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JOHN BLUNDELL E COLIN ROBINSON

REGULAÇÃO SEM O ESTADO

Tradução
Vera Nogueira

IL
INSTITUTO
LIBERAL

Rio de Janeiro I 2000


Título do original em inglês:
REGULAT/ON WITHOUT THE STATE

© 1999 by lnstitute of Economic Affairs

First published by the lnstitute of Economic Affairs, London, July, 1999


SUMÁRIO
Direitos de publicação cedidos ao:
INSTITUTO LIBERAL
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bttp ://www. instituto! ibe ra I. org. b r
PREFÁCIO 7
Printed in Brazi//lmpresso no Brasil OS AUTORES 11
ISBN 85-85054-54-9 AGRADECIMENTOS 13
(Edição original ISBN 0-255 36426-1
1- GOVERNO VERSUS REGULAÇÃO VOLUNTÁRIA 15
Revisão de Originais
RENATO BARRACA
2- ALGUNS PROBLEMAS DE PRINCÍPIOS 16
3- A QUESTÃO DOS CUSTOS 18
{::dito ração eletrônica
SANDRA GUASTI DE A. CASTRO 4- QUEM PAGA OS CUSTOS DE REGULAÇÃO? 20
Capa 5- EXCESSO DE REGULAÇÀO 21
ÇLAUDIO DUQUE
6- GRUPOS DE INTERESSE E REGULAÇÃO 24
ficha catalográfica elaborada pela 7- PROBLEMAS INERENTES AOS MERCADOS REGULADOS 26
{3iblioteca Ludwig von Mises do Instituto Liberal - RJ
Responsável: MARCIA ANDRÉA COSTA DO ROSARIO
-Agências reguladoras tendem a se expandir 26
-Algumas empresas pleiteiam regulação e a
Blundell, John
8658r Regulação sem o Estado I John Blundell e Colin Robinson; competição é suprimida 27
tradução deVera Nogueira.- Rio de Janeiro: Instituto Liberal,
2000.
-As empresas podem atrair os reguladores 27
49p. -A regulação é popular entre políticos 28
Tradução de: Regulation without the State
8- CUSTOS ELEVADOS E CONSEQÜÊNCIAS PERVERSAS 29
ISBN: 85-85054-54-9
9- REGULAÇÃO SEM O ESTADO 31
1. Regulamentação governamental. 2. lntervencionismo. 10- MUDANDO OS INCENTIVOS DOS REGULADORES 33
3. Regulamentação voluntária. 4. Agências reguladoras.
I.Robinson, Colin. 11. Nogueira, Vera (tradutor). III.Tftulo. 11- FORMAS VOLUNTÁRIAS DE REGULAÇÃO 35
CDD - 330.126 -Estabelecimento de padrões e procedimentos de cumprimento 35
-O caso da Underwriters Laboratories 35
-A Green Seal, os sistemas de certificação científica e a
avaliação ambiental 36
-Informação ao consumidor e agências de classificação 37
PREFÁCIO
-Seguro de engenharia 38
-BOXE 1: O nascimento e o desenvolvimento das
companhias de seguro de engenharia 40 OS MERCADOS PRECISAM DE INSTITUIÇÕES DE APOIO.
Para que se processem as transações da forma social mais produti-
-O Mar do Norte 41
va possível, as pessoas devem seguir certas regras que limitem e
-Auto-regulação do álcool na Grã-Bretanha 42 dirijam o seu comportamento. Devem aceitar os direitos de proprie-
-BOXE 2: Regulação voluntária na Tesco 43 dade dos outros, devem saber o que significa fazer um 'contrato',
não devem ultrapassar, ou de alguma forma infringir, os direitos de
-Regulação voluntária no varejo na Grã-Bretanha 44 seus vizinhos ou agir de forma 'negligente' em relação a eles. A so-
-Transporte na Nova Zelândia 44 brevivência dessas instituições de apoio ao mercado depende da
existência de sanções ao não-cumprimento das regras. Em outras
-BOXE 3: Transporte na Nova Zelândia 45
palavras, os mercados dificilmente existiriam sem alguma forma de
12- O ARGUMENTO A FAVOR DE MAIS REGULAÇÃO VOLUNTÁRIA 46 estrutura legal para regulamentar essas operações.
Nesse nível de generalidade, o parágrafo anterior é pouco con-
13- CONCLUSÕES 48 troverso. Os desentendimentos começam quando questionamos a
fonte da estrutura reguladora. De onde vêm os regulamentos? Quem
os faz? Quem decide as penalidades pelo seu não-cumprimento e
quem provê a política adotada? Até há bem pouco tempo, os eco-
nomistas dos Estados Unidos e do Reino Unido consideravam es-
sas questões um tanto superficiais em sua esfera de estudo.
Enquanto eram considerados, por exemplo, no que diz respeito a fi-
nanças públicas, a visão que prevalecia até o final dos anos 60 (e
ainda muito em vigor) era de que 'o Estado' era responsável pores-
tabelecer e implementar as leis que permitiriam uma performance
ótima ao mercado. A provisão de uma estrutura legal e reguladora
era uma espécie de 'responsabilidade' do Estado- na verdade, 'lei e
ordem', amplamente interpretadas, eram um fundamento clássico
do Estado.'

1. Um exemplo da época é W.J. Baumol, Welfare Economics and the Theory ofthe
State, Londres: G. Bell and Sons, 1965.

7
Talvez a inclinação dos economistas ao se colocarem diante O recente desenvolvimento de idéias evolucionárias e da teoria
de problemas teóricos os tenha levado a uma visão nai've do Estado dos jogos em economia também parece ter um papel na mudança
como sendo um monopólio criador e implementador de leis. Não de conceito sobre a regulamentação governamental. Os contratan-
parecia existir nenhuma solução alternativa lógica para o problema tes vêem seus próprios interesses mais bem satisfeitos através da
de 'bens públicos puros'. Esses bens conferem beneficios a todos honestidade, em vez da fraude, se existir a possibilidade de ne-
os cidadãos. Dada a suposição adicional de que é impossível impe- gociação contínua. A disciplina de negócios contínuos e o valor de
dir as pessoas de receberem os beneficios dos bens públicos uma boa reputação são mais importantes em uma economia de
depois que estes são produzidos, os economistas deduziram que mercado, como defesa contra o oportunismo, do que um exército de
as pessoas sempre 'pegariam uma carona' e que somente onde o inspetores. Convenções podem surgir espontaneamente de intera-
Estado era suficientemente poderoso para prevenir o oportunismo ções repetidas, que somente mais tarde são codificadas e incorpo-
e cobrar o cumprimento esses problemas estariam resolvidos. radas a um corpo de lei formal. Como tem sido reconhecido por teó-
Assim sendo, a intervenção na regulamentação era sempre reco- ricos da lei há muitos anos, as instituições que se tornaram emara-
mendada quando surgia um problema relacionado a um bem públi- nhadamente associadas à leis implementadas pelo Estado são an-
co, e na falta de qualquer estudo profundo das instituições e de sua teriores: "Nada é mais tolo do que afirmar que a lei criou a proprie-
evolução histórica, era possível acreditar que eles surgiam em to- dade privada. O fato é exatamente o contrário. A propriedade priva-
das as partes. da passou a existir e fez a lei." 3
Os economistas só gradativamente começaram a entender A New lnstitutional Economics se refere às instituições que
que a idéia de uma atividade do Estado como fonte única de contro- evoluem à luz da experiência repetida como 'instituições internas',
le e implementação de regulamentação é teoricamente falha e his- em contraste com as regras concebidas e impostas através de ação
toricamente não comprovada. Se existem grandes beneficios soci- política (instituições externas). Um importante exemplo histórico é a
ilÍS ao alcançar um objetivo, as soluções do problema de 'caronas' /ex mercatoria:
tendem a aparecer espontaneamente. Em outras palavras, a supo-
sição a priori do clássico financiamento público de que é impossível 'A Lei do Mercador medieval se baseava em certos
(extremamente dispendioso) excluir os não-pagantes do beneficio princípios legais, tais como igualdade perante a lei,
de bens públicos é extremamente suspeito. Uma vez que se torna que era um caminho inovador diferente da lei feudal
meramente 'dispendioso' solucionar o problema por meios priva- que prevalecia naquela época. Cobria certos hábitos
dos, o ponto relevante é o de comparar esses custos com os custos de comércio adjudicados por árbitros que faziam parte
das ações do governo. Em outras palavras, as soluções das cha- da profissão de mercador. Era uma lei interna, que às
madas 'falhas de mercado' requerem uma análise institucional vezes era formalizada, mas era implementada sem re-
comparativa, em vez da introdução de um único remédio- a regula-
correr a oficiais com poder público.' 4
mentação estatal. Mesmo o mais famoso bem público, o farol, dis-
cutido em livros de economia há décadas, parece historicamente
A divisão apropriada de responsabilidade reguladora entre ins-
ter sido provido por meios privados muito antes qui, a impossibilida-
2
de de tal eventualidade fosse formalizada
3. John Maxcy Zane, The StoryofLaw, 2.ed., reimpr. lndianápolis: Liberty Fund Inc.,
1998, p.147.
2. Ver R.H. Coase, 'The Lighthouse in Economics', Joumal of Law and Economics,
4. Wolfgang Kasper e Manfred E. Streit, lnstitutional Economics: Social Order and
v.17, n. 2, p.357-376, 1974.
Public Policy, Aldershot Edward Elgar para The Locke lnstitute, 1998, p.358.

8
9
tituições internas de graus variáveis de formalidade e instituições
externas impostas pelo governo é de grande interesse atual. Os
problemas envolvidos são inerentemente contenciosos e de difícil
solução. Se a antiga visão de ação governamental como inteira-
mente benigna parece agora de todo ultrapassada, qualquer supo-
sição contrária de que a ação privada é sempre melhor do que a re-
OS AUTORES
gulamentação do Estado pareceria igualmente Panglossiana.
Neste Occasional Paperdo IEA (lnstitute of Economic Affairs),
John Blundell e Colin Robinson exploram a lógica da regulamenta- John Blundell formou-se pela King's School, Macclesfield, e
ção governamental e as possibilidades de formas alternativas de pela London School of Economics. Foi diretor da Press, Research
regulamentação voluntárias. Eles usam a análise de escolha públi- and Parliamentary Liaison Office da Federation of Small Busines-
ca para discutir a existência de uma tendência impiedosa por uma ses, 1977-82, e foi Conselheiