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A questão racial emerge dentro dos Estudos Culturais britânicos num contexto em que
reducionismo das análises sobre racismo se torna ainda mais inadequado diante de
relações permeadas pelas novas formas de manifestações de raça, etnia e identidade, a
partir das quais se criou um novo racismo, o cultural. É a partir de então, que a questão
racial ganha destaque, sendo levada ao bojo dos debates acadêmicos a preocupação em
compreender as relações sociais, culturais, políticas e identitárias, possibilitando uma
mudança de perspectiva teórica vigente nas academias acerca dos racismos, agora em
seus complexos engendramentos na cultura midiática. Pretende-se, portanto, discutir, a
partir das tensões dialéticas no âmbito dos Estudos Culturais, suas articulações teóricas
na emergência da questão racial negra como foco dos debates culturais contemporâneos.
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Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco
– UFPE. Linha de Pesquisa: Mídia e Estética. Mestre em Comunicação pelo PPGCOM/UFPE. Graduada
em Comunicação – Jornalismo pela Universidade Federal da Paraíba - UFP. E-mail:
kywzafideles@gmail.com
inferiorizante do outro e para virada epistemológica no âmbito cultural dos séculos
seguintes. As primeiras abordagens sobre o negro, por exemplo, podem ser encontradas
nos escritos literários no fim do século XIX e nas análises sociológicas e antropológicas
no início do século XX. Podemos destacar os estudos de Frantz Boas e Gilberto Freyre
como seminais nessa perspectiva. A ideia de raça passa para o plano da cultura, não
menos perigosa e reducionista.
No início do século XX, as narrativas antirracistas surgem a partir das teorias
pan-africanista2 - 1919 (Du Bois e Marcus Garvey) e da negritude3 -1930 (Aimé
Césaire, Leon Damas, Leopold Sédar Senghor) e serão fundamentais como marco das
contranarrativas da modernidade, ainda que algumas dessas se concentrem no viés
essencialista e mitológico. Os ideais de Negritude e do Pan-africanismo criados no
Novo Mundo foram inspirados, em sua maioria, em intelectuais africanos, em figuras
políticas ou artísticas que representavam a África, principalmente a subsaariana, e a
luta pela descolonização.
A África nos discursos negritudinistas seria o elo, fonte de identidades comuns,
não no sentido étnico, visto que sua diversidade é incomensurável, mas na questão da
racialização das relações sociais e da categorização de grupos, criadas a partir do
contato entre a Europa, o Novo Mundo e a África (SANSONE, 2007). Se a África é o
ponto comum, seu despertar através das primeiras manifestações culturais e intelectuais
no Novo Mundo foi a forma encontrada de pertencer a uma história, a algum lugar, já
que lhe era negado um lugar de cidadão, de filiação nacional. Buscar uma África
mitológica, na maioria das vezes, era a única maneira de negar a visão eurocêntrica de
que os povos negros eram “desprovidos de história” (Wolf, 1983 apud Sansone, 2007).
Antes da emergência das questões raciais serem abordadas pelos Estudos
Culturais, alguns autores e obras marcaram o debate acerca das culturas negras
diaspóricas, sob diversos aspectos: W. E. B. Du Bois (The Souls of Black Folk – 1903);
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Movimento que pregava a união dos povos africanos e diáspóricos contra o racismo, em defesa dos
direitos dos africanos vivendo sob dominação colonial, pela volta às origens ancestrais e reestruturação da
África através de remanejamento étnico.
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Movimento político e literário que se oporá à política de assimilação cultural, negando o modelo
ocidental e condenando sua imitação, numa tentativa de volta às origens africanas, como meio de
libertação da dominação racial e cultural. O conceito do que se convencionou chamar de Negritude gira
em torno de duas interpretações: a mítica, que seria a volta às tradições africanas, ou seja, a descoberta do
passado anterior à colonização numa tentativa de revitalizar as origens para restabelecer a realidade
africana desconfigurada e “perturbada pela intervenção ocidental”; e a ideológica que propõe “um modo
de ser negro, impondo uma negritude agressiva ao branco” como resposta às práticas históricas dos
colonizadores.
Gilberto Freyre (Casa Grande e Senzala - 1931); Frantz Fanon (Peau noir, masques
blancs - 1952; Les damnés de La terre - 1961; Pour La révolution africaine, 1964).
Entretanto, foi a partir dos estudos culturais que houve uma reatualização do
significante negro nas novas dimensões e estruturas como cidadão que faz parte de uma
cultura nacional a qual ele reconfigurou dentro das ressignificações simbólicas. Assim,
tanto o negro, quanto a África serão desfolclorizados e desmistificados nas narrativas
sobre a experiência de rota e exílio, abandonando o caráter essencializante, num
constante diálogo com as culturas negras modernas, tentando compreender a cultura
como campo de disputas simbólicas.
