o peso de ser fruto de um ato pecaminoso (GAMA, op. cit. p.
4).

Além da forte presença religiosa na família patriarcal, outro fator também a


identificava: a busca incessante pela acumulação de riquezas. A sociedade era
tipicamente patrimonial, na qual a família era verdadeira unidade de produção.
Os casamentos tinham como fim último a formação de patrimônio, pouco
importando a vontade dos nubentes, vez que esta escolha cabia
exclusivamente aos seus pais (FARIAS, 2007).

Segundo Gama (2008) com a evolução natural do Direito Romano, começou a


ocorrer uma diminuição da autoridade do pater, e conseqüentemente,
concedeu-se maior autonomia aos filhos e à mulher, que, na época Imperial
esta passa a gozar de autonomia, participando da vida social e política.
Com o aparecimento do Cristianismo em Roma, a Igreja passou a legislar
através das normas denominadas cânones, com o intuito de diferenciá-las do
direito romano até então vigente. Dentre as alterações trazidas pelo Direito
canônico, fora a concernente ao casamento, em que o objetivo principal do
casamento passa a ser a procriação, a cópula, e tentou ainda, sem muito
sucesso, amenizar a posição de inferioridade da mulher em relação ao homem
no matrimônio (Gama, 2008).

Gama (op. cit. p. 17) ainda acrescenta ainda a terceira influencia pela qual teria
sofrido o direito em Roma, qual seja, o Direito Bárbaro – ou mais conhecido por
direito germânico. No que tange ao instituto da família, este possuía uma
estrutura muito semelhante ao da família romana, divergindo-se esta quanto à
posição da mulher na sociedade conjugal, pois, aqui, ela já não era mais vista
apenas como um objeto de posse de seu marido, haja vista possuir agora “[...]
uma posição moralmente elevada”.

O casamento, que era apenas religioso, passa a ser celebrado também por um
juiz, representante do povo que, em suma, fora o nascedouro da origem do
casamento civil, tendo agora a participação direta de um representante do ente
Estatal. O casamento, a partir de então, era celebrado no civil e no religioso,
atingindo vários países, como o Brasil, que até hoje assim o celebra (GAMA,
2008). Dias (2009, p. 28), resume com perfeição esta fase patriarcal da família:

Em uma sociedade conservadora, os vínculos afetivos, para merecerem


aceitação social e reconhecimento jurídico, necessitavam ser chancelados pelo
que se convencionou chamar de matrimônio. A família tinha uma formação
extensiva, verdadeira comunidade rural, integrada por todos os parentes,
formando unidade de produção, com amplo incentivo a procriação. Sendo
entidade patrimonizada, seus membros eram forçados ao trabalho. O
crescimento da família ensejava melhores condições de sobrevivência a todos.
O núcleo familiar dispunha de perfil hierarquizado e patriarcal.

Referido modelo familiar por muito tempo subsistiu no mundo Ocidental, até no
final do século XVIII, quando ocorreu a Revolução Industrial, e a estrutura
familiar começou a se transformar, pois com o início das atividades industriais e
com a grande demanda de serviços fez-se aumentar, por conseqüência, a
necessidade de mão-de-obra, fator este que contribui para a inserção da
mulher no mercado de trabalho.

Este fator contribuiu relevantemente para a alteração de toda a conjuntura


familiar, na qual o homem era o único provedor da familiar, e a mulher era
apenas a dona-de-casa, agora ela começa a repartir responsabilidades que
antes eram atribuídas tão somente aos homens, e iniciam-se aí mudanças da
figura feminina na sociedade. Nas palavras de Dias (2009, p. 28):

“Assim a mulher ingressou no mercado de trabalho, deixando o homem de ser


a única fonte de subsistência da família, que se tornou nuclear, restrita ao casal
e sua prole. Acabou a prevalência do caráter produtivo e reprodutivo da família
que migrou para as cidades e passou a conviver em espaços menores. Isso
levou a aproximação de seus membros, sendo mais prestigiado o vinculo
afetivo que envolve seus integrantes”.

Tais mudanças se deram de forma muito parecida no Brasil, apesar de terem


ocorrido em épocas diferentes, tiveram quase que o mesmo contexto e
desfecho.

2. A FAMÍLIA NO BRASIL: NOÇÃO HISTÓRICA E EVOLUÇÃO

Vindo com os Portugueses quando da colonização do Brasil em 1530, o direito


romano aqui se moldou conforme os costumes locais da época, porém,
mantendo sempre a mesma estrutura, base e princípios que o formavam.

Assim, inegável é a importância da sua compreensão, uma vez que o


ordenamento jurídico pátrio teve como berço o direito romano e, com este,
viera também o modelo de família de Portugal – resquício da família romana,
por sua vez, influenciado pelo direito canônico e germânico -, qual seja, o
modelo patriarcal, com aquela formação extensiva que abarcava todos seus
parentes, não se restringindo apenas ao casal e sua prole, mas que foi a base
da sociedade quando da colonização do Brasil nos séculos XVI e XVII e que
por muito tempo e, quiçá, até muito pouco, perdurou no Brasil. Assim explica
Moncorvo (2008, p. 14):

“O modelo patriarcal descrito por Freire foi considerado por várias gerações de
estudiosos (historiadores, antropólogos e sociólogos brasileiros) como critério e
medida de valor para compreendermos a vida familiar ao longo do tempo
(Samara, 2002). Da Matta (1987) e Almeida (1987) enfatizam a dominância
patriarcal não só na sociedade colonial, como também no período da
Independência, da República até a história moderna e contemporânea
brasileira. Segundo eles, não só como modelo dominante, mas servindo como
referencial para as demais configurações familiares.”

No que tange ao modelo familiar descrito por Freire, conceituado historiador do


século XX, Samara e Correia (apud MORCOVO. 2008) fazem uma observação
quanto ao referido modelo familiar. Iniciando suas pesquisas acerca do
precitado tema em meados dos anos 80, estes autores concluíram que o
sistema patriarcal não foi o único existente na era colonial, coexistindo com
outros, uma vez que diversificadas eram as culturas existentes no extenso
Território Brasileiro.

Predominou referido modelo nas áreas de lavoura canavieira na Região


Nordestina, como ainda hoje se faz presente, porém, de forma mais branda
(MORVOCO, 2008; SAMARA, 2002). Entretanto, ainda que o modelo patriarcal
não tenha sido o único existente no Brasil no período Colonial, teve ele um
papel fundamental, e se estendeu do período colonial ao contemporâneo,
servindo de referencial para as demais configurações familiares.

E como não poderia deixar de ser, face ainda à grande influência do direito
canônico, houve uma grande aproximação da igreja no ambiente familiar, na
qual o catolicismo, que era a religião oficial de Portugal, também se tornou a do
Brasil, contribuindo com dogmas religiosos do matrimônio, como a
impossibilidade da dissolução do vínculo conjugal, uma vez que o casamento
era considerado um sacramento, sendo o concubinato rechaçado pela Igreja. E
ao casamento religioso eram reconhecidos os efeitos civis.

Com presença marcante da Igreja Católica Apostólica Romana, juntamente


com o Reino de Portugal, a Igreja regulava a vida privada dos brasileiros,
chegando ela a usurpar funções que teriam que ser de competência do Estado,
a exemplo do estado das pessoas naturais, promovendo os registros de
nascimento, casamento e óbito, em uma verdadeira junção dos poderes
temporal e espiritual (GAMA, 2008).

Os filhos havidos de relações fora do casamento eram considerados ilegítimos


e bastardos, não tendo direito a qualquer bem pertencente ao seu pai, ou seja,
não possuíam o direito de herança, direito este, mais estranho ainda à
concubina. Da convivência da concubina e seu filho bastardo se configurava o
que hoje é conceituado como família monoparental, ou seja, desde o período
Colonial – e certamente, bem anterior a este período - já se fazia presente na
sociedade a figura da entidade monoparental (MORCOVO, 2008).

Outro ponto de suma importância nessa época era a valorização da figura da


família na vida social do indivíduo, pois ainda não existia a ideia de valorização
do indivíduo enquanto pessoa, sendo esse valorado pelo círculo familiar a que
pertencia, caso contrário, era ignorado, não possuindo, assim, credibilidade
alguma. Ou seja, o homem, para ter prestígio social, necessitava ter uma
esposa, família/filhos dignos, em suma, possuir um lar honrado e exemplar.

O modelo patriarcal de família perdurou na sociedade brasileira até meados do


século XIX, quando já nos primeiros anos da Proclamação da República
(1889), a família patriarcal começou a apresentar sinais de fraqueza.

Desde o período colonial até então as Ordenações Filipinas serviram como


regramento do sistema normativo brasileiro – fato este observado até o
advento do Código Civil de 1916 – porém, o direito de família, durante todo
esse período, sofreu várias alterações legislativas, como o Decreto de 3 de
novembro de 1827, que assimilou o Direito Matrimonial do Concílio de Trento,
no qual fora formalmente reconhecida a adoção do direito canônico, a
celebração e a dissolução do casamento, sobrevindo posteriormente com o
Decreto 181, de 24 de janeiro de 1890, a introdução do casamento civil no
Brasil, como conseqüência da desvinculação do Estado de qualquer religião
(GAMA, 2008).

Em 1929, com a quebra da bolsa de Nova York, um dos seus reflexos


imediatos fora a decadência da cafeicultura, que, combinadas com as
mudanças geradas pela Revolução de 1930, promoveu modificações no eixo
da política econômica, assumindo um caráter mais nacionalista e industrial, que
culminou na transferência do capital para a indústria (SILVA, R., não paginado).

Com isso, os grandes fazendeiros foram obrigados a se adaptar à nova


realidade econômica, ampliando seus negócios para os centros urbanos,
tornando-se banqueiros, industriais e, com isso, deixou-se de viver nas
fazendas para residir nas cidades. Com toda essa transformação não houve
mudanças apenas no setor econômico, a cultura e os costumes a ele se
adequaram, e agora os filhos dos fazendeiros investiam em estudos, como as
faculdades de direito, engenharia e medicina, bem como as tarefas agora eram
divididas entre homens e mulheres.

Em virtude de tal alteração no cenário econômico brasileiro, na segunda


metade do século XIX - por volta de 1958 -, as indústrias começaram a se
desenvolver rapidamente, foi o verdadeiro auge da indústria – momento
comparado por alguns autores como a Revolução Industrial no Brasil -, período
em que, como ocorreu na Inglaterra durante a Revolução Industrial e se repetiu
no Brasil, houve um grande incremento na oferta de trabalho fabril, com a
conseqüente inserção da mulher no mercado de trabalho, acarretando, também
aqui no Brasil, algumas sutis mudanças na estrutura familiar, sutis porque,
apesar de a mulher passar a contribuir no orçamento doméstico, exercendo
ainda o papel de mãe dedicada e dona-de-casa, em muito pouco se alterou sua
posição no seio da família. Nas palavras de Samara (2002, não paginado):

“O que se nota, ainda nessa fase, é que, apesar da República e das mudanças
que estavam ocorrendo, a vida continuou girando em torno da família e que a
legislação reforçou, uma vez mais, o privilégio masculino. O marido continuava,
legalmente, com a designação de chefe de família, como no velho Código
Filipino (1870), compilado em Portugal em 1603. O Código Civil de 1916
reconheceu e legitimou a supremacia masculina, limitando o acesso feminino
ao emprego e à propriedade. As mulheres casadas ainda eram, legalmente,
incapacitadas e apenas na ausência do marido podiam assumir a liderança da
família”.

Nesse período, pode-se dizer, ocorreu a combustão necessária para o início do


novo ciclo pelo qual passariam as entidades familiares, o que comprova a
afirmação anteriormente feita de que a família é fruto da sociedade, ou melhor,
é fruto de uma série de influências das mais variadas, motivo pelo qual, ainda
hoje, não há como se definir precisamente um conceito de família, pois como
não há a estatização da sociedade - o que cumpre ressaltar, está em constante
mudança -, o seu conceito se define por períodos e épocas.

Assim, apesar das pequenas conquistas alcançadas nesta época, ela não
deixa de ser um marco de grande valia, pois a partir de então, a família passa a
ter a mulher também como fonte de subsistência, tornando-se nuclear,
restringida à figura do pai, da mãe e sua prole, diferentemente do que ocorria
até então, vivendo agora em espaços menores, fator que contribui para
estreitar os laços afetivos entre os entes que a compunham (DIAS, 2009).

Em síntese, Lôbo (apud GAMA, 2007) estrutura os períodos que a família


atravessou em três grupos. O primeiro deles foi o período religioso, no qual
predominou o modelo patriarcal de família, influenciado pelo direito canônico,
tendo seu início no Brasil-Colônia, perdurando tal modelo até o início do Brasil
Império, datando aproximadamente de 1500 até 1889.
A partir de 1889, com a Proclamação da República, predominou o modelo de
família laico, caracterizando-se pela progressiva redução do modelo patriarcal,
quando, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, não só se
extinguiu de vez o modelo patriarcal, como teve fim o formato hierárquico de
família, prevalecendo agora a democratização das relações, na qual se prioriza
a igualdade, a dignidade da pessoa humana e o respeito mútuo.

Hoje, a Carta Magna reconhece as seguintes espécies de entidades familiares:

a) a originária do casamento civil ou religioso com efeitos civis;

b) união estável, constituída pela convivência duradoura, pública e contínua


entre homem e mulher com o animusde constituir família;

c) família monoparental, que se restringe a convivência de apenas um dos


ascendentes com seu descendente;

d) família substitutiva – termo utilizado por Monteiro (2007) – ou adotiva, que se


caracteriza pelo lar no qual a criança é colocada, seja por não possuir a família
biológica ou no lugar desta, quando essa medida for verificada como mais
apropriada para o menor (MONTEIRO, 2007; VENOSA, 2008).

Nota-se que o legislador, ao elevar a união estável ao patamar de entidade


familiar, concedeu-lhe status de família tão só pela simples e pura existência
dos laços de afetividade existentes entre os conviventes, ou seja, houve o
reconhecimento da afetividade como elemento formador da entidade familiar.

Diante disso torna-se possível afirmar que, hoje, seja qual for o modelo de
família, ela não mais se restringe às constituídas pelos laços consanguíneos ou
de matrimônio, mas se valem principalmente dos vínculos de afetividade, amor
e companheirismo entre os entes que as compõem. Nas palavras Gama (2008,
p. 27):

“[...] a progressiva emancipação econômica, social e jurídica da mulher, a


significativa redução do número médio de filhos nas entidades familiares, a
maior complexidade da vida contemporânea decorrente dos problemas
atinentes à inserção profissional da pessoa humana, à massificação das
relações econômicas (inclusive as de consumo), à urbanização desenfreada,
aos avanços científicos no campo do exercício da sexualidade, entre outros
fatores, impuseram mudanças na função e na concepção das novas famílias.”

Houve uma completa reformulação do conceito de família. Na família


contemporânea houve a valorização do afeto, amor e carinho nas relações
familiares, remodelando toda a concepção jurídica de família, campo em que
até então era valorada apenas a instituição família, e não o indivíduo enquanto
parte integrante de uma, tendo assim, a família, a função social de viabilizar o
desenvolvimento de cada ente enquanto indivíduo. Pode-se dizer que o afeto, o
amor e o carinho são as bases de sustentação das entidades familiares,
sintetizando: “LAR significa: Lugar de Afeto e Respeito” (DIAS, 2009, p. 27).
2.1. ENTIDADE FAMILIAR NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

O direito evolui à medida que a sociedade evolui. Porém, a sociedade pode ser
comparada a um trem elétrico, enquanto o direito é o trem a vapor. Novas
situações sempre surgem, já clamando por solução ou amparo no
ordenamento jurídico brasileiro, resposta esta, nem sempre encontrada na letra
da lei. Família e sociedade se entrelaçam, pois esta é fruto daquela. E o direito
de família nos últimos anos é um dos ramos que mais tem sofrido alterações, e
que, provavelmente, ainda passará por muitas.

2.1.1. Sucinta evolução legislativa da família: das Constituições e aos


Códigos Civis de 1916 e 2002

As primeiras Constituições Brasileiras fazem pouca ou quase nenhuma alusão


à família, como é o caso da Constituição Imperial de 1824, na qual a matéria
que mais se aproximava da palavra família era usada apenas para regular a
transmissão do trono na família Real; não tratando de assuntos de interesse
social, como a família em si, pois o Império não considerava tal tema como de
interesse relevante ao Estado. Neste período não houve a codificação de uma
legislação civil, vigendo ainda as Ordenações Filipinas (OLIVEIRA, 2005).

Com a Proclamação da República em 1889, fase marcada por uma nova época
social, política e econômica, segundo Gama (2008), houve a retomada por
parte do Estado, do controle das pessoas naturais, pois a Igreja até então era
quem regulava os termos de casamento, nascimento e dos óbitos.

E no que tange ao casamento, com o Decreto n. 181 de 24 de janeiro de 1890,


não mais se reconhecia os efeitos jurídicos civis ao casamento religioso, pois
com a nova legislação infraconstitucional, o casamento civil era a única forma
reconhecida para se constituir família. Texto posteriormente transcrito, quando
da elaboração da Constituição promulgada de 1891, em seu artigo 72
(GAMA, op. cit.).

Durante este período, houve várias tentativas de codificação de uma legislação


civil, tendo êxito apenas a elaborada pelo jurisconsulto Clóvis Beviláqua
(GAMA, 2008; OLIVEIRA, 2005). Assim, sob a influência ainda da Constituição
de 1891, o Código Civil de 1916, segundo Rodrigues (2003, p. 12) foi
elaborado por Clóvis Beviláqua, sendo o projeto apresentado em abril de 1889,
e, após quinze anos de debate, finalmente aprovado e promulgado em 1 de
janeiro de 1916.

No que tange ao Direito de família, o Código Civil de 1916, como fora feito no
século XIX, período em que a sociedade vivia ainda no modelo de família
patriarcal, a matéria nele disciplinada não poderia deixar de ser fruto do reflexo
da sociedade da época, ou seja, baseado nas regras discriminatórias e com
fundo eminentemente patrimonial que vigiam (BRASIL, 1916).

No precitado Código, várias foram as barbáries codificadas pelos legisladores.


A começar pelo art. 233, que trazia em sua redação, ser o marido o chefe da
família - patriarcalismo puro -, responsável por mantê-la, e ainda possuía a
incumbência de administrar os bens comuns da família e os particulares da
esposa, uma vez que esta era considerada relativamente incapaz (BRASIL,
1916).

À mulher competia o papel de mera colaboradora do lar, o que é o mesmo que


dizer, colaboradora nos afazeres domésticos, nos cuidados com os filhos; o
legislador sempre posicionou a mulher abaixo da figura do seu marido,
submetida em tudo às decisões dele. Tal incapacidade foi somente suprimida
após o advento do Estatuto da Mulher Casada de 1962, Lei n. 4.121/62
(ALVES, 2006, p.1).

Outra grande preocupação do legislador, segundo Alves (op. cit.), fora acerca
do regime matrimonial, sendo dedicados nada menos que 59 (cinqüenta e
nove) artigos para discipliná-lo, e nos institutos destinados ao amparo da
pessoa, como a tutela, curatela e ausência, que deveriam ter como prioridade a
salvaguarda dos interesses do incapaz, havia preocupação prioritariamente
com os bens do interdito.

A família só era reconhecida se advinda do matrimônio, e classificada em


legítima e ilegítima, conforme proveniente ou não do casamento. Alves (op. cit.)
ainda explica que a excessiva obsessão do legislador em alocar o casamento
como o único e legítimo meio de constituir a entidade familiar, deve-se à
grande influência do cristianismo no Brasil, no qual, em resquício, permaneceu
a idéia de sacramento atribuído ao matrimônio, e ainda, aduz que a solenidade
do matrimônio, à qual era dada publicidade, de certa forma, gerava maior
segurança jurídica ao compromisso assumido.

Destarte, as relações não advindas do matrimonio, mesmo se fosse constituída


por pessoas desimpedidas de casar, ainda assim era considerada ilegítima; os
filhos advindos desta união eram igualmente denominados pelo Código Civil
(artigos 337 a 367), porém, em caso do concubinato puro, era permitido o
reconhecimento do filho, sendo vedado, porém, segundo a redação original do
artigo 358, o reconhecimento dos filhos incestuosos e os adulterinos. Este
dispositivo fora revogado apenas em 1989, pela Lei n. 7.841, de 17.10.1989
(BRASIL, 1916).

Quando da dissolução do matrimônio pelo desquite, previa o texto original do


art. 320, que somente nos casos em que a mulher não tivesse dado causa ao
fim do vínculo conjugal e se pobre, é que lhe seriam devidos alimentos, sendo
ainda penalizada com a perda do direito de uso do nome do marido; e em caso
de condenação pela culpa do término do vínculo conjugal, ainda perdia a
guarda do filho (BRASIL, 1916).

Fruto de uma sociedade patriarcal e patrimonialista, o Código Civil assim foi


projetado, voltando-se essencialmente para a regulamentação das relações
jurídicopatrimoniais, sem preocupação alguma com o indivíduo enquanto
pessoa, ou seja, buscava-se, primeiramente, a proteção aos bens, e tudo em
volta destes transitava, até mesmo como sanção ao cônjuge culpado pelo fim
do matrimônio.
Nota-se que o legislador sempre teve como fim resguardar os interesses
patrimoniais e a família enquanto instituto, mesmo que em detrimento dos
cônjuges. O mais importante, na época, era fazer parte de uma família e, diga-
se de passagem, perfeita, pois como já explicado, o indivíduo só era confiável,
quando demonstrasse ter uma família grande, perfeita e feliz, sua credibilidade
enquanto pessoa dependia da imagem que a família transmitisse.

Essa exigência social, somada ao dogma religioso-cristão que considerava o


casamento um sacramento de vínculo eterno, contribuiu para que muitos
casamentos infelizes perdurassem por longos anos, o que para o homem,
muitas vezes, era desempenhado para manter seu prestígio social; e pela
mulher, para manter a promessa feita no altar e aos ensinamentos que já
ouvira desde quando muito pequena: que a qualquer custo teria de manter o
casamento. Neste sentido é a síntese de Alves (2006, p.1):

“A família era concebida como um instituto em prol da própria família, um fim


em si mesma, porque o legislador entendia que aquele modelo fechado era o
único correto; logo, assim teria que ser, a qualquer preço, independentemente
do sacrifício pessoal de seus membros. Nessa linha de intelecção, a
subordinação e o sofrimento da mulher seriam recompensados com um valor
de maior importância, a manutenção do vínculo familiar.”

Durante a vigência do Código Civil de 1916 foi promulgada uma nova


Constituição, a de 1934, sendo inserido um capítulo no corpo de seu texto para
tratar da família que, em resumo, estabelecia que o casamento civil era
indissolúvel, o que continuou, portanto, durante muitos anos; o casamento era
considerado a única forma legítima de composição da família, porém, tal
documento conferiu a possibilidade de o casamento religioso produzir efeitos
civis, desde que devidamente inscrito no Registro Civil (GAMA, 2008).

Gama (op. cit.) ainda faz a importante ressalva de que esta Carta fora a que
constitucionalizou a família e na qual, pela primeira vez, foi a ela conferida
proteção especial do Estado. No entanto, todo o conteúdo desta Constituição
foi apenas transcrito - sem alteração significativa alguma -, nas Constituições
de 1937, 1946 e 1967.

Assim, como conseqüências dos vários movimentos sociais que ocorreram


durante esse período, muitos fatores da vida social do indivíduo não mais se
adequavam ao Código Civil então vigente, quando então, a partir da metade do
século XX, vieram a lume algumas leis infraconstitucionais esparsas, pelas
quais tentou o legislador atender aos reclames da sociedade. Cita-os Gama
(op. cit. p. 32):

“[...] o Decreto-lei n. 3.200/41 - que admitiu, com restrições, o casamento entre


parentes colaterais de terceiro grau, o que anteriormente era absolutamente
proibido -, a Lei n. 883/49 – referente a admissibilidade do reconhecimento dos
filhos havidos fora do casamento -, a Lei n. 1.110/50 – que regulamentou a
atribuição de efeitos civis ao casamento religioso -, a Lei n. 4.121/62 –
denominada de Estatuto da Mulher Casada, com inúmeras inovações no
campo da emancipação da mulher e na tentativa de equalização dos cônjuges
[...]”.

A Constituição de 1967, na década de 70, com a Emenda Constitucional n. 9,


de 28 de junho de 1977, sofreu algumas alterações significativas na matéria
concernente à família. Assim, com base na Emenda Constitucional n. 9/77, que
extinguiu o Princípio da indissolubilidade do vínculo conjugal, houve a edição
da Lei n. 6.515/77, que tratava do divórcio e da separação judicial no Brasil,
revogando-se todas as normas concernentes ao desquite trazidas pelo Código
Civil de 1916 (2008, p. 34).

Foi um instituto fortemente combatido pela sociedade brasileira da época, pelos


muitos hipócritas que sustentavam o falso moralismo e pela posição contrária
da Igreja, que consagrava o casamento como uma união indissolúvel. Porém,
independente de posições favoráveis ou não, a Lei já vigorava, inovando a
questão da dissolução do vínculo conjugal, que até então, era eterno, ou seja,
uma vez casado, e mesmo depois da separação conjugal pelo desquite, o
vínculo não se extinguia, não sendo permitido aos desquitados contrair novas
núpcias, obrigando-os a viver à margem da lei.

A aprovação da Lei do Divórcio foi mais um marco do início da socialização do


direito civil, pois agora se iniciava a conscientização em proteger o indivíduo e
não mais apenas o instituto família. Com isso, mais evidente era o
descompasso entre o Código Civil e a Lei Maior do Estado, pois, até então, o
Direito de Família vinha sendo regulado praticamente por leis esparsas e
decisões jurisprudenciais dos Tribunais (PUPO, 2006).

Clara era a situação de inadequação tanto do Código Civil de 1916 quanto da


Constituição de 1969, que ainda vivia uma realidade temporal do fim do século
XIX, totalmente inadequada à realidade social, e, para atender aos reclames
que agora buscavam uma sociedade mais livre, justa e solidária, com base
primordialmente na dignidade da pessoa humana, fora finalmente editada a
Constituição Federal de 1988.

2.1.2. A transformação da família à luz da Constituição Federal de 1988

Em contrapartida a todas as normas discriminatórias, individualistas e


extremamente patrimoniais, a Constituição de 1988 abriu os horizontes ao
instituto da família, protegendo as relações familiares não mais apenas
enquanto instituto, mas para promover a funcionalidade desta, ou seja, busca-
se agora promover a dignidade da pessoa humana enquanto parte integrante
de uma família.

A construção do conceito de dignidade humana teve como um dos seus


precursores o filósofo Kant, sendo tal conceito consubstanciado no ideal de
liberdade e igualdade. Pupo (2006, p. 1) ainda explica que:

“[...] a liberdade é que determina a ação humana (moral) e a autonomia da


vontade – essa entendida como a capacidade do indivíduo em deliberar sobre
seus objetivos de vida e agir no sentido de sua realização – é o único princípio
de todas as leis morais, gerando para o ser humano a responsabilidade por
seus projetos existenciais. Tal perspectiva identifica liberdade e autonomia com
individualidade e pluralidade: o ser humano é único e únicos são todos os
seres humanos”. (grifo do autor)

E esta nova Constituição, considerada da Era Moderna, nasceu desta idéia,


que era um dos Princípios que norteavam a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, proclamada pelas Nações Unidas em 1948, que consagrou a
dignidade como valor essencial do ser humano, sendo adotada como um dos
pilares de sustentação do Estado Democrático de Direito, e um dos objetivos
fundamentais da República Federativa do Brasil (op. cit. p.1).

Gama (2008, p. 25) retrata com brilhantismo a relevância do Princípio da


Dignidade da Pessoa Humana para a nova ordem Constitucional, senão
vejamos:

“A dignidade da pessoa humana, colocada no ápice do ordenamento jurídico,


encontra na família o solo apropriado para o seu enraizamento e
desenvolvimento, daí a ordem constitucional dirigida ao Estado no sentido de
dar especial e efetiva proteção à família, independentemente da sua espécie.”

Assim, a área da família, sem dúvida, era a que mais clamava por mudanças,
afinal, a norma jurídica maior do Estado já não conseguia mais cumprir a
função que lhe era atribuída, qual seja, a de regular a vida em sociedade, pois
grande era a disparidade dos acontecimentos que vinham ocorrendo no meio
social, desde os que buscavam reconhecimento de suas uniões não advindas
do matrimônio, das mães que sozinhas criavam os filhos sem proteção alguma
do Estado, aos filhos frutos de relacionamentos fora do casamento que lutavam
pelos seus direitos de reconhecimento e de tratamento igualitário.

Nota-se que em poucas décadas os paradigmas do direito de família foram


inteiramente modificados. E, em resposta a todos esses outros anseios sociais,
com fatos e valores agora absolutamente diversos daqueles encontrados do
final do século XIX e início do século passado - que era marcado por valores
tradicionais como o respeito, obediência e submissão -, foi elaborada e
aprovada a Constituição de 1988, sendo descrita, em linhas gerais, com
maestria por Pupo (2006, p. 11):

“As relações informais ganharam tratamento jurídico através da construção


doutrinária e jurisprudencial dos Tribunais que a partir do julgamento de casos
concretos, tentava corrigir as injustiças que a falta de legislação específica
impunha, concedendo, por exemplo, alguns direitos à concubina, como a
partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum. As reiteradas decisões no
mesmo sentido, que datam dos anos 60, deu origem a uma Súmula no
Supremo Tribunal Federal - STF que passou a ser aplicada nos diferentes
Tribunais brasileiros (Súmula 380 do STF, aprovada na Sessão Plenária de 3
de abril de 1964).”

Posteriormente, com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n.


8.069/90, tal prerrogativa se estendeu também à família adotiva ou substituta,
pois, conforme se denota do art. 227 e parágrafos da Constituição Federal,
grande foi a preocupação do legislador em amparar a criança e o adolescente
tanto fisicamente e emocionalmente quanto intelectualmente (PEREIRA, 2007).

Com o reconhecimento da união estável e a família substitutiva como entidade


familiar, clara é a idéia da valorização do elemento afetividade nas relações
familiares, nascendo desta, implicitamente, o Princípio da Afetividade, pelo qual
se busca a realização pessoal do individuo e não mais apenas da instituição
família. Assim explica Gama (2008, p. 26):

“Propõe-se, por intermédio da repersonalização das entidades familiares,


preservar e desenvolver o que é mais relevante entre os familiares: o afeto, a
solidariedade, a união, o respeito, a confiança, o amor, o projeto de vida em
comum, permitindo o pleno desenvolvimento pessoal e social de cada participe,
com base em ideais pluralistas, solidárias, democráticas e humanistas.”

A Constituição em comento introduziu, ainda, os direitos fundamentais nas


relações familiares, estendendo aos seus integrantes a igualdade entre os
cônjuges e companheiros, uma vez que a Constituição, em seu inciso I do art.
5° iguala os homens e mulheres em direitos e obrigações – trata-se do
Princípio da isonomia entre os sexos nas relações conjugais -, garantia
também estendida à sociedade conjugal (VENOSA, 2008), não podendo haver
discriminação que leve a distinção entre a união advinda do casamento e a
união estável, uma vez que a Constituição é clara no sentido de que ambas
são igualmente entidades familiares perante a Lei Maior.

Com o Princípio da igualdade entre homem e mulher, quis o constituinte


suprimir, por exemplo, a posição de autoridade do homem, como chefe de
família, provedor e protetor do lar, e a mulher, a dona do lar. E de fato, os
papéis vem se invertendo nos últimos anos, o que contribui para a completa
extinção dos resquícios do modelo patriarcal na sociedade brasileira.

Outro ponto é a extensão do direito de igualdade a todos os filhos, o qual


consagrou o Princípio da Isonomia entre eles. Assim, não há mais as
qualificações de filhos legítimos e ilegítimos, consanguíneos ou adotivos.
Perante o Ordenamento Jurídico, todos os filhos, independentemente de sua
origem, são tratados de forma igualitária em direitos e deveres, sendo vedado
qualquer tipo de designação discriminatória.

E, por fim, no §7° do art. 227, ficou consagrada a figura do planejamento


familiar de livre arbítrio do casal, sendo vedada qualquer intervenção por parte
do ente Estatal, porém, tal normativa não tem caráter absoluto, uma vez que a
decisão a ela referente deve ser fundada nos princípios da dignidade da
pessoa humana e da paternidade responsável, competindo ao Estado propiciar
os recursos educacionais e científicos para o exercício deste direito (PEREIRA,
2007). Dessa situação nasceu o Princípio da Liberdade Restrita e da
beneficência à prole, em matéria de planejamento familiar.

Gama (2008) faz uma ressalva ao denominado Princípio da Paternidade


Responsável, pois, segundo ele, em análise mais profunda do referido preceito,
somada à aplicabilidade do Princípio da Igualdade entre Homem e Mulher,
também consagrado pela Carta Maior, nota-se que o Constituinte se equivocou
quando da tradução do termo parental responsibility, que deveria ser traduzido
como parentalidade responsável, ou seja, são igualmente responsáveis o pai e
a mãe. O que, de fato, faz mais sentido.

A parentalidade responsável não se restringe ao simples controle de natalidade


ou um mero reconhecimento formal da filiação. Uma criança precisa mais do
que ter um teto, alimento e vestes, ela necessita de carinho, atenção, cuidado,
afeto e principalmente, muito amor.

Assim, o conceito de parentalidade responsável é mais amplo, afinal, ser um


pai ou uma mãe responsável é dar amor, é dedicar-se ao filho, atos que se
traduzem em uma comunhão espiritual, para que a criança cresça forte,
fisicamente e moralmente (TOLEDO, 2007).

Do exposto, nota-se que houve a repersonalização das entidades familiares,


em que as atenções agora são voltadas para a pessoa enquanto indivíduo, à
tutela de sua personalidade e da sua dignidade como ser humano, da qual
Gama (2008, p. 26) e Venosa (2008, p. 16) citam outros Princípios, porém mais
generalizados, aplicados igualmente ao Direito de Família.

Antes de explaná-los, necessário se faz conceituar o que vem a ser um


Princípio, uma vez que tal conceito será largamente abordado no decorrer
deste estudo.

Gama (2008, p. 63) explica que, “[...] os Princípios traduzem, como se sabe,
mandados de otimização, com caráter deontológico, relacionando-se com a
idéia do ‘deverser’”, tendo, ainda, um certo grau de generalidade, devendo ser
interpretado pelo aplicador do direito para ser aplicado ao caso concreto, pois a
deontologia jurídica, nas palavras de Reale (2002) “[...] é a teoria da justiça e
dos valores fundantes do direito [...]”, ou seja, o Princípio é um valor
fundamental, é o valor do justo. Reale (2002, p. 309) finaliza explicando que,
“[...] a Justiça nada mais é do que um composto harmônico de valores sociais,
de maneira que cada homem possa realizar a plenitude de seu ser, e a
sociedade atingir o máximo de bem-estar, compatível com a convivência
pacífica e solidária”. Ou seja, o Princípio transcende o “ser”, ele é a idealização
do perfeito, do objetivo que a sociedade deve buscar sempre. Superada esta
primeira conceituação, os Princípios Gerais Constitucionais aplicados ao
Direito de Família são (Gama, 2008): a) O Princípio fundamental da dignidade
da pessoa humana (art. 1°, inc. III) impõe um dever geral de respeito e
proteção ao indivíduo, devendo ser estendido a todos os cidadãos, o que na
esfera familiar significa promover o respeito de todos os familiares, para
propiciar uma existência digna e em comunhão de cada um para com todos. b)
O Princípio da tutela especial à família (art. 226, caput): A família hoje é tida
como o local de realização existencial, o lugar em que se busca afirmar a
dignidade de cada um dos seus integrantes, e ao Estado cabe propiciar os
meios para a realização do indivíduo no seio familiar, elaborando, para isso,
meios de tutela a todas as espécies de famílias. c) O Princípio do pluralismo
democrático no âmbito dos organismos familiares (art. 1, inc. V) é
simplesmente a liberdade de escolha do indivíduo pela família que quer
compor, pois o que se busca é a realização do indivíduo no seio familiar, seja
ela qual for, conjugal, parental ou outra. d) O Principio da igualdade material de
todos os partícipes da família (art. 5, e inc. I) é a que se harmoniza com o
direito à diferença, uma vez que o Princípio da Igualdade não deve ter sua
aplicabilidade absoluta, pois, todos devem ser tratados iguais na medida de
sua igualdade e desigualmente, na medida de suas desigualdades, como as
diferenças naturais, culturais. Assim, referido princípio deve respeitar tais
diferenças para sua justa aplicação. e) O Princípio da liberdade, da justiça e da
solidariedade nas relações familiares (art. 3, inc. I), significa que a entidade
familiar tem a liberdade em sua composição e manutenção, diante do Estado e
da sociedade, liberdade esta estendida a cada ente da família diante dos
demais integrantes que a compõem. f) O Princípio da beneficência (art. 3, inc.
IV) impõe o dever de respeito e auxílio dos partícipes do organismo familiar, de
um para com o outro, buscando, assim, o desenvolvimento das suas
potencialidades, com base no sentimento de solidariedade que, se espera,
deva existir entre as pessoas.

A partir de então, toda norma jurídica aplicável à família, exige, para sua
validade, a presença do preceito constitucional consubstanciado pelos novos
princípios supra mencionados, específicos e gerais. E, com isso, o Código Civil
de 1916 tornou-se ainda mais inadequado para a época e em total desacordo e
contradição com a nova ordem jurídica constitucional vigente.

2.1.3. Do Código Civil de 2002

Durante todo este período, já tramitava o Projeto de Lei n. 634/75 para a


elaboração de um novo Código Civil, que fora encaminhado para o Congresso
em 1975 e, desde a sua apresentação na Câmara até a sua apreciação no
Senado Federal, decorreram mais de vinte anos.

Ou seja, o Projeto de Lei do Novo Código Civil foi elaborado ainda segundo a
Constituição de 1967, e na época em que ocorriam todas aquelas mudanças
sociais e políticas, e, somando agora os novos preceitos constitucionais, o
Projeto teve de ser totalmente reformulado, tendo recebido apenas o livro de
direito de família, cerca de 140 (cento e quarenta) emendas e, ainda, algumas
sugestões legislativas dos jurisconsultos Washington de Barros Monteiro em
co-autoria com Álvaro Villaça de Azevedo sendo, inclusive, acolhidas algumas
pelo Senado Federal, com sua redação aprovada e publicada em dezembro de
1977 (MONTEIRO, 2007).

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, restavam ainda as


inconstitucionalidades atinentes ao livro de Direito de Família. E como o Projeto
já tinha sido aprovado pelas duas Casas do Congresso Nacional, restou à
Câmara dos Deputados o árduo trabalho, por meio dos instrumentos
regimentais, de adequá-lo à Constituição de 1988.

Ainda nesta fase, ressalta Monteiro (op. cit., p. 14), o Instituto Brasileiro de
Direito de Família (IBDFAM), enviou outras sugestões à Comissão Especial da
Câmara dos Deputados, referentes ao Livro de Família, apontado a existência
de inconstitucionalidades e também algumas normas que entraram em vigor
durante todo o longo processo legislativo.

Com a aprovação do Regimento Comum do Congresso Nacional n. 1/2000,


tornouse possível a adequação do Projeto às alterações legais e não só às
Constitucionais, que até então, face à anterior rigidez regimental, dificultava a
atualização de Projetos. E com este entrave a menos, foram finalmente
realizadas as alterações no Projeto do Código Civil.

Em votação realizada em 15 de agosto de 2001 na Câmara dos Deputados, o


Projeto foi aprovado e após, sancionado, pelo então Presidente da República,
Fernando Henrique Cardoso em 10 de janeiro de 2002, entrando em vigor em
11 de janeiro de 2003, na forma da Lei n. 10.406/02 (MONTEIRO, 2007, p. 16).

O Código Civil de 2002, no tocante ao Direito de Família, apresentou em seu


novo texto, várias alterações significativas, dentre elas a eliminação de termos
discriminatórios, como as que faziam referência à legitimidade da família
oriunda apenas do casamento, as que instituíam a desigualdade entre os
cônjuges e entre os filhos, o regime dotal; e houve algumas outras inovações,
como a não obrigatoriedade de exclusão do sobrenome do cônjuge do nome
da mulher e assegurou o direito de alimentos ao cônjuge culpado pela
separação quando demonstrado não possuir meios de sobrevivência; foi
regulada a união estável em título a ela destinado (DIAS, 2009).

Em suma, no Direito Civil, houve a repersonalização e


a despatrimonialização do Direito de família, pois agora se busca
primeiramente a valorização do ser humano, sua dignidade, diferentemente do
que ocorria no Código Civil de 1916, que era um Código fundamentalmente
patrimonialista, ou seja, a preocupação era primeira com o patrimônio, o “ter”
em detrimento do “ser” (PEREIRA, 2007).

Gama (2008, p. 117) acrescenta ainda a constitucionalização do Direito Civil:

“A repersonalização representa a mudança de eixo, do patrimônio à pessoa, a


representar a principal beneficiária do Direito Civil: a pessoa humana, e não
qualquer outro valor que possa tentar substituí-la ou superá-la. A
constitucionalização do Direito Civil não se verificou apenas em razão de
coerência sistêmica, mas representa movimento necessário e fundamental
para o reconhecimento de que as relações privadas devem ser pautadas por
parâmetros normativos substancialmente justos”.

Posto que agora, face aos princípios constitucionais que regem o direito de
família, todas as normas, seja ordinárias ou infraordinárias, devem ter ser por
eles pautadas, motivo pelo qual muitos autores denominam o Direito Civil em
Direito Civil Constitucional.

Porém, nem a todos o Código Civil de 2002 conseguiu agradar. Rodrigues


(apud GAMA, 2008) faz uma dura crítica ao Projeto que originou o Código Civil
de 2002, denominando-o de “colcha de retalhos”. O que de fato era.
Afinal, notórias eram as mudanças pelas quais a sociedade estava passando e
certamente um Código Civil com base em preceitos de uma Constituição que já
era antiquada à época em que vigia, impossível seria elaborar um projeto que
respondesse aos problemas sociais de vinte anos após. Certamente mais
simples e menos burocrático teria sido elaborar um novo Projeto, pois, apesar
de todas as emendas e sugestões acolhidas, o Código Civil de 2002 já nasceu
velho.

Dias (2009), em crítica ao Código Civil de 2002, preceitua que, o legislador


deixou de codificar temas já latentes em doutrinas e jurisprudências da época,
como a guarda compartilhada, a filiação sócio-afetiva, e os diversos tipos de
arranjos familiares do século XXI, como a união homoafetiva, a família parental,
anaparental, entre tantas outras.

E segundo Dias (op. cit.), ainda cometeu algumas inconstitucionalidades, a


exemplo do art. 1.704 do Código Civil que dispõe:

“Art. 1.704. Se um dos cônjuges separados judicialmente vier a necessitar de


alimentos, será o outro obrigado a prestá-los mediante pensão a ser fixada pelo
juiz, caso não tenha sido declarado culpado na ação de separação judicial.
Parágrafo único. Se o cônjuge declarado culpado vier a necessitar de
alimentos, e não tiver parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o
trabalho, o outro cônjuge será obrigado a assegurá-los, fixando o juiz o valor
indispensável à sobrevivência” (grifo nosso).

Falar em culpa é verdadeira afronta constitucional ao Direito de Privacidade do


casal e à dignidade da pessoa humana, pois, para discuti-la, é necessário
adentrar a vida privada do casal, expondo-os desnecessariamente e por um
propósito tão irrelevante se comparado ao fato da dissolução da união, que por
si só já é um tanto dolorido.

É direito deles, darem ou não continuidade ao vínculo. Afinal, se a convivência


torna-se insuportável, seja por qual motivo for, não há que se discutir o culpado
pela separação. É incabível nos dias de hoje um termo como este estar ainda
codificado. A união deve proporcionar a realização pessoal de cada cônjuge, e
buscar a felicidade não é crime, e sim direito.

Pois como bem ressalta Farias (2007, p. 36), essas discussões estéreis e
infrutíferas, servem somente para “lavar a alma” de quem foi vencido no jogo
do amor e pretende dar o troco no processo judicial. E ainda complementa:

“Afirmado o afeto como esteio do Direito de Família atual, vislumbrase que em


uma relação familiar não se pode imputar conseqüências jurídicas àquele que
não mais nutre afeto por conta da deterioração da vida em comum, a erosão do
amor. Enfim, respeitando a confiança nas relações amorosas, materializada no
afeto, impõe-se afastar toda e qualquer discussão acerca da culpa em sede
jurídica”.
Ademais, para Dias (2009, p. 31), por mais que os legisladores tenham tentado
atualizar o Código Civil, ainda assim, tal esforço não fora o suficiente,
guardando seu molde original no antigo Código Civil:

“Incorporou as mudanças legislativas que haviam ocorrido por meio de


legislação esparsa, apesar de ter preservado a estrutura do Código Anterior.
Mas não deu o passo mais ousado, nem mesmo em direção aos temas
constitucionalmente consagrados, ou seja, operar a subsunção, à moldura da
norma civil, de construções familiares existentes desde sempre, embora
completamente ignoradas pelo legislador infraconstitucional.”

Com isto, tornou-se alvo constante de diversas interpretações, comentários e


emendas. Exemplo disto é o Projeto de Lei nº 2.285/2007, denominado
Estatuto das Famílias, de autoria do Instituto Brasileiro das Famílias (IBDFAM),
protocolado no Congresso Nacional pelo Deputado Federal Sérgio Barradas
Carneiro (PT/BA), que propõe a revisão e uma grande reforma em todo o
sistema jurídico brasileiro de família.

2.1.4. Breves comentários ao Projeto de Lei nº 2.285/07: Estatuto das


Famílias

O Código Civil na parte que trata do direito de família é sempre alvo de


tentativas de complementações várias e aprimoramentos, prova disto é este
Projeto de Lei, porém, este foi mais ousado. Tem como objetivo tirar o Direito
de Família do Código Civil, reunindo toda a legislação esparsa existente sobre
a família, mas não só concernente ao direito material, mas o processual,
inclusive (FOSTER, 2008).

A denominação, conforme justificativa da Comissão de Sistematização do


referido projeto, é devido aos valores consagrados constitucionalmente nos
artigos 226 a 230, na qual o Estado garante a família, base da sociedade,
especial proteção a família, reconhece as famílias decorrentes da afetividade
como a união estável como entidade familiar, dá amparo a monoparental, ou
seja, não há mais que se falar em direito da família, que fazia referencia a
família decorrente apenas dos laços do matrimonio, mas sim ao Direito das
“famílias”, que melhor se adéqua à realidade social.

Segundo Forster (op. cit.), o Projeto de Lei se divide estruturalmente em duas


partes: a primeira trata do direito pessoal e patrimonial, e a segunda traz a
matéria concernente ao processo e ao procedimento. O Título I mostra-se de
grande relevância, pois traz as normas e princípios gerais aplicáveis às famílias
e às pessoas, trata, em seguida, das regras gerais da relação de parentesco.
Inovação maior, e a que mais interessa ao presente estudo, sem dúvida, é o
Título III, concernente às entidades familiares.

Esse título tem como respaldo principal os objetivos da República Federativa


do Brasil, dentre eles a defesa da dignidade humana, ou seja, do indivíduo
enquanto cidadão e da liberdade em todas suas formas. Ademais, tendo a
Constituição Federal reconhecido a união estável como entidade familiar,
notório o fato do reconhecimento da afetividade como elemento formador de
família. E como poderia ser diferente, se a própria Constituição garante e busca
a aplicabilidade de tais princípios?

A família atual em muito difere das antigas formas no que concerne a suas
finalidades, composição e papel de pais e mães. Dias (2009) define a entidade
familiar como aquela disposta em uma estruturação psíquica em que cada um
ocupa um lugar e possui uma função (pai, mãe ou filho), sem, no entanto,
estarem necessariamente ligados por laços sanguíneos.

Hoje a família não é mais entendida apenas como decorrente de laços


consanguíneos ou de matrimônio, mas se vale principalmente das relações de
afetividade entre os entes que a compõem, e com fundamento nessa
concepção, o Estatuto pretende a legitimação de todas as formas de entidades
familiares, desde as conjugais às parentais. Pois o fato de uma criança que
perdeu os pais e foi morar com uma Tia, tendo nesta a figura da mãe, não é
merecedora de amparo Estatal por não se enquadrar no rol das espécies de
famílias reconhecidas Constitucionalmente?

Dar guarida legislativa à família parental não seria mais do que reconhecer
uma situação que de fato já é presente na atualidade. A Constituição não
hierarquizou um modelo de família em detrimento de outra, pelo contrário, a
todas as espécies de entidades familiares a Carta Maior atribui a mesma
dignidade e igual merecimento de tutela (PEREIRA, R. 2007).

Assim, se o objetivo da Constituição é resguardar a dignidade do indivíduo


enquanto cidadão, então, necessário se faz adequar a legislação brasileira à
realidade social, reconhecendo como entidades familiares aquelas
provenientes da relação entre pessoas do mesmo sexo e as famílias parentais.

Forster (2008) traz um breve resumo das alterações propostas quanto ao


casamento, ao regime de bens, à separação e ao divórcio. As alterações de
maior impacto concernentes à matéria do casamento são as seguintes:
supressão e exclusão das causas suspensivas do casamento; atualização na
parte que trata dos impedimentos; simplificação das exigências para a
celebração e registro do casamento; exclusão do regime de participação final
nos aquestos; e dá ampla liberdade de escolha no regime de bens aos
nubentes.

Já no concernente à matéria de separação e divórcio, a primeira proposta a ser


feita fora a vedação da investigação das causas da separação do casal, uma
vez que nas palavras de Dias (2009) é verdadeira inconstitucionalidade do
direito de privacidade do casal, uma vez que é direito dos cônjuges
continuarem casados ou não.

Quanto ao procedimento, o Projeto de Lei propõe dar preferência na tramitação


aos processos referentes ao Direito de família; objetiva a criação das Câmaras
Especializadas em Direito de Família nos Tribunais de Justiça; e, por fim, como
não poderia deixar de ser, com o reconhecimento de todas as entidades
familiares, em caso de dissolução de tal vínculo, o Projeto já prevê o
procedimento para tal e, principalmente, os direitos decorrentes do vínculo que
ligava os conviventes (FORSTER, 2008).

Certamente é um Projeto que levantará muitas discussões nas Casas do


Congresso. Porém, data vênia, esse veio em boa hora. O Direito de Família há
muito reclama por mudanças e adequações. Não existe mais o modelo
hierarquizado e patriarcal de família da década de sessenta, época em que foi
elaborado o atual Código Civil. Na verdade, o Código Civil já nasceu velho,
tendo novamente que doutrina e jurisprudência darem respostas que a própria
legislação não tem.

3. CONCEITO DE FAMÍLIA: CLASSIFICAÇÃO E PECULIARIDADES

Tanto se falou da instituição família no presente estudo, desde sua história,


evolução, composição, de suas normas, mas sem ainda dar-lhe uma definição.
Afinal, o que é a família? O instituto família se confunde com a própria história,
assim, o conceito de família muda a cada acontecimento social, econômico e
cultural de determinada época e local, portanto, não há que se falar em
imutabilidade conceitual. Farias (2007, p.4) assim preceitua:

“[...] a família tem seu quadro evolutivo atrelado ao próprio avanço do homem e
da sociedade, mutável de acordo com as novas conquistas da humanidade e
descobertas cientificas, não sendo crível, nem admissível, que esteja
submetida a idéias estáticas, presas a valores pertencentes a um passado
distante, nem a suposições incertas de um futuro remoto. É a realidade viva,
adaptada aos valores vigentes.”

No Brasil Imperial, por exemplo, a família era aquela disposta no modelo


patriarcal, em que havia a figura do pater, que era o chefe da família, provedor
do lar, juiz e detentor da autoridade sobre todos os que viviam sob a sua égide,
o que incluía seus filhos, esposa e empregados, bem como aquela proveniente
dos laços do matrimônio, fundada nos preceitos religiosos e com preocupação
eminentemente patrimonial. Na conceituação de Beviláqua (2001, p. 30), a
família era assim conceituada:

“Família é o conjunto de pessoas ligadas pelo vinculo da consangüinidade, cuja


eficácia se estende ora mais larga, ora mais restritamente, segundo as várias
legislações. Outras vezes, porém, designam-se, por família, somente os
cônjuges e a respectiva progênie.”

A família até então se restringia àquela proveniente da consangüinidade e do


casamento, conceito que vigorou efetivamente na sociedade brasileira do
Império até o início da industrialização, quando então se iniciou uma profunda
mudança nos valores sociais e, em especial, aos valores familiares e, como
conseqüência, em toda a conjuntura familiar brasileira.

Desse período em diante, ao menos na prática – já que o ordenamento jurídico


ainda teimava na tentativa de impor o modelo matrimonializado – novas
espécies de famílias vinham se formando, em detrimento do modelo tradicional,
com novos valores e objetivos. Foi a transição da instituição família como
unidade econômica para uma compreensão mais humanitária, em que agora
ela era tida como uma organização subjetiva fundamental para a construção
individual da felicidade. Segundo Farias (2007, p. 9):

“Na medida em que a família deixa de ser encarada sob a ótica patrimonialista
e como núcleo de produção e passa a ser tratada como instrumento para o
desenvolvimento da pessoa humana, realçados seus componentes mais
próximos à condição humana, tem-se, sem dúvida, uma democratização da
estrutura familiar.”

Fala-se em democratização, posto que agora a família tornou-se uma estrutura


democrática, onde há o diálogo e não a imposição, onde há o carinho e a
compreensão, valorando-se cada ente enquanto ser, e não mais como mero
objeto. Assim, a família possui vários caracteres, sendo estes citados por Diniz
(2005):

“a) Caráter biológico, pois a família é, por excelência, um agrupamento natural,


que ligados os entes pela consangüinidade, decorre direitos e deveres, como o
poder familiar, direito de prestar alimentos e de assistência;

b) Caráter psicológico, decorrente do sentimento que os une; c) Caráter


econômico, que pelo auxilio e afeto prestado pelos demais entes da família, o
indivíduo alcança sua realização material, intelectual e espiritual; d) Caráter
religioso, que mesmo com todas estas mudanças na estrutura familiar, esta
não perdeu seu caráter ético e moral; e) Caráter político, pois uma vez que da
família nasce a sociedade, é ela a base da sociedade, merecedora de proteção
especial deste; f) Caráter jurídico, vez que toda a matéria de família é regulada
por normas jurídicas, constituindo seu conjunto, no Direito de Família “

No que tange ao conceito de família os doutrinadores, em sua maioria,


conceituam a família em sentido amplo ou acepção lata e estrito ou restrito. O
primeiro é o conjunto de pessoas unidas por vínculo jurídico de natureza
familiar, que compreendem os ascendentes, descendentes, colaterais, bem
como as ascendentes, descendentes e colaterais do cônjuge, que são os
parentes por afinidade, a exemplo do art. 1.591 e seguintes do Código Civil
(VENOSA, 2008; MONTEIRO, 2007; DINIZ, 2005).

Já Rodrigues (1998) na conceituação ampla, a define como sendo aquela


formada por todas as pessoas ligadas por vínculo de sangue, provindas de um
tronco ancestral comum, ou seja, se restringe aos parentes consanguíneos, e
em uma conceituação um pouco mais limitada – mas ainda não restrita –
abrange os consanguíneos em linha reta e os colaterais sucessíveis, quais
sejam, até o quarto grau.

Diniz (2005, p. 9) expande ainda mais o sentido da palavra família, utilizando-


se da expressão “sentido amplíssimo”, na qual ela inclui estranhos, baseando-
se, para tanto, no art. 1.412, §2°, do Código Civil, o qual preceitua que, as
necessidades da família do usuário compreendem também as pessoas do seu
serviço doméstico, e no art. 241 da Lei n. 8.112/90, tem-se que qualquer um
que viva às expensas e que conste de seu assentamento individual é, para
este, considerado família.

No sentido estrito ou acepção restrita, a família abrange tão somente o casal e


sua prole, ou apenas um dos genitores e seus descendentes, que vivem sob
um poder familiar, como os decorrentes do matrimônio e do vínculo sanguíneo,
que são o casal e sua prole ou a família monoparental -, conforme §§1° e 2°,
art. 226 da Constituição Federal (VENOSA, 2008; DINIZ, 2005; RODRIGUES,
1998).

E com base nestas acepções, a palavra família é empregada tendo em vista


certos critérios, que decorrem dos efeitos sucessórios, alimentares, o da
autoridade, fiscais e previdenciários. Veja-se (DINIZ, 2005, p. 11-12):

“A família para efeitos sucessórios, que abrange todos os parentes da linha


reta ad infinitum, os cônjuges, os companheiros e os colaterais até o quarto
grau. Para efeitos sucessórios, a família são os descendentes, ascendentes e
os irmãos (arts. 1.694 a 1697, CC). Já o critério da autoridade, é a decorrente
do poder familiar. Pelo critério fiscal, a família é aquela compreendida ao
marido, mulher, companheiro, aos filhos menores, aos maiores inválidos ou
que freqüentam a universidade às expansas (sic.) do pai até os 24 anos, ao
ascendente inválido que vivam sob a sua dependência econômica do
contribuinte, e os filhos que morem fora do ambiente doméstico, se
pensionados em razão de condenação judicial. Para efeitos previdenciários a
família abrange o casal, os filhos de qualquer condição até os 21 anos (desde
que não emancipados) ou inválidos ou inválidas, enteados e menores sob sua
tutela, incluindo convivente do trabalhador, inclusive em concorrência com os
filhos.”

Venosa (2008) traz a conceituação da família sob o aspecto sociológico,


definindo-a como aquela constituída por pessoas que vivem sob o mesmo teto,
sob a autoridade de um titular, vale dizer, onde há uma distribuição psíquica
dos papéis dentro do organismo familiar.

De todas, essa é, sem dúvida, a melhor conceituação possível para a palavra


família. Afinal, os que compõem a entidade familiar têm agora, como objetivo
principal, buscar sua realização pessoal, e esta é a atual função da família:
contribuir para o crescimento de seus entes, por meio da ajuda mútua, de
companheirismo, amor, dedicação de uns para com os outros, alcançando
assim a dignidade enquanto ser humano. Farias assim explica (2007, p. 7):

“[...] deixando a família de ser compreendida como núcleo econômico e


reprodutivo (entidade de produção) avançando para uma compreensão
sócioafetiva (como expressão de uma unidade de afeto e entre-ajuda), surgem,
naturalmente, novas representações sociais, novos arranjos familiares.
Abandona-se o casamento como ponto referencial necessário, para buscar a
proteção e o desenvolvimento da personalidade do homem. É a busca da
dignidade humana, sobrepujando valores meramente patrimoniais.”

Nesta mesma linha de pensamento, Dias (2009, p. 43):


“O novo modelo da família funda-se sobre os pilares da repersonalização, da
afetividade, da pluralidade e do eudonismo, impingindo nova roupagem
axiológico ao direito de família. Agora, a tônica reside no indivíduo, e não mais
nos bens ou coisas que guarnecem a relação familiar. A família-instituição foi
substituída pela família instrumento, ou seja, ela existe e contribui tanto para o
desenvolvimento da personalidade de seus integrantes como para o
crescimento e formação da própria sociedade, justificando, com isso, a sua
proteção pelo Estado”.

Não se fala mais em família, mas sim em famílias, pois hoje, o que mais se

evidencia, são as famílias constituídas por somente um dos pais e seus


ascendentes; tios criando os sobrinhos como se seus filhos fossem; netos
vivendo com os avós; irmão mais velho criando os irmãos mais novos, fazendo
o papel de pai-irmão; amigas que vivem juntas, sem conotação sexual; o
relacionamento de pessoas do mesmo sexo vivendo sob um mesmo teto,
constituindo uma família, enfim, houve a pluralização das espécies de famílias.

Há autores que falam em “crise na família tradicional” e que “lamentam sua


desagregação”, mas como bem explica Pereira (2007, p.5), a referida crise é
mais aparente do que real, vez que, o que se observa é apenas mudanças na
conceituação e na estruturação das famílias, afinal, “o direito de família nas
ultimas décadas, tem buscado mecanismos jurídicos de proteção para os seus
membros, busca o respeito às diferenças, necessidades e possibilidades”.

Inegável é o fato de que a família se transformou, mostrando-se um tanto árdua


a tarefa de encontrar um conceito único para a família, porém, um fator
inegável é comum a todas: o afeto que as une. Nas palavras de Dias (2009, p.
43):

“Faz-se necessário ter uma visão pluralista da família, abrigando os mais


diversos arranjos familiares, devendo-se buscar a identificação do elemento
que permita enlaçar no conceito de entidade familiar todos os relacionamentos
que tem origem em um elo de afetividade, independentemente de sua
conformação. O desafio de hoje é achar o toque identificador das estruturas
interpessoais que permitam nominálas como família, e esse referencial só pode
ser identificado na afetividade.”

Não há na Constituição Federal ou no Código Civil uma conceituação exata do


que vem a ser a família. Segundo Dias (2009) um legislador pioneiramente se
atentou a conceituá-la. E essa iniciativa se encontra no artigo 5°, inciso III da
Lei n. 11.340/2006, a Lei Maria da Penha, que diz que a família é aquela que
se identifica como qualquer relação de afeto:

“Art. 5°. Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar
contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause
morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou
patrimonial: I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço
de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as
esporadicamente agregadas; II - no âmbito da família, compreendida como a
comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados,
unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III - em
qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha
convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Parágrafo
único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de
orientação sexual” (grifo nosso).

A afetividade é o elemento que une os entes de uma família. Não há mais que
se falar em obrigação imposta por Igreja ou Estado que faça uma família
perdurar como antigamente. Se hoje há uma família unida, certamente lá se
encontra o afeto, amor, carinho e compreensão de um para com os outros,
caso contrário, não há o porquê de sua existência.

O legislador, ao explicitamente conceituar a família como sendo aquela


decorrente de qualquer relação de afeto, assim a definiu porque teve ele um
respaldo jurídico maior, ou melhor, teve como respaldo a Lei Suprema do
Estado, uma vez que, em interpretação a algumas das inovações do
constituinte de 1988, clara foi sua intenção em demonstrar a importância da
afetividade nas relações familiares. Gama (2008, p. 120) traz um rol
exemplificativo dos mandamentos constitucionais que demonstram esse
deslocamento para a seara da afetividade:

“As mudanças operadas no âmbito das relações familiares no sistema jurídico


brasileiro pós-Constituição de 1988 demonstram, especialmente com a
possibilidade do divórcio como forma de romper o vínculo matrimonial, a
diminuição dos prazos para fins de separação judicial e do divórcio, a igualdade
dos direitos e dos deveres dos cônjuges e dos companheiros, a igualdade
material entre os filhos, a proibição de emprego de qualificações
discriminatórias a respeito da filiação, a proteção integral e absoluta da criança
e do adolescente, o reconhecimento de outros modelos de família além da
matrimonial – além de outras mudanças – que o deslocamento que os institutos
do Direito de Família sofreram para a emocionalidade – afetividade -, fazendo
com que as famílias somente possam ser tuteladas e, conseqüentemente, se
manterem, se forem fundadas na vontade contínua e permanente [...]”

Nesta mesma linha argumenta Lôbo (2004), partindo do pressuposto de que,


se o constituinte igualou os filhos, independentemente de sua origem, se
adotivos ou consanguíneos, é porque a Constituição afastou qualquer interesse
diferente que não fosse o do amor e afeto entre pai e filho, sentimento este que
é construído e conquistado. E igualmente se refere às entidades familiares:

“Se a Constituição abandonou o casamento como único tipo de família


juridicamente tutelada, é porque abdicou dos valores que justificavam a norma
de exclusão, passando a privilegiar o fundamento comum a todas as entidades,
ou seja, a afetividade, necessário para realização pessoal de seus integrantes.
O advento do divórcio direto (ou a livre dissolução na união estável)
demonstrou que apenas a afetividade, e não a lei, mantém unidas essas
entidades familiares” (LOBO, op cit., não paginado).
O que se busca é uma convivência saudável entre os cônjuges, pois a família é
protegida pelo Estado, enquanto estiver desempenhando sua função, que é
promover a dignidade de cada partícipe, seja na busca pela realização pessoal
ou financeira; o ingrediente para tudo isto é a presença constante do amor
mútuo e do afeto. Findo este, o próprio Ordenamento Jurídico concede os
meios para sua desconstituição (GAMA, 2008).

Então hoje, a família contemporânea pode ser conceituada como sendo aquela
decorrente dos laços da consangüinidade, da afinidade e da afetividade, que é
o elemento principal, caracterizador e comum a todas as espécies de famílias
(DIAS, 2009), pois, a família, independentemente do modelo que possua,
continuará desempenhando o papel pelo qual foi criada, que é promover a
dignidade dos seus membros.

3.1. DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E SUA EFETIVA


APLICABILIDADE AO DIREITO DE FAMÍLIA

A Constituição Federal, ao elevar a dignidade da pessoa humana ao ápice do


Ordenamento Jurídico, como princípio maior, deixou clara a preocupação do
constituinte com a pessoa enquanto ser, com a sua realização pessoal,
diferentemente do que ocorria nas Cartas anteriores, em que a instituição
família era protegida em detrimento dos seus integrantes.

Segundo Sarlet (2007), a preocupação em proteger o ser humano, seja física


ou mentalmente, remonta ao início da história da humanidade, mas somente no
século XVIII, fruto da concepção jusnaturalista, tendo como um dos seus
precursores o filósofo Immanuel Kant, é que a dignidade humana alcança seu
apogeu, consagrando a idéia de que a dignidade da pessoa humana parte do
pressuposto de que o homem, tão somente na sua condição humana, é titular
de direitos que devem ser reconhecidos por todos e, inclusive, pelo Estado. E
assim também explica Barcelos (2008, p. 124):

“(...) e de uma forma bastante simplificada, pode-se dizer que, para Kant, o
homem é o fim em si mesmo - e não uma função do Estado, da sociedade ou
da nação – dispondo de uma dignidade ontológica. O Direito e o Estado, ao
contrário, é que deverão estar organizados em beneficio dos indivíduos.”

O conceito de dignidade humana veio à lume como reação às atrocidades


cometidas durante toda a história da humanidade, a exemplo do episódio da
Santa Inquisição mas, sem dúvida, o que mais se evidenciou e foi como um
estopim para finalmente ser a dignidade humana efetivamente consagrada no
plano internacional, foram as barbáries cometidas pelos nazistas e fascistas
com os judeus durante a Segunda grande Guerra Mundial (NUNES, 2009;
BARCELOS, 2008).

Assim, consagrada a dignidade no Plano Internacional e interno como valor


máximo dos ordenamentos jurídicos, vários países também aderiram,
introduzindo em suas constituições a dignidade da pessoa humana como
fundamento do Estado. E o Brasil também aderiu, pois o constituinte, com a
preocupação com a promoção dos direitos humanos e da justiça social, levou-o
a consagrar a dignidade da pessoa humana como o valor nuclear da ordem
constitucional (DIAS, 2009).

Para Dias (op. cit.), a dignidade humana é o “[...] princípio de manifestação


primeira dos valores constitucionais, carregados de sentimento e emoções”, é
um “macroprincípio” e o “mais universal de todos”, de onde irradia todos os
valores da Carta Maior. Assim, consubstanciada no inciso III do artigo 1° da
Constituição Federal de 1988, é ele o Princípio maior, o qual dá guarida a todos
os demais direitos e garantias individuais conferidos na Carta Maior.

Os Princípios são as balizas que, sejam legisladores ou aplicadores do direito,


devem ter como respaldo legal sempre, sob pena de serem as normas editadas
ou uma decisão proferida, nulas, por afronta aos preceitos maiores do
Ordenamento Jurídico Brasileiro. Nas palavras de Nunes (2008, p. 41):

“Os princípios exercem função importantíssima dentro do ordenamento jurídico


positivo, uma vez que orientam, condicionam e iluminam a interpretação das
normas jurídicas em geral, pois os princípios se impõem de forma absoluta. (...)
Os princípios funcionam como verdadeiras supranormas, isto é, uma vez
identificados, agem como regras hierarquicamente superiores às próprias
normas positivadas no conjunto das proposições escritas ou mesmo às normas
costumeiras.”

Já a dignidade é a mestra a qual dá suporte e é a base que norteiam os


princípios. É o valor supremo da ordem jurídica, é, como diz Silva (2008), “um
desses conceitos a priori”, que preexiste até mesmo a pessoa humana. Ela não
é somente mais um princípio do ordenamento jurídico, mas o é também seja da
ordem política, econômica, social e cultural, que dá base a toda a vida
nacional. Silva (op. cit. p. 38) ainda complementa dizendo que:

“A dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de


todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida. Concebido
como referencia constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais, o
conceito de dignidade humana obriga a uma densificação valorativa, que tenha
em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional e não uma qualquer
idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido da dignidade
humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais[...].”

A dignidade humana é, pois, um valor intrínseco, nem mesmo um


comportamento indigno é motivo para se privar um ser humano dos direitos
fundamentais que lhe são inerentes. Como exemplo, um réu em cumprimento a
uma pena de reclusão em regime fechado terá seu direito de liberdade
restringido, mas nunca ser-lhe-á tirada sua dignidade, uma vez que a
Constituição proíbe qualquer tratamento degradante ou desumano (CF, art. 5°,
inc. III), portanto, seja a quem for dirigida, a dignidade da pessoa humana
precisa ser observada e obrigatoriamente preservada, pois se trata de um
princípio maior.

Quaresma (2006) acrescenta ao exposto que os princípios são normas


constitucionais dotadas de certo grau de abstração elevado, uma vez que se
constituem em fontes para as demais normas jurídicas, bem como em
fundamento para as mesmas. Neste contexto, Canotilho (apud NUNES, p. 42),
classifica-os levando em consideração seu grau de abstratividade em
“princípios estruturantes”, “princípios constitucionais gerais” e “princípios
constitucionais especiais”, assim explica-os:

“Os princípios estruturantes são os que representam o arcabouço político


fundamental constitutivo do Estado e sobre os quais se assenta todo o
ordenamento jurídico. São, pois, princípios desse tipo o Princípio Democrático
e o do Estado de Direito. Daí, claro, pela junção necessária que se faz, só se
pode falar em Estado de Direito Democrático. Os princípios constitucionais
gerais são os que densificam os princípios estruturantes, clarificando seu
sentido como princípio constitucional. Assim, por exemplo, no caso do princípio
estruturante citado do Estado de Direito Democrático, surge o princípio da
legalidade dos atos da administração, o da soberania popular e o da
independência dos Tribunais como princípios constitucionais gerais. E esses
princípios constitucionais gerais, por sua vez, concretizam-se um pouco mais
mediante princípios constitucionais especiais, por exemplo, no caso do
princípio geral da soberania popular, o princípio especial do sufrágio universal.

A dignidade da pessoa humana ultrapassa a qualificação de um princípio


constitucional, seja geral ou especial, ela é maior, pois se trata de um dos
fundamentos de todo o sistema constitucional, que dá base para todos os
demais princípios, sendo ela, portanto, um princípio estruturante.

Assim, clara foi a intenção do constituinte em conceder ao Princípio


Fundamental da Dignidade da Pessoa Humana a qualidade de norma
embasadora e informativa de toda a ordem constitucional, pois, deste princípio
decorrem todos os demais direitos e garantias individuais, como o direito à
igualdade, à intimidade, à privacidade, de liberdade, e à vida, inclusive
(SARLET, 2007).

Como exemplo da relevância desse Princípio, Nunes (2009) aduz em sua obra
que, o Direito à vida pressupõe o Princípio da dignidade humana, explicando
que, dependendo do ponto de vista em que os dois são conflitados, um pode
se sobrepor ao outro.

Analisando a questão de um ponto de vista biológico, sem vida, nem haveria de


se falar em dignidade, mas e o oposto, e eticamente? Uma vida sem dignidade
assemelha-se ao fato de nem se estar vivo, afinal, a vida de um desabrigado e
faminto que fora abandonado pela família por ter uma debilidade mental, este,
certamente não goza de uma existência digna que lhe é inata.

Mas, afinal, o que vem a ser a dignidade humana? Nas palavras de Moraes
(2007, p. 46):

“A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta


singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e
traz consigo pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-
se um mínimo vulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo
que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos
direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que
merecem todas as pessoas enquanto seres humanos."

Já na conceituação de Sarlet (2007, p. 62):

“Dignidade da pessoa humana é a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida


em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração
por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo
de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo
e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir
as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de priorizar e
promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria
existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.”

É possível então dizer que, a dignidade é inata ao ser humano, nasce com ele,
não podendo ser ela restringida - mas excepcionalmente, como no exemplo
anteriormente mencionado, pode ela ser limitada, quando da imposição de uma
pena de restrição de liberdade, pois, pelo simples fato de ter nascido, possui
intrínseco em si, a dignidade.

Mas ela não pode ser considerada exclusivamente como fator inerente do ser
humano, pois como explica Sarlet (2007, p. 48) em sua conceituação acerca da
dignidade humana, ela possui também um sentido cultural, e assim, para que a
dignidade seja efetivamente aplicada, é necessário que Estado e comunidade a
veja como limite e tarefa.

E acertadamente concluiu Sarlet (op. cit.) evidenciando que não se pode negar
o fato de que, a dignidade nasce com o indivíduo, mas se não houver o
trabalho conjunto do Estado e da comunidade para garantir a aplicabilidade
deste princípio, ele seria letra morta, e não passaria de belas palavras ao ser
aplicado em uma história de conto de fadas.

Um exemplo elucidativo é o planejamento familiar. O Estado garante a eficácia


desse por meio de normas e, aliás, estas mesmas são as que limitam o Poder
Estatal, a exemplo do §7° do artigo 227 da Constituição Federal, que trata o
planejamento familiar como sendo de livre decisão do casal, no qual compete
ao Estado apenas a tarefa de propiciar os recursos necessários para o livre
exercício desse direito, sendo vedada qualquer forma de coerção, pois,
concedidos os meios básicos, a decisão final depende dos pais, posto que a
Carta Maior preceitua que tal decisão deve ser pautada nos princípios da
dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável.

Mas, na prática, nem sempre este princípio é efetivamente aplicado. A


exemplo, o Governo Federal destina às famílias de baixa renda Programas
Sociais como o Bolsa família que, segundo informações no site do Ministério do
Desenvolvimento Social de Combate à Fome, vem a ser um dos programas
que integram a Estratégia Fome Zero, que tem por objetivo principal assegurar
aos mais necessitados o direito à alimentação, ou seja, um dos direitos
fundamentais do homem.

O referido programa está regulamentando pela Lei n. 10.836 de 9 de janeiro de


2004 e tem como beneficiárias as famílias de baixa renda, externando o
conceito de família da seguinte forma:

“Art. 2o Constituem benefícios financeiros do Programa, observado o disposto


em regulamento: (...) § 1o Para fins do disposto nesta Lei, considera-se: I -
família, a unidade nuclear, eventualmente ampliada por outros indivíduos que
com ela possuam laços de parentesco ou de afinidade, que forme um grupo
doméstico, vivendo sob o mesmo teto e que se mantém pela contribuição de
seus membros;”

Não há dúvida de que o programa tem um belo objetivo, mas, quando da sua
aplicabilidade, o legislador o destinou apenas aos familiares consanguíneos e
os por afinidade, restringindo-o, como se a pobreza e a fome atingissem
apenas a esses. Hoje existem as mais variadas estruturas de famílias e a
dignidade, para ser verdadeiramente aplicada, deve atingir a todos, sem
distinções ou preconceito.

Nunes (2009) faz uma interessante ressalva acerca deste princípio, pois,
segundo o autor, tendo em vista que o homem é por excelência um ser social,
apesar de a dignidade lhe ser inata, ela é dita ilimitada até o momento em que
não violar a dignidade de outrem. Vale dizer, como no velho brocardo, “nosso
direito termina onde começa o do outro”.

Assim, para Nunes (op. cit.), o Princípio da Dignidade apresenta-se sob duas
concepções, uma de cunho individual, que é a inerente à pessoa humana; e
outra social, visto que a Constituição garante o direito a uma vida digna, assim,
faz-se necessário, para a realização desta, que haja o respeito mútuo entre as
pessoas. Nesta mesma linha, Moraes (2007, p. 46) preceitua que:

“O princípio fundamental consagrado pela Constituição Federal da dignidade


da pessoa humana apresenta-se em dupla concepção. Primeiramente, prevê
um direito individual protetivo, seja em relação ao próprio Estado, seja em
relação aos demais indivíduos. Em segundo lugar, estabelece verdadeiro dever
fundamental de tratamento igualitário dos próprios semelhantes. Esse dever
configura-se pela exigência do indivíduo respeitar a dignidade de seu
semelhante, tal qual a Constituição exige que lhe respeitem a própria. A
concepção desta noção de dever fundamental resume-se em três princípios do
direito romano: honestere vivere (viver honestamente), alterum non
laedere (não prejudique ninguém) e suun cuique tribuere (dê a cada um o que
lhe é devido).”

E assim está inserto no artigo 1° da Declaração Universal dos Direitos


Humanos que “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e
direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos
outros com espírito de fraternidade”.
Portanto, a dignidade é um valor moral intrínseco à pessoa, que nasce com o
ser humano, bem como é adquirido culturalmente por meio da sociedade. É
assegurada pelo Estado por meio de normas, para que efetivamente seja ele
posto em prática, garantindo assim condições existenciais mínimas para que
um indivíduo tenha uma vida saudável física e mentalmente, consigo próprio e
com os demais que vivem ao seu redor.

Sarlet (2007) o sintetiza com maestria, evidenciando que o indivíduo terá sua
dignidade respeitada quando seus direitos fundamentais forem preservados e
realizados, direitos estes que se traduzem no conjunto dos direitos individuais,
políticos e sociais que, por sua vez, dão origem aos direitos econômicos e
culturais.

O preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu primeiro


parágrafo, preceitua que, “[...] o reconhecimento da dignidade inerente a todos
os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o
fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo”. E assim a Carta
Maior também a posicionou, com outras palavras, porém, com o mesmo
objetivo.

Posto que a Constituição mesma colocou como dogma maior a dignidade da


pessoa humana, como valor fundamental da República Federativa do Brasil,
certamente que a “Constituição elevou o ser humano ao ápice de todo o
sistema jurídico, sendo-lhe atribuído, o valor supremo de alicerce da ordem
jurídica” (FARIAS, 2007, P. 52), acima de qualquer outro valor que ela mesma
proteja, como a entidade familiar.

E este preceito fundamental busca garantir esses direitos, que a todos, sem
iscriminação deve alcançar. E isso independe de raça, cor, sexo, basta para
isso, ser uma pessoa. Afinal, ter dignidade é ter uma vida digna, feliz e
completa.

3.2. DA AFETIVIDADE E SEU VALOR JURÍDICO NA CONSTITUIÇÃO


DASFAMÍLIAS

Segundo Barros (2002), “afeto vem da palavra romana affectio ou affectus,


palavras compostas da preposição ad(= para) e de uma forma nominal do
verbo facere (= fazer). Literalmente, affectio e affectus traduzem a idéia de ser
feito um para o outro”. No nosso Dicionário Brasileiro, afeto significa afeição,
amizade, simpatia, paixão; estes são os adjetivos que caracterizam a família
contemporânea.

Ao longo da história a família passou por diversas mudanças, dentre as quais a


principal fora fruto das inovações trazidas pela Constituição Federal de 1988,
que deu nova feição à família, pois, com o reconhecimento da união estável
como entidade familiar; a proteção integral à criança e ao adolescente,
prevendo sua colocação em lar substituto quando necessário e, desse modo,
ainda os protegeu de toda e qualquer qualificação discriminatória, igualando
em direitos e deveres, independentemente de sua origem; são exemplos de
que o constituinte tutelou o elemento afetividade nas relações familiares.
Ademais, a consagração da dignidade da pessoa humana como princípio
fundamental, que o colocou no ápice do ordenamento jurídico, somada à tutela
do vínculo afetivo como um dos elementos primordiais para a formação da
entidade familiar é, sem dúvida, nos termos utilizados por Farias (2009, p. 10)
“[...] a valorização definitiva e inescondível da pessoa humana”, constituindo a
verdadeira repersonalização do direito de família.

E por mais que o elemento afetividade não esteja expresso na Lei Maior, este
certamente o incorpora pela enorme gama de valores éticos que constituem o
“[...] suporte axiológico dos princípios do direito das famílias [...]” (CALHEIRA,
2006, [s.p]). Torna-se possível afirmar que se trata de verdadeiro Princípio da
Afetividade (DIAS, 2009).

Entretanto o fato de ser um princípio implícito não desobriga os aplicadores do


direito e legisladores de contemplá-lo, pois a própria Constituição, em seu §2°
do art. 5° preceitua que, “[...] os direitos e garantias expressos nesta
Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela
adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do
Brasil seja parte”. Desse modo, tem-se que incluso está o Princípio da
Afetividade no Ordenamento Jurídico Brasileiro.

Não há como negar que hoje a família possui novo paradigma, ela é o
instrumento para se buscar a felicidade, a realização pessoal dos entes que a
compõem, no dizer de Farias (2007, p. 12), “[...] a família é o lócus privilegiado
para garantir a dignidade humana e permitir a realização plena do ser
humano”.

Não só por meio dos laços consanguíneos ou matrimoniais a família atinge seu
objetivo, mas independente destes, e certamente pelo afeto, pelo amor e
carinho é que a família consegue atingir seu fim último. Assim preceitua Diniz
(2005, p. 13):

“Deve-se, portanto, vislumbrar na família uma possibilidade de convivência,


marcada pelo afeto e pelo amor, fundada não apenas no casamento, mas
também no companheirismo, na adoção e na monoparentalidade. Ela é o
núcleo ideal do pleno desenvolvimento da pessoa. É o instrumento para a
realização integral do ser humano.”

E não é demais ressaltar que, como já dito, a afetividade não decorre dos laços
de sangue ou da formalidade de um casamento, ela é maior, transcendendo-
os. Então, para que nasça a afetividade, esta independe de qualquer vínculo
formal, ela nasce da convivência, das demonstrações de carinho de todos os
dias, dos cuidados e preocupações de uns com os outros, enfim, do amor.

Se há família, é porque aí existe o afeto. Ademais, há algumas passagens da


Carta Maior que merecem ser aqui transcritas, como o preâmbulo da
Constituição Federal e o inc. IV do art. 3°:

“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional


Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o
exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-
estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de
uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia
social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução
pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte
Constituição da República Federativa do Brasil.

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:


(...) IV -promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação” (grifo nosso).

O constituinte, por estas passagens, ao ter alocado a preocupação em


promover o bem de todos, coibindo ainda qualquer forma de discriminação,
mais nítida e clara se mostra a tarefa dos aplicadores do direito, legisladores e
sociedade em preservar e buscar, acima de tudo a proteção do ser humano.

Como bem ressalta Simões (2007) o direito de família busca agora zelar por
valores maiores, como a alegria, o amor e o respeito entre seus entes. E assim
vem decidindo os Tribunais, protegendo as relações que, mesmo não advindo
do vinculo sangüíneo, tem como base um elemento mais forte, o afeto:

“APELACAO. ADOCAO. Estando a criança no convívio do casal adotante há


mais de 9 anos, já tendo com eles desenvolvido vínculos afetivos e sociais, é
inconcebível retirá-la da guarda daqueles que reconhece como pais, mormente
quando os pais biológicos demonstram por ela total desinteresse. Evidenciado
que o vinculo afetivo da criança, a esta altura da vida, encontra-se bem definido
na pessoa dos apelados, deve-se prestigiar a paternidade socioafetiva sobre a
paternidade biológica, sempre que, no conflito entre ambas, assim apontar o
superior interesse na criança. Desproveram o apelo. Unânime.” (Apelação
Cível Nº. 70003110574, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,
Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 14/11/2001).

“EMBARGOS INFRINGENTES. ACAO DE ANULACAO DE REGISTRO DE


NASCIMENTO MOVIDA POR IRMAOS DO FALECIDO PAI. No conflito entre a
verdade biológico e a verdade sócio afetiva, deve esta prevalecer, sempre que
resultar da espontânea materialização da posse de estado de filho. O falecido
pai do demandado registrou-o, de modo livre, como filho, dando-lhe, enquanto
viveu, tal tratamento, soando ate mesmo imoral a pretensão dos irmãos dele
(tios do réu) de, após seu falecimento, e flagrantemente visando apenas
mesquinhos interesses patrimoniais, pretender desconstituir tal vínculo.
Desacolheram os embargos.” (Embargos Infringentes Nº 70004514964, Quarto
Grupo de Câmaras Cíveis, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe
Brasil Santos, Julgado em 11/10/2002).

Fachin (apud DIAS, 2009) aduz que a família busca construir uma história na
qual exista comunhão afetiva, e, se finda esta, implica sua falência, ou seja, se
pessoas se unem para terem uma vida em comum é porque nesta junção
encontraram o lugar ideal para buscar a felicidade, mas a partir do momento
em que dessa já não mais provêm a realização, o próprio Estado concede os
meios para desfazer tais laços.
A família é tutelada enquanto estiver desempenhando seu papel, caso
contrário, não há mais motivo para existir. Assim, clara a idéia do constituinte
de que, findo o afeto, o é também a família. Entende-se, portanto, que a família
tem como elemento formador o afeto.

4. ROL DO ARTIGO 226 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL: TAXATIVO OU


MERAMENTE EXEMPLIFICATIVO?

Segundo o artigo 226 e parágrafos da Constituição Federal, as espécies de


famílias por ela reconhecidas são as decorrentes do casamento civil; ou
religioso com efeitos civis; a união estável e a família monoparental. Mas há de
se falar que o presente rol é numerus clausus? Primeiramente, mostra-se
imprescindível se fazer algumas considerações que foram abordadas no
decorrer do presente estudo, portanto:

a) Considerando que a Constituição Federal de 1988 em seu art. 1° consagrou


a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República
Federativa do Brasil;

b) Considerando que, em seu preâmbulo, bem como no inc. IV do art. 3° da


Carta Maior, o constituinte assegurou a igualdade e a justiça como valores
supremos, fundada na harmonia social e ainda como um dos objetivos
fundamentais da República Federativa do Brasil, consagrou a tarefa de
promover o bem de todos, sem preconceitos e quaisquer outras formas de
discriminação;

c) Considerando que, a união estável foi também reconhecida como entidade


familiar; e que fora eliminada toda e qualquer designação discriminatória em
relação aos filhos, independentemente de sua origem, e,

d) Considerando que, a Constituição Federal em seu art. 226, colocou a família


como a base da sociedade, conferindo a essa instituição proteção especial.

Ante o exposto tem-se que a instituição família é um instrumento, ela é


funcionalizada em razão de seus membros, é tida como base porque o
indivíduo nela se sustenta para a busca de seus ideais, sonhos e objetivos.
Mas esta base, a família, se forma pela soma dos indivíduos que a compõem e
é a estes que a Carta Maior busca proteger. Nas palavras de Farias (2007, p.
10), “[...] não há mais proteção à família pela família, senão em razão do ser
humano”.

Essa proteção especial do Estado, portanto, é conferida à família, enquanto


esta estiver realizando sua função, que é a de promover a dignidade de seus
membros, dignidade que se resume em garantir as condições mínimas
existenciais para uma vida saudável e garantir que todos os direitos
fundamentais do ser humano sejam respeitados.

Com o reconhecimento da importância da afetividade na formação dos vínculos


familiares, que se sobrepõe até mesmo aos laços sanguíneos, não há como
negar a relevância desse elemento para a constituição de uma família. O
contexto atual mostra ser irrelevante se a família tem uma estruturação clássica
do modelo patriarcal; ou se ela se compõe de apenas um dos genitores e seus
descendentes; ou se ela tem uma estrutura psíquica, onde um tio faz o papel
de tio e pai, ou então quando um irmão passa a cuidar dos demais, provendo-
os não só de um teto e alimento, mas de amor e carinho. Todas essas são
famílias, porque possuem o elemento formador primordial, qual seja, o afeto.

Dias (2009, p. 62), com relação a isso, faz uma importante observação:

“A dignidade da pessoa humana encontra na família o solo apropriado para


florescer. A ordem constitucional dá-lhe especial proteção independentemente
de sua origem. A multiplicação das entidades familiares preserva e desenvolve
as qualidades mais relevantes entre os familiares – o afeto, a solidariedade, a
união, o respeito, a confiança, o amor, o projeto de vida de vida em comum -,
permitindo o pleno desenvolvimento pessoal e social de cada partícipe com
base em ideais pluralistas, solidaristas e democráticas”

Ora, se a família tem como fim primordial promover a seus entes uma vida
digna, então a família que consegue atingir esse objetivo é certamente
merecedora da proteção especial do Estado, pois assim traz a redação
do caputdo art. 226 da Constituição Federal. Portanto, não há que se falar que
o rol do precitado artigo é taxativo, pois, como já demonstrado, não só as
famílias decorrentes do vínculo consangüíneo e do matrimônio atingem seu
fim. Calheira assim explica ([s.d], [s.p]):

“O texto constitucional mudou e trouxe um conceito amplo de família, não


determinando tipos de família específicos, ao revés, o caput do artigo 226 da
CF/88 nada mais é senão, uma cláusula geral de inclusão, não sendo
admissível, portanto, desconsiderar qualquer entidade que satisfaça os
requisitos de afetividade, ostensibilidade e estabilidade, haja vista que se trata
de rol exemplificativo.”

Nesta mesma linha, sustenta Lôbo (2004, não paginado) explicando que o
artigo 226 da Constituição Federal é norma de inclusão das demais espécies
de famílias, posto que o constituinte suprimiu o termo constante na Carta de
1967, que restringia o conceito de família apenas àquelas decorrentes do
casamento:

“No caput do art. 226 operou-se a mais radical transformação, no tocante ao


âmbito de vigência da tutela constitucional à família. Não há qualquer
referência a determinado tipo de família, como ocorreu com as constituições
brasileiras anteriores. Ao suprimir a locução “constituída pelo casamento” (art.
175 da Constituição de 1967-69), sem substituí-la por qualquer outra, pôs sob a
tutela constitucional “a família”, ou seja, qualquer família. A cláusula de
exclusão desapareceu. O fato de, em seus parágrafos, referir a tipos
determinados, para atribuir-lhes certas conseqüências jurídicas, não significa
que reinstituiu a cláusula de exclusão, como se ali estivesse a locução “a
família, constituída pelo casamento, pela união estável ou pela comunidade
formada por qualquer dos pais e seus filhos. Os tipos de entidades familiares
explicitados nos parágrafos do art. 226 da Constituição são meramente
exemplificativos, sem embargo de serem os mais comuns, por isso mesmo
merecendo referência expressa. As demais entidades familiares são tipos
implícitos incluídos no âmbito de abrangência do conceito amplo e
indeterminado de família indicado no caput. Como todo conceito indeterminado,
depende de concretização dos tipos, na experiência da vida, conduzindo à
tipicidade aberta, dotada de ductilidade e adaptabilidade”.

Dias (2009, p. 62) faz uma crítica quanto à exclusão das demais espécies de
família, pois, dar tratamento diferenciado aos vários tipos de constituição de
família é indigno, uma vez que o Princípio fundamental da dignidade humana
significa oferecer “igual dignidade para todas as entidades familiares”.

Não se pode excluir uma realidade gritante por um mero detalhe formal. Não
estender a proteção estatal às outras várias espécies de famílias é fazer da
Constituição lei morta, é fechar os olhos para a sociedade, é simplesmente
regredir à sociedade moralista e hipócrita do século passado.

E como bem ressalta Farias (2007) de nada adianta modificar toda a estrutura
do direito de família, se a mudança não vier de dentro, das mentes e dos
corações dos operadores do Direito, pois só assim se terá uma sociedade
igualitária, justa e humana.

4.1. ESPÉCIES DE FAMÍLIAS

Superada a conceituação de família torna-se possível afirmar que a sociedade


contemporânea se compõe por diversos modelos de famílias, sendo que sua
estruturação nem sempre se caracteriza na figura do lar formado pelo pai, mãe
e dois filhos. Esta estruturação, aliás, é a que mais raramente se encontra.

Hoje, as pessoas se unem umas às outras pela afinidade, pelos projetos de


vida e propósitos em comum (DIAS, 2009). Assim, na constante busca de
realização pessoal e de felicidade, as famílias mais rapidamente se formam, e
na mesma proporção se desestruturam já formando outras. É um ciclo. E essas
não seguem um modelo padronizado, elas se estruturam psiquicamente,
desempenhando o papel no qual melhor se adéquam.

Seguindo ainda as denominações de Dias (op. cit.), a Carta Maior elenca


explicitamente três espécies de família, sendo elas: a advinda do casamento
civil ou religioso com efeito civil; a união estável; e a família monoparental; há,
ainda, implicitamente, as que decorrem de uniões pautadas no elemento
afetividade, algumas com conotação sexual, como a homoafetiva, e outras não,
como a família substituta, a pluriparental, a paralela, a eudonista e a
anaparental.

4.1.1. Da Família matrimonial

Segundo Dias (2009, p. 44) as uniões entre homem e mulher com fins
reprodutivos precedem à história, isto é, existiam antes mesmo de se inventar o
conceito de sociedade, de se formar o Estado. E estes, “[...] sob o pretexto de
manter a ordem social, passaram a regular estas uniões afetivas, de forma
conservadora e moralista, denominando-a de família, consagrando-a ainda,
como um sacramento e impondo a indissolubilidade do vínculo conjugal”.

O Estado era o único legitimador do casamento, vindo a regulamentá-lo em


todos os seus aspectos, mas, com atenção especial à seara patrimonial. Afinal,
tendo em vista que o nosso ordenamento jurídico decorre do direito romano, a
estrutura familiar, com todas as suas peculiaridades, também por nós fora
herdada, pois era matrimonizada, patriarcal, hierarquizada, patrimonial e
heterossexual (DIAS, 2009; VENOSA, 2008).

Só a titulo de curiosidade, conta Venosa (2008) que, a cerimônia religiosa


romana era denominada confarreatio, e possuía esta designação porque havia
a tradição de se dividir uma torta de cevada entre os nubentes, que era o
símbolo da vida em comum, sendo esta a origem do bolo de noiva dos nossos
dias atuais.

Segundo Venosa (op. cit.) havia, ainda, outra forma de união além do
casamento, era a união que decorria de um negócio jurídico de compra e
venda, denominado mancipatio, na qual o pater, detentor do pátrio poder,
negociava a mulher como um objeto, ocorrendo também no Brasil, mas em
termos mais abrandados, porém, consistia igualmente em um negócio jurídico.

Hoje, o casamento é definido, segundo Monteiro (2007, p. 22), como a “[...]


união permanente entre homem e mulher, de acordo com a lei, a fim de se
reproduzirem, de se ajudarem mutuamente e de criarem os filhos”,
acrescentando Diniz (2005) que esse auxílio mútuo não é só material, mas
também espiritual.

Nas palavras de Pereira (2007, p. 53) “[...] o casamento é a união de duas


pessoas de sexo diferente, realizando uma integração psíquica permanente”, já
Rodrigues (apud VENOSA, 2008), o casamento se resume em um contrato que
tem por fim promover a união de homem e mulher, de conformidade com a lei,
para regularem suas relações sexuais, prestarem assistência mútua e
cuidarem da prole comum, mas para Dias (2009) o casamento é também um
contrato, só que de adesão, posto que o Estado o regula desde sua celebração
até depois de sua dissolução.

Apesar de todas as solenidades do matrimônio, a união hoje decorre, sim, da


vontade dos nubentes, pois lei alguma consegue manter unidos homem e
mulher se não for de vontade mútua, pois, o Estado pode apenas controlar
meras formalidades, mas não o principal ingrediente para esse perdurar: o
amor.

4.1.2. Família Monoparental

Consubstanciada no parágrafo 4º do artigo 226 da Constituição Federal, a


família constituída por só um dos genitores e sua prole é a espécie mais
comumente vista no Brasil, é a denominada família monoparental, que segundo
Bravo (2001, não paginado) “[...] esta expressão foi usada inicialmente na
França, inobstante a Inglaterra já lhe dedicar atenção especial desde a década
de 60, denominando-o de lone-parents families”.

Tal modalidade de família passou a ter maior visibilidade com o declínio do


patriarcalismo e da inserção da mulher no mercado de trabalho, tendo em
número expressivo a presença da mulher na titularidade do vínculo familiar.
Ressalta, ainda, que por muitos anos a monoparentalidade fora associada ao
fracasso pessoal, pois antigamente essa constituição decorria, quase que em
geral, pelo rompimento do vínculo matrimonial (DIAS, 2009).

Porém, hoje, trata-se de uma escolha, seja pelo fim de relacionamento, seja
por uma viuvez, seja pela opção de ter um filho sozinha ou sozinho – afinal, a
monoparentalidade também é caracterizada pela vivência do pai com o filho -,
pela adoção ou até por uma inseminação artificial, mas independentemente da
forma pela qual se origine, ela é uma família e é pelo Estado protegida.

4.1.3. Família Informal

A união informal é tão antiga quanto o matrimônio, aliás, o precede, uma vez
que a essas uniões é que o Estado, por suas leis, passou a dar juridicidade,
resultando no matrimônio. As uniões informais, por muito tempo ficaram à
margem da lei, sem reconhecimento legal e sem amparo jurídico algum e,
segundo Monteiro (2007), eram fortemente combatidas porque se considerava
que essas uniões concorriam indiretamente para a desagregação da família
oriunda do matrimônio.

Após vários anos de muito clamor da sociedade, os juristas se viram


compelidos a dar uma resposta às milhares de ações judiciais que
despencavam nos Tribunais pelo reconhecimento daquela união informal e
seus conseqüentes efeitos jurídicos. Nas primeiras decisões foram elas tidas
como uniões de fato, e quando não havia bens a serem partilhados, à mulher
cabia o direito de ser ressarcida pelos serviços domésticos prestados,
aplicando-se, por analogia, o direito comercial (DIAS, 2009).

A partir de então, vários julgados e leis infraordinárias vieram a dar proteção às


uniões de fato, passando a reconhecer mais e mais direitos decorrentes
daquela união, quando então o constituinte não viu outra alternativa que não
fosse a de reconhecer o que a doutrina e jurisprudência há muito já vinham
dando amparo legal, estendendo, assim, a proteção estatal àquela união,
reconhecendo-a como entidade familiar, denominando-a de união estável.

Leis surgiram para regular o novo instituto, como a Lei n. 8.971 de 29 de


dezembro de 1994, que estabeleceu os requisitos essenciais à união estável,
sendo a primeira a reconhecer o direito a alimentos e sucessórios dos
companheiros; posteriormente veio a Lei n. 9.278 de 10 de maio de 1996, mas
com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, aquelas foram ab-rogadas,
passando-se a regular a matéria concernente à união estável (MONTEIRO,
2007).
Nos termos do § 3° do artigo 226 da Constituição Federal, “[...] é reconhecida a
união estável entre homem e mulher como entidade familiar, devendo a lei
facilitar sua conversão em casamento” e, conforme preceitua o artigo 1.723 do
Código Civil, “[...] é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o
homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e
estabelecida com o objetivo de constituição de família.”

Nem a Constituição Federal e menos ainda o Código Civil conseguiram


responder efetivamente a todas as dúvidas acerca da constituição da união
estável, afinal, o que se entende por convivência duradoura? Existe um limite
temporal para que se configure a união estável? E no que tange ao requisito
subjetivo de constituir família, é indispensável para isso que o casal habite sob
o mesmo teto? A jurisprudência e doutrina divergem acerca dessas respostas,
mas não convém aqui entrar no mérito dessas questões.

Porém, nas decisões mais recentes, os Tribunais têm entendido que, no que
tange ao requisito temporal, não existe prazo máximo nem mínimo para se
configurar a união, bem como é dispensável a convivência no mesmo lar, isso
segundo a Súmula 382 do STF que diz:

“A vida em comum sob o mesmo teto, ‘more uxório’, não é indispensável à


caracterização do concubinato”.

Dias (2009) faz uma crítica às leis infraconstitucionais que vieram a regular a
união estável, pois, segundo ela, fora apenas copiado o modelo do matrimônio,
transformando-a em um “casamento por usucapião” que, pelo decurso de
tempo, confere o estado de casado, não conferindo aos conviventes a
possibilidade de escolha alguma.

4.1.4. Da família homoafetiva e da família substituta

Muito vem se discutindo quanto à admissibilidade ou não do reconhecimento


jurídico das uniões homoafetivas como entidade familiar. Porém, não há como
fechar os olhos para uma realidade que é tão evidente na sociedade brasileira.
Trata-se, pois, de uma família socioafetiva, na qual os laços familiares se
pautam na afetividade. Menezes (2005) assim explica:

“A família é a célula da sociedade. Basta analisarmos a forma como ela é


constituída, para percebermos o quanto o preconceito perde o sentido, numa
demonstração de enorme equívoco social. Uma família não se forma com a
assinatura de um papel perante um juiz de paz ou com a celebração de uma
cerimônia religiosa ou ainda com a realização de uma grande festa social. Uma
família surge de um lindo sentimento chamado afeto. O afeto é que norteia
qualquer relação entre pessoas que se unem e somado a muitos outros
atributos como o respeito, a fidelidade e assistência recíproca é que irá fazer
surgir a família. Então, não é apenas a união entre um homem e uma mulher
casados que terá a faculdade de gerar uma família. A família é a realização
plena do amor, podendo ser constituída pelo casamento, pela união estável,
pelas famílias monoparentais (um pai ou mãe e um filho) e também pelas
uniões homoafetivas.”
De fato, se analisada a união homoafetiva sem os olhos do preconceito, ela em
nada difere das demais uniões, como o casamento ou a união estável, pois
nessa também se faz presente o amor, o companheirismo, a assistência
mútua; é uma união pública e com o objetivo de constituir família. Enfim, em
termos dos requisitos legais, para tal união se adequar ao conceito de família,
nada falta.

Quanto a tal discussão, Venosa (2008) e Gama (2008) posicionam-se em


sentido contrário, alegando, para tanto, que a união homoafetiva não pode
ganhar status de entidade familiar porque a Constituição Federal
expressamente protege a união formada apenas por homem e mulher, e, para
existir o reconhecimento do companheirismo, é necessário que não haja
impedimento algum para o casamento.

Porém, Gama (op. cit., p. 142) também faz uma interessante observação no
sentido de que as famílias, além das elencadas no rol do art. 226 da Carta
Maior, para receberem o status de família jurídica, “[...] deve-se, tão somente
observar a presença de condicionantes relativos a valores sociais e culturais
que admitam a recepção destas unidades de vivência”, então, vale dizer,
conforme o preconceito ou não da sociedade, o que culmina em verdadeira
discriminação, vedada pela Carta Maior.

Ademais, além dos requisitos explícitos já estarem preenchidos, é de se


estranhar que os Magistrados ainda consigam fundamentar suas decisões no
sentido de negar reconhecimento a um direito que é tão gritante e evidente. Ao
negá-la, por obediência restrita à letra da lei, estão eles a afrontar um Princípio
Maior, que é a dignidade da pessoa humana.

Se a dignidade humana, para ser aplicada, se funda no mínimo no respeito e


na aplicação dos direitos fundamentais do homem, que são a igualdade, o
respeito, a não discriminação, a promoção do bem de todos; então, com quais
fundamentos ainda se denega o reconhecimento à união homossexual como
entidade familiar?

Atualmente, depois das muitas lutas e batalhas judiciais, as decisões dos


Tribunais têm sido no sentido de se reconhecer ao menos os efeitos
patrimoniais decorrentes da união estável, aplicável por analogia à união
homoafetiva. E várias são as decisões nesse sentido:

“APELAÇÃO. UNIÃO HOMOSSEXUAL. COMPETÊNCIA.


RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL. A competência para processar e
julgar as ações relativas aos relacionamentos afetivos homossexuais. A união
homossexual merece proteção jurídica, porquanto traz em sua essência o afeto
entre dois seres humanos com o intuito relacional. Uma vez presentes os
pressupostos constitutivos, é de rigor o reconhecimento da união estável
homossexual, em face dos princípios constitucionais vigentes, centrados na
valorização do ser humano. Via de conseqüência, as repercussões jurídicas,
verificadas na união homossexual, em face do princípio da isonomia, são as
mesmas que decorrem da união heterossexual. NEGARAM PROVIMENTO.”
(Apelação Cível Nº 70023812423, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do
RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 02/10/2008).

“APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO HOMOSSEXUAL. RECONHECIMENTO DE


UNIÃO ESTÁVEL. SEPARAÇÃO DE FATO DO CONVIVENTE CASADO.
PARTILHA DE BENS. ALIMENTOS. União homossexual: lacuna do Direito. O
ordenamento jurídico brasileiro não disciplina expressamente a respeito da
relação afetiva estável entre pessoas do mesmo sexo. Da mesma forma, a lei
brasileira não proíbe a relação entre duas pessoas do mesmo sexo. Logo, está-
se diante de lacuna do direito. Na colmatação da lacuna , cumpre recorrer à
analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito, em cumprimento ao
art. 126 do CPC e art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil Na busca da
melhor analogia, o instituto jurídico, não é a sociedade de fato. A melhor
analogia, no caso, é a com a união estável. O par homossexual não se une por
razões econômicas. Tanto nos companheiros heterossexuais como no par
homossexual se encontra, como dado fundamental da união, uma relação que
se funda no amor, sendo ambas relações de índole emotiva, sentimental e
afetiva. Na aplicação dos princípios gerais do direito a uniões homossexuais se
vê protegida, pelo primado da dignidade da pessoa humana e do direito de
cada um exercer com plenitude aquilo que é próprio de sua condição. Somente
dessa forma se cumprirá à risca, o comando constitucional da não
discriminação por sexo. A análise dos costumes não pode discrepar do projeto
de uma sociedade que se pretende democrática, pluralista e que repudia a
intolerância e o preconceito. Pouco importa se a relação é hétero ou
homossexual. Importa que a troca ou o compartilhamento de afeto, de
sentimento, de carinho e de ternura entre duas pessoas humanas são valores
sociais positivos e merecem proteção jurídica. Reconhecimento de que a união
de pessoas do mesmo sexo, geram as mesmas conseqüências previstas na
união estável. Negar esse direito às pessoas por causa da condição e
orientação homossexual é limitar em dignidade a pessoa que são. A união
homossexual no caso concreto. Uma vez presentes os pressupostos
constitutivos da união estável (art. 1.723 do CC) e demonstrada a separação
de fato do convivente casado, de rigor o reconhecimento da união estável
homossexual, em face dos princípios constitucionais vigentes, centrados na
valorização do ser humano. Via de conseqüência, as repercussões jurídicas,
verificadas na união homossexual, tal como a partilha dos bens, em face do
princípio da isonomia, são as mesmas que decorrem da união heterossexual.
DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO. (SEGREDO DE JUSTIÇA)”
(Apelação Cível Nº 70021637145, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do
RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 13/12/2007).

“APELAÇÃO CÍVEL. ADOÇÃO. CASAL FORMADO POR DUAS PESSOAS DE


MESMO SEXO. POSSIBILIDADE. Reconhecida como entidade familiar,
merecedora da proteção estatal, a união formada por pessoas do mesmo sexo,
com características de duração, publicidade, continuidade e intenção de
constituir família, decorrência inafastável é a possibilidade de que seus
componentes possam adotar. Os estudos especializados não apontam
qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais
homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia
o meio familiar em que serão inseridas e que as liga aos seuscuidadores. É
hora de abandonar de vez preconceitos e atitudes hipócritas desprovidas de
base científica, adotando-se uma postura de firme defesa da absoluta
prioridade que constitucionalmente é assegurada aos direitos das crianças e
dos adolescentes (art. 227 da Constituição Federal). Caso em que o laudo
especializado comprova o saudável vínculo existente entre as crianças e as
adotantes. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (SEGREDO DE JUSTIÇA)”
(Apelação Cível Nº 70013801592, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do
RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 05/04/2006)

Desta última decisão, além do reconhecimento da união homossexual como


entidade familiar, essa deve ser entendida duplamente como uma família,
posto que se caracteriza, ainda, como família substituta. Como bem ressaltou o
Relator da decisão, às crianças e aos adolescentes é destinada uma proteção
especial pela Carta Maior, garantindo que elas sejam colocadas em lares
substitutos quando suas famílias consanguíneas não desempenham sua
primordial função, que é dar uma vida digna ao menor.

Uma vida digna não se resume ao provimento das necessidades materiais, o


que, aliás, não é nem requisito essencial, mas a preocupação maior é quanto
ao seu desenvolvimento psicológico, pois o dinheiro não pode comprar carinho,
amor, atenção, enfim, uma família de verdade, que dê a estrutura necessária
para, futuramente, tornar-se um ser humano íntegro e feliz.

4.1.5. Família Pluriparental

Termo utilizado por Dias (2009, p. 49), a família pluriparental ou mosaico “[...]
resulta de uma da pluralidade das relações parentais, especialmente
provocadas pelo divórcio, pela separação, pelo recasamento, seguidos das
famílias não-matrimoniais e das desuniões”, ou seja, essa se constitui pela
reconstituição de outras famílias desfeitas.

Rörhmann (2008, p. 5) a caracteriza em “[...] uma multiplicidade de vínculos,


pois a especificidade deste modelo familiar decorre da peculiar organização do
núcleo, reconstruído por casais onde um ou ambos são egressos de
casamento ou união anterior”. E explica que, fala-se em núcleo para se referir à
família primeira.

Dias (op.cit.) aduz que a tendência dessas uniões é de serem consideradas


monoparentais - quando um ou ambos trazem consigo filhos do relacionamento
anterior -, uma vez que a dissolução do vínculo anterior e a contração de novas
núpcias em nada altera os direitos e deveres com relação aos filhos.

Porém, há um detalhe a mais nesta família, pois, enquanto as demais


decorrem da consangüinidade ou do afeto, nesta, mais do que em nenhuma
outra, é indispensável o afeto para que subsista, pois, de seus membros, e em
especial dos filhos que também se unem, é exigida uma enorme capacidade de
adaptação e paciência, pois se já é difícil se conjugar uma família à dois ou que
já convive desde sempre, complicação maior deve ser consolidar duas famílias
monoparentais em uma só (RÖRHMANN, 2008).
Assim, dificuldade maior se apresenta em relação exatamente aos filhos que já
vêm com os novos conviventes. Como exemplo, ocorrendo a separação de um
casal, o padrasto – na falta do genitor do menor – pode vir a ser chamado a
prestar alimentos ao menor? Haverá a divisão do poder familiar e guarda dos
menores entre o cônjuge, genitor e o ex-companheiro?

Hoje, o que vem se admitindo é apenas o direito de visitas (RORHMANN,


2008; DIAS, 2009).

Assim, essas famílias, assim como as demais, merecem o amparo legal do


Estado, pois, diante das dificuldades que já enfrenta, sua regulamentação se
mostra imprescindível, principalmente em relação aos direitos e deveres
decorrentes da união entre o companheiro e o cônjuge genitor, do que,
conseqüentemente, decorre o reconhecimento dessa espécie de união como
uma entidade familiar.

4.1.6. Família Paralela

Também denominada de concubinato impuro ou adulterino, a família paralela é


aquela decorrente de uma relação extraconjugal, ou seja, quando um dos
concubinos ou ambos já são casados, o que caracteriza o impedimento da sua
conversão em casamento (art. 1.727, CC), diferenciando-se da união estável,
visto que esta não possui tal impedimento (MONTEIRO, 2007).

É uma relação de caráter não eventual, ou seja, contínua e constante, assim, é


possível que durante a relação os concubinos venham a adquirir bens comuns.
O único direito que tem sido garantido à concubina, pelos Tribunais, é a
restituição do valor empregado com juros e correções, quando ela
comprovadamente demonstrar que houve esforço mútuo para a aquisição dos
bens comuns (DIAS, 2009).

Mas, a dúvida que surge: é possível tal união constituir uma entidade familiar e
ser merecedora de amparo legal por estarem presentes os requisitos da
convivência contínua, duradoura e do elemento afetividade? Esta é a discussão
que ultimamente tem trazido calorosos debates no mundo jurídico.

Um exemplo é o recente julgamento do Recurso Especial n. 590779, o qual


tinha por relator o Ministro Marco Aurélio, em que se discutia a possibilidade do
rateio da pensão por morte entre a esposa e a concubina. Em decisão, o
Ministro entendeu que, não há a possibilidade de uma união se configurar
como estável quando há o impedimento legal por um dos dois já ser casado.
Tal entendimento consta do Informativo n. 535 do STF de fevereiro de 2009:

“A Turma, por maioria, deu provimento a recurso extraordinário no qual esposa


questionava decisão de Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais de
Vitória-ES, que determinara o rateio, com concubina, da pensão por morte do
cônjuge, tendo em conta a estabilidade, publicidade e continuidade da união
entre a recorrida e o falecido. Reiterou-se o entendimento firmado no RE
397762/BA (DJE de 12.9.2008) no sentido da impossibilidade de
configuração de união estável quando um dos seus componentes é
casado e vive matrimonialmente com o cônjuge, como na espécie.
Ressaltou-se que, apesar de o Código Civil versar a união estável como
núcleo familiar, excepciona a proteção do Estado quando existente
impedimento para o casamento relativamente aos integrantes da união,
sendo que, se um deles é casado, esse estado civil apenas deixa de ser
óbice quando verificada a separação de fato. Concluiu-se, dessa forma,
estar-se diante de concubinato (CC, art. 1.727) e não de união estável. Vencido
o Min. Carlos Britto que, conferindo trato conceitual mais dilatado para a figura
jurídica da família, desprovia o recurso ao fundamento de que, para a
Constituição, não existe concubinato, mas companheirismo.” (grifo nosso).

Convém dizer que o entendimento acima exposto é majoritário na doutrina e


jurisprudência. Em sentido contrário, o ministro Carlos Ayres Britto, em seu
voto, argumentou que, no caso em tela, existente era o companheirismo, não o
concubinato, e, que face à duração do vínculo, era dever do Estado dar amparo
legal àquela união, como se entidade familiar fosse.

Dias (op. cit., p. 50), na mesma linha, alega que, presentes os requisitos legais,
o vínculo merece sim reconhecimento jurídico, uma vez que essas uniões
configuram a união estável, [...] sob pena de dar uma resposta que afronta a
ética, chancelando o enriquecimento injustificado”, e complementa que, “[...] é
descabido que, depois de anos de convívio, o varão deixe a relação sem
qualquer responsabilidade pelo fato de ele – e não ela – ter sido infiel,
enquanto o responsável é absolvido”.

Pereira (apud JALES, 2008) explica que a expressa diferenciação feita pelo
legislador acerca da união estável e do concubinato impuro existe em
decorrência do preceito da monogamia adotado pelo Estado Brasileiro, e
ademais, dar guarida jurídica a essa união em detrimento do casamento ou
união estável é “[...] instalar verdadeira insegurança jurídica no meio social, que
deve ser a todo custo evitada”, e complementa dizendo que:

“seria um paradoxo para o Direito proteger as duas situações


concomitantemente. Isto poderia destruir toda a lógica do nosso ordenamento
jurídico, o qual gira em torno da monogamia, mas, ao mesmo tempo, não
significa uma defesa moralista da fidelidade conjugal. Trata-se de invocar um
princípio jurídico ordenador, sob pena de se desinstalar a monogamia. Em
síntese, a proteção jurídica às relações concubinárias como entidades
familiares seria somente aplicável àquelas não adulterinas.”

Ademais, pode-se dizer que, o concubinato adulterino em muito se assemelha


à união estável, mas não só estes requisitos devem ser observados. Dias (op.
cit.) ainda alega que, não outorgar reconhecimento ao concubinato se configura
em afronta ao Princípio da dignidade da pessoa humana em relação à
convivente e aos filhos.

Primeiramente, importante lembrar que, em relação aos filhos, a Constituição e


o Código Civil garante amplo amparo à eles. O não reconhecimento da relação
adulterina em nada prejudica os filhos decorrentes desta, pois à eles é
conferido o direito ao reconhecimento paterno, aos alimentos, à sucessão do
genitor, enfim, tem todos seus direitos resguardados, e inclusive, a Carta Maior
proíbe qualquer tratamento desigual ou discriminatório entre os filhos.

No que se refere à dignidade humana da concubina, ela, assim como qualquer


um tem esta garantia que lhe é intrínseca, nasce com ela, bem como é pela
sociedade adquirida, por meio da proteção estatal que garante sua
aplicabilidade. E como já anteriormente explicado, nem um comportamento
índigo é motivo para privar quem quer seja de ter sua dignidade protegida.

Porém, conforme explica Nunes (2009), tendo em vista que o homem é, por
excelência, um ser social, a dignidade humana é dita ilimitada até o momento
em que não violar a dignidade de outrem, e, assim, é necessário que haja o
respeito mútuo entre as pessoas. Vale dizer, certamente que, convalidando-se
uma união paralela em detrimento do cônjuge que não tinha conhecimento de
tal fato, é violar sua dignidade, afinal, utilizando do mesmo brocardo “o direito
de um termina onde começa o do outro”.

Assim, por mais que o rol do artigo 226 da Constituição Federal não seja
taxativo, e, levando em consideração que a afetividade, a ostentabilidade e a
estabilidade são elementos que caracterizam a constituição de uma família, o
que, somado ao fato de que a dignidade da pessoa humana deve ser
preservada – mas sempre respeitando a dignidade de outrem – conclui-se que,
esses são os requisitos formadores de família.

Ponzoni (2008) explica a existência de três posicionamentos doutrinários


acerca do tema, sendo que a primeira entende que a relação concubinária não
constitui união estável, uma vez que há o impedimento legal e moral da
monogamia; a segunda é a defendida por Maria Berenice Dias, que despreza a
fidelidade como fator imprescindível à união estável.

Já a terceira corrente, segundo Ponzoni (op. cit.), sustenta que, preenchidos os


requisitos de ostentabilidade, publicidade e se presente o animus de constituir
família, neste caso, e se um dos parceiros estiver de boa-fé, e provar que não
tinha conhecimento do fato de o outro cônjuge já ser casado, são aplicadas por
analogia as regras do casamento putativo, sendo essa a corrente adotada pela
maioria da doutrina. Defendem o posicionamento em tela: Álvaro Villaça
Azevedo, Rodrigo da Cunha Pereira, Francisco José Cahali, Zeno Veloso,
Euclides de Oliveira, Flávio Tartuce e José Fernando Simão.

4.1.7. Da Família Eudonista

Dias (2009, p. 54) define a família eudonista como sendo aquela em que “[...]
se enfatiza o sentido de busca pelo sujeito de sua felicidade”, ou seja, é a
busca individual da realização pessoal. Pois, com o deslocamento da proteção
estatal do instituto família para a família enquanto instrumento, a proteção é
agora em razão dos entes que a compõem, ou seja, do ser humano.

4.2. DA FAMÍLIA ANAPARENTAL E A POSSIBILIDADE DE


RECONHECIMENTO COMO ENTIDADE FAMILIAR
Termo criado por Barros (2003), a família anaparental decorre do prefixo “ana”,
de origem grega, indicativo de “falta”, “privação”, ou seja, se caracteriza pela
família sem a presença dos pais. Ela se constitui basicamente pela convivência
entre parentes ou pessoas, em um mesmo lar, “[...] dentro de uma estruturação
com identidade de propósito” (DIAS, 2009).

A família não mais se restringe àquele modelo tradicional, ela ganhou as mais
variadas estruturas, nas quais cada ente desempenha um papel não pré-
estabelecido, onde um tio para o sobrinho é tio e pai, um irmão mais velho é
também o pai dos demais irmãos, ou seja, cada um desempenha um papel
psicologicamente definido. E como bem ressalta Dias (op. cit. p. 48), “Não é a
verticalidade dos vínculos parentais em dois planos que autoriza reconhecer a
presença de uma família merecedora da proteção jurídica”.

A verticalidade dos vínculos, ou seja, os parentes em linha reta resultam na


família monoparental; já a família anaparental consiste em uma modalidade da
família pluriparental, ou seja, resulta da colateralidade de vínculos, então ela
pode ser composta por vários irmãos, ou dos tios e sobrinhos, ou então duas
primas, dentre tantas outras possibilidades.

Assim, a estrutura formada por vários irmãos que foram abandonados pelos
pais, que continuaram por muitos anos a viverem juntos, e tendo o primogênito
assumido as responsabilidades da figura paterna para com os demais irmãos,
dando amparo não só material, mas também emocional, de carinho, afeto,
amor e cuidados, constitui um dos possíveis modelos de família anaparental.

Gama (2008, p. 143) posiciona-se contrariamente. Segundo ele a afetividade,


isoladamente, não é elemento que possa dar respaldo jurídico para constituir
vínculos familiares, “[...] porque aí teria que se reconhecer a união (sexual)
entre parentes em linha reta, cuja proibição de casamento e de união estável
fundada no companheirismo é patente no ordenamento jurídico brasileiro”. E
ainda complementa:

“No que tange às denominadas famílias anaparentais, frise-se que, existe


vínculo de parentesco entre irmãos, por exemplo, sendo que a questão
propriamente não é a identificação se existe ou não uma família (já que os
parentes são familiares), e sim qual deve ser o regime a ser observado no
campo dos direitos pessoais e direitos patrimoniais familiares, ou seja, o
conteúdo da relação jurídicofamiliar.”

Primeiramente, sabe-se que, para efeitos jurídicos, os parentes colaterais


englobam sim o conceito de família, dependendo da extensão da norma a que
ela se refere, como exemplo, o conceito de família é extensivo quando se trata
dos direitos sucessórios.

Ademais, se a colateralidade de vínculos não precisa de uma norma que a


reconheça como uma entidade familiar, então Gama deve entender que inútil
se mostra o rol do art. 226 e parágrafos da Constituição Federal em que se
elenca, como uma das entidades reconhecidas como familiar, a composta por
somente um dos genitores e seus descendentes, já que essa decorre de
vínculos da verticalidade, ou seja, em linha reta.

Santos (2009, p. 21-23) em seu artigo acerca da monoparentalidade defende


que a “[...] positivação constitucional da família monoparental garantiu a tais
famílias o direito à ampla tutela estatal”, e complementa:

“seu reconhecimento na Carta Magna foi uma evolução legislativa, com o fim
de adequar a realidade a este fenômeno tão significativo. Embora a legislação
ordinária não tenha acompanhado tal iniciativa, a proteção decorrente do texto
constitucional prova o interesse em combater a discriminação e o preconceito e
auxiliar a integração dos membros destas famílias à sociedade. (...) A
monoparentalidade, independente do lugar de sua manifestação, vem, em
geral, atrelada a uma queda do poder aquisitivo dessas famílias, ou mesmo, à
uma situação de pobreza. Este e outros problemas, decorrentes da
monoparentalidade podem ser transitórios ou não, mas enquanto existirem,
precisam de soluções. A partir do reconhecimento jurídico da família
monoparental pela Constituição Federal, o Estado se tornou responsável pela
proteção destas famílias, e conseqüentemente, pela busca de repostas para
tais problemas.”

E pelos mesmos motivos é necessário reconhecer as entidades familiares


formadas por aqueles que já são parentes. Gama (2008) ainda lembra que a
monoparentalidade ocorre em todas as classes sociais, ricos ou pobres, e
igualmente se aplica às famílias anaparentais, fenômeno mais facilmente
constatado nas classes de baixa renda, necessitando ainda mais da proteção
Estatal.

Ademais, a parentalidade não possui as mesmas proteções jurídicas que são


garantidas às entidades familiares propriamente ditas, como o direito aos
alimentos e a impenhorabilidade do bem de família. E, se entidade familiar
fosse, certamente não precisaria de decisões dos Tribunais, interpretando que,
um caso de irmãos que vivem juntos, configura sim uma entidade familiar:

“EXECUÇÃO. EMBARGOS DE TERCEIRO. LEI


8009/90.IMPENHORABILIDADE. MORADIA DA FAMILIA. IRMÃOS
SOLTEIROS. OS IRMÃOS SOLTEIROS QUE RESIDEM NO IMOVEL COMUM
CONSTITUEM UMA ENTIDADE FAMILIAR E POR ISSO O APARTAMENTO
ONDE MORAM GOZA DA PROTEÇÃO DE IMPENHORABILIDADE,
PREVISTA NA LEI8009/90, NÃO PODENDO SER PENHORADO NA
EXECUÇÃO DE DIVIDA ASSUMIDA POR UM DELES. RECURSO
CONHECIDO E PROVIDO.” (STJ. REsp 159851/SP, Rel. Ministro RUY
ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 19/03/1998, DJ
22/06/1998 p. 100).

Outrossim, para Dias (2009), a família anaparental é, como já anteriormente


conceituada, “[...] a convivência entre parentes, ou entre pessoas, ainda que
não parentes, dentro de uma estruturação com identidade de propósito”, ou
seja, ela não atribui o conceito de família anaparental a qualquer convivência,
pois um dos requisitos é que haja uma identidade de propósito, vale dizer, que
seja efetivamente a de constituir uma família, que possua assistência mútua
material e emocional.

E não só da parentalidade decorre a família anaparental, mas também da


convivência de pessoas, do mesmo sexo ou não, que, sem conotação sexual,
vivem como se família fossem. A exemplo de duas amigas aposentadas que
resolveram compartilhar um mesmo lar, e que, vivendo juntas por muitos anos,
dividem alegrias e tristezas, e pelo esforço mútuo acabam por adquirir bens na
constância da convivência.

O Estado, similarmente ao que ocorre com a família composta pelos irmãos,


não a vê como uma entidade familiar. Mas não há como negar que essa união,
bem como a existente na família formada pelos irmãos, são sim, entidades
familiares, afinal, todos os pressupostos para se configurar uma família em
ambas se fazem presentes.

Ademais, verifica-se nessa o elemento principal, que é o afeto e o carinho


como bases de sua constituição. E a família, para assim ser entendida, não
precisa possuir aquela estrutura clássica formada biologicamente por pai, mãe
e filhos, hoje, as famílias não possuem mais um molde pré-definido; eles vivem
com amigos, primos, tios, enfim, vivem com aqueles que melhor lhe
proporcionem os meios para alcançar a realização pessoal, vivendo uma vida
digna, plena e feliz, o que, afinal, é o fim precípuo da família, e, alcançado este,
é ela também uma entidade familiar, merecedora da proteção especial do
Estado.

5. POSSÍVEIS EFEITOS CIVIS DECORRENTES DO RECONHECIMENTO DA


FAMÍLIA ANAPARENTAL COMO ENTIDADE FAMILIAR

Reconhecida a família anaparental como entidade familiar, outros fatores vem


a decorrer deste, como seus efeitos civis. Dias (2009) defende que a
convivência, por se caracterizar uma comunhão de esforços, nos casos em que
se adquire patrimônio, por exemplo, quando da sua dissolução, é por mais que
justo partilhar os bens, cabendo então, por analogia, a aplicação das
disposições compatíveis que tratam da união estável, ou até do casamento,
pois essas em nada diferem de uma entidade familiar como qualquer outra.

Mas a aplicação de todos os efeitos decorrentes de um casamento seria por


demais incompatível com a família anaparental, posto que, apesar de os dois
institutos se igualarem em sua finalidade, que é a de constituir família, o
casamento possui muitas peculiaridades, como por exemplo, a conotação
sexual e a finalidade natural – não obrigatória – à procriação (PEREIRA, 2007).

Assim, melhor seria a aplicação das disposições concernentes à união estável


que forem compatíveis, pois, a convivência em comento não possui outra
finalidade a não ser a de conferir aos seus integrantes a busca pela realização
pessoal, que muitas das vezes resulta de uma necessidade financeira, ou
então para apenas ter uma companhia amiga que lhe dê apoio, compreensão.
Como bem ressalta Farias (2007, p. 132), “[...] é a família servindo de
instrumento para o desenvolvimento da personalidade humana e para a
realização plena de seus membros”. O afeto pode ter vários significados,
dependendo do contexto sob o qual é visto e, neste, há o de verdadeira
amizade e companheirismo.

E em casos que não há previsão legal expressa, o Superior Tribunal de Justiça


já se posicionou no sentido de que é vedado ao Juiz se eximir de dar uma
solução à lide, alegando falta de norma expressa que regule uma situação
concreta:

“PROCESSO CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO HOMOAFETIVA.


PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. OFENSA NÃO
CARACTERIZADA AO ARTIGO 132, DO CPC. POSSIBILIDADE JURÍDICA
DO PEDIDO. ARTIGOS 1º DA LEI 9.278/96 E 1.723 E 1.724 DO CÓDIGO
CIVIL. ALEGAÇÃO DE LACUNA LEGISLATIVA. POSSIBILIDADE DE
EMPREGO DA ANALOGIA COMO MÉTODO INTEGRATIVO. 1. Não há
ofensa ao princípio da identidade física do juiz, se a magistrada que presidiu a
colheita antecipada das provas estava em gozo de férias, quando da prolação
da sentença, máxime porque diferentes os pedidos contidos nas ações
principal e cautelar. 2. O entendimento assente nesta Corte, quanto a
possibilidade jurídica do pedido, corresponde a inexistência de vedação
explícita no ordenamento jurídico para o ajuizamento da demanda proposta. 3.
A despeito da controvérsia em relação à matéria de fundo, o fato é que, para a
hipótese em apreço, onde se pretende a declaração de união homoafetiva, não
existe vedação legal para o prosseguimento do feito. 4. Os dispositivos legais
limitam-se a estabelecer a possibilidade de união estável entre homem e
mulher, dês que preencham as condições impostas pela lei, quais sejam,
convivência pública, duradoura e contínua, sem, contudo, proibir a união entre
dois homens ou duas mulheres. Poderia o legislador, caso desejasse, utilizar
expressão restritiva, de modo a impedir que a união entre pessoas de idêntico
sexo ficasse definitivamente excluída da abrangência legal. Contudo, assim
não procedeu. 5. É possível, portanto, que o magistrado de primeiro grau
entenda existir lacuna legislativa, uma vez que a matéria, conquanto derive de
situação fática conhecida de todos, ainda não foi expressamente regulada. 6.
Ao julgador é vedado eximir-se de prestar jurisdição sob o argumento de
ausência de previsão legal. Admite-se, se for o caso, a integração mediante o
uso da analogia, a fim de alcançar casos não expressamente contemplados,
mas cuja essência coincida com outros tratados pelo legislador. 7. Recurso
especial conhecido e provido.” (STJ. REsp 820.475/RJ, Rel. Ministro ANTÔNIO
DE PÁDUA RIBEIRO, Rel. p/ Acórdão Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO,
QUARTA TURMA, julgado em 02/09/2008, DJe 06/10/2008).

Portanto, aplicando os efeitos civis da união estável, previstos no Código Civil à


família anaparental ter-se-á o direito aos alimentos, à sucessão hereditária e ao
direito real de habitação.

5.1. DOS ALIMENTOS


Para os que não podem prover sua própria subsistência, aos parentes,
cônjuges e companheiros cabe a obrigação de promover o sustento do que se
encontra necessitado. Justifica-se tal procedimento, como ressalta Dias (2009),
no primeiro direito fundamental que é o de ter uma vida digna, ou seja, ter
meios de sobreviver.

O fundamento da obrigação é, conforme preceitua Pereira (2007), a


solidariedade familiar e de sangue, e que, segundo Farias (2007, p. 142) se
estende também aos vínculos formados pela afetividade:

“Os alimentos devem obediência a uma perspectiva solidária (CF, art. 3°),
norteada pela cooperação, pela isonomia e pela justiça social – como modo de
consubstanciar a imprescindível dignidade humana (CF, art. 1°, inc. III). Nesta
linha de idéias, é fácil compreender que, comprometida em larga medida à
concretização dos direitos afirmados pelo Pacto Social de 1988, a obrigação
alimentar cumpre a relevante função de garantir a própria manutenção de
pessoas ligadas por vínculos de afeto que, eventualmente, não podem prover a
sua própria subsistência.”

Os alimentos são classificados em naturais, que compreendem a alimentação,


vestuário e habitação, e os alimentos civis, também denominados de côngruos,
consistem na assistência, instrução e educação. Os alimentos do artigo 1.694
do Código Civil fazem alusão aos alimentos naturais ou necessários, pois são
os indispensáveis à subsistência (PEREIRA, 2007).

Aduz o artigo 1.694 e parágrafos do Código Civil que, “[...] podem os parentes,
os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que
necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive
para atender às necessidades de sua educação”, devendo este ser fixado na
“[...] proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa
obrigada”. Inicialmente, os legitimados a prover os alimentos são os parentes
em linha reta, que são os ascendentes e descendentes, os cônjuges ou
companheiros, pois a obrigação de alimentar se estende à união estável.

O artigo 1.696 do Código Civil determina, ainda, a reciprocidade alimentar, ou


seja, quando os primeiros legitimados a prestar alimentos não têm condições
de cumprir com tal obrigação, esta recai sobre os parentes nos graus mais
próximos, ou seja, aos colaterais, vindo tal obrigação a se estender aos irmãos,
tanto germanos como unilaterais Pereira (2007), que, segundo Venosa (2008),
se estende até os colaterais de segundo grau, estando excluídos os demais
parentes e afins.

Assim, os irmãos já estão obrigados a prestar alimentos entre si, mas, com o
reconhecimento da família anaparental, eles passariam a integrar o rol dos
primeiros legitimados nessa obrigação. Já no que tange às amigas
aposentadas, quando da dissolução da convivência, são cabíveis por analogia
as disposições da união estável, isto é, o pedido de alimentos entre elas.

Pois, se demonstrado que a reclamante aos alimentos, não possui meios de se


manter, o Magistrado terá que se valer da analogia, para a aplicação do direito
em comento, pois, conforme preceitua o artigo 4º da Lei de Introdução ao
Código Civil, “[...] quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com
a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”, passando essas,
pelo vínculo da afetividade, a integrar o rol do artigo 1.694 do Código Civil.

Nesses termos se faz a redação do artigo 115 do Projeto de Lei n. 2.285/07, o


Estatuto das Famílias que “Podem os parentes, cônjuges, conviventes ou
parceiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver com
dignidade e de modo compatível com a sua condição social”.

Ademais, como a obrigação de alimentar entre os companheiros da união


estável se finda pela constituição de uma nova união estável ou quando se
contrai matrimônio, a melhor solução aplicável à família anaparental seria que
esta se findasse quando sobreviesse uma melhora nas condições financeiras
da alimentanda, podendo, assim, ser a alimentante até exonerada de tal
obrigação, conforme redação do artigo 1.699 do Código Civil.

Preceitua o artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil que o Juiz, ao aplicar


a lei, “[...] atenderá os fins sociais a que ela se dirige, e às exigências do bem
comum”. Ou seja, o Juiz, ao aplicar a uma lei abstrata ao caso concreto, ainda
mais quando se trata de família deve ele sempre procurar agir com bom senso
e, principalmente, primar pela efetiva aplicação da dignidade humana.

5.2. DA SUCESSÃO

No que tange aos bens adquiridos durante a convivência comum, e advinda a


morte de um dos conviventes, nada mais sensato do que, aquele que
onerosamente ajudou a construir o patrimônio seja também beneficiário na
sucessão.

Assim, no que tange aos direitos sucessórios, aplicando analogicamente o


disposto do artigo 1.790 do Código Civil, destinado a regular a sucessão na
união estável, a amiga convivente participará da sucessão, quanto aos bens
adquiridos onerosamente durante a convivência. O artigo 1.790 do Código Civil
preceitua que:

“Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro,


na vigência da união estável, nas condições seguintes: I - se concorrer com
filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao
filho; II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a
metade do que couber a cada um daqueles; III - se concorrer com outros
parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança; IV - não havendo
parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.”

De primeira leitura, nota-se que a participação do convivente será apenas


limitada à parte a qual onerosamente ajudou a adquirir durante a convivência,
ou seja, não é herdeiro necessário (CAHALI, 2008; DINIZ, 2005). Cahali (2008)
faz ainda uma ressalva, pois o convivente só terá direito à sucessão, se o óbito
do outro sobrevier ainda durante a convivência.
Pela redação do inciso I do precitado artigo, já se descarta sua aplicação, uma
vez que, por se tratar de uma convivência sem conotação sexual, não haverá
de se falar em filhos comuns. Já quanto ao inc. II, chamada a convivente a
suceder, quando o de cujus virago possuir descendentes, caberá à convivente,
a metade do que couber a cada um dos filhos.

Cahali (2008) exemplifica que, sendo três o número de filhos, multiplica-se este
número por dois e soma-se mais um pela sobrevivente, o que resulta no
número sete. Deste, dois sétimos vão para cada filho e um sétimo é a parte
que cabe à convivente. E igualmente se aplica a convivência entre os irmãos,
em caso do de cujus possuir filhos.

Na falta de descendentes do de cujus, mas havendo ainda ascendentes ou


colaterais até o quarto grau, aplica-se o inc. III do precitado artigo, passando
assim a convivente a ter o direito a um terço da herança, o que já seria
aplicado ao irmão convivente, por ser ele parente colateral do de cujus.

E na hipótese de o de cujus virago não possuir ascendentes, descendentes ou


colaterais, prevê o inc. IV que terá a convivente o direito à totalidade da
herança, porém, como bem ressalva Cahali (op. cit.), se observado o disposto
no caput do art. 1.790 do Código Civil, ao convivente cabe a metade daquilo
que onerosamente foi adquirido durante a convivência.

Em suma, caso não existam bens adquiridos onerosamente durante a


convivência, a sobrevivente nada receberá, e os bens vacantes serão
declarados jacentes e serão, em sua integralidade, destinados ao Poder
Público (CAHALI,op. cit.).

Diniz (2005) tem uma posição contrária. Entende ela que o Poder Público,
representado pela União, Estados e Municípios, por ser um sucessor irregular,
não é admissível que receba toda a herança, pois, se existente um herdeiro sui
generis, que é um sucessor regular, afasta-se assim o Poder Público da
condição de beneficiário.

Assim, só no caso da inexistência de qualquer sucessor regular é que o Poder


Público entraria na condição de sucessor regular, recebendo a totalidade da
herança jacente. Fato que não ocorreria com o irmão sobrevivente, pois na
qualidade de irmão, ou seja, parente, receberia a integralidade da herança do
de cujus.

5.3. DO DIREITO REAL DE HABITAÇÃO

À união estável é garantido o direito real de habitação, ou seja, “[...] dissolvida


a união por morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá o direito real de
habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento,
relativamente ao imóvel destinado à residência da família”. Esta é a redação do
parágrafo único do artigo 7° da Lei n. 9.278/96. Primeiramente, a discussão
doutrinária é: esse dispositivo ainda vigora ou foi revogado pelo Código Civil de
2002?
Segundo Cahali (2008) a supracitada lei foi revogada, pois com a redação do
artigo 1.790 do Código Civil de 2002, que expressamente estabeleceu as
condições da sucessão do convivente, a elas se restringe, não participando de
nenhuma outra forma à sucessão do de cujus. E tendo o Código Civil
disciplinado toda a matéria sucessória, sem fazer menção alguma a este,
entende que o legislador o revogou.

Para Diniz (2005), diante da omissão do Código Civil, o direito real de


habitação, por ser direito garantido por lei especial, ainda está vigente, assim
explicando:

“Por força da Lei n. 9.278/96, art. 7°, parágrafo único, e, analogicamente, pelo
disposto nos arts. 1.831 do Código Civil e 6° da CF (Enunciado n. 117 do STJ,
aprovado nas jornadas de Direito Civil de 2002), também terá direito real de
habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento,
relativamente ao imóvel destinado à residência da família; mas pelo Código
Civil, tal direito só é deferido ao cônjuge sobrevivente”.

A questão que Diniz (op. cit.) coloca é o fato de o referido direito ser aplicável
apenas ao cônjuge – conforme expressamente prevê o artigo 1.831 do Código
Civil – porém, para ela, resolve-se esse aparente problema com a aplicação da
analogia (LICC, art. 4°), que, em busca do justo (LICC, art. 5°; CF, art. 6° e
226, §3°), também se aplica à união estável.

Dias (2009) entende que, tendo o Código Civil se omitido sobre o direito real de
habitação, este não foi revogado e, tendo sido ele expressamente previsto no
artigo 1.831 do Código Civil como direito do cônjuge sobrevivente, nada
justifica sua não aplicação também à união estável.

Assim, seguindo a linha de raciocínio das autoras, sendo cabível a


aplicabilidade do direito real de habitação à união estável, é possível que ele
seja também aplicado à família anaparental por analogia, pois, se
comprovadamente o irmão ou o convivente demonstrar não ter condições de
suprir suas necessidades básicas e menos ainda de moradia, nada impede que
o referido direito seja a eles estendido. Como bem ressalta Diniz (2005), a
aplicabilidade da lei deve sempre buscar o fim social a que ela se dirige e ao
bem comum.

Este se constitui em um dos direitos fundamentais básicos do ser humano, não


podendo ser ele suprimido por mera lacuna na lei, devendo sempre o legislador
humanizar a lei ao aplicá-la ao caso concreto, tendo sempre em vista o preceito
fundamental maior da República Federativa do Brasil, a dignidade humana e a
busca do bem comum.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Fruto do Direito Romano, o Ordenamento Jurídico Brasileiro por muitos anos


teve sua estrutura fundada em valores moralmente conservadores e
exclusivamente patrimoniais. E no Direito de Família não foi diferente.
A família brasileira era simplesmente a cópia da família patriarcal romana, que
era uma família nuclear, hierarquizada, matrimonizada e patrimonialista, ou
seja, toda a autoridade se concentrava nas mãos de pater familia, sendo a
mulher e os filhos meros coadjuvantes, sem direito a escolha e decisão, até
mesmo sobre suas próprias vidas.

Porém, a sociedade foi aos poucos evoluindo, mudando conceitos e adquirindo


novos valores, e a família como fruto da sociedade que é, a cada mudança
social, seja econômica ou cultural, a família a ela se adequou, ganhando novos
contornos em sua estrutura.

E o fenômeno que perfeitamente se fez evidenciar estas mudanças foi a


inserção da mulher no trabalho, ganhando ela seu espaço na sociedade e na
família. Que do papel de mera dona de casa e mãe de família passou a ser
também a provedora do lar. Pode-se dizer que, este fora o fator primordial na
reestruturação da família brasileira.

Com as constantes alterações nas estruturas familiares, a família patriarcal foi


aos poucos perdendo forças e novos modelos de famílias começaram a se
formar, buscando agora um novo objetivo: a felicidade.

E assim a Constituição Federal de 1988 foi editada, resguardando valores


completamente estranhos à ela até então. O ser humano foi colocado no ápice
de todo o Ordenamento Jurídico Brasileiro, com a consagração da dignidade
da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil,
resultando no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

E com o reconhecimento da importância da afetividade na formação dos


vínculos familiares, que se sobrepõe até mesmo aos sangüíneos, não há como
negar a relevância deste elemento para a constituição de uma família. Que
independentemente de sua estruturação, se clássica do modelo patriarcal, ou
se ela se compõe de apenas um dos genitores e seus descendentes, ou se ela
se constitui por tios e sobrinhos, por amigos, todas estas são famílias, porque
possui o elemento primordial em comum, o afeto.

A partir de então, as normas de direito de família passaram a ser nelas


pautadas tanto para sua edição e mais ainda quando da sua aplicabilidade, sob
pena de nulidade por afronta aos Princípios Constitucionais que agora são a
basilar do direito de família.

Ademais, preceitua o caput do artigo 226 da Constituição Federal que, a família


é a base da sociedade, e sendo base, o Estado a protege quando esta
consegue alcançar o seu fim ultimo que é o de ser o meio para o indivíduo
alcançar seus objetivos de realização pessoal, promovendo assim, uma vida
digna aos entes que a compõe.

Houve uma democratização da família, que de instituto passou a status de


instrumento, funcionalizada em proporcionar aos seus componentes o lócus
para a busca da realização pessoal. E esta é a família que a Carta Maior
concedeu proteção especial do Estado, a que de fato desempenha sua função,
que para tanto, não necessariamente precisa possuir um modelo pré-moldado,
com fórmulas certas e estruturas definidas, pois, se matrimonial, monoparetal,
anaparental, todas são dignas de assim ser denominadas: entidade familiar.

A família hoje é plural, onde as estruturas se compõem da melhor forma para


se alcançar a felicidade, e alcançada esta, não há de se falar que o rol do
artigo 226 e parágrafos da Carta Maior é taxativo, pois como já demonstrado,
não só as famílias decorrentes do vinculo consangüíneo e do matrimonio
atingem seu fim, portanto, trata-se o caput do artigo 226 da Constituição
Federal, uma norma de inclusão para as demais espécies de famílias.

O ser humano é eudonista, busca acima de tudo sua realização pessoal,


financeira e emocional, que para tanto, utiliza-se do instrumento família, onde
nela encontra os meios necessários, como o apoio, compreensão, carinho,
amor e o afeto. E só quando presentes estes pressupostos é que pode se dizer
que ali existe uma família. Afinal, onde há o afeto, há a família.

Mas não há que se falar que se trata de elemento único para se constituir uma
família. Ele é sem dúvida o elemento que faz a família se manter unida, como
um verdadeiro basilar das estruturas familiares.

Porém, quanto ao seu valor jurídico na constituição das famílias, outros


requisitos devem ser somados a ele, sob pena de se caracterizar em
verdadeira banalização das relações familiares. Sabe-se que, o ser humano
tem o direito a ter uma vida digna, sendo essencial para isso, que seja
respeitado e respeite os demais, pois a dignidade humana é também um fruto
da sociedade. Ela resguarda o valor do justo, onde não se protege um ser
humano em detrimento do outro, como é o exemplo da família paralela.

Assim, é necessário que estejam presentes os requisitos formadores de


família, em que se evidenciava o apoio mútuo, o respeito e o afeto. Havendo
harmonia, onde todos os componentes da família tenham uma vida digna e
feliz, o Estado certamente a estará protegendo.

A aglomeração de pessoas que possuem todos estes requisitos é uma família


merecedora de proteção estatal, assim, não há como negar que a família
anaparental é digna de ser elevada a posição de entidade familiar. Pois nesta
há a preservação e o respeito à dignidade humana dos seus componentes em
todos os aspectos, e primordialmente, o elemento afetividade, que
independentemente de laços consangüíneos, estes se mantém unidos não pela
obrigatoriedade, mas pelo afeto de uns para com os outros, sendo, portanto, o
elemento caracterizador da família anaparental.

E do reconhecimento desta, os integrantes que a formam passariam a auferir


outros direitos, tais como figurar na sucessão hereditária dos bens que
onerosamente a convivente sobrevivente ajudou na aquisição, isso no caso das
duas amigas; já quanto ao exemplo dos irmãos, o irmão sobrevivente seria
chamado a suceder em concorrência com os ascendentes que o
de cujus possa vir a ter.
E passam também a ter o direito aos alimentos, que decorre da solidariedade
familiar, de sangue, bem como dos laços da afetividade, passando os ex-
conviventes a figurar entre os legitimados primeiros a prestar alimentos,
quando o outro comprovadamente demonstrar a necessidade pelo auxílio do
outro.

A família anaparental assim como qualquer outra das alencadas no rol do


artigo 226 da Constituição Federal, busca construir uma história, uma família
que zela por valores maiores, como a alegria, o amor, o apoio e o afeto entre
seus componentes, garantindo uma vida digna aos seus membros, o que
certamente a faz merecedora de ser protegida pelo Estado e digna do título de
entidade familiar.

Referências
ALMEIDA, Ângela Mendes de. Família e História: Questões Metódicas.
Universidade de São Paulo. Disponível em
http://www.usp.br/nemge/textos_seminario_familia/fam_hist_metodologicas_al
meida.pdf. Acesso em: 1 abr. 09.
ALVES, Leonardo Barreto Moreira. O reconhecimento legal do conceito
moderno de família: o art. 5º, II e parágrafo único, da Lei nº 11.340/2006 (Lei
Maria da Penha). Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1225, 8 nov. 2006.
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9138>. Acesso
em: 22 maio 2009.
BARROS, Sérgio Resende de. O Direito ao afeto. Revista Especial Del Rey
IBDFAM - Maio 2002. Disponível em
http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=50. Acesso em 2 jun. 09.
BARCELOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais.
O princípio da dignidade da pessoa humana. 2 ed. amplamente revista e
atualizada. – Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
BEVILÁQUA. Clóvis. Direito de Família. Recife, novembro de 1895. Campinas:
Red Livros Editora e Distribuidora, 2001.
BRASIL. Lei n. 3.071 de 1 de janeiro de 1916. Código Civil de 1916.
Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/L3071.htm. Acesso em 21 mai. 09.
_______. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.
Brasília: Senado, 1988.
_______. Lei n. 10.406 de 1 de janeiro de 2002. Código Civil de 2002.
Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm Acesso em 21 mai.
09.
_______. Supremo Tribunal Federal. Súmula n. 382. A vida em comum sob o
mesmo teto, more uxorio, não é indispensável à caracterização do concubinato.
Vade Mecum. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 2.053.
_______. Supremo Tribunal Federal. Informativo n. 535. Pensão por Morte e
Rateio entre Esposa e Concubina. RE 590779/ES, rel. Min. Marco Aurélio,
10.2.2009. (RE-590779). Brasília, 9 a 13 de fevereiro de 2009. Disponível em
<http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo535.htm#Pens
%C3%A3o
%20por%20Morte%20e%20Rateio%20entre%20Esposa%20e%20Concubina>.
Acesso em 5 jun. 09.
_______. Lei n. 10.836 de 9 de janeiro de 2004. Cria o Programa Bolsa Família
e dá outras providências. Presidência da República Federativa do Brasil.
Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-
2006/2004/lei/l10.836.htm>. Acesso em 22 de mai. 09.
_______. Projeto de Lei n. 2.285 de 25 de outubro de 2007. Estatuto das
Famílias. Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). Publicado em
31/10/2007. Disponível em http://www.ibdfam.org.br//?artigos&artigo=338
Acesso em 9 de mai. 09.
BRAVO, M. C.; SOUZA, M. J. U. As entidades familiares na Constituição. Jus
Navigandi, Teresina, ano 6, n. 54, fev. 2002. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2665>. Acesso em: 05 jun. 2009.
BUONICORE, Augusto C. Engels e as origens da opressão da mulher. Revista
Espaço Acadêmico - n. 70 – Março de 2007 – Mensal – Ano VI – ISSN
1519.6186. Disponível em
http://www.espacoacademico.com.br/070/70esp_buonicore.htm. Acesso em 11
mai. 09.
CAHALI, J. F.; CARDOSO, F. D. Sucessão na união estável. In HIRONAKA, G.
M. F. N.(org). Direito Civil. Vol. 8: Direito das sucessões. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2008. Cap. 11, p. 122-152.
CALHEIRA, Luana Silva. Os princípios do Direito de Família na C.F/88 e a
importância aplicada ao afeto. Viajus. Disponível em <
http://www.viajus.com.br/viajus.php?pagina=artigos&id=769>. Acesso em 4 jun.
09.
DIAS, Maria Berenice. Comentários - Família pluriparental, uma nova realidade.
29 de dezembro de 2008. Disponível em
http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20081114094927519&mod
e=print Acesso em 6 jun. 09.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. V. 6: Direito das
sucessões. 19 ed. rev. Atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406,
de 10-1-2002) e o Projeto de Lei n. 6.960/2002 – São Paulo: Saraiva, 2005.
______, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, 5 v: Direito de Família.
20 ed. atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10.01.2002).
São Paulo: Saraiva, 2005.
FACHIN, Odília. Fundamentos de Metodologia. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
FIGUEIREDO, Viviane Arena. Júlia Lopes de Almeida. O adultério feminino em
A falência. Rio de Janeiro, 2006. 130 fls. Dissertação (Mestrado em Letras
Vernáculas) Faculdade de Letras. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio
de Janeiro, 2006. Disponível em
<http://www.letras.ufrj.br/posverna/mestrado/FigueiredoVA.pdf>. Acesso em 11
mai. 09.
FORSTER, Thyago Salustio Melo. Breves comentários acerca do Projeto de
Lei 2285/2007 que prevê a instituição do Estatuto das Famílias. Disponível em
http://www.iuspedia.com.br 26 fev. 2008.
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Princípios Constitucionais de Direito
de Família: Guarda Compartilhada à Luz da Lei n. 11.698/08: família, criança,
adolescente e idoso. São Paulo: Atlas, 2008.
JALES, Camilla Fittipaldi Duarte. O Concubinato adulterino sob o prisma do
Código Civil de 2002. Artigo publicado em 10/04/08. Instituto Brasileiro de
Direito de Família (IBDFAM). Disponível em
http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=400. Acesso em 5 jun. 09.
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Entidades familiares constitucionalizadas: para além
do numerus clausus. Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). Artigo
publicado em 23/03/2004. Disponível em
http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=128. Acesso em 27 mai. 09.
MARCASSA, Luciana. A origem da família, da propriedade privada e do Estado
– Friedrich Engels. Sistema Anhaguera de Revistas Eletrônicas. Vol. 9, n. 9.
Revista de Educação da Anhanguera Educacional do ano de 2006 (print ISSN
1415-7772). Resenha. Disponível em
http://sare.unianhanguera.edu.br/index.php/reduc/article/viewFile/202/200.
Acesso em 7 mai. 09.
MENEZES, Laila. Uniões homoafetivas. Instituto Brasileiro de Direito de Família
(IBDFAM). Artigo publicado em 13/09/2005. Disponível em <
http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=200>. Acesso em 5 jun. 09.
MONCORVO, Maria Cecília Ribeiro. Família brasileira: do patriarcalismo
colonial ao crescente poder feminino na contemporaneidade. Divisão de
Bibliotecas e Documentação – PUC/Rio. Disponível em <http://www2.dbd.puc
rio.br/pergamum/tesesabertas/0610333_08_cap_02.pdf.> Acesso em 13 abr.
09.
MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais: Teoria Geral,
comentários aos arts. 1° a 5° da Constituição da República Federativa do
Brasil, doutrina e jurisprudência. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2008.
NUNES, Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.
Doutrina e Jurisprudência. 2 ed. Revista e Ampliada. São Paulo: Saraiva, 2009.
OLIVEIRA, José Sebastião de. O direito de família e os novos modelos de
família no direito civil e constitucional brasileiro. Revista Jurídica Cesumar, v. 5,
n. 1, p. 99-114. 2005. Disponível em
http://www.cesumar.br/pesquisa/periodicos/index.php/revjuridica/article/viewFile
/338/210. Acesso em 11 mai. 09.
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Estatuto das Famílias. Instituto Brasileiro da
Família (IBDFAM). Artigo Publicado em 28/11/2007. Disponível em
http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=356 .Acesso em 18 mai. 09.
PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. Direito de família. 16
ed. Rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2007.
PONZONI, Laura de Toledo. Famílias Simultâneas: Uniao Estável e
Concubinato. Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM. Disponível em
<http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=461>. Acesso em 5 jun. 09.
PUPO, Denise Muller dos Reis. Proteção das famílias no judiciário: a
experiência do núcleo de prática jurídica da PUC/Rio e as varas de família do
tribunal de justiça do Estado do Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado em
Serviço Social)-Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2006. Disponível em http://www2.dbd.puc-
rio.br/pergamum/biblioteca/php/mostrateses.php?open=1&arqtese=0410365_0
6_Indice.html. Acesso em 14 mai. 09.
QUARESMA, R.; GUIMARAENS, F. Princípios fundamentais e garantias
constitucionais. In Os Princípios da Constituição de 1988. 2 ed. revista e ampl.
Rio de Janeiro: Lamen Júris, 2006.
REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20 ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Parte Geral. Vol. I. São Paulo: Saraiva, 2003.
___________, Silvio. Direito Civil – Direito de Família. Vol. 6. 23 ed. São Paulo:
Saraiva, 1998.
RÖRHMANN, K.; FERREIRA, N. J. ; BORGES S. A. Famílias pluriparentais ou
mosaico. Revista do Direito Privado da UEL. Volume 1. Número 1. janeiro/abril
de 2008. Disponível em <
http://www2.uel.br/revistas/direitoprivado/artigos/Fam%C3%ADliasPluriparentai
souMosaico sJussaraFerreira.pdf>. Acesso em 5 jun. 09.
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos
Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 5 ed. Revista e atual. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2007.
SAMARA, Eni de Mesquita. O Que Mudou na Família Brasileira da colônia à
atualidade. Psicol. USP [online]. 2002, vol.13, n.2, pp. 27-48. ISSN 0103-6564.
Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
65642002000200004>. Acesso em 13 abr. 09
SANTOS, M. S. da C.; SANTOS, J. B. Família monoparental brasileira. Revista
Jurídica, Brasília, v. 10, n. 92, p.01-30, out./2008 a jan./2009. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/revistajuridica/Artigos/PDF/Jonabio
Barbosa_R ev92.pdf>. Acesso em 6 jun. 09.
SIMÕES, Thiago Felipe Vargas. A família afetiva: O afeto como formador de
família. Revista Especial Del Rey IBDFAM. outubro 2007. Disponível em
<http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=336>. Acesso em 2 jun. 09.
_______, Thiago Felipe Vargas. A Filiação socioafetiva e seus reflexos no
direito sucessório. São Paulo: Editora Fiuza, 2008.
SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à constituição. 4 ed. - São
Paulo: Medelheiros, 2008.
SILVA, Ricardo. Concentração e desconcentração industrial. São Paulo é
centro industrial do país. UOL educação. Disponível em
<http://educacao.uol.com.br/geografia/concentracaodesconcentracao-
industrial.jhtm> Acesso em 7 jun. 09.
SIMIONATO, M. A. W. OLIVEIRA, R. G. Funções e transformações da família
ao longo da história. Associação Brasileira de Psicopedagogia. Publicado em
nov. 2003. Disponível em
http://www.abpp.com.br/abppprnorte/pdf/a07Simionato03.pdf. Acesso em 13
abr. 09.
TOLEDO, Fábio Henrique Prado de. Paternidade Responsável. Artigo
publicado em 13 agost. 2007. Associação dos Notários e Registradores do
Brasil. Disponível em
<http://www.anoregms.org.br/index.php?p=detalhe_noticia&id=1304>. Acesso
em 15 mai. 09.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito de família. 8 ed. São Paulo:
Atlas, 2008.

Nota:
[1] Monografia apresentada ao Departamento do Curso de Direito da
Universidade Federal de Rondônia – Campus de Cacoal – como requisito
parcial para a conclusão do Curso de Direito, elaborada sob a orientação da
Professora MSc. Maria Priscila Soares Berro.

Você também pode gostar