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MIRCEA BUESCU
HISTÓRIA ECONÔMICA
DO BRASIL
LEITURA BÁSICA
CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO DO
PENSAMENTO BRASILEIRO (CDPB)
2011
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SUMÁRIO
MATÉRIA INTRODUTÓRIA
Prefácio – Américo Jacobina Lacombe ...................................... 13
Textos de Mircea Buescu
- Um programa de trabalho para a história
econômica do Brasil ............................................................... 20
- Esquema de história econômica do Brasil .............................. 30
SÉCULO XIX
Nota introdutória – Antônio Paim ............................................... 65
Textos de Mircea Buescu
8. DIVISOR DE ÁGUAS ...................................................... 69
8.1 Balanço do modelo colonialista mercantilista ................... 69
8.2 Chegada da Corte .............................................................. 74
8.3 Política econômica ............................................................ 75
8.4 Gargalo externo ................................................................. 87
8.5 Outras atividades econômicas.............................................91
8.6 Novos rumos ..................................................................... 93
9. O CICLO DO CAFÉ ......................................................... 96
9.1 Perspectiva em meados do século XIX ............................. 96
9.2 Condicionamentos externos .............................................. 98
9.3 Condicionamentos internos ..............................................101
9.4 Empresa e rentabilidade ...................................................113
9.5 Comércio exterior .............................................................118
9.6 Agricultura de subsistência ...............................................135
9.7 Início da indústria .............................................................139
9.8 Moeda e finanças ..............................................................145
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9.9 Balanço do período ............................................................ 158
Revendo a política econômica do Império (1991) ....................... 165
Notas sobre a economia do Segundo Reinado ............................. 188
SÉCULO XX
Apresentação – Antônio Paim ..................................................... 203
TEXTOS DE MIRCEA BUESCU
- Brasil: problemas econômicos e experiência histórica
Cap. VIII – Processo da industrialização ............................... 205
Cap. IX – Papel do Governo .................................................. 222
- Lições da história .................................................................... 230
- A experiência deflacionária de Joaquim Murtinho ................. 247
- Arranco ou transição (1930/1960) .......................................... 289
- Acerca da teoria dos choques externos ................................... 312
- Os objetivos nacionais nos planos econômicos
(1964/1985) ............................................................................ 335
- Progresso e declínio do planejamento econômico
no Brasil ................................................................................. 359
- Os anos 80: a década perdida ................................................. 375
- Desenvolvimento econômico: condicionamentos .................. 396
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APRESENTAÇÃO
Antonio Paim
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manter políticas obsoletas como uma reforma agrária
fora do tempo.
Ligando-se à APEC, depois de 1962, da qual seria
diretor, entre 1972 a 1979 e consultor a partir de 1980,
responde em grande medida pelo sucesso do empreen -
dimento, notadamente ao estimular – e contribuir deci-
sivamente – para a elaboração de análises da economia
brasileira, dignas do nome.
Tornou-se professor de história econômica na
PUC-RJ (1965 a 1986) e no Instituto Benett de Ensino.
Deu aulas de economia e história econômica no Instituto
Rio Branco, na Faculdade Santa Úrsula, na Fundação
Getúlio Vargas e ainda em outras instituições do Rio de
Janeiro e de outros estados.
Buescu exerceu ainda a função de assessor no
Gabinete do Ministro da Fazenda, de 1967 a 1986. Sócio
efetivo do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
Publicou grande número de artigos e ensaios em
jornais (Jornal do Comércio; O Globo, Jornal do
Brasil) e revistas, entre outras a Revista do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, Carta Econômica da
APEC e Carta Mensal, órgão do Conselho Técnico da
Confederação Nacional do Comércio, de que era
membro.
O grande feito de Mircea Buescu reside na
notável contribuição que deu para estruturar o estudo do
nosso desenvolvimento econômico em bases estri -
tamente científicas, como se pode ver da Bibliografia
adiante.
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6
Faleceu no Rio de Janeiro a 16 de maio de 2003,
aos 89 anos de idade.
O levantamento dos dados biográficos de Mircea
Buescu só foi possível graças à recuperação de uma
breve nota, de sua autoria, que havia sido encaminhada
ao Conselho Técnico da Confederação Nacional do
Comércio – a que pertencia – graças à diligência da
secretária Sandra Nascimento. Faltava, entretanto, a
data de falecimento, obtida graças à iniciativa de Arno
Wehling, presidente do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro, e à presteza e solicitude da secretária
Tupiara Machareth.
Fica a lacuna relativa aos últimos anos de vida.
Segundo os registros constantes da Carta
Mensal, sua última conferência teve lugar em maio de
1995, isto é, ainda viveria oito anos, caracterizados pela
interrupção abrupta de sua brilhante produção
intelectual. Os quatro ensaios subseqüentes aparecidos
na revista (nos anos de 1996 e 1997, referidos adiante),
sem indicação de que teriam resultado de conferências,
devem ter sido encaminhados diretamente para
publicação, praxe admitida. No elogio dos sócios
falecidos, no caso a cargo de Vitorino Chermont de
Miranda, afirma-se: “presença assídua, nas sessões do
CEPHAS, enquanto a saúde lhe permitiu” (RIHGB, 184
(421): 280; out.-dez., 2003). É de presumir, portanto,
que a inatividade observada haja decorrido do estado de
saúde.
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BIBLIOGRAFIA
Livros
Artigos e Ensaios
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Situação dos escravos no século XIX. v. 336, p. 145 -147,
jul./set., 1982.
Política econômica do Segundo Reinado. v. 339, p. 7 -12,
abr./jun., 1983.
Centenário do Motim do Vintém. v. 339, p. 113 -120,
abr./jun., 1983.
O alvará bicentenário de 1785. v. 350, p. 183 -186,
jan./mar., 1986.
O reerguimento econômico: 1903-1913. v. 353, p. 1033-
1050, out./dez., 1986.
Um estadista controvertido: Joaquim Murtinho. v. 365, p.
529-572, out./dez., 1989.
A Primeira República e o sistema econômico inter -
nacional. v. 379, p. 350-363, abr./jun., 1993.
Carta Mensal
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MATÉRIA INTRODUTÓRIA
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PREFÁCIO
Américo Jacobina Lacombe
Nota do editor
Américo Jacobina Lacombe (1909/1974) concluiu o curso de
direito aos 22 anos, em 1931. Ainda nos anos trinta, teve atuação
destacada no Centro Dom Vital – que exerceu grande influência
nos círculos católicos durante largo período – e foi secretário do
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Conselho Nacional de Educação. Integrou o grupo que lançou as
bases da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, onde,
a partir de 1941 passou a lecionar História do Brasil. Graças a
essa condição, viria a produzir extensa bibliografia dedicada ao
tema, o que o tornaria renomado historiador e o levaria ao
exercício da Presidência do Instituto Histórico Brasileiro. Seria
também diretor da casa de Rui Barbosa e responsável pelo
ordenamento de sua obra para edição. Pertenceu à Academia
Brasileira de Letras.
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UM PROGRAMA DE TRABALHO
PARA A HISTÓRIA ECONÔMICA DO BRASIL
***
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Como dizia Mauro, o século XIX foi pouco
estudado – apesar de muito “interpretado” e comentado
(o período a partir da Segunda Guerra Mundial, foi
analisado com maior objetividade pelos economistas
brasileiros). Fala-se, por exemplo da economia
brasileira do século XIX sem se ter, até agora, um
estudo da inflação naquela época, a não ser o trabalho
pioneiro, e valioso sob muitos aspectos, de Oliver
Ónody (6). Entretanto, a quantificação da inflação é,
como não podia deixar de ser, bastante precária, e
exigiria novas pesquisas para sua confirmação ou
retificação. Os dados encontram-se esparsos em jornais,
revistas, livros, documentos oficiais e privados,
testamentos, inventários, registros, e só pela sua coleta e
ulterior confronto poderia construir-se uma escala, algo
mais completo, dos preços no século XIX. O trabalho
não será fácil, porque se trata justamente de uma
quantidade enorme de dados informativos espalhados
em todo o Brasil e numa imensa variedade de fontes.
Tentei fazer, por exemplo, um levantamento dos
preços em períodos decenais entre 1835 e 1875, através
dos anúncios classificados do “Jornal do Commercio”,
mas os resultados foram inexpressivos: poucas mer-
cadorias são comparáveis, não se podendo chegar a um
resultado ponderado (7). Por exemplo, entre aquelas
duas datas, o preço do açúcar mascavo subiu 79,4%, o
do açúcar refinado 56,8% e o do arroz 52,9%. Os
resultados parecem coerentes. Entretanto, durante o
mesmo período o preço da carne seca elevava-se de
224.2%. As variações a prazo mais curto são ainda mais
24
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traiçoeiras: entre 1835 e 1845 o açúcar mascavo s obe de
5,3%, o refinado de 21,2%, a carne seca de 63,2%, o
milho de 75,5%, enquanto o preço do arroz acusa queda
de 3,6%. (Foram comparados preços médios, elimi -
nando-se aqueles que destoavam, por razões desco-
nhecidas, do conjunto). Trabalho evidentement e pre-
cário e insuficiente, que talvez possa ser valorizado pela
comparação com outras informações similares. O levan -
tamento completo fica para ser feito, com paciência e
espírito crítico. Como na maioria das vezes, a infor -
mação sobre o preço da mercadoria dá poucas indi-
cações quanto à qualidade. Só juntando um grande nú -
mero de informações será possível eliminar as eventuais
distorções. E entre um número reduzido de fontes a
comparação é irrealizável, como, por exemplo, entre as
informações fornecidas por Leithold e Rango em
1819(8) e as de Davatz uns quarenta anos mais tarde (9).
Entretanto, este é o único caminho. Sem esta
construção, embora muitas vezes precária, as discussões
em torno dos temas da História Econômica do Brasil
continuarão dominadas pelas interpretações doutri-
nárias, na falta de uma base objetiva de interpretação.
Um exemplo típico é a construção, aparentemente
coerente, da teoria da “exportação das crises pelos
países industrializados para o Brasil” e da “transferência
do ônus da crise pelos exportadores de café para a massa
dos consumidores brasileiros”. Não é desprovida de
base verídica essa dupla teoria, porém a sua
apresentação de forma radical e excessiva, não parece
justificar-se pelos dados estatísticos disponíveis(10).
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Inúmeros exemplos poderiam ser dados que
justificassem a obra de pesquisa e reconsideração da
História Econômica do Brasil. Esta afirmação não
implica em negar o que até agora foi feito(11). Mas,
mesmo para o que tem sido feito, seria indispensável
aquele trabalho de “consolidação”, a fim de medir a
coerência dos vários resultados (12).
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estimativa direta do produto real poderia ser mais difícil
(13).
- avaliação da produção; muito difícil no que
tange aos produtos de consumo interno, seria mais fácil
para os produtos de exportação, mas, mesmo para estes,
uma reavaliação será necessária, e a base será en -
contrada na estatística do movimento marítim o (14);
– levantamento da evolução dos preços locais;
– levantamento da evolução dos preços de ex -
portação;
– estatísticas sobre os salários e outros ren-
dimentos;
– volume das importações dos escravos e de seus
preços(15);
– quantificação do fiscalismo colonial e do ônus
resultante da intermediação comercial e financeira da
Metrópole – aspecto extremamente importante para
determinar-se a parte de renda efetivamente aproveitada
pela Colônia;
– despesa pública (para a época colonial) a fim de
saber-se a parte da renda que, captada pela Metrópole,
voltava para a Colônia;
– volume monetário; para a época independente:
emissões de papel-moeda e volume de meios de
pagamento;
– investimentos estrangeiros e seus lucros.(15 bis)
1. Ciclos e subciclos:
- Formação econômica determinada pelo binômio mer can-
tilismo/colonialismo: organização da Colônia de modo a
garantir a balança comercial favorável da Metrópole
(através da produção de metais pr eciosos ou de produtos
conjunturais de exportação).(20) Concentração dos fatores
de produção no produto conjuntural (tendência para a
monocultura); instrumentos institucionais favorecendo o
produto conjuntural.
- Ciclos:
períodos em que a exportação é concentrada num certo
produto conjuntural.
- Efeitos:
- o produto conjuntural liderando a exportação;(21)
- a exportação (com a intermediação inevitável da
Metrópole) constituindo a principal fonte criadora da renda
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colonial, o produto conjuntural ( cíclico) desempenha papel
decisivo na criação da renda;
- atração dos fatores da produção:
- expansão territorial;
- expansão demográfica;
- entrada de capitais; alta rentabilidade (reinves --
timento);
- reflexo sobre outras atividades econômic as (fluxos de
renda);
- estratificação social correspondendo às necessidades
do produto cíclico;
- criação de instituições políticas e sociais adequadas.
- Ciclos:
períodos em que o centro dinâmico da economia é cons -
tituído por um certo produto co njuntural de exportação.
- Subciclos:
períodos em que produtos secundários sustentaram a
balança comercial, sem o dinamismo de um verdadeiro
ciclo; ligação com o consumi interno.(22)
Funcionamento:
- monopólio da Coroa;
- arrendamento (1º) grupo de cristãos -novos liderados por
Fernão de Noronha – 1503);
- limitação da renda pela demanda (± 20.00 0 quintais por
ano = ± £ 80.000); (26)
- dificuldades criadas pelos ataques dos índios e pelas
incursões dos corsários, piratas, comércio entrelopo;
- substituição por um produto mais rendoso (açúcar); (27)
- persistência da exportação de pau-brasil durante o
período colonial;
- liquidação do produto pela invenção dos corantes
artificiais (índigo artificial).
Efeitos:
- prioridade na pauta de exportação (até 1540 -1550,
provavelmente, 90-95% do valor anual da exportação);
- criação de renda (fora da Colonia);
- valor da exportação de pau-brasil no período colonial: £
15.000.000 (2,8% da exportação total, 1,7% da Renda
Interna colonial);
- poucos reflexos no conjunto econômico -social: sem
penetração territorial, sem crescimento demográfico (a não
ser, ambas muito superficiais); sem criação de classes
sociais, e outras atividades reflexas (quase sem caráter de
verdadeiro ciclo); entretanto, justificando a necessidade da
criação de um sistema político -militar da defesa:
capitanias hereditárias. (28)
34
35
3.2 Ciclo do açúcar – 1550-1650
Condicionamentos externos:
- elevação das rendas na Europa Ocidental;
- aumento do consumo de açúcar;
- dificuldades do abastecimento do Oriente Próximo e
Extremo Oriente;
- elevação geral dos preços em decorrência do afluxo de
metais preciosos do Novo Mund o (arroba de açúcar em
1500: 400 réis; em 1650: 1.800 réis).
Funcionamento:
- unidade de produção: engenho de açúcar (economia
autárquica); formação: donos de engenho, trabalhadores
livres, escravos, cultivadores livres (arrendatários
fornecedores de cana); agregados, forros, artesãos, etc.;
- favores oferecidos aos donos de engenho pela Me -
trópole(4);
35
36
- fiscalismo: dízimo do açúcar (1/10 da quantidade
produzida); intermediação obrigatória da Metrópole na
exportação (papel dos grandes centros europeus de
comercialização: Antuérpia);
- insegurança: ataques dos índios, corsários, piratas e
comércio entrelopo; ocupação holandesa(33);
- expansão durante a conjuntura ascendente (1550 -1650):
aumento das quantidades produzidas e exportadas (1600?
1.200.000 arrobas; 1650: 2.000.000 arrobas), ao mesmo
tempo que os preços se elevavam;
- alta rentabilidade;
- mudança da conjuntura após 1650: concorrência
antilhesa, queda dos preços (fim da inflação européia);
- ressurgimento por causa da revolução nas Antilhas
(1789);
- Bloqueio Continental (1806): açúcar de beterraba.
Efeitos:
- prioridade na pauta de exportação: 1600 - £ 2.100.000
(90% do total); 1650 - £ 3.800.000 (95% do total); no
período colonial: £ 300 milhões – 56% da exportação total
(34);
- importante receita para a Coroa (e para os intermediários
comerciais e financeiros);
- criação de renda (talvez 2/3 fora da Colônia); do total da
renda colonial, 33% gerados pelo a çúcar;
- fixação dos colonos; ocupação territorial (embora apenas
litorânea);
- expansão demográfica: atração dos colonos, integração
de índios, importação maciça de escravos africanos;
- estruturação social (criação de latifúndios, situação
subserviente dos demais cultivadores); isolamento dos
engenhos; hábitos de consumo mais elevados nos
engenhos (em grande parte, com produtos importados);
reduzida urbanização (35);
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- criação de atividades conexas: presa de escravos (índios:
bandeirantes; pretos: mercadores); atividades adjuntas no
engenho; criação de gado.
Condicionamentos:
- ligação indireta com o setor exportador: fornecimento de
força motriz, meio de transporte, alimentação e matéria -
prima artesanal para os engenhos d e açúcar (mais tarde,
sustentação no ciclo da mineração, inclusive para gado
cavalar e muar);
- ligação direta: exportação de couro (também como
envólucro para fumo);
- para consumo interno: alimentação e artesanato (aspecto
anticíclico) (36);
- facilidade para fatores de produção: extensão territorial;
mão-de-obra índia adequada; pouca necessidade de capital
(capitalização natural no próprio setor).
Funcionamento:
- pontos de expansão: Bahia, Pernambuco, São Vicente;
- expansão ao longo dos rios (São Fr ancisco); limitações
legais para não prejudicar a cultura da cana;
- grandes currais (em torno dos engenhos) e pequenos
currais;
- rentabilidade modesta.
Efeitos:
- sustentação da balança comercial (sobretudo nas épocas
de crise do açúcar); total da exp ortação no período
colonial: £ 15.000.000 (2,8% do total);
- receita para a Metrópole;
- fortalecimento do setor autônomo (composição do setor:
agricultura de subsistência – mandioca, algodão, etc. –
pesca de baleia, criação de gado, colheita tropical,
pequenas ocupações agropecuárias e hortigranjeiras;
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reduzido artesanato; inexistência de um grande mercado:
níveis baixos de renda, falta de ligações entre os núcleos,
pouco interesse dos investidores, economia não -
monetária);
- criação de uma classe média rural (maior mobilidade
social);
- grande expansão territorial (37).
- funcionamento:
- rentabilidade relativamente reduzida;
- monopólio da Coroa – importante receita pública;
- participação da economia colonial: exportação total £
12.000.000 (2,2% do valor da exportação colonial, 1,3% da
Renda Interna do período colonial).
Resultados do período
- queda da exportação, apesar das medidas de defesa e da
participação dos subciclos;
- queda da Renda Interna, sendo dependente da exportação;
39
40
- crescimento relativo do setor autônomo da economia (não
dependente da exportação): mandioca, milho, plantas
alimentícias, frutas, trigo, etc. (fumo, algodão, pecuária – na
medida em que não se exportavam); artesanato (muito
reduzido);
- em termos per capita a exportação caiu, entre 1650 e 1700,
de 23.10.0 para £ 6.14.0, a Renda Interna, de £ 29.8.0 para £
11.8.0.
Setor autônomo
Exportação (E) Renda Interna (RI)
(RI-E)
£ 1000 variação £ 1000 variação £ 1000 variação
% % %
1600 2.400 ... 3.000 ... 600 ...
1650 4.000 + 67% 5.000 + 67% 1.000 + 67%
1700 2.400 – 40% 4.000 – 20% 1.000 + 60%
- Composição da exportação:
1600 1650 1700
% do % do % do
£ 1000 £ 1000 £ 1000
total total total
açúcar 2.160 90% 3.800 95% 1.800 75%
pau-brasil 100 4% 75 2% 45 2%
fumo 15 0 ... ... ... ...
couro ... ... ... ... 100 4%
mineração – – – – 310 13%
40
41
- Expansão territorial e demográfica:
Área ocupada População Densidade
(km2) (hab) (hab / km2)
1600 25.800 100.000 3,9
1650 ... 170.000 ...
1700 110.700 350.000 3,2 (41)
Condicionamentos externos:
- importância do ouro como moeda internacional;
41
42
- mercantilismo – crisofilia (procura constante desde o
Descobrimento: entradas, bandeiras).
Condicionamentos internos:
- condições naturais: ouro e diamantes a flor da terra em
grandes quantidades;
- mão-de-obra: novos colonos ou atraídos de outras zonas;
importação de escravos;
- tecnologia: bastante simples, conhecida na Metrópole e
até pelos negros;
- capitais: necessidade de pouco capital (escravos,
equipamento); transferido de outras zonas, trazido pelos
novos colonos ou criado pela própria mineração.
Funcionamento:
- descoberta de ouro em Taubaté (1693); extensão para
Mato Grosso e Goiás; diamantes em Serro Frio (1729);
- fiscalismo: quinto do ouro (1735-1750: capitação);
derrama; monopólio dos diamantes (1731);
- obrigação da cunhagem (Casas de Fundição);
- medidas de defesa em relação ao contrabando
(organização administrativa na região da mineração);
importância do contrabando (20% de produção );
- entrada maciça de novos colonos na região da mineração
(guerra dos Emboabas);
- queda da produção na segunda metade do século XVIII;
excesso do fiscalismo (Inconfidência Mineira -Tiradentes –
1789). (42)
Efeitos:
- exportação: no período colonial, £ 170 milhões (31,7%
da exportação total);
- importante fonte da receita para a Coroa;
- criação de renda (no período colonial, 19,0% da Renda
Interna total);
- reflexos sobre outras atividades (comércio, artesanato);
42
43
- elevação (passageira, dos níveis de c onsumo; urbaniza-
ção (comércio, artesanato, administração);
- novas classes (parcialmente desaparecidas após a queda
do ciclo – proletariado rural e urbano);
- monetização da economia;
- elevação dos preços (inflação) na região mineira. (43)
Subciclo do algodão
Condicionamentos:
Resultados do período
- queda da exportação;
- queda da Renda Interna;
- crescimento relativo (embora em condiçõ es precárias) do
setor autônomo da economia;
- queda da exportação per capita (£ 2 9/10 em 1750, £ 1
1/10 em 1800) e da renda per capita (£ 4 8/10 em 1750, £
2 2/3 em 1800).
44
45
6.3 Panorama do século XVIII
Setor autônomo
Exportação (E) Renda Interna (RI)
(RI-E)
£ 1000 variação £ 1000 variação £ 1000 variação
% % %
1700 2.400 – 40% 4.000 – 20% 1.600 + 60%
1750 4.300 + 79% 7.200 + 80% 2.900 + 81%
1800 3.500 – 19% 8.800 + 22% 5.300 + 83%
- Composição da exportação:
1700 1750 1800
% do % do % do
£ 1000 £ 1000 £ 1000
total total total
açúcar 1.800 75% 2.000 47% 1.100 31%
pau-brasil 45 2% 30 0 60 0
fumo ... ... 100 2% 225 6%
couro 100 4% 110 2% 200 6%
mineração 310 13% 2.035 47% 855 24%
algodão ... ... ... ... 200 6%
45
46
NOTAS
46
47
etapas mencionadas. De um lado, pesquisas quantitativas micro e
macroeconômicas contribuindo para o conhecimento do compor-
tamento da economia em várias épocas: atividades do mercador
Fernão Martins na primeira metade do século XVII, contabilidade
do Engenho Sergipe do Conde na mesma época, análise do livro -
razão de Antônio Coelho Guerreiro no fim do século XVII e o
início do século XVIII. De outro lado , sínteses como o “Império
Português e o Comércio Franco-Português nos meados do século
XVIII”, ou, sobretudo, o brilhante estudo “Acerca de um modelo
intercontinental: a expansão ultramarina européia entre 1500 e
1800”. (Sobre o assunto, v. do mesmo autor – LXXVIII).
47
48
Simonsen para a receita da exportação no período colonial, v.
infra, págs. 196-198: “Sobre o valor da exportação colonial”.
(13) Foi esta a técnica que utilizei para o cálculo da Renda Interna
no fim do século XVI – v. infra, págs. 81-90: “Brasil 1600”.
(14) Frédéric Mauro (LXXiX, pág. 78), insiste, com razão, nessa
pesquisa. Exemplos de levgantamentos dessa natureza encontram -
se nos grandes trabalhos de Pierre Chaunu – XXXIX bis e do
próprio Mauro – LXXVI.
48
49
(22) Podem ser chamados “anticiclos” na medida em que
contribuíram para interiorizar a economia – conf. M. Buescu – V.
Tapajós – op. cit., pág. 25.
49
50
(35) Sobre a vida social da época, é fundamental o livro de
Gilberto Freyre – LIV.
50
51
51
52
56
57
1570 1583 1584 1587 1612 1627
Rio Grande - - - - 1 -
Paraíba - - - - 12 18-20
Itamaracá 1 - - 3 10 18-20
Pernambuco 23 66 60 50 99 100
Bahia 18 36 40 36 50 50
Ilhéus 8 3 - 6 5 -
Sergipe - - - - 1 -
Porto Seguro 5 1 2-3 2 1 -
Espírito Santo 1 6 4-5 6 - -
Rio de Janeiro - 3 - 2 - 40
São Vicente 4 - 3-4 3 - -
Fontes: 1570 – Gandavo; 1583 – Fernão Cardim; 1584 – Anchieta; 1587 –
Gabriel Soares; 1612 – LIVRO DE DÁ RAZÃO DO ESTADO DO BRASIL;
1627 – Frei Vicente do Salvador.
57
58
superior a 1%. Isto permitiria a interpolação da taxa de
crescimento de 3 a 4% para o subperíodo de 1583 a
1600. As várias hipóteses poderiam levar a cifras entre
160 e 190 engenhos em 1600, porém, face à informação
do Livro que dá Razão, etc., pareceria mais plausível a
cifra menor, 160 ou170 engenhos. O número poderia ser
ligeiramente aumentado levando-se em conta as
inevitáveis omissões das fontes informadoras. Isto nos
levaria perto de 200 engenhos em 1600, bem longe dos
120 tradicionalmente admitidos.
Se, outra vez, ao tentar quantificar a economia
açucareira, em 1600, adotei o número de 200 engenhos
foi para chegar a um conjunto coerente de dados, pois ,
aceitando a quantidade anualmente exportada de açúcar ,
tal como foi calculada sob a autoridade de Simonsen
(1.200.000 arrobas), chega-se à média de produção
anual de 6.000 arrobas por engenho, que parece
adequada, conforme as informações já citadas sobre a
capacidade produtiva dos engenhos. Afinal de contas,
poder-se-ia dizer que, face à penúria de dados, o número
de 200 é apenas indicativo, e 190 ou 180 engenhos são
da mesma ordem de grandeza. Pareceria ate que o
número mais baixo – de 160 engenhos – seria coerente,
pois corresponderia à média anual de 7.500 arrobas
(contando que se aceite o volume global de 1.200.000
arrobas por ano, e não mais). Isso sugeriria que os
pequenos engenhos eram muito poucos – o que, em
termos gerais, está certo. Mas até que ponto a maioria
era de engenhos de 7,8 ou 10 mil arrobas? Proceda -se,
como exercício, a imaginar uma distribuição de
58
59
engenhos, com a maioria de capacidade de 8-10.000
arrobas, mas admitindo-se, também, a existência de
engenhos médios e pequenos, ainda que em reduzida
proporção, e verificar-se-á difícil admitir a média de
7.500 arrobas por engenho. Por isso, parece-me mais
plausível uma cifra aproximando-se de 200 engenhos.
Uma pesquisa mais detalhada da produção dos engenhos
ajudará à elucidação da questão (10).
Essa pesquisa não seria tão estéril quanto poderia
parecer à primeira vista. É com base em informações
setoriais desse tipo que se poderá proceder à construção
de uma imagem mais objetiva, quantificada, da
realidade econômica do Brasil histórico (11) .
NOTAS
59
60
(6) M. Buescu – V. Tapajós, op. cit., págs. 30 e 145.
(7) Rocha Pombo (Simonsen – op. cit., tabela da pág. 382) admite
200 engenhos e 2.800.000 arrobas por ano – o que daria, ainda,
14.000 arrobas em média por engenho, bem acima do máximo
indicado por todas as fontes.
60
61
61
62
Para isso, é suficiente dirigir um olhar
“estatístico” para o gráfico que consigna, no mesmo
local do livro, as conclusões estatísticas, referentes à
exportação de açúcar. Numa apreciação muito
aproximada, mas válida como ordem de grandeza,
encontram-se as seguintes posições:
62
63
Onde está a verdade? Nos dados parciais que
levam ao valor global de £ 752 milhões, ou no dado
global de £ 536 milhões? De qualquer forma, a opção só
poderá ser feita depois de novas pesquisas e
levantamentos. Uma modificação das conclusões, até
agora admitidas a esse respeito, terá vários reflexos não
destituídos de importância. É suficiente considerar que,
com o novo valor global da exportação e admitindo uma
tributação metropolitana, direta e indireta, de 60% do
valor exportado, a espoliação colonial subiria de £ 322
milhões para £ 451 milhões, valor-ouro. Uma diferença
de £ 129 milhões – ou seja, 948 toneladas de ouro ou, de
uma forma bem aproximada, mais de um bilhão de
dólares, em valor atual constitui elemento objetivo para
apreciar o ônus do colonialismo.
NOTAS
63
64
SÉCULO XIX
64
65
NOTA INTRODUTÓRIA
65
66
Assim, por exemplo, o primeiro livro subsequente
– História Econômica do Brasil: APEC, 1970 – resulta
do curso que ministrava na PUC-RJ e além do programa
de que se valia para ministrá-lo “Esquema de História
Econômica do Brasil”, antes transcrito, consiste de
ensaios de aprofundamento de temas relacionados aos
primeiros séculos, notadamente à economia açucareira.
Vê-se como soube valer-se da documentação disponível
a fim de obter coeficientes capazes de produzir
consistente quantificação do processo econômico. Acha -
se nesse caso o exame minucioso que efetivou da
documentação divulgada da atividade produtiva do
“Engenho Sergipe do Conde”, no século VII. Embora,
pelas características do tipo de divulgação que se
pretende com esta seção (LEITURA BÁSICA) não seria
adequado transcrever a todos, acredito que a amostra
selecionada é representativa. Além disto, foi o próprio
Buescu que reuniu em separado os ensaios que dedicara
àquele período de nossa história.
Evolução econômica do Brasil – de poucos anos
depois, 1974 – tem certamente maior amplitude desde
que, além de aprofundar a caracterização dos diversos
ciclos econômicos, refere aquilo a que corresponderia a
sua superação, isto é, a nova dinâmica representada pela
industrialização. Ainda assim, o maior desenvolvimento
ali existente diz respeito ao século XIX, notadamente ao
ciclo do café. A temática que efetivamente mereceria a
denominação de complementação da revolução indus-
trial, com base no programa estabelecido pela Comissão
Mista Brasil-Estados Unidos – da qual origina-se o seu
66
67
efetivo suporte, o BNDE – é posterior ao período
considerado.
O ápice da industrialização (década de setenta) e
problemática subseqüente (inflação, década perdida;
etc.) mereceria abordagens muito expressivas, em en -
saios autônomos. Devido a esse entendimento, pareceu -
nos que expressaria melhor a inteireza de sua con-
tribuição que transcrevêssemos – como século XIX -, os
estudos que o próprio autor subdividiu em primeira e
segunda metade daquele século, deixando assim, a
abordagem do período subseqüente para consideração
autônoma, inserida a seguir.
67
68
68
69
8. DIVISOR DE ÁGUAS
69
70
não dependia da exportação. O Quadro 8.1 mostra es tas
flutuações globais a longo prazo.
Mais grave, o esgotamento econômico da colônia
manifesta-se no reduzido crescimento global da
exportação e da renda interna – portanto, da capacidade
de gerar uma renda monetária. Em termos per capita, a
situação é pior, assistindo-se a uma quadra da renda de
£ 30 em 1600 para £ 2,7 em 1800 (v. Anexo II).
Os valores absolutos ficam ainda mais reduzidos
se passamos para a renda nacional, que podia repre -
sentar uns 40% da renda interna. Talvez a queda relativa
seja um pouco menor se admitirmos que o ouro ex-
portado não sofria os desvios para os intermediários
comerciais, como no caso das demais mercadorias.
Seja como for, na véspera da independência, o Brasil
encontrava-se no mais baixo nível de renda per capita da
sua história. Quanto ao setor de subsistência, não-mo-
netário, sempre de muito menor dinamismo e importância
econômica, não podia compensar, com seu crescimento
simplesmente vegetativo, as perdas sofridas no setor
monetário.
Quadro 8.1
Exportação e Setor Autônomo
Setor Exportação Setor
Exportação
Autônomo p.c. Autônomo
(£ 1000)
(£ 1000) (£) p.c. (£)
1600 2.400 600 24,0 6,0
1650 4.000 1.000 23,5 5,9
1700 2.400 1.600 6,9 4,5
1750 4.300 2.900 3,3 2,2
1800 3.500 5.300 1,1 1,6
70
71
71
72
ii) Os reflexos do mercantilismo já foram
apontados em várias ocasiões, no que precedeu:
organização de uma economia monocultural com vistas
à exportação e, portanto, vulnerável às flutuações
conjunturais; perda de substância, em fatores de
produção ociosos, em decorrência da mudança cíclica;
abandono e fraqueza da economia destinada ao con sumo
interno e sua substituição, em muitos casos, por
importações; disparidades regionais de renda; criação de
uma estrutura rural rígida, impedindo o bom
aproveitamento da terra com a mão-de-obra livre
disponível, império do espírito mercantilista, imedia tista
e pouco propenso ao trabalho pioneiro.
73
74
8.2 Chegada da Corte
8.3.1 Liberalismo
78
79
gelista de Souza, futuro Visconde de Mauá, na casa
Carruthers, é eloqüente.
Apesar da abertura dos portos e da política
liberal, não parece ter havido logo, como se diz às
vezes, invasão de mercadorias inglesas. A importação
cresceu em comparação com o ano 1808 quando, por
força do bloqueio continental e das guerras
napoleônicas, havia caído ao mínimo de £ 425 mil (só
de Portugal).
As estatísticas são muito incompletas, mas
encontramos, em 1812, a importação total de £ 3.125
mil, £ 4.444 mil em 1815, £ 4.123 em 1819 e £ 4.590
mil em 1822. Ora, já em 1799, o Brasil importava de
Portugal £ 4.445 mil. Quem tinha sido deslocado da sua
posição era Portugal (em 1819 participava com 50,2%).
Quanto às queixas de abarrotamento de mercadorias,
devia-se à falta de transportes e armazéns, e à
exigüidade do mercado, e não ao crescimento absoluto
das importações.
Em valor per capita a importação era de £ 2,28
em 1822 – mas, em 1799, já havia atingido £ 1,35. Nos
anos 20 seguintes, a importação vai subir para £ 13.298
mil, ou seja, £ 1,58 per capital. O movimento portuário
não leva a conclusões diferentes: em 1806, apenas 641
navios entraram no porto do Rio de Janeiro; em 1810, já
eram 1.214, mas nos anos seguintes, entre 1810 e 1820,
a diferença não é muito grande. Só que em vez de serem
10% estrangeiros, passaram para 27%.
A remessa de lucros dos comerciantes ingleses
podia pesar sobre o balanço de pagamentos, mas
79
80
proporcionalmente representava menos do que ia antes
para Portugal. A realidade é que o setor externo sofreu,
até perto de meados do século, estrangulamento, e não
expansão.
80
81
superávites. Em valores acumulados, o déficit – 79.024
contos de réis – representou 17% da receita.
83
84
Os bilhetes do Banco do Brasil foram
encampados pelo Tesouro que começou também, por
conta própria, as atividades emissoras. A confusão
monetária completava-se com moeda de cobre, papel-
moeda emitido para a retirada do cobre da circulação e
moeda de cobre falsa (xenxém). Com o aparecimento
dos bancos particulares, começaram a circular vales
emitidos por eles – papel de crédito a prazo muito curto
com juros, desempenhando função de moeda. Em 1853,
o meio circulante somava 70.300 contos de réis,
compondo-se de 46.700 contos em papel do Tesouro,
18.000 contos em moeda metálica e 5.600 em vales
bancários.
Assim, a expansão monetária entre 1808 e 1853
teria sido de 603%, enquanto a inflação é esti mada em
153%. A diferença representaria o crescimento do
produto (178%), à taxa anual de 2,3%. Outros meios de
avaliação indicam que a renda interna do Brasil teria se
elevado de £ 8,8 milhões em 1800 para £ 27 milhões em
1850, um crescimento global de 207%, ou seja, quase a
mesma taxa anual. (v. Anexo II)
(em % do total)
Café Algodão Açúcar Couros Fumo
1821/30 18,6 20,0 32,2 13,8 2,4
1831/40 43,8 11,0 24,0 7,9 1,9
1841/50 41,3 7,5 26,7 8,0 1,8
89
90
Paulo), carne-seca e sebo (Rio Grande do Sul),
aguardente – para o escambo africano (Bahia, Pernam-
buco, Pará), mate (Paraná). Acrescentam-se as drogas
do sertão, no Norte, entre as quais começa a firmar-se a
borracha e, a partir de 1840, a cera de carnaúba (Ceará,
Rio Grande do Norte).
A mineração está em franca decadência apesar de
certas descobertas na Bahia (Diamantes). Em 1824 é
permitida aos estrangeiros a exploração mineira, resul -
tando a entrada de empresas britânicas, fixadas nas
regiões mais produtivas. A Real Extração dos diamantes
é extinta em 1832.
O café, cuja produção havia descido do Pará e
Maranhão, firma-se no Rio de Janeiro e, depois de 1830,
melhora as suas máquinas de beneficiamento. A data
coincide com o aparecimento do ciclo do café. Na
década 1831/1840, o café com uma exportação anual
média de £ 2.153 mil, já representa cerca de 70% do
valor total. E graças ao café, a exportação total sobe de
£ 3.348 mil em 1830 para £ 5.384 mil em 1840 e £ 8.121
mil em 1850. Em termos per capita, a tendência
descendente inverte-se: de £ 0,63 em 1830 sobe para £
0,87 em 1840 e £ 1,2 em 1850.
Quando à importação, a pauta é típica de país
subdesenvolvido. Além dos escravos importados da
África, entram alimentos e bebidas – manteiga, sal,
bacalhau, vinho, azeite, farinha de trigo e vinagre (de
Portugal), cereais (Estados Unidos);tecidos, louças e
metais (Inglaterra), breu, potassa, couros e velas
(Estados Unidos), metais (Alemanha), papel (Holanda),
90
91
bebidas, móveis, medicamentos e artigos de luxo
(França) ceras, especiarias e óleos (África). Em
1839/1844, as manufaturas de algodão contribuíram com
33,8% do valor da importação; acrescentando os de lã,
linho e seda, chegamos a 48,2%. A farinha de trigo,
bebidas, carnes, manteiga, bacalhau e azeite perfaziam
outros 20%. As ferragens entravam com 3,2% e as
máquinas e acessórios não passavam de 0,2%.
A Inglaterra era o mais importante parceiro
comercial. Na exportação participava, em 1853/1858,
com 32.9%, seguida pelos Estados Unidos com 28,1%, a
França com 7,8%, a Alemanha com 6,0% e Portugal com
5,9%. Na importação, o domínio da Inglaterra era mais
nítido, com 54,8%, seguida pela França (12,7%),
Estados Unidos (7,0%), Portugal (6,3%), Alemanha
(5,9%). Havia concentração, também, em termos de
parceiros: cinco países respondiam por 80,7% das
exportações e 86,7 das importações.
92
93
O sistema de transportes continuou rudimentar,
embora a unidade política e administrativa e o
centralismo imperial tivessem contribuído para a
intensificação das trocas interregionais. No setor
marítimo, vale mencionar o emprego, a partir de 1819,
de barcos a motor. Outrossim, o esquema do mercado
não diferia muito do período colonial. (v. Gráfico 2)
Quadro 8.2
Evolução do comércio exterior
Exportação Exportação Café Importação
per per
Total Valor Café/exp. Total
capita capita
(£ 1000) (£ 1000) (%) (£ 1000)
(£) (£)
1746 3.200 1,01 --- --- 3.001 (1) 0,92 (1)
1800 3.500 1,05 --- --- --- ---
1810 3.940 1,04 --- --- --- ---
1818 4.000 0,92 --- --- 1.800 0,41 (2)
1822 4.030 0,87 789 0,20 4.590 (2) 0,99
1830 3.348 0,63 663 0,20 4.007 0,75
1840 5.384 0,87 2.300 (3) 0,43 7.458 1,20
1850 8.121 1,12 2.906 (4) 0,36 9.215 1,27
Indicações de leitura
Roberto C. Simonsen, 73; J. Pandiá Calógeras, 4; Sérgio Buarque
de Holanda, 217, tomo I-2.
NOTA
95
96
9. CICLO DO CAFÉ
103
104
i) Apesar das tentativas, embora tímidas, de
fomentar a imigração estrangeira (a qual, de fato, não
encontrava grandes atrativos numa economia primitiva,
em recessão, num ambiente climático e social diferente
das pátrias européias de origem), o interesse fixou-se no
escravo tanto por tradição, como por conveniência
econômica. Havia a reserva de trabalho resultante da
expansão demográfica do século XVIII (quando a
população livre havia crescido quase oito vezes). Em
torno de 1830, a população livre situava-se perto de 3
milhões – e não havia, até aquela data, nenhuma ati-
vidade econômica capaz de absorver as disponibilidades
de mão-de-obra: açúcar, algodão, fumo, mineração eram
decadentes, e só o café, a partir daquele momento,
começou a representar uma demanda crescente de
braços. Havia, para o proletariado rural – gerado por
aquela decadência – o recurso à ocupação de terras
disponíveis (fato possível, até certo ponto, mesmo após
a lei proibitiva de 1850) para viver no setor de
subsistência, em condições de pouca rentabilidade, dado
o baixo nível cultural e tecnológico dos caboclos, pouco
interessados em melhorar sua vida. Mas as perspectivas
de trabalho, enquanto existia o escravo, não eram muito
brilhantes. Para o proprietário, o escravo era, ainda,
mais barato face à possibilidade de usar intensamen te
sua força de trabalho.
ii) De fato, não se observou um interesse especial
pelo trabalhador rural livre durante o período em que
havia possibilidade de importar escravos. A iminência
da abolição do tráfico provocou a intensificação das
104
105
importações. Entre 1846 e 1849, a média anual foi de 55
mil escravos, bem mais alta do que o máximo que se
pode supor para o auge da mineração (talvez 25 -30.000,
no máximo).
A população escrava subiu de quase 1,5 milhões
em 1823 para 2,5 milhões em 1850 – resultado das
importações maciças antes da suspensão do tráfico. Em
1872, no primeiro recenseamento, era quase a mesma,
demonstrando a impossibilidade de um crescimento
vegetativo. Na véspera da abolição da escravatura
situava-se em torno de 700 mil. É interessante observar
a localização da população escrava, correspondente ao
interesse econômico maior e à procura de novas
soluções de trabalho, como se vê no Quadro 9.1.
Observa-se que São Paulo, apesar da pujança do café,
usava parcela relativamente menor de escravos.
Quadro 9.1
População escrava por região
(em percentagem do total)
Rio de Minas São Bahia/Pernam-
Janeiro Gerais Paulo buco/Maranhão
1823 13,1 18,7 1,8 42,3
1872 22,6 24,5 10,4 22,0
1885 24,6 22,6 12,9 27,2
105
106
vantagem técnica, e não podia ser explorado plenamente
como o do escravo. A presença do escravo mantinha os
salários baixos, afastando, ainda mais, a solução do
trabalho livre.
Um escravo podia cuidar de até 3.500 pés de café,
mas é mais razoável admitir a média de 1.000 pés. Isto
dava, em condições normais, 100 arrobas de café por
ano. A £ 2 por saca em média a renda anual bruta era de
£ 50 enquanto o escravo no auge do ciclo do açúcar,
com 60 arrobas, produzia £ 120, mas não se deve
esquecer que, com uma cotação máxima de £ 4, o café
podia chegar também a £ 100. E não exigia inves-
timentos fixos tão elevados como o açúcar.
A abolição do tráfico tornou o problema mais
grave, sobretudo por elevar brutalmente o preço do
escravo: da média de 400 mil-réis, ou menos, antes de
1850, chega a quase 1.000 réis em 1855 e cresce,
depois, lentamente até 1.100/1.200 no fim da
escravatura.
Mesmo assim, o escravo apresentava vantagens
enquanto sua oferta podia ser mantida, sem substituição
pela máquina. Por exemplo, em torno de 1865, com o
escravo valendo 1.050 mil-réis, a amortização, para uma
vida média de 15 anos, era de 80 mil-réis, à qual devia
acrescentar-se a despesa de manutenção de cerca de 20
mil-réis por ano. A sua produção de 100 arrobas em
média, valia 440 mil-réis, dos quais deve-se deduzir
gastos com transportes, beneficiamento, impostos e
comissões, orçados em 160 mil-réis. A despesa de 90
mil-réis com o escravo oferecia um retorno líquido (sem
106
107
computar o custo da terra e dos equipamentos) de 280
mil-réis, ou seja, 211%.
O interesse pelo escravo resultou na transferência
de escravos do Norte e Nordeste, onde a rentabilidade
era menor, para o Sul. Houve projetos para impedir
estas transferências, mas a solução comum foi a
tributação das saídas de escravos: em Pernambuco
(1850) e na Bahia (1862) 200 mil-réis por escravo que
saía. As transferências, então, caíram após 1870.
Entretanto, em 1887 50% dos escravos existentes no
país localizavam-se na região cafeeira – São Paulo, Rio
de Janeiro, Minas Gerais. Novos golpes foram recebidos
pelo escravagismo: a Lei do Ventre Livre (1871) que, na
realidade, embora libertando os nascituros, permitia a
persistência da escravidão porque o proprietário do filho
de escravos podia, em vez de receber a indenização de
600 mil-réis, utilizar os seus serviços entre 8 e 21 anos
de idade; a lei da liberdade dos sexagenários (18 85),
finalmente, a abolição da escravatura (1888). Face a
estas alterações, nova solução foi procurada com a
imigração estrangeira.
ii) Deixando de lado as esparsas tentativas de
colonização na primeira metade do século, o interesse
pela entrada de imigrantes cresceu à medida que a
solução escravagista se comprovava inviável. No
decênio anterior à abolição do tráfico entraram, apenas,
4.992 imigrantes. Nos dos decênios seguintes, foram
108 mil em cada um. Entre 1870 e 1879, as entradas
subiram para 193.931 e na década da abolição da
escravatura elevaram-se para 448.622. Houve, na base,
107
108
uma transformação cultural, ao mesmo tempo que as
condições econômicas permitiram a substituição do
escravo pelo trabalhador livre:
- face à escassez de escravos, houve necess idade
de introduzir equipamentos de forma que o trabalho se
tornou mais produtivo, permitindo salários mais
elevados;
- com o crescimento da economia e das
facilidades de infra-estrutura, os atrativos eram maiores
para os imigrantes estrangeiros;
- foram dados incentivos à entrada de colonos,
inclusive para obtenção de terras.
As experiências de colonização começaram com o
senador Nicolau Vergueiro que, em 1847, fundou a
colônia de Ibicaba. O sistema adotado foi o de parceria,
isto é, o colono recebia um lote de terra, adiantamentos
para viagem e equipamentos, para, depois, dividir os
lucros líquidos com o proprietário da terra e pagar suas
dívidas. Dentro deste sistema, foram feitos outras
experiências em São Paulo (em 1853/4 foram
autorizados empréstimos por 6 anos para subsídios a
viagens dos imigrantes) e Santa Catarina (Blumenau,
Joinville).
O sistema de parceria, entretanto, não se
comprovou satisfatório: apesar da lei de 1837 sobre o
trabalho dos colonos (renovada em 1879) havia abusos
por parte dos proprietários, era difícil fazer contas
certas sobre os lucros líquidos, o fornecimento de
equipamentos e mantimentos era espoliatório – e, por
outro lado, os próprios colonos encontravam
108
109
dificuldades em se adaptar às novas condições. Havia,
ainda, o fato de que os colonos produziam menos que os
escravos: uma família de 4/5 pessoas ativas cuidava de
1.500/2.000 pés, enquanto vimos que um escravo cobria
facilmente 1.000 pés ou mais. Chegou-se a protestos por
parte dos países de emigração, até a proibição da id a
para o Brasil (rescrito de Heydt, na Prússia, em 1859). É
verdade que tais restrições foram feitas mais tarde,
depois de abolido o sistema de parceria, e não apenas
pela Prússia, mas também pela França e Inglaterra.
Entretanto, havia uma realidade mais forte: a
expansão demográfica na Europa meridional, central e
oriental, sem grandes oportunidades de emprego; a
necessidade de mão-de-obra no Brasil, em condições já
relativamente melhoradas. As tentativas de imigrações
chinesas em 1855/1856 não vingaram.
Em geral, a vinda dos imigrantes foi subven-
cionada pelos governos provinciais, e várias or ga-
nizações foram constituídas para sustentar o movimento
(Associação Auxiliadora de Colonização – 1871). Os
imigrantes não se fixavam mais em regime de parceria,
mas como assalariados, seja com um salário mensal,
seja com pagamentos proporcionais ao número de pés
sob seus cuidados ou ao volume de café produzido. A
região de São Paulo soube adaptar-se melhor às novas
condições, ativando a entrada de imigrantes, criand o
infra-estrutura adequada, investindo em equipamentos; o
clima temperado era, também, mais atraente. O mesmo
não aconteceu com a região do Paraíba que se viu, neste
período, superada por São Paulo.
109
110
Enquanto a escravidão permaneceu presente, os
salários deviam sofrer sua influência. Evidentemente
este fato constituiu fator negativo para uma distribuição
melhor da renda e o fortalecimento da classe operária.
No início, o salário fixava-se perto do aluguel dos
escravos de ganho – a única diferença era que o
trabalhador livre não podia ser submetido ao regime
rigoroso do trabalho escravo, em quantidade e
qualidade: o assalariado trabalhava 10 horas diárias e o
escravo, 16-17.
Mais tarde, após 1870, com a redução da oferta
de escravos, a elevação do seu preço, a introdução de
máquinas que elevavam a produtividade do trabalho, os
salários começaram a subir. Na década 1870/1880
encontramos, na zona mais bem paga (São Paulo),
salários médios entre 14 e 20 mil-réis por mês e 600 e
700 réis por dia. Após 1880, o salário médio, na zona
privilegiada, sobe para 25/30 mil-réis mensais. A diária
era de 1/1,5 mil-réis mais comida, ou 2 mil-réis a seco.
Isto correspondia a algo mais do que o aluguel de
escravo, uma vez que a manutenção deste custava cerca
de 20 mil-réis por mês; acrescentando uma amortização
de 8 mil-réis (em 15 anos ao preço de 1.300 mil-réis),
mais um pequeno lucro, chegamos ao nível dos salários.
Em casos de pagamento por tarefa os resultados
podiam ser menores. Dá-se o exemplo de uma família
que podia produzir, anualmente, 200 arrobas de café
(correspondentes a 200 pés), recebendo 1.200 réis por
arroba. O rendimento não passava de 20 mil-réis por
mês.(3)
110
111
c) Tecnologia – Até 1850, a técnica de produção
ficou extremamente rudimentar; era a queima das matas,
o trabalho com enxada e foice (a charrua começou a ser
empregada mais persistentemente após 1870), o piso -
teamento dos grãos ou o uso de pilões à tração animal
ou à água. Em torno de 1830 já haviam sido aplicadas
melhorias no equipamento: ribas, carretão, depois
carretão de roda de baixo, monjolo, engenho de pilões.
A partir de 1850 são introduzidas as máquinas
para beneficiamento, aumentando substancialmente a
produtividade: descascadores podiam operar 800 arrobas
num dia de 10 horas, e despolpadoras até 1.200 arrobas.
111
112
capitais estrangeiros, fixados inicialmente no setor de
comercialização, ingressaram no de produção.
Com custos baixos para uma produtividade
relativamente elevada do trabalho escravo, e com preços
de venda em alta, embora com flutuações, os lucros
foram elevados, e o seu reinvestimento constituiu a
principal fonte de capital.
Após 1850, as exigências de capital aumentaram
para investimento em máquinas e equipamentos. Em
compensação, a imobilização em mão-de-obra escrava
diminuiu, mas havia necessidade de capital de giro para
o pagamento dos salários. Nesta segunda fase, o
reinvestimento dos lucros continuou sendo a fonte mais
importante de capital. Havia, também, capitais trazidos
pelos imigrantes. Ademais, os comissários e as
companhias de exportação, em grande parte estrangeira
(em 1880, de 131 maiores exportadores, 66 eram
estrangeiros – e superavam em muito os nacionais),
adiantavam importâncias para capital de giro, e com o
tempo o sistema bancário em formação começou a atuar
no mesmo sentido.
O papel fundamental do reinvestimento dos lucros
mostra não apenas a capacidade de capitalização, mas
também a propensão para poupança e investimento,
denotando uma verdadeira classe empresarial que lutou,
inclusive no terreno político, pela defesa de seus
interesses e soube, sobretudo na região de São Paulo,
criar condições de expansão e melhora de produtividade:
introdução de imigrantes, adoção de equipamentos,
criação de infra-estrutura. A única restrição que se pode
112
113
fazer é que a miragem dos lucros cafeeiros atraiu demais
os investimentos, superdimensionando o setor em detri -
mento de outras atividades econômicas. A luta em torno
deste problema pertence ao período seguinte.
113
114
então, fazendeiros passaram para a cidade, deixando a
fazendo sob a direção de administradores ou feitores.
A estrutura agrária continha uma classe
intermediária, os colonos – parceiros, arrendatários ou
proprietários – que se dedicavam, também, ao cultivo do
café, ficando ligados ao latifundiário com vistas ao
beneficiamento e à comercialização do produto. Nesta
faixa, a agricultura de subsistência era relativamente
mais expressiva.
Distribuição agrária desigual com efeitos
negativos para a formação econômica do país, porém
com uma faixa de propriedades médias bem mais forte e
mais ampla do que na economia açucareira. Podemos ter
uma idéia, embora um pouco alterada pela diferença de
época, ao analisar a estrutura agrária do setor cafeeiro
de São Paulo, em 1927.(4) Para um número de 39.897
estabelecimentos agrícolas possuindo 1.130,1 milhões
de pés, podemos construir o perfil do quadro 9.2.
Quadro 9.2
Estrutura agrária cafeeira
% do Tamanho
% do total dos
Tipo de estabelecimento total dos médio
estabelecimentos
cafeeiros (pés)
- com menos de 5.000 pés 34,4 3,0 2.502
- de 5.0000 a 20.000 pés 39,3 15,4 11.079
- de 20.000 a 100.000 pés 20,2 33,4 46.863
- de 100.000 a 500.000 pés 5,8 39,3 192.997
- mais de 500.000 pés 0,3 8,9 842.500
114
115
9.4.2 Rentabilidade
Quadro 9.3
Café – preços nominais e reais
(índices – base: 850 = 100)
Preço nominal Deflator Preço real
1863 195,1 183,4 106,4
1868 106,9 211,7 50,5
1873 274,5 223,7 122,7
1877 149,0 229,3 65,0
1879 273,5 235,2 116,3
1885 112,7 239,3 47,1
1887 260,8 229,4 113,7
(£ 1000) índice
1821/30 29.603 100,0
1831/40 27.675 93,5
1841/50 30.954 104,6
1851/60 52.278 176,6
1861/70 81.467 275,2
1871/80 86.637 292,7
1881/90 84.708 286,1
122
123
123
124
indiano. Em 1878, a arroba valia, no máximo, 1.800
réis, ou seja pouco mais de £ 0,17.
A exportação cresce, ainda, até £ 21,6 milhões
durante a primeira década da segunda metade d o século.
Depois, o valor fica praticamente estacionário, com uma
queda mais sensível entre 1861 e 1870 por causa do
retraimento da demanda norte-americana.
Face às novas condições competitivas, o açúcar
brasileiro não soube renovar-se tecnologicamente. No
princípio do século XIX houve melhoria nas variedades
cultivadas de cana, mas a lavoura ficou a mesma, à base
de enxada e foice, sem pelo menos o uso do arado, e
sofrendo as conseqüências das pragas. No tratamento da
cana, o século XIX trouxe a introdução da moenda de
cilindros de ferro, o uso de centrifugadores e o emprego
da máquina a vapor. Foram concedidos, inclusive,
incentivos tributários para o uso de máquinas, porém
sem grandes resultados: em 1857, Pernambuco tinha
1.106 engenhos dos quais apenas 18 movidos a vapor. E
proliferavam os pequenos engenhos (ainda em 1878, na
mesma província, abundavam engenhos que produziam
entre 2 e 6 mil arrobas por ano). Falta de capitais, falta
de mão-de-obra (sobretudo por causa da abolição do
tráfico e a atração exercida pelo café), atraso
tecnológico. Ao preço de 1.800 réis por arroba (1878),
um escravo produzia por ano 180 mil-réis (100 arrobas),
enquanto no setor cafeeiro, produzia 800 mil -réis, sem
precisar de tantos investimentos em equipamentos. A
zona açucareira não conseguiu recuperar o atraso
sofrido a partir da queda do ciclo do açúcar. Há quem
124
125
sustente que o atraso foi provocado, especialmente, no
século XIX pela aplicação de uma taxa cambial ditada
pelo café e inadequada por tornar o açúcar brasileiro
competitivo no mercado mundial. (5)
Uma tentativa de melhora empresarial foi feita a
partir de 1875 pela constituição dos engenhos centrais
(garantia de juros de 6,5-7% a.a., e outros favores para
atrair, inclusive, capitais estrangeiros). Eles deviam
beneficiar, com maquinaria moderna, a cana fornecida
pelos cultivadores, mas foi exatamente este o ponto de
estrangulamento do sistema, decorrente do atraso do
setor agrícola. Capitais ingleses foram investidos,
atraídos pela garantia de juros de 6,5% a.a. Nova f ase
começou, em 1890, com a constituição das usinas,
grandes unidades de produção de cana e fabrico de
açúcar.
9.5.3 Importações
128
129
Quadro 9.4
Estrutura das importações
(% do valor total)
1839/40-1843/44 1870/71-1874/75
Manufatura de algodão, lã,
seda e linho 49,5 43,0
Artigos de vestuário
(calçados, chapéus, etc.) 2,1 3,4
Gêneros alimentícios e
bebidas (farinha de trigo,
sal, carnes, manteiga,
bacalhau, azeite, etc.) 21,0 19,6
Carvão de pedra 1,0 3,5
Ferro, aço, ferragens, cobre 4,8 8,8
Bens duráveis de consumo
(louças, ouro, prata) 1,8 5,4
Couros preparados 1,6 2,7
Papel e aplicações 0,8 1,6
Produtos químicos e
farmacêuticos 1,0 1,5
Máquinas e acessórios 0,2 2,9
129
130
indústria (ferro, aço, cobre, carvão, ferragens, máquinas
e acessórios) aumentaram, entre os dois períodos se -
lecionados, de £ 447 mil para £ 2.269 mil, ou seja,
408%. No mesmo intervalo, as importações tot ais
cresceram cerca de 100%, apenas.
Após a estagnação do início do século encon-
tramos um crescimento paralelo às exportações: de £ 4,0
milhões em 1830 para £ 7,5 milhões em 1840, £ 9,2
milhões em 1850, £ 13,3 milhões em 1860, £ 14,9
milhões em 1870, £ 16,5 milhões em 1880 e £ 24,0
milhões em 1890 – em tudo um aumento de 6 vezes em
10 anos (7,9 vezes para as exportações). Em termos per
capita a importação cresceu, entre as duas datas -limites,
de £ 0,75 para £ 1,69 (para a exportação, de £ 0,63 para
£ 1,86).
133
134
Quadro 9.5
Balança comercial
(£ milhões – dados decenais acumulados)
Exportação Importação Saldo
1831/1840 49,2 54,3 – 5,1
1841/1850 52,7 60,1 – 7,4
1851/1860 102,0 113,5 – 11,5
1861/1870 149,5 132,0 + 17,5
1871/1880 199,4 164,9 + 34,5
1881/1890 219,7 195,4 + 24,3
144
145
outros setores, a saber, a agricultura e, mais
especificamente, a agricultura de exportação, o café. O
período decisivo, de transição, coincidirá com o advento
da República, mas será ligado à crise do café e à
ocorrência de vários fatores determinantes para o
fortalecimento da indústria.
153
154
9.8.3 Inflação
Quando 9.6
Indicadores monetários
157
158
1853, é sugerida como principal causa inflacionária. O
período seguinte até 1861/62, apesar de ligeiramente
déficitário na execução orçamentária, e do comportamento
da taxa cambial quase igual ao período anterior, acusa
uma inflação reduzida, devido a maior contenção mone-
tária. A década seguinte é dominada pela Guerra do Pa-
raguai. Os fortes déficits orçamentários exigem emissões
maciças e a inflação acentua-se. A taxa de câmbio, causa
ou efeito da conjuntura, deteriora-se de modo mais
marcante. O qüinqüênio seguinte, de déficits mais amenos,
de melhora da posição cambial e de redução do meio
circulante registra, como não podia deixar de ser, ligeira
queda dos preços.
A nova crise de 1875 alertou para a necessidade
de recompor a liquidez do sistema: o meio circulante
subiu, mas a taxa de câmbio, deteriorada, atuou no
mesmo sentido inflacionário. Os últimos anos do Impé -
rio foram de contenção monetária – o que se refletiu
tanto na taxa cambial como na evolução dos preços.
Entretanto, a liquidez do sistema deve ter sofrido: em
1886/87, o meio circulante era apenas 5,5% acima do
nível de 1870/71, enquanto os preços haviam subido
2,4%. Isto representava uma expansão real de 3,0%,
quando, no período, o produto real deve ter crescido
algo em torno de 20% ou mais. Esta situação ia provocar
reações por parte dos primeiros dirigentes da República.
159
160
163
164
NOTAS
Indicações de leitura:
Antônio Delfim Netto, 140; Sérgio Buarque de Holanda, 217,
tomo II-3; Hélio Schlitter Silva, 170; Emília Viotti da Costa, 113;
Mircea Nuescu, 176.
164
165
REVENDO A POLÍTICA
ECONÔMICA DO IMPÉRIO
***
***
***
177
178
***
***
183
184
Tabela III – Execução orçamentária
(contos de réis)
Receita Despesa Saldo
1840 15.948 24.969 – 9.021
1845 24.805 25.635 – 830
1850 28.200 28.950 – 750
1855 36.985 38.740 – 1.755
1860 43.807 52.606 – 8.799
1865 56.996 83.346 – 26.350
1870 94.847 141.594 – 46.747
1875 106.490 125.855 – 19.365
1880 120.762 150.134 – 29.372
1885 124.156 158.496 – 34.340
Fonte: Ónody
(£ 1000)
Dívida externa /
Dívida externa Exportação
Exportação
1840 5.580 5.384 1,04
1850 6.183 8.121 0,76
1860 7.655 13.241 0,58
1870 12.721 15.439 0,82
1880 16.554 21.249 0,78
1890 30.153 26.382 1,14
Fonte: Normano
184
185
Tabela V – Imposto de importação
(incidência média %)
Tarifa Total Classe I Classe II Classe III
1844 26,4 26,4 25,0 35,5
1857 24,5 18,2 10,0 30,8
1860 25,8 17,6 8,3 34,2
1869 33,4 16,8 6,7 34,9
1874 34,5 16,7 11,7 27,9
1879 47,5 15,0 10,0 28,4
1881 37,8 14,4 8,0 28,7
1887 41,8 21,4 12,6 45,4
Nota
- Classe I – matéria-prima e bens intermediários
- Classe II – bens de capital
- Classe III – bens de consumo
(Pesquisa do autor)
BIBLIOGRAFIA
185
186
FURTADO, CELSO. Formação Econômica do Brasil. Rio de
Janeiro, Fundo de Cultura, 1961.
186
187
WERNECK SODRÉ, NELSON. Formação Histórica do Bra-
sil. São Paulo, Brasiliense, 1964.
187
188
NOTAS SOBRE A ECONOMIA
DO SEGUNDO REINADO
***
***
***
***
***
***
198
199
Os progressos realizados durante o Segundo
Reinado, embora relativamente modestos, não deixam
de assinalar uma ascensão para patamares superiores de
desenvolvimento. Desprezá-la seria negar a realidade da
evolução histórica, admitir um hiato dentro do processo
normal de crescimento e transformação.
É verdade que sob certos aspectos as mudanças
estruturais foram quase nulas, assim, por exemplo,
quanto ao perfil agrário, onde os latifúndios ociosos e os
minifúndios ineficientes permaneceram, senão aumen-
taram; ou quanto aos desequilíbrios regionais de renda,
de que já falamos aqui; ou quanto às grandes
disparidades entre um grupo limitado de pessoas de
renda elevada e a grande massa vivendo em estado de
pobreza. A persistência de tais mazelas poderia ser
imputada, entretanto, à própria República, durante
longos anos e às vezes até o atual momento. De modo
que parece excessivo o julgamento reservado ao
Segundo Reinado que, afinal de contas, se estendeu num
intervalo iniciado apenas 48 anos após a liberação dos
vínculos coloniais, que marcaram durante 322 anos a
história do Brasil.
BIBLIOGRAFIA
199
200
BUESCU, MIRCEA – TAPAJÓS, VICENTE. – História do
Desenvolvimento Econômico do Brasil. 1967.
200
201
VILLELA, ANÍBAL VILLANOVA; SUZIGAN, WILSON.
Política do Governo e Crescimento Econômico do Brasil
1889/1945. 1973.
201
202
SÉCULO XX
202
203
APRESENTAÇÃO
Antonio Paim
204
205
TEXTOS DE MIRCEA BUESCU
207
208
representou um elemento atrasador que devia ser
penosamente removido.
A lição de ordem geral é que, sendo o desen-
volvimento econômico um processo cumulativo de longa
duração, qualquer fator perturbador de um certo porte
marcará sua presença na evolução futura.
Início da indústria
208
209
É verdade, também, que a taxa alfandegária de
15% sobre as importações de mercadorias inglesas
(estendida, de 1822 a 1828, a todos os parceiros comer -
ciais do Brasil) não podia representar verdadeira
proteção à indústria nacional existente ou por criar, mas
seria irrealista culpar o regime alfandegário – e somente
ele – pelo atraso da industrialização brasileira.
O regime alfandegário de 1810 teve efeito
altamente negativo sobre as finanças públicas, cuj a
principal fonte de receita era o imposto sobre
importação. Com uma base tributável reduzida, pois o
valor da importação só começou a crescer após 1840, e
com uma incidência limitada a 15%, a receita era muito
modesta. Isso explica, em grande parte, as di ficuldades
enfrentadas pelo Tesouro Nacional. Dos 27 exercícios
financeiros entre a Independência e meados do século
apenas 7 foram superávitários.
De qualquer forma, não se deve esquecer que o
pensamento liberal – a teoria do livre-cambismo – devia
ser questionado apenas a partir do segundo quartel do
século XIX. Por outro lado, a vocação exportadora do
Brasil, materializada, com sucesso crescente, no café,
devia refletir-se em maior simpatia por um mercado
internacional livre de barreiras, que não obstruí sse as
exportações. Não e de admirar, nessas condições, que
Governo e empresários convergissem num sentido pouco
favorável à indústria nacional e ao protecionismo.
Não obstante, houve, no período, já na primeira
metade do século XIX, uma lenta – muito lenta –
expansão das indústrias de bens de consumo básico:
209
210
alimentação e têxteis, mas também serralharias, es -
tamparias, fundições, etc. De fato, uma faixa inter-
mediária entre artesanato e pequena indústria.(9) Isso
nos leva, desde já, a admitir que o Brasil não conheceu
uma verdadeira “revolução industrial”, isto é, uma
passagem brusca e intensiva para a indústria, mas, sim,
uma evolução lenta, como aliás, se admite, também,
para outros países, como, por exemplo, a França.(10)
A atividade pioneira do futuro Visconde de Mauá,
em torno dos anos 1850-1870, era, talvez, prematura
dentro de um ambiente ainda despreparado para um
verdadeiro surto industrial – daí possivelmente o seu
fracasso final.(11) Mas o período não deixou de ser um
marco na evolução, com marchas e contra-marchas, da
indústria nacional.
É importante atentar para o trabalho preparatório
desenvolvido pelo café. O processo de causação circular
por ele proporcionado tinha caráter introvertido, isto é,
beneficiava o próprio setor, mas, com o tempo, es ses
benefícios começaram a preparar o terreno propício para
mudanças: elevação da renda nacional, aparecimento de
um espírito empresarial, ampliação do mercado, criação
de infra-estrutura comercial, de transportes(12) e de
crédito e – talvez mais do que tudo – a introdução de
imigrantes como mão-de-obra assalariada e futuros
empresários (v. capítulos IV e VI, supra). Na medida
em que o ciclo do café começou a perder sua força, os
capitalistas passaram a procurar na indústria novas
oportunidades de investimento, em condições mais
adequadas, já existentes.(13)
210
211
Paralelamente, processou-se uma mudança de
mentalidades, em primeiro lugar no sentido prote-
cionista. Apesar de interpretações errôneas, já em 1844
a tarifa Alves Branco foi razoavelmente (e, também,
explicitamente) protecionista e, a despeito de ondas de
liberalismo, o protecionismo acentuou-se ao longo da
evolução da política alfandegária do século XIX,(14) ao
lado de outros incentivos industriais.(15) No fim do
século, o pensamento industrialista firmou-se, muitas
vezes acompanhado do espírito nacionalista.(16) Como
manifestações do empresariado industrial, cite-se a
criação da Associação Industrial em 1881 e do Centro
Industrial do Brasil, em 1902.
Não ficaria completo este panorama complexo
dos condicionamentos do crescimento da indústria se
não acrescentássemos o papel dos capitais estrangeiros e
do Governo (em grande parte, ainda na base de
empréstimos externos) nos investimentos de infra-
estrutura, sobretudo de transportes ferroviários. Con-
tudo, era impossível esperar uma atuação mais eficiente
do setor público quando ele se debatia no meio de
enormes dificuldades financeiras (v. capítulos V. supra,
e IX, infra).
O crescimento da indústria foi, ainda, modesto,
conforme nos ensinam os poucos dados estatísticos
disponíveis,(17) mas os progressos foram inegáveis em
termos de mudança da orientação da economia.
Os surtos industriais
211
212
É bastante enraizada a idéia de que o primeiro
surto industrial se verificou na primeira década da
República – no período de inflação acelerada rotulado
como “Encilhamento”.(18) Implicitamente, seria um
argumento de que a inflação ajuda o desenvolvimento
econômico.(19)
Não há dúvida de que a lei de 1888
(implementada em 1890) que estabeleceu normas mais
liberais no direito de emissão de moeda pelos bancos
veio não apenas oferecer maiores recursos aos
cultivadores gravemente atingidos pela abolição da
escravidão, mas também conferir maior liquidez ao
sistema, ressentido pela política contencionista dos
últimos decênios do Império. Isso podia ajudar a
expansão das atividades econômicas, inclusive in -
dustriais, dentro das novas mentalidades, exaltadas pelo
novo status político do País.
Sabe-se, entretanto, que a euforia e a liberdade
descontrolada resultaram principalmente num surto
especulativo: as operações na Bolsa de Valores
cresceram mais do que as indústrias. Se houve um certo
crescimento industrial, não se dispõe de nenhuma
evidência empírica de que foi devido à inflação, quando
ele pode ser melhor explicado pelos condici onamentos
já mencionados.
Ademais, de acordo com as limitadas informações
referentes aos investimentos industriais (capacidade
energética instalada, consumo aparente de aço e
cimento, importações de bens de capital), o período
seguinte à política saneadora de Joaquim Murtinho, de
212
213
1903 até a véspera da Primeira Guerra Mundial (o
chamado Reerguimento Econômico), um período de
estabilidade monetária e financeira, com uma inflação
mínima, sobretudo na sua parte inicial, apresentou
resultados muito mais favoráveis.(20)
Como se explicaria o sucesso? Não apenas pelo
ambiente político, social e psicológico – paz,
estabilidade, prestígio político, confiança nacional,
euforia – nem apenas pelo ambiente ideológico –
industrialismo, nacionalismo – mas também pela
conjugação dos esforços do Governo e dos empresários
(incluindo os capitalistas estrangeiros). O saneamento
da moeda e das finanças fortaleceu a posição
internacional do País atraindo investimentos e
empréstimos, estes, parcialmente para o Governo que,
não precisando mais cobrir déficits orçamentários, os
utilizou em investimentos de infra-estrutura.(21) As
imigrações forneceram mão-de-obra mais especializada,
alguns capitais, tecnologia, espírito empresarial. O bom
comportamento do setor externo (com a ajuda da
borracha e do café, sustentado pela primeira operação de
valorização) manteve um alto grau de capacidade de
importar.
Esse relacionamento do progresso econômico (ou,
particularmente, industrial) com o setor externo leva à
discussão da teoria tradicional dos “choques externos”,
segundo a qual os surtos industriais do Brasil foram
provocados de fora, por choques (a Primeira Guerra
Mundial, a Grande Depressão, a Segunda Guerra
Mundial) que afastaram a concorrência estrangeira, por
213
214
um lado, e privaram o País dos fornecimentos
estrangeiros, do outro (ou, num outro enfoque, tornaram
os preços de importação relativamente mais caros). Isso
teria induzido os empresários a eliminar o
estrangulamento através da expansão da indústria
nacional.(22)
Por trás dessa demonstração sente-se implici-
tamente a idéia de que as classes ligadas ao setor
exportador não teriam permitido a industrialização, a
não ser sob o impacto do “choque externo”. Diga-se de
passagem que é uma injustiça, uma vez que o
pensamento industrialista, protecionista e nacionalista
apareceu e cresceu antes da época dos choques externos.
A tese tradicional dos choques externos foi, aliás,
fortemente questionada pelas teorias “revisionistas”.(23)
Se entendermos por progresso industrial o
aumento da capacidade de produção, através do
investimento, é difícil admitir que isso ocorreu num
período de colapso do comércio internacional quando o
País não tinha condições de importar fatores indis -
pensáveis – equipamentos e tecnologia – que, por de-
finição, ele não era capaz de produzir. Podia haver,
apenas, oportunidades melhores de venda, pelas
indústrias já existentes, inclusive para mercados
externos (América Latina, África do Sul), na medida em
que o “choque” eliminava a concorrência dos países
industrializados, mas não os fechava, por razões
geográficas, à indústria brasileira – o que aconteceu
durante a Primeira Guerra Mundial e, ainda mais, a
Segunda.
214
215
Na medida em que a indústria nacional teve novas
oportunidades de venda nos mercados da América
Latina e da África do Sul, e atendeu a essa demanda
através da utilização intensiva da capacidade instalada,
ela efetivou um verdadeiro “desinvestimento”, isto é,
uma depreciação mais acelerada dos equipamentos.(24)
Os lucros assim conseguidos podiam (mas não
obrigatoriamente) servir para novos investimentos, mas
só depois do choque, uma vez normalizada a situação do
mercado internacional – o que ocorreu sobretudo após a
última guerra. O choque pôde constituir uma adver -
tência, provocou uma mudança de mentalidade cujos
efeitos se materializariam após a normalização do
mercado internacional. Portanto, os choques podem ter
contribuído para despertar a consciência desenvol -
vimentista, para convencer da necessidade de um
esforço maior no sentido de tornar o País menos
dependente do exterior – o que caracterizou, em todo o
Mundo, o período “autarcista” entre a Grande Depressão
e a última guerra. Mas a realização se efetivou nos
períodos de relativa normalidade.
As estatísticas são de claridade meridiana (v.
quadro no fim do capítulo). Os indicadores de inves-
timentos industriais apresentam níveis mais elevados
durante os períodos entre os choques, e não durante os
choques. A própria produção industrial registra taxas de
crescimento mais altas nas épocas de normalidade
(durante a Depressão a taxa chegou a ser negativa) e as
taxas de crescimento do produto real apresentam as
mesmas flutuações (v. quadro no fim do capítulo II,
215
216
supra). Vale observar, entretanto, que, de modo
sistemático, o produto industrial acusou taxas de
expansão maiores do que o produto total – o que
caracteriza o dinamismo do setor e, conseqüentemente, a
transformação estrutural da economia. O crescimento
concentrou-se, nas indústrias de bens de consumo não
duráveis, com poucas exceções (cimento, siderurgia),
substituindo-se as importações que, antes, atendiam à
demanda interna. Após a Segunda Guerra Mundial, o
processo estendeu-se aos bens de consumo duráveis.
A sucessão de surtos industriais seria, então, a
seguinte:
a) 1903-1913 – de que já falamos;
b) 1920-1929 – bom comportamento do setor ex-
terno, garantindo uma razoável capacidade de importar;
entrada de capitais estrangeiros (investimentos incen -
tivados no setor do cimento e da siderurgia); reduzida
atividade investidora do Governo que, não obstante a
política monetária e cambial um tanto confusa, não
chegou a prejudicar o crescimento da indústria e da
economia em geral;
c) 1933-1939 – a retração do comércio inter-
nacional não impediu as importações de equipamentos
industriais, graças a medidas seletivas; o Gover no não
gastou muito em investimentos,(25) mas praticou uma
política mais agressiva de fomento à indústria, através
da expansão do crédito especializado(26) e da insti -
tucionalização dos instrumentos de amparo.(27) Não se
deve minimizar a importância das mentalidades reinan-
tes, não apenas no Brasil, mas no mundo inteiro: nacio -
216
217
nalismo e autarcismo – o que devia constituir-se num
suporte psicológico dos esforços pela indus-
trialização.(28)
d) 1946-1961 – processo de industrialização in-
tensiva através da substituição de importações (processo
algo fácil por dirigir-se a um mercado já definido);
ampliação do planejamento econômico,(29) con cre-
tizado progressivamente no pós-guerra: Plano SALTE
(1948), Plano Nacional de Reaparelhamento Econômico
(1951), trabalhos da Comissão Mista Brasil-Estados
Unidos (1951/1953), Banco Nacional de Desen -
volvimento Econômico (1953), Plano de Metas (1957);
várias medidas de política comercial e cambial a favor
da indústria (taxa múltipla de câmbio; proteção
aduaneira; lei do similar nacional – aliás, existente
desde 1911; incentivos diretos, por exemplo, GEIA –
Grupo Executivo da Indústria Automobilística);
crescente interferência direta do Governo através de
empresas estatais ou de economia mista (ação iniciada
desde o tempo da guerra: Cia. Siderúrgica Nacional,
Cia. Vale do Rio Doce, Cia. Nacional de Álcalis,
Petrobrás, etc.; sobre a estatização, v. capítulo IX,
infra); apelo para os capitais estrangeiros (introdução do
câmbio livre pela Lei 1.807/1953; Instrução 113/1955,
da SUMOC, permitindo a entrada de conjuntos
industriais sem cobertura cambial).(30)
O processo de industrialização realizado neste
último período não foi isento de defeitos (ênfase para a
produção de bens de consumo duráveis, concentração
regional, tecnologia capital-intensiva pouco geradora de
217
218
emprego), mas é incontestável que permitiu grandes
progressos, manifestados em mudanças estruturais: em
1960, 25,8% do PIB provinham do setor secundário,
12,7% da população ativa concentrava-se no setor,
30,9% da produção industrial eram gerados pelas
indústrias modernas de ponta.
Mais questionáveis são, contudo, os
desequilíbrios criados fora do setor industrial: o pouco
interesse dispensado à agricultura, o descuido com o
comportamento das exportações, o esquecimento do
desenvolvimento social (educação, habitação) e, por
cima de tudo, os germes de uma inflação acelerada.
NOTAS
218
219
ali aplicado: em se tratando de colônias de zona temperada, não
havia condições de organizar a sua economia com v istas à
exportação para a Metrópole. A alternativa foi permitir atividades
para consumo local ou para exportação em zonas de estruturas
econômicas diferentes (por exemplo, Caribe) e tributar essas
atividades. O pacto colonial funcionava mais do lado das
importações das Colônias, e ainda parcialmente. Isso permitiu,
desde os primórdios, a constituição de uma economia algo autô -
noma e introvertida – o que correspondia, também, às intenções
dos colonos, diferentes da mentalidade mercantilista dos colo -
nizadores do Brasil.
219
220
(13) Os primeiros capitais da ind ústria paulista procederam dos
cafeicultores, aos quais se acrescentaram os dos importadores e
dos imigrantes (v. Dean, 51).
(19) Sobre este ponto teórico pode -se consultar: Magalhães, 104,
e Simonsen, 150.
221
222
seria devido à defesa do comércio exter ior e não ao seu abandono,
como dizem os estruturalistas.
.....................................................................................
228
229
- Poupança 2,2 4,0
- Formação bruta de capital 4,7 5,7
- Impostos diretos e indiretos 15,8 22,2
NOTAS
229
230
LIÇÕES DA HISTÓRIA
230
231
o estudo da história tem alguma utilidade para o
presente e, mais audaciosamente, para o futuro.
Muitos poderiam questionar a utilidade do co-
nhecimento de épocas remotas, ultrapassadas, enquanto
estamos enfrentando angustiantes problemas atuais. Por
outro lado, muitos historiadores estão preocupados
principalmente com os aspectos pragmáticos de suas
indignações e obstinados em tirar alguma lição do
passado. Essa preocupação não é desprezível e ninguém
se atreveria em exigir sua expulsão dentre os objetivos
do historiador. Mas acho que o caso é mais complexo e
precisa de alguns reparos.
Antes de mais nada, o estudo do passado, tal
como outros objetivos das disciplinas sociais, pode ser
desprovido de qualquer conotação pragmática. Ele p ode
justificar-se simplesmente pelo desejo de conhecer o
passado, pela curiosidade científica que se encontra nos
alicerces de toda ciência e constitui um dos grandes
mistérios e méritos da mente humana. Poder-se-ia alegar
que eventualmente o motor inicial de toda indagação
teria sido uma necessidade prática – a exigência de
resolver problemas ligados à própria sobrevivência.
Entretanto, em seguida, através de um mecanismo
mental peculiar, a procura utilitária teria se sublimado,
passando a justificar-se per se, como uma vitória do
intelecto, sem nenhuma preocupação pragmática. O
espírito chegou a encontrar satisfação no simples
desvendar dos segredos da Natureza, da Vida e da
História, uma vitória sobre o mundo em que ele se
encontra, visto numa perspectiva seja espacial, seja
231
232
temporal.
Não obstante, por mais desinteressado que seja o
conhecimento do passado, ele pode trazer valiosos
ensinamentos. Em primeiro lugar, o estudo mostrará a
complexidade do fenômeno social, o que servirá como
advertência contra eventuais tendências de simplificação
e contra uma visão às vezes elegante, porém irrealista
dos fatos históricos, uma visão centrada em torno de um
modelo pré-concebido de acordo com as preferências ou
limitações do historiador.
Em segundo lugar, o conhecimento desinteres-
sado não deixa de revelar a inter-dependência dos atos
históricos – sociais, econômicos, políticos, culturais –
reciprocamente condicionados. Em outras palavras,
descobre-se a unidade dos valores que constituem a
cultura de uma sociedade numa certa época. Acho que
essa lição não é desprezível: ela fornece uma orientação
valiosa para compreender outros momentos passados ou
atuais. Assim, o conhecimento neutro não deixará de
revelar um significado pragmático. Entretanto, se os
aspectos globais do conhecimento – complexidade e
interdependência – se aplicam de forma generalizada
aos fatos históricos, a pergunta que tanto o scholar
quanto o leigo enfrentam é se o conteúdo dos fatos
passados, fora do seu momento histórico, pode ainda ser
útil, ou seja, se o passado serve para compreender o
presente e enfrentar o futuro.
Se a resposta a esta indagação é positiva, isto
explicaria o apelo que, a certa altura, os economistas se
vêem dispostos a fazer a favor do conhecimento da
232
233
história. Como observou W. Arthur Lewis, “todo
economista atravessa uma fase em que não o satisfaz a
base dedutiva da Teoria Econômica e acredita que
possuirá visão muito melhor do processo econômico
pelo estudo dos fatos históricos”. (A Teoria do Desen-
volvimento Econômico).
Referindo-se quase explicitamente às mencio-
nadas características de complexidade e interde-
pendência, Joseph Schumpeter se manifestou de modo
mais incisivo: “Ninguém poderá entender o complexo
econômico de qualquer época se não possuir uma visão
adequada dos fatos históricos, e senso histórico bastante
ou algo que seja classificado como experiência his -
tórica... A maioria dos erros fundamentais corren-
temente cometidos em análise econômica é devida à
deficiência da experiência histórica”. (A História da
Análise Econômica).
Qual é, entretanto, o alcance dessa experiência?
A sabedoria popular afirma com a mesma segurança que
“toda história se repete” e que “a história nunca se
repete”. É a alternativa entre o nil novi sub sole do
Eclesiastes – nada é novo neste mundo – e o planta rhe
de Heráclito – tudo flui, nenhum momento do passado
voltará. Numa visão criteriosa, os historiadores aceitam
o valor da experiência passada para a compreensão do
presente, admitindo implicitamente que há uma certa
lógica evolucionista que liga o momento atual ao curso
anterior da história. Escreveu Frédéric Mauro: “Para
compreender nossa economia do presente torna-se
preciso compreender a do passado”. (Nova História e
233
234
Novo Mundo). Isso leva, de certa forma, à asserção
dramática de que “quem não aprende as lições da
história está condenado a repeti-la.” Mas, até que ponto
a experiência histórica pode ser aproveitada? Em que
medida a lição do passado pode ser aplicada às
condições do presente: Será que o mundo não evolui
continuamente de modo que o momento atual difi-
cilmente ou mesmo impossivelmente se assemelhará ao
momento passado? A opção exigirá racionalidade e
comedimento.
Ortega y Gasset apontou uma solução mediana,
destacando a tênue margem de aproveitamento da
experiência passada. Escreveu ele: “O saber histórico...
não dá soluções positivas ao novo aspecto dos conflitos
vitais: a vida é sempre diferente do que foi; mas ele
evita cometer os erros ingênuos de outros tempos”. ( A
Rebelião das Massas). Assim Ortega y Gasset achava
mais importante a história dos erros do que dos acertos,
mas isso parece confirmar indiretamente o valor da
experiência histórica e a possibilidade de seu apro -
veitamento. Qual o caminho a seguir?
Uma base racional pode ser encontrada numa
formulação lapidar de John Hicks: “Cada fato histórico
tem algum aspecto sob o qual é único; mas em outros
aspectos ele é sempre parte de um grupo, às vezes de u
grupo bem numeroso”. (Uma Teoria de História
Econômica). De fato, Hicks refere-se à possibilidade de
repetição num universo estático, mas o binômio
unidade/repetição é também uma realidade numa
perspectiva dinâmica. Vale um certo desenvolvimento
234
235
em torno da observação de Hicks.
A essência do espírito humano, o comportamento
típico do homem, constituiria um argumento a favor de
uma certa repetição. Contudo, em que pese o
comportamento ligado à própria psicologia, como, na
econimia, o de um abstrato homo oeconomicus, há
sempre variedade individuais e coletivas ligadas aos
diversos fatores culturais, que não permitem iden tificar
uma verdadeira repetição ne varietur dos atos humanos
ao longo da história. Pois os sistemas econômicos, as
instituições, as atitudes e reações variam no tempo e no
espaço em função daqueles fatores – é um universo em
perpétuo movimento em que apenas através de uma
cuidadosa operação de redução e identificação se pode
encontrar semelhanças e repetições.
Assim, o passado é, até certo ponto, um fato
único, em cujo seio entretanto é possível encontrar
algumas permanências, uma certa continuidade que
justificam tomá-lo como padrão, tirando conclusões para
o presente. É uma questão de discernimento e come -
dimento, usar com cautela o cotejo temporal, a fim de
ver o que realmente é lícito extrair da experiência
passada. Frédéric Mauro formulou uma vez essa lição de
sabedoria: “A confrontação do passado e do presente
deve conduzir-nos à descoberta dos paralelismos, das
analogias, mas também das diferenças igualmente
instrutivas”. (ibidem)
O passado, mesmo quando diferente do presente,
oferece uma lição valiosa: o que é permanente é o ser
humano, com seus condicionamentos mutantes – ins-
235
236
titucionais ou conjunturais. Qualquer experiência
anterior contém uma lição seja no seu aspecto constante,
seja per a contrário. É importante apenas distinguir o
que é permanente ou pelo menos repetível, e o que é
passageiro, contingente, portanto sem aplicação válida
no presente ou no futuro. Aí aparece o perigo de uma
aplicação cega da idéias de que o passado se repete ou
de uma interpretação literal do tradicional aforisma nil
novi sub sole.
Quais, então as condições da experiência his -
tórica para efeito de aproveitá-la no presente? Uma
exigência básica seria o conhecimento exaustivo, na
medida do possível, da realidade histórica, a fim de
separar os fatos de caráter permanente (por exemplo os
ligados à própria natureza humana) e os fatos de caráter
passageiro, ligados às realidades institucionais e con -
junturas específicas, não repetitivas. A compreensão da
lição dependerá da capacidade racional e do preparo
intelectual do observador: perante o mesmo exemplo
histórico, o sábio tirará uma certa conclusão e o inepto,
uma totalmente contrária. E, sem dúvida, as conclusões
são tiradas em função da escala de valores do
observador.
Todas estas ponderações parecem bastante banais,
beirando o óbvio, mas a presença de muitas confusões
nas conversas diárias, nos meios de comunicação e até
em certos trabalhos acadêmicos parece justificar a
inquirição a que acabamos de nos dedicar.
***
236
237
245
246
fica submissa à demagogia.
246
247
A EXPERIÊNCIA DEFLACIONÁRIA
DE JOAQUIM MURTINHO
***
247
248
que, aliás, se enquadrava no pensamento econômico
oficial, predominante no fim do século: liberalismo,
padrão-ouro, teoria do comércio internacional.
Já no fim do Império houvera um sério abalo
provocado pela abolição do regime servil. O início da
República teve, entretanto, graves problemas de outra
natureza, ligados em grande parte à inflação e à
especulação bursátil conhecidas sob o rótulo de
“Encilhamento”.
Assistiu-se a uma excessiva expansão do crédito,
incentivada pela especulação bursátil, a uma forte
expansão monetária e a uma acentuada (para aqueles
tempos) elevação dos preços. Depois da relativa
calmaria do Império, os novos desequilíbrios de uma
intensidade inédita podiam preocupar a sociedade e os
dirigentes econômicos – mas a reação só veio dez anos
depois.
Entre 1889 e 1894 o papel-moeda emitido cresceu
261% e os meios de pagamento 190%. O impacto sobre
os preços foi menor, porém sensível numa economia que
não tinha conhecido inflação galopante (exceto o surto
passageiro e regionalmente limitado, no início do ciclo
do ouro): os preços subiram cerca de 114%.
Depois de uma breve trégua em 1894/95, os
preços retornaram à sua escalada, oriunda desta vez de
outro desequilíbrio, o das finanças públicas, em
decorrência de causas estruturais e conjunturais
(distúrbios políticos, administração deficiente, q ueda da
receita do imposto de importação, etc.). Acompanhando
parcialmente a desaceleração monetária, os preços
248
249
teriam acusado entre 1894 e 1898 uma alta em torno de
29%.
A grande preocupação veio de outra deterioração
do quadro econômico a qual afetava os pilares de um
sistema fortemente baseado no setor externo, sobretudo
na exportação de café. Ao longo da primeira década
republicana a taxa de câmbio despencou verticalmente,
uma desvalorização de 73% em 9 anos – o que era uma
afronta para a ortodoxia da política cambial e monetária
da época. Entretanto, a desvalorização cambial, maior
do que a elevação dos preços internos, devia favorecer a
exportação e, conseqüentemente, a balança comercial.
De fato, a exportação cresceu ligeiramente de 1889 até
1894, mas se reduziu no fim do período. A balança
comercial permaneceu superavitária, mas o saldo
positivo se reduziu.
Para os que acompanhavam mais de perto a
marcha dos negócios e da economia a grande
preocupação referia-se ao espetáculo assustador do setor
cafeeiro. A cotação do café em Nova York caiu
brutalmente devido ao desequilíbrio do mercado, com
uma superprodução cujo resultado era o aumento
acentuado dos estoques mundiais. Atraída pela demanda
elevada do período anterior, a produção brasileira de
café quase dobrou entre 1889 e 1898. Já antes falou-se
em “prenúncio de grave crise cafeeira” (Taunay) e
apareceram as primeiras sugestões de uma política de
defesa do café, que devia vingar apenas em 1906, com a
convenção de Taubaté.
249
250
De qualquer forma, já antes da gestão de
Murtinho, várias vozes autorizadas se levantaram
apontando para o estado precário da economia brasileira
e clamando por reformas drásticas para o saneamento da
situação financeira, monetária e cambial do País. Por
exemplo, no Relatório da Fazenda de 1898: “A notável
decadência a que chegou o câmbio no Brasil, excedendo
já em muito os limites naturais do câmbio real, só pode
ser atribuída em sua máxima parte ou quase totalidade à
depreciação do papel-moeda”... “as emissões bancárias
determinaram a desvalorização do meio circulante na
proporção expressa pelas taxas cambiais expostas, prova
de sua superabundância e medida de sua depreciação”.
E, já pensando em reformas: “É evidente que será
legítimo qualquer expediente que liberte o país desta
opressão (do câmbio baixo)”.
Um contemporâneo descreveu em termos
incisivos a péssima situação da economia em 1898 que
justificaria políticas saneadoras: “criação e agravação
contínua de impostos... abuso de crédito... aumento da
dívida... uma situação insustentável” (Guanabara).
Algumas motivações políticas não faltavam, a
meu ver. O novo regime instaurado em 15 de novembro
de 1889 apresentava sinais de fragilidade e de ins -
tabilidade, sobretudo sob a ameaça de uma restauração
monárquica, bem como por instigar outras áreas de
conflito e descontentamento. A primeira década da Re -
pública foi interrompida por crises sucessivas que
tumultuaram o ambiente e sem dúvida não repre -
250
251
sentaram um bom ingrediente para a arrumação da
economia.
A desarrumação podia constituir, sem dúvida, um
argumento contra o regime republicano. Era, pois,
normal que os defensores do regime pensassem no
saneamento da economia a fim de não mais oferecer aos
adversários um campo propício às críticas. Tratava -se de
fortalecer o regime sob todos os aspectos, inclusive o
econômico, e esse intuito parece implícito, senão mesmo
explícito, nas medidas que eram preconizadas por
líderes como Prudente de Moraes, Bernardino de
Campos ou Campos Salles. O próprio Joaquim
Murtinho, no seu relatório como Ministro da Indústria,
Viação e Obras Públicas, em 1897, observava que
“consolidar a República não é simplesmente defendê -la
contra os atos de agressão violenta de seus inimigos”,
mas sim fazer uma política econômica sadia, baseada
nas idéias do liberalismo.
***
252
253
A ênfase era dada ao saneamento monetário e
financeiro, o que não se pode estranhar num ambiente
dominado pela ortodoxia monetária e pelo sistema do
padrão-ouro.
Tal ortodoxia pode ser criticada pelos
economistas menos conformistas, embora ela mantenha
sua validade até para nossas experiências recentes. Para
seu tempo, Murtinho invoca, em apoio à sua política
econômica opiniões de alguns dos seus antecessores
ilustres, Souza Franco, Torres Homem, Dias de
Carvalho, Itaboraí, Zacarias de Vasconcelos, Ouro
Preto, Martinho Campos – testemunhas históricas
valiosas.
Autoridades estrangeiras – obviamente do mesmo
grupo da ortodoxia – convergiram no mesmo sentido,
mesmo depois da gestão de Murtinho. Paul Leroy-
Beaulieu, grande autoridade na época, citado por
Alcindo Guanabara, declarava: “O Brasil não tem senão
perseverar na trilha pela qual enveredou... a elevação do
câmbio se deve não tanto à melhora orçament ária, alta
do preço do café, aumento do stock do ouro, quanto à
retirada do papel-moeda”. E, em outra ocasião: “A
experiência do Brasil, de 1899 a 1905 é o testemunho
mais decisivo a favor das doutrinas econômicas sadias
sobre o câmbio nos países com padrão monetário
avariado... O exemplo do Brasil é especialmente típico e
honra grandemente o presidente Campos Salles, que
teve a iniciativa dessa política financeira saneadora”.
(apud Andrada).
253
254
A chave consistia em elevar o poder de compra da
moeda nacional através do enxugamento de sua
quantidade. E a valorização da moeda devia se
manifestar pela elevação da taxa de câmbio.
É curioso que muitas vezes Murtinho é censurado
por não ter dado bastante atenção ao problema do
balanço dos pagamentos (ele deduziu a taxa de câmbio
de uma relação mais simples, sem atentar para a
complexidade dos fatores incluídos no balanço de
pagamentos). Mas a importância reservada ao câmbio
implicava em ressaltar indiretamente o papel do setor
externo na economia.
O enfoque cambial podia ter também outra
justificativa, tal como foi formulado pelo próprio
Campos Salles na sua mensagem de 1899: “Sob o
domínio funesto do curso forçado e portanto na falta de
indicador direto que não existe senão quando o papel é
conversível, o critério para conhecer a deficiência ou
excesso do meio circulante é o estado do câmbio”.
Ademais, as duas crises diagnosticadas por
Murtinho estavam interdependentes, e o elo entre eles
era formado pela taxa de câmbio. O saneamento da
moeda, provocando a alta do câmbio, ofereceria menor
retribuição à exportação – principalmente de café – e
dest’arte eliminaria os produtores marginais do setor.
Inversamente, a valorização do câmbio reduziria a
proteção da indústria nacional frente à concorrência dos
produtos importados tornados mais baratos, e
consequentemente poderia provocar um deslocamento de
254
255
fatores de produção de uma indústria algo ineficiente
para o setor agrícola.
Sem dúvida, na formulação do diagnóstico e na
indicação das metas da política econômica revela-se o
apego de Murtinho ao liberalismo ainda dominante, à
sistemática do padrão-ouro e ao modelo tradicional de
uma economia exportadora de produtos primários,
integrada no grande comércio mundial baseado na
divisão internacional do trabalho.
***
259
260
d) O respaldo teórico da ortodoxia monetária de
Murtinho – ou mais precisamente da medicação adotada
para equilibrar a economia brasileira – foi a teoria
quantitativa da moeda. Mas uma teoria apresentada
numa forma sui generis que foi inspirada pelo seu
conselheiro J. P. Wileman. É curioso que se admite que
Wileman influenciou profundamente Murtinho, sendo
elogiado pela sua “análise objetiva” e pelo fato de ter
percebido “o papel do preço do café como fator
determinante da taxa cambial” (Furtado), porém, por
outro lado, Murtinho é criticado por não ter “entendido
bem a função determinante do balanço de pagamentos
sobre a taxa cambial” (Villela Luz), o que é algo
contraditório.
A utilização da fórmula quantitativa da moeda
por Joaquim Murtinho foi asperamente criticada desde
Vieira Souto. Uma crítica mais recente referiu-se à
“convicção de Murtinho na teoria quantitativa da
moeda, erigida em panacéia geral para cura de todos os
males econômico-financeiros de todas as nações”
(Ferreira Lima). Pode-se admitir que Murtinho não foi
um grande teórico e mesmo que talvez ele tenha ficado
algo desatualizado, mas se se quiser identificar os
alicerces de suas argumentações, encontrar-se-ão os
princípios da teoria econômica clássica, a começar pela
lei da demanda e da oferta, com que ele explicou a dupla
crise da economia brasileira.
Não se deve esquecer que o grande livro de Irving
Fisher, paradigma da teoria quantitativa, foi publicado
em 1892. Sem dúvida, na época de Murtinho a teoria
260
261
quantitativa não havia assumido as sofisticações
subseqüentes que Murtinho não podia imaginar. O que é
peculiar nas demonstrações feitas Por Murtinho é que
ele encara o valor da moeda sob o ângulo cambial, o que
se pode explicar pelo apego dos adeptos do padrão -ouro
à ligação das moedas com o ouro via taxa cambial, ou
pela importância atribuída a esta taxa numa economia
profundamente arraigada ao setor externo.
Foi sumamente criticada e rejeitada a aplicação
por Murtinho da teoria quantitativa no caso brasileiro,
interligando o volume das exportações (tão importante
para uma economia dependente do setor externo), o
volume do meio circulante e a taxa de câmbio. A
equação de Murtinho mostra que o valor da moeda, isto
é, a taxa de câmbio, é o quociente entre o volume do
meio circulante (Murtinho omite o fator velocidade de
circulação da moeda) e o volume das transações, isto é,
o valor das divisas produzidas pela exportação. Sem
dúvida, a simplificação é facilmente criticável visto que
a taxa de câmbio depende do conjunto de fatores que
entram no balanço de pagamentos. A equação en tretanto
era “operacional” constituindo-se num programa para o
saneamento da moeda.
Mesmo do ponto de vista teórico, ela podia
salvar-se quando, dado um certo volume de exportações,
ligava a taxa de câmbio ao volume da circulação
monetária, pois, se, dentro da teoria quantitativa, a
circulação determinava o nível de preços, chegava -se de
forma indireta a uma ligação taxa de câmbio/preços – o
que aproxima a posição de Murtinho, ainda que de
261
262
forma algo confusa, da teoria das paridades de poder de
compra.
Na realidade as oscilações do câmbio nem sempre
correspondem à expansão ou à contração monetária:
justiça seja feita, Vieira Souto percebeu muito bem o
fato, ainda que o seu radicalismo o tenha levado também
a exageros. Entretanto, independentemente da taxa de
câmbio, o valor da moeda, ou seja o seu poder de
compra era constantemente ligado ao volume da
circulação monetária: a maioria dos teóricos no fim do
século XIX pensaram dessa forma.
O purismo de Murtinho chegou a um exagerado
desnecessário quando ele sustentou o imperativo de
voltar para a taxa legal de 1846, de 27 d/mil -réis. Era a
aplicação rigorosa do padrão-ouro pelo reconhecimento
da taxa “real” de 27 d. – um verdadeiro feitichismo,
visto que o equilíbrio monetária e cambial podia
realizar-se em outros níveis.
De qualquer modo, o importante era que a
fórmula de Murtinho implicava um programa interno de
saneamento monetário e financeiro.
262
263
Sem dúvida, não se pode dizer que foi um
industrialista enragé. O seu apego ao liberalismo
clássico e ao seu sub-produto – a divisão internacional
do trabalho – levou-o a insistir na vocação do Brasil
como exportador de produtos primários, vocação essa
que, afinal de contas, tinha sido responsável pelo
progresso registrado ao longo do século XIX. O
comércio exterior constituía uma forte alavanca da
economia, mas seria errado pensar que Murtinho tinha
uma visão limitada. Já no seu Relatório de 1899 ele
escreveu: “Uma balança comercial desfavorável nem
sempre é sinal de decadência econômica em país em que
ela se manifesta”. Na realidade ele tinha uma visão
assaz correta da complexa realidade econômica e desde
o primeiro momento em que imaginou um programa
econômico para o Brasil, no Relatório do Ministério da
Indústria em 1897, ele colocou como objetivo “facilitar
comércio, indústria e agricultura”.
Não obstante, a condenação mais contundente foi
reservada ao antiindustrialismo de Murtinho, “seu
repúdio exacerbado e ostensivo à industrialização”
(Ferreira Lima). Mesmo críticos mais ponderados
chegam a afirmações deste tipo: “O liberalismo de
Murtinho e seus princípios darwinianos levaram -no a
combater a incipiente industrialização que se processava
no Brasil na época”. (Villela Luz). Em apoio a essa
crítica, foi censurada a posição racista de Murtinho ao
argumentar de modo muito infeliz que havia obstáculos
raciais contra a implantação de indústrias no Brasil
quando na realidade o progresso era estorvado por
263
264
fatores históricos. De fato, as teses racistas já tinham
começado a brotar na segunda metade do século XIX
(Gobineau, H.S. Chamberlain).
Embora politicamente avançado, Murtinho não
foi precisamente um pioneiro. No campo da economia
estava ligado aos princípios clássicos do liberalismo
econômico e da divisão internacional do trabalho que
reservava ao Brasil um ligar privilegiado entre os países
exportadores de produtos primários.
É interessante observar, mais uma vez, as
oscilações dos comentários entre a tradicional acusação
de antiindustrialista e uma interpretação mais objetiva
dos fatos. Um autor retifica: “Murtinho não era
propriamente desfavorável ao desenvolvimento indus -
trial do Brasil... O que na realidade Murtinho mais
condenava no processo industrial brasileiro era o alto
custo de produção”. (Villela Luz).
Tratava-se portanto de uma posição “econômica”:
a utilização racional dos fatores de produção disponíveis
em atividades de custo mais baixo. Este imperativo
incide em todas as atividades econômicas e não constitui
um pretexto para paralisar o surto industrial: “Temos
necessidade de aumentar a produção do País,
desenvolver suas indústrias e todas as outras fontes de
riqueza, promovendo assim o seu progresso”. (Relatório
1901). Era preciso, pois, maximizar o uso dos fatores de
produção disponíveis, sobretudo o do capital cuja
escassez era patente.
A exigência do custo baixo – preceito econômico
básico – aplicava-se logo a todas as atividades e não
264
265
representava especial e exclusivamente uma restrição à
produção industrial. Murtinho não foi muito feliz
quando forjou a expressão “indústria artificial”,
aconselhando a sua eliminação. Na realidade era melhor
dizer “indústria ineficiente”. O fato é que a expressão
“indústria artificial” se impôs como um sinal da aversão
de Murtinho à expansão das atividades industriais. A
tradução da expressão odiada foi dada pelo próprio
Murtinho já em 1897: as industrias naturais são as “que
têm condições de vida própria”. E em outro lugar
Murtinho esclarece: “O que caracteriza uma indústria
natural não é o fato de ter sua matéria-prima importada
ou não, mas o ter capacidade de produzir o máximo
resultado possível em relação ao capital empregado com
o mais baixo preço em um regime de livre concorrência”
(Relatório 1899).
Pode-se revelar, atrás dessa posição, uma
submissão talvez exagerada ao princípio da divisão
internacional do trabalho que, em nome da eficiência,
relegava o Brasil, inexoravelmente, no grupo dos países
produtores e exportadores de produtos agrícolas. Em
nome desse princípio, Murtinho insurge-se contra a
proteção industrial através da desvalorização cambial e
das tarifas alfandegárias.
De fato, dentro do conceito básico de eficiência
admitia uma dose de pragmatismo - racional e
equilibrado. "Não é possível, nem conveniente,
sobretudo numa época de grandes abalos, provocar uma
transformação brusca no nosso vicioso sistema
industrial, suspendendo instantaneamente proteções
265
266
oficiais, à sombra das quais se organizaram e vivem
muitas industrias artificiais entre nós". (Relatório 1899).
Murtinho não estava propenso a pensar muito
numa verdadeira política de protecionismo industrial,
mas é míster observar que o traço característico não era
propriamente o antiindustrialismo e, sim, o dogma da
eficiência econômica que ele quis impor, com o mesmo
rigor, à agricultura, ao café, dentro de um modelo de
liberdade, sem "despotismo econômico". (Relatório
1897).
***
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***
BIBLIOGRAFIA
285
286
FERREIRA LIMA, Heitor. 3 Industrialistas Brasi-
leiros. São Paulo, Alfa-Omega, 1976.
286
287
MELO FRANCO, Afonso Arinos de. Rodrigues Alves.
São Paulo, José Olympio, 1973.
288
289
ARRANCO OU TRANSIÇÃO
(1930/1960)
289
290
Uns 20 anos atrás, quando me dedicava com
entusiasmo aos métodos quantitativos em história
econômico, empreendi um exercício quantitativo para a
identificação cronológica do arranco brasileiro (2). O
exercício, com todas as limitações do método e dos
escassos dados estatísticos, devendo, portanto apelar
para extrapolações e estimativas, sustentava-se, não
obstante, na coerência das conclusões, em cotejo com
informações qualitativas.
A demonstração partia do esquema do arranco, tal
como apresentado no livro clássico do W. W. Rostow
(3). Como se sabe, ele afirmou que o arranco se
caracteriza por três condições inter-relacionadas (uma
simplificação): taxa de investimento produtivo superior
a 10% da renda nacional; crescimento elevado de um ou
mais setores manufatureiros básicos; existência ou
rápida eclosão de um arcabouço político, social e
institucional favorável ao desenvolvimento. Tal
esquema constitui um bom roteiro para análise, de modo
que voltará a aparecer mais adiante na exposição,
embora ele deva ser aceito de maneira circunstanciada:
antes de mais nada pode-se dizer que os condi-
cionamentos são reciprocamente condicionados – por
exemplo, a elevada taxa de formação de capital
condiciona o crescimento do PIB, mas ela por sua vez
pode ser elevada graças ao alto nível do PIB.
Na falta de informações diretas sobre a evolução
secular da taxa de formação de capital, o exercício
quantitativo consistiu em observar a partir de que data
aquela taxa podia ser superior a 10% do PIB, descontada
290
291
a taxa de depreciação, que não podia ser muito elevada
numa economia predominantemente agrícola. Estim ei
primeiro as taxas de crescimento do PIB, de forma
indireta, de vez que as contas nacionais oficiais come -
çaram praticamente apenas na década de 50 (4). As
estimativas assim calculadas foram razoavelmente
confirmadas pelos levantamentos oficiais ulterior es (5).
A fim de passar das taxas de crescimento do
produto para as da formação de capital foi necessário
extrapolar o valor da relação capital/produto. Ora, nas
contas nacionais, após 1947, essa relação apareceu como
aproximadamente de valor 2. E, por razões estruturais,
era quase impossível ter sido maior nos anos
antecedentes. Portanto, com a relação capital/produto de
no máximo, 2 e com taxas de crescimento do produto
inferiores a 5% até a década 1940/50 (6), foi só nesta
década que a taxa liquida de formação de capital podia
ter ultrapassado o limiar rostowiano de 10% (7).
Isso me permitiu considerar, algo super ficial-
mente, que o arranco brasileiro ocorrera no decênio
1940/50 (8) ou, rejeitando o período desfavorável da
guerra, em 1945/50. Dessa forma – para voltarmos à
data comemorativa – podia considerar a criação da
Volta Redonda como uma indicação ou pelo menos um
símbolo do arranco.
***
***
NOTAS
308
309
(4) O cálculo foi feito paralelamente a partir das séries conhecidas
dos valores da exportação e dos meios de pagamento, aplicando -se
respectivamente o coeficiente de exportação e o quociente da
velocidade-renda da moeda, ambos extrapolados; sobre este
cálculo, v. BUESCU, Mircea. História Econômica do Brasil –
Pesquisas e Análises. Rio de Janeiro, 1970.
311
312
***
***
319
320
A inevitável precariedade dos cálculos esta-
tísticos pode ser compensada pela informação
qualitativa: durante os choques, numerosos são os
testemunhos da penúria e das restrições de consumo,
falta de produtos, principalmente combustíveis, cujo
abastecimento se baseava, em grande parte, na
importação. Melancolicamente, alguns dentre nós podem
lembrar-se de tais circunstâncias que não contribuem de
maneira alguma para conferir um papel positivo aos
choques externos.
No que concerne à capacidade de expansão da
economia graças ao volume dos investimentos, as
informações disponíveis não testemunham a favor dos
choques externos. Na falta de cálculos diretos (que
foram feitos nas Contas Nacionais apenas a partir de
1947) é válido observar (Villela-Suzigan) a evolução de
alguns indicadores indiretos da formação de capital fixo.
São eles: o crescimento da potência instalada, o
quantum de importação de bens de capital e o consumo
aparente de aço e cimento. A variação dos índices
anuais evoluiu da forma seguinte durante os choques em
relação ao período imediatamente anterior:
variação %
pot. imp. bens cons. cons.
inst. capitais aço cimento
1914-1918/1903-1913 -41,9 -74,1 -54,2 -58,8
1930-1932/1927-1929 -73,2 -63,3 -55,5 -36,4
1940-1945/1934-1939 -53,8 - 7,5 - 1,3 42,4
320
321
Os períodos expansionistas se situaram entre os
choques e seria uma inferência gratuita dizer que os
avanços representaram apenas uma reação provocada
pelos choques – isso podia ser parcialmente verdade ou
apenas coincidência. As informações desfavoráveis a
respeito da situação econômica durante os choques
devem ser confrontadas com a documentação inso -
fismável dos progressos conseguidos inter-choques:
durante o chamado Reerguimento Econômico (1903/
1913), período de equilíbrio interno e abertura exte rna;
durante os anos 20, grande expansão do comércio
exterior, mas também implantação das indústrias
siderúrgica e do cimento; entre a Grande Depressão e o
início da Segunda Guerra Mundial, quando novos
progressos foram feitos principalmente na indústria,
graças a um elenco de fatores favoráveis de com -
portamento e de política econômica e finalmente no
ambiente de equilíbrio político interno e externo que
caracterizou nos anos 50, o início do período
desenvolvimentista do Brasil.
Evidentemente este apanhado sintético é muito
simplificado: os fatos se apresentaram de maneira mais
complexa e circunstanciada. É preciso portanto tentar
definir melhor o impacto dos choques externos em função
de alguns parâmetros que seriam, a meu ver, os seguintes:
***
BIBLIOGRAFIA
333
334
NORMANO, J. F. Evolução Econômica no Brasil. São
Paulo, CEN, 1975.
334
335
OS OBJETIVOS NACIONAIS
NOS PLANOS ECONÔMICOS
(1964/1985)
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NOTAS
354
355
356
357
BIBLIOGRAFIA
357
358
LANGONI, Carlos Geraldo. As Causas do Crescimento
Econômico do Brasil, Rio de Janeiro, APEC, 1974.
358
359
PROGRESSO E DECLÍNIO
DO PLANEJAMENTO ECONÔMICO
NO BRASIL
***
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BIBLIOGRAFIA
373
374
LAFER, Betty Mindlin. Planejamento no Brasil. São Paulo,
Perspectiva, 1973.
374
375
OS ANOS 80:
A DÉCADA PERDIDA
***
***
***
392
393
NOTAS
(4) Ainda nos seis países selecionados, a taxa média da alta dos
preços ao consumidor subiu até 12,5% a.a. em 1980 e se reduziu
para 7,1% em 1982.
393
394
cresceu 3% nos produtos minerais, 18% nos produtos agrícolas e
52% nos produtos manufaturados. Quanto à origem das expor-
tações, as dos países industrializados aumentaram de 62,5% do
total em 1980 para 70,3% em 1988, enquanto as dos países em
desenvolvimento diminuíram de 29,6% para 21,6% do total.
(13) Esse déficit foi de 1,5 a 4,7% do PIB em 1980/84, subiu para
a média de 10% em 1985/87 e chegou a 15% ou mais nos anos
seguintes.
394
395
(17) A produção nacional de petróleo b ruto subiu de 10.785 mil
m 3 em 1980 para 37.777 mil m 3 em 1990.
395
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DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO:
CONDICIONAMENTOS
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434
Vale finalmente lembrar que durante muito tempo
prevaleceu uma teoria que conferia ao setor externo um
papel positivo, propiciador da industrialização e do
desenvolvimento, porém, pode-se dizer, às avessas: a
deterioração do mercado internacional favoreceria o
crescimento da indústria nacional como se fosse graças
a uma proteção compulsória. Esta “teoria dos choques
externos” iniciada por um comentário de Hannibal Porto
(1992) e reforçada pela autoridade de Roberto
Simonsen, rezava que os grandes momentos de
interrupção do intercâmbio mundial – a Primeira Guerra
Mundial, a Grande Depressão e a Segunda Guerra
Mundial – agiram favoravelmente, induzindo os empre-
sários a proceder a investimentos industriais substi -
tutivos das importações afetadas pela conjuntura externa
adversa.
Ocorreu aí também uma reação que questionou
fortemente essa visão e considerou a ruptura no sistema
internacional como especialmente prejudicial, pelo
menos a curto prazo. Contrariando posições acadêmicas
bastante enraizadas, aquele questionamento pela cor -
rente revisionista referiu-se tanto à Primeira Guerra
Mundial (Warren Dean, como à Grande Depressão
(Carlos Manuel Peláez) e à Segunda Guerra Mundial
(Mircea Buescu). Ulteriormente o revisionismo tornou -
se mais maleável, reconhecendo que os choques ex -
ternos podem ser tido reflexos positivos a prazo mais
longo. Isto é, o impacto do choque externo provocara
novas atitudes empresariais que iriam frutificar após a
normalização do cenário internacional.
434
435
É interessante que a tese dos choques externos
ressuscitou depois do segundo choque do petróleo, no II
PND, talvez por necessidades estratégicas. (O II PND
fala em desequilíbrios devidos à alteração das relações
econômicas internacionais, porém “no momento
seguinte” a reorientação adequada da política econômica
“transformou o desafio internacional em fator de
dinamização do crescimento”). Interpretou-se aí a crise
do petróleo, portanto, como um estímulo, um desafio
que exigiu uma resposta positiva da economia nacional,
como por exemplo no grande programa do Pró-Álcool e
nos esforços de substituição de importações de bens de
capital.
Entretanto a capacidade de resposta era bem
diferente da prevalecente nos choques anteriores. Nos
anos 70 o Brasil já dispunha de capacidade industrial e
tecnológica que permitia a resposta positiva. Ademais,
salvo por pouco tempo, o sistema internacional
continuou funcionando com eficiência, logo a ruptura
não era tão rigorosa. Pode-se dizer, de modo geral, que
as mazelas sofridas nos anos 80 afastaram todas as
simpatias pelos “choques externos”.
***
BIBLIOGRAFIA
436
437
SIMONSEN, Mário Henrique. Brasil 2001. 1969.
437
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CAPITAIS ESTRANGEIROS
(Um debate no Conselho Técnico)
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Quadro 1
Balanço de Pagamentos 1950/1959
Dados selecionados
444
445
negativas, algo demagógicas, não eram inevitáveis ou
implícitas na política de abertura. De fato, não se
efetivaram (12) a não ser muito mais tarde, nos anos
1970/80, em condições peculiares muito diferentes.
Prado Júnior acrescenta que os capitais entrados
“não criam automaticamente como antes os recursos
necessários para a liquidação internacional das
obrigações assumidas” – “como antes”, isto é, quando
os capitais se destinavam, à expansão das exportações,
fase que foi devidamente superada.
***
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NOTAS
450
451
de pressão com uma plataforma nacionalista, que condenava o
imperialismo em geral e o capital estrangeiro em particular,
principalmente em matéria de petróleo e remessa de lucros”.
(Maria Victoria de Mesquita B enevides. O Governo Kubitschek.
1976).
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Palestra proferida em 17 de maio de 1993.
BIBLIOGRAFIA
472
473
MEIRA PENNA, J. O. A dependência revisitada. in: Carta
Mensal, CNC nº 36/432, maio, 1991.
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474
INFLAÇÃO:
MENTALIDADES E ESTRUTURAS
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LIVROS REFERIDOS
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490
O FASCÍNIO DO
DISCURSO MARXISTA
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BIBLIOGRAFIA SELECIONADA
504
505
HAYEK, F. A. The Road to Serfdom. 1944.
505