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FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito


História da Filosofia do Direito – das origens a Aristóteles
Prof.ª Dra. Jeannette Antonios Mamam

SEMINÁRIO IV – MOIRA (PARMÊNIDES, FRAGMENTO VIII, 34-41)

HEIDEGGER, Martin, Vorträge und Aufsätze, trad. port. de Emmanuel Carneiro Leão, Gilvan Fogel,
Márcia Sá Cavalcante Schuback, Ensaios e conferências, Rio de Janeiro, Vozes, 2001, pp. 205-
226.

EXPOSITOR – PAULO N.ºUSP

Pensar logicamente significa que não se pode pensar contraditoriamente. Parmênides faz
uma diferenciação entre o mundo lógico e o mundo sensível. Ele começa perceber que o mundo é
diferente do que vemos e que o mundo sensível pode nos enganar, e muito. Para Heráclito o não-ser
não é e é, o ser é e não é, o devir transforma o ser em não ser e não ser em ser; para Parmênides o ser
é ou o ser não é. Para este, como que uma coisa poderia ser e não ser ao mesmo tempo? Sem relação
não há identidade. O ser vai se acumulando para constituir o não ser: A montanha está incluindo o não
ser vale.
A relação de pensar e ser movimenta toda reflexão ocidental sobre o sentido. Esta
relação esta nomeada na seguinte sentença:

“Pois o mesmo é pensar e ser”.

Parmênides explicita esta sentença numa outra passagem do fragmento VIII:

“O mesmo é pensar e o pensamento de que o é é;


Pois sem o ente em que é, enquanto o que se exprime,
Não podes encontrar o pensar. Nada é e nada será
outro fora do ente, pois a Moira o concatenou de modo
a ser todo e imóvel. Por isso haverá de ser mero nome
o que os mortais constataram, convencidos de ser verdadeiros:
tanto ‘devir’ como ‘perecer’, ‘ser’ como ‘não-ser’,
‘deslocamento’ como ‘mudança da cor brilhante’”

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Com base no texto de Parmênides são mencionadas três perspectivas. A primeira é
aquela em que se descobre o pensar no sentido de uma coisa simplesmente dada, que ocorre ao lado
de muitas outras coisas e assim “é”.
Na tradução de Hegel sobre o fragmento VIII “o pensar e aquilo em virtude do que o
pensamento se faz é o mesmo. Pois sem o ente em que ele se exprime, não encontrarás o pensar, pois
nada é e nada será fora dos entes. Esse é o pensamento principal. O pensar se produz e o que se
produz é um pensamento. Pensar é, portanto, com o seu ser; pois nada é fora do ser.” Ser é, para
Hegel, afirmação do pensar que se pro-duz a si mesmo.
No entanto, em outra interpretação, de Berkeley, ao contrário, nomeia o esse(ser) antes
do percipi (pensar). Isso significa que Parmênides privilegia o pensamento enquanto Berkeley privilegia
o ser. Mas de fato o que ocorre é o contrário, Parmênides confia o pensamento ao ser. Berkeley remete
o ser ao pensamento, numa correspondência que, em certa medida, se poderia equiparar à sentença
grega, a frase moderna deveria então dizer: percipi (pensar) igual a esse(ser).
A segunda perspectiva concebe modernamente o ser no sentido da representabilidade
dos objetos enquanto objetividade para o eu da subjetividade.
A terceira perspectiva segue um traço fundamental que, através de Platão, determinou a
filosofia antiga de acordo com a doutrina socrático-platônica, as idéias constituem o “sendo” de todo
ente.

A relação de pensar e ser

Heidegger afirma que o esquecimento do ser corresponde à decadência no ente: “O


esquecimento da verdade do ser em favor da avalanche do ente, não pensado em sua essência, é o
sentido da ‘decadência’ mencionada em Ser e Tempo”.
Podemos compreender formalmente essa afirmação esclarecendo que essa diferença
entre ser (sein) e ente (seiende) corresponde a diferença entre infinitivo e o particípio presente do
verbo ser. Ente indica o que se efetua, tudo que é real e efetivo; ente é a realização do ser, o que é.
Distinto do efetivo que, assim, aparece como real, o ser, enquanto infinitivo verbal, se dá na
possibilidade de o ente aparecer – ele é o seu princípio original. Como princípio dos entes; o ser se dá
como o viger do aparecer que permanece latente ou tudo que aparece; o ser é a possibilidade do
aparecer, que se oculta em todo ente que aparece – como vigor do possível, o ser se encobre no que se
realiza.
O esquecimento da verdade do ser em favor da avalanche do ente ocorre,
primeiramente, por essa tendência constitutiva de o aparecimento do real encobrir a vigência de sua
possibilidade. Essa tendência essencial foi exacerbada historicamente pelo fato de o homem moderno,
ao instituir a certeza como única medida da verdade, passar a só interpretar como verdadeiro o que é
efetivamente real, desconsiderando o horizonte, o âmbito ou a abertura, de sua possibilidade. A partir
de, por um lado, a compreensão da diferença entre ser e ente e, por outro, a constatação de que o
homem moderno, decaído no ente, esqueceu o ser, Heidegger propõe recolocar a questão ontológica, a
fim de nos fazer despertar para a compreensão do sentido do ser: “Diante da apatricidade que lhe
afeta a essência, o destino vindouro do homem se apresenta ao pensamento da história do ser no fato
de o homem ter de encontrar a verdade do ser e pôr-se a caminho para esse encontro”.
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Heidegger indica que, da confusão entre ser e ente, o pensamento metafísico movido
pela necessidade de obter a certeza de seu conhecimento, passou a compreender o ser como
realidade, coisa, res: “O ser recebe o sentido de realidade. A determinação fundamental do ser torna-
se substancialidade.(...) Assim, o ser em gral adquire o sentido de realidade. Em conseqüência, o
conceito de realidade assume uma primazia, toda especial na problemática ontológica. Por o homem
moderno só legitimar o que pode ser apreendido pela certeza do conhecimento, a realidade passou a
ter uma primazia sobre a possibilidade, promovendo uma interpretação da essência com substância.

EXPOSITORA – RENATA MOURA GONÇALVES N.º USP 5440400

Parmênides diz: νο ε ι ν é πεφα τ ι ο µ έν ο ν έν τ ϖ έο ν τ ι . Traduz-se


usualmente esta sentença por: o pensar que é enquanto se pronuncia no ser. Diante desta tradução e
com intuito de fazer a experiência e compreender o ser pronunciado, Heidegger questiona o significado
de “pronunciado”, “pronunciar”, “dizer” e “linguagem”. Para entender a referência feita por
Parmênides entre o ν ο ε ι ν e o πεφ α τ ι ο µ έν ο ν , é preciso recuar e buscar determinar o
sentido de ν ο ε ι ν .
Heidegger apresenta uma crítica às interpretações modernas que deixaram de se
espantar perante as frases de Parmênides, tomando como certo significados que deveriam ser mais
profundamente questionados. Esta atitude de não se espantar e de adotar apressadamente o
significado das palavras é muito cômoda aos modernos, uma vez que ela cumpre a função de tornar
acessível o pensamento grego. Todavia, ela obsta a possibilidade de um pensar livre que desperta para
um novo começo.
O νο ε ι ν , o qual se quer pensar na sua relação de pertencimento ao έο ν , funda-se e
torna-se presente a partir do λέγειν. É no âmbito do dizer que se apresenta (“acontece em sua
vigência”) o deixar pro-por-se daquilo que está presente. O vigente, isto é, aquilo que é e está
presente, somente pode ser relacionado ao ν ο ε ι ν enquanto o que assim se pro-põe. O vigor do
dizer experienciado pelos gregos reside em λέγειν. Desta forma, o pensar é em sua própria essência
um dito. Não se trata de um dito posterior ou de um dito acessório. O pensar que pertence ao ente
funda-se e vige a partir do λ έγ ε ι ν . Para os gregos, o vigor do dizer reside no λ έγ ε ι ν . Heidegger
busca compreender a diferença entre o que é dito e o que é pronunciado. Ele questiona se há uma
divisão entre a fonética da palavra que é vocalizada e a sua semântica, o significado da palavra. Dizer
significa fazer aparecer, trazer para uma posição daquilo que aparece. O “eu digo” e o “dito”
apresentam a mesma, embora não seja idêntica, essência: fazer aparecer aquilo que está presente.
Parmênides quer discutir a quê pertence o pensar, pois só podemos encontrar o pensar
no local ao qual ele originalmente pertence. Somente depois de descobrirmos o local ao qual o pensar
originalmente pertence, poderemos compreender em que medida o pensar pertence ao ser. Heidegger
alerta que, ao fazer a experiência do pensar como algo pronunciado, Parmênides não reduz o pensar a
uma mera articulação de fonemas ou de sinais em uma escrita. Heidegger interpreta o pensar como
um trazer para a atenção (“in-die-Acht-nehmen”) e, para ele, aquilo que é trazido para a atenção é um
dito, um trazer-para-uma-posição daquilo que aparece.
A questão que se coloca consiste em saber qual é esta posição daquilo que aparece. A
esta pergunta Parmênides responde que é “na dobra de vigorar o vigente” (εν τώ εοντι, no eon). Com
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esta afirmação, afasta-se completamente a interpretação apressada de que o pensar se exprime no
pronunciado.
O próprio pensar que reside no dito conduz a uma reunião integradora e, desta forma,
corresponde a este pertencer ao ente, enquanto o que se realiza a partir dele. O pensar capta o uno (“o
que vige em seu vigor”). O pensar capta a propriedade do que é presente, isto é, o ser.
Temos de aprender a pensar a essência vigorosa da linguagem a partir do dizer
enquanto um deixar-se pro-por e fazer aparecer. Isto é difícil, pois o iluminar-se do vigor essencial da
linguagem desaparece rapidamente sob um véu. A iluminação trazida pelo vigor essencial da
linguagem enquanto um trazer-para-uma-posição daquilo que aparece logo é encoberta pelo véu da
determinação e da representação da linguagem enquanto articulação de sons e de fonemas.

Após estas explicações de Heidegger, embora o pertencimento do pensar ao ser esteja


mais claro, ainda há muita dificuldade em compreender a palavra enigmática contida no fragmento de
Parmênides – τ ο α ψ τ ⌠ , o mesmo. A dobra do ente (“propriedade do que é presente”) reúne para si
o pensar. Tem-se, portanto, que, para Parmênides, a dobra exerce uma posição dominante. Com base
nisto, é possível indicar toda a riqueza de significado de uma palavra tão enigmática de significação
comumente vazia como ocorre com a palavra “o mesmo”.

Heidegger questiona se partindo do desdobramento da dobra seria possível apontar para


um “por sua causa” que ressaltaria o mútuo pertencer entre a propriedade do que é presente (ser) e
pensar. Todavia, não se encontra de imediato no texto de Parmênides uma base para investigar em
que consiste o desdobramento da dobra. Heidegger surpreende-se pelo fato de tanto no fragmento III
como no fragmento VIII Parmênides coloca uma palavra tão enigmática como “o mesmo” logo no início.
Heidegger, em um gesto de liberdade ousada, olhando incansavelmente para esta posição inicial do
predicado “o mesmo” tenta pensá-lo por antecipação a partir do desdobramento da dobra do ente
(propriedade do que é presente).
Na dobra do ente, o pensar que chaga a aparecer é um dito, um π ε φ α τ ι ο µ έν ο ν
(pronunciado). Na dobra que rege o dizer enquanto o que traz para uma posição daquilo que aparece.
A questão que se coloca é acerca do que o dizer faz aparecer. A resposta consiste na propriedade do
que é presente (“o vigorar do que é vigente”).

O dizer que domina na dobra é a reunião integradora do ser (propriedade do que é


presente), em cujo brilho o que é presente pode aparecer. O dizer acontece na dobra e nela apropria-se
do seu próprio.

O que Parmênides pensa como φ α σ ι ζ , Heráclito chama de logos. Heidegger passa a


questionar o que acontece nesse dizer que prevalece nestas palavras. Os gregos fazem a experiência
de seu traço fundamental como desencobrir. Os gregos chamam este desencobrir de Alétheia.

A discussão sobre a relação de pensar e ser dá a impressão de uma violência


propositada. A construção da frase agora recebe outra luz. A palavra enigmática “o mesmo” que inicia
a sentença não é mais o predicado, mas o sujeito, o subjacente, o que sustenta e suporta. O verbo de
ligação oculto “é” significa agora vige, guarda e, resguardando a partir do que caba resguardar,
domina o mesmo, a saber, como desdobramento da dobra no sentido de descobrir.

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Descobrindo, o desdobrar da dobra resguarda o trazer para a atenção no seu
encaminhamento para o captar que reúne e concentra a propriedade do que é presente. A verdade,
caracterizada como o descobrir da dobra, deixa o pensar pertencer ao ser. Na palavra enigmática “o
mesmo”, silencia o resguardo descobridor do mútuo pertencer entre a dobra e o pensamento que, na
dobra, se faz aparecer (trazer para uma posição daquilo que aparece – pensar).

Pensar não pertence, portanto, a ser porque também é algo presente o qual, por este
motivo, deve ser computado na totalidade do que é presente, ou seja, dentre as coisas presentes.
Parmênides diz que fora dos entes nada foi, nada é, nada será. Τ ο ε ο ν não significa “o ente”, ele
exprime a dobra. Fora desta não há jamais qualquer presença de coisas presentes, pois a presença
enquanto tal reside na dobra (posição para a qual é trazida aquilo que aparece), brilhando e
aparecendo em sua luz desdobradora.

A articulação de λ ε γ ε ι ν e νο ε ι ν libera o vigorar em seu aparecer para um


captar, mantendo-se, com isso, de certo modo, fora do ente. Numa certa perspectiva o pensar está fora
da dobra, mantendo-se a caminho da dobra. Em outra perspectiva, este estar a caminho permanece
dentro da dobra. Não se trata de uma diferença dada e localizada entre ser e ente, mas o que vigora a
partir da dobra desdobradora. Como Alétheia, a dobra garante luz a tudo o que é presente. Nesta luz o
presente pode aparecer. O descobrimento garante a iluminação do presente, na medida em que faz
uso de um deixar-se pro-por e captar e, nesse uso, inclui o pensar no pertencimento à dobra. Por este
motivo, não há um presente fora da dobra.

EXPOSITOR SÉRGIO N.º USP 6758006

1. TRÊS IDEIAS NORTEADORAS: PHYSIS, LOGOS E NOEIN.

Physis: é aquilo que surge, a partir de si mesmo, e que se sustenta e permanece nesse vigor
próprio.

Logos: o logos é a reunião daquilo que está presente nos entes; reunião que de-põe e pro-
põe, isto é, reúne a presença, lança-a num repouso de estar diante de.

Noein: a faculdade de captar a realidade que ao mesmo tempo implica um dizer e um


mostrar.
2. Às três idéias correspondem três modos originários pelos quais os gregos
vivenciaram a questão do ser.

3. Convergência de noein e logos

4. A duplicidade de ser e ente como via de acesso para a aproximação do


pensamento originário

5. A Questão da Mesmidade e co-pertinência entre o ser e o Pensar

6. A Condenação da Moira e o Destino do Ser

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