As versões mais místicas do comunitarismo [communitarianism] negro são
freqüentemente (sic) ouvidas como parte do argumento de que se pode encontrar uma
unidade inata ou fundamental sob a superfície da pluralidade irredutível dos estilos
negros no Novo Mundo. Entretanto, o motivo essencial para esta visão da identidade
racial tem sido o signo “África” e seus nacionalismos negros correspondentes, que têm
sido extremamente importantes na condução da cultura política negra na era do poder
imperial (Gilroy, 2001, p. 238).
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Não se pretende aqui escrever sobre a cronologia dos estudos culturais e processos teóricos em geral,
nem caberia diante do que foi proposto. Uma periodizaçao mais detalhada e uma discussão mais
aprofundada sobre seu arcabouço teórico pode ser encontrada em: Hall (2003); Cevasco (2003); Johnson,
et. al (2000).
com as questões teóricas, e sim pensando “sobre o marxismo, contra o marxismo, com
ele e para tentar desenvolvê-lo”.
Exigia, no meu caso, uma ainda incompleta contestação do profundo eurocentrismo da
teoria marxista ...Não se trata apenas do lugar de nascença de Marx, nem dos temas que
ele falava, mas antes do modelo situado no âmago das partes mais desenvolvidas da
teoria marxista, que sugeriam a evolução orgânica do capitalismo a partir das suas
próprias transformações. Mas eu era oriundo de uma sociedade onde o profundo
tegumento da sociedade, economia e cultura capitalistas tinha sido imposto pela
conquista e pela colonização. Esta não é uma crítica vulgar, mas sim teórica. Não
responsabilizo Marx por ter nascido onde nasceu; apenas questiono a teoria destinada a
apoiar o modelo em torno do qual se encontra articulada: o seu Eurocentrismo (HALL,
2003, p. 192).
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Para saber mais sobre o protagonismo das questões de gênero nos estudos culturais ver: Hall (2003, pp.
187-204; e Cevasco (2003).
conotações que o racismo tem tido em toda parte: como uma cultura e povos
estrangeiros que são menos civilizados que os nativos; como povos que ficam abaixo na
ordem da cultura porque, de alguma maneira, são inferiores na ordem natural, definida
por raça, cor, e, às vezes, por herança genética. Mas, nas novas formas de racismo que
apareceram na Grã-Bretanha durante esse período e que hoje definem o campo da
cultura inglesa desde então, essas formas anteriores têm sido poderosamente
transformadas por aquilo que as pessoas normalmente chamam uma nova forma de
“racismo cultural”. Isto é, as diferenças na cultura, nos modos de vida, nos sistemas de
crença, identidade e tradição étnica, hoje são mais importantes do que qualquer coisa
que tenha a ver com formas especificamente genéticas ou biológicas do racismo.
(HALL, 1989, p. 5).
No que diz respeito as questão de raça, política racial e questões críticas sobre
política cultural, é preciso destacar a existência de uma luta teórica, que foi travada para
inseri-los na agenda dos estudos culturais britânicos. As obras inaugurais na abordagem
da temática racial, dentro do CCCS, foram Policing the crisis: Mugging, the State, and
Law and Order (HALL, et al, 1978), um volume coletivo, e The Epire Strikes Back:
Race and Racism in 70 (CCCS, 1982), que representaram uma grande e significativa
mudança no plano teórica dentro do Centro, o início do deslocamento efetivo do foco
dos debates, dando uma nova perspectiva nas análises dos fenômenos culturais.
A primeira obra citada marca a entrada das questões de raça como objeto de
debates teóricos da disciplina, mas ainda não conseguem fugir da determinação dos
papéis sociais. A segunda consegue dar mais ênfase a militância política dos negros na
luta contra o racismo, assim como pensar suas especificidades num contexto de crise
social como um fator que implica nas outras relações, sendo necessário examinar suas
articulações. Em 1988, Gilroy consolida essa temática com o livro There Ain’t no Black
in the Union Jack – “ain‟t” termo usado pelos negros britânicos ao invés de isn‟t mais
usado pelos brancos. O título faz referência a ausência da cor negra na bandeira
britânica (Union Jack). Desse modo, Gilroy argumenta que não se pode pensar uma
identidade britânica sem considerar os negros e britânicos que compõem o país
(CEVASCO, 2003).
A história política e cultural negra no Ocidente foi marcada pela modernidade e
“dupla consciência” (DU BOIS, 1999). Paul Gilroy (2001) em “O Atlântico Negro”,
umas das obras seminais na última década dentro da tradição dos estudos culturais,
apresenta como eixo central de sua obra a relação dos negros com a modernidade
ocidental, no que diz respeito à raça, cultura, nacionalidade e etnia. As ideias de
desterritorialização da cultura negra e de fronteiras étnicas do Estado-nação recorrentes
em sua abordagem apresentam um nischo para discussão de como se insere os
protagonistas dessa relação e ainda como perpassam as fronteiras étnicas da cultura
negra.
Para explicar a eminência da temática racial nos estudos culturais, é preciso
considerar o momento pelo qual passava todo esse debate político, social e cultural, em
que o processo de descolonização dos países africanos travou também a batalha pela
redefinição da África e dos países diaspóricos no mundo. Assim, o momento
conjuntural trouxe à tona as especificidades históricas das culturas populares nos países
diaspóricos. A inscrição histórica dos negros retoma, através dos estudos culturais
contemporâneos, um processo de reelaboração das narrativas sobre cultura popular
negra e sua inserção nos novos nichos de contestação, negociação e disputa.
Faz-se necessária algumas considerações sobre esse momento conjuntural em
que as culturas negras no mundo subverteram os enquadramentos esquemáticos das
teorias deterministas e economicistas sobre as culturas das margens. Poderia começar
dialogando com os três grandes eixos citados por Stuart Hall no texto “Que negro é esse
na cultura negra?” para explicar esse momento e apontar caminhos para se entender o
lugar das representações culturais e sua lógica de produção e reprodução.
Esse momento reflete as rupturas epistemológicas na história das ideias e a
quebra dos paradigmas em relação à “raça” e a cultura, forçadas pelas contranarrativas
da modernidade na história do Atlântico Negro, que viriam acompanhadas por
acontecimentos interligados, mas que também tiveram forte influência para a mudança
nas perspectivas da teoria crítica da cultura. Assim como as mudanças no cenário
mundial resultaram de rupturas da tradição hegemônica de cultura, vale salientar o papel
das lutas antirracistas no mundo, bem como os movimentos culturais vividos no âmbito
das artes, em especial da música, da literatura, do teatro, entre outros. Podemos apontar
alguns desses momentos de ruptura: o deslocamento dos modelos europeus de alta
cultura e o surgimento dos EUA como potência mundial (centro de produção e
circulação global de cultura), deslocamento que possibilitou uma mudança na definição
de cultura; e a descolonização do Terceiro Mundo, bem como sua emergência cultural
(Hall, 2003). Esses momentos têm pontos críticos que ressoam de forma diferente nas
diversas diásporas, tanto na lutas políticas, quanto nas questões epistemológicas.
As mudanças de ordem social, econômica e política, nesse momento colocado,
não estavam atreladas apenas ao mundo pós-guerra, como acredita Hall (2003), pelo
menos para os latino-americanos, pois esse mundo descrito nas narrativas oficiais como
reatualizações de uma realidade mutante, inserida em temporalidades dispersas, que não
podem ser mais vistos sob o embaço do velho marxismo já existia. Dentro da lógica
cultural e das disposições de poder, essa luta hegemônica teve seus enclaves no debate
acerca da diferença e dos “subalternos”. Esses momentos têm pontos críticos que ressoam de
forma diferente nas diversas diásporas, tanto na lutas políticas, quanto nas questões
epistemológicas.
A cultura tornou-se o foco principal das análises e elaborações de teorias que
procuram entender o sujeito, não mais numa perspectiva determinista e economicista,
que por vezes se tornavam englobantes e reducionistas, mas tentando vislumbrar
práticas culturais cotidianas como formas complexas de articulação, redefinição de
cidadania, tendo na seara das contradições a relação da cultura com as novas tecnologias
da comunicação, e o surgimento da cultura midiática, em que se enredaria mais um
aspecto intrigante no seio das representações de classe e raça com a formação de novas
identidades transitórias. É o momento conjuntural em que a “cultura popular negra”
emerge insidiosamente nas ruas através da indústria cultural, tornando-se fenômeno
massivo.
Dentro do debate acerca da diferença, pode-se afirmar que a relação dos
movimentos culturais populares com o circuito global na América Latina apresenta
formas diferentes de conceber a multiculturalidade, com discrepâncias acentuadas dos
estudos culturais anglo-saxões, uma vez que sofreu transformações históricas
particulares. Para Canclini (1999), há uma discrepância fundamental entre os estudos
culturais latino-americanos e os Cultural Studies:
(...) na América Latina o que se tem chamado de pluralismo ou heterogeneidade cultural
é entendido como parte da nação, enquanto no debate estadunidense, como explicam
vários autores, “multiculturalismo” significa separatismo” (Hughes, Taylor, Walzer).
(CANCLINI, 1999, p. 22).
REFERÊNCIAS
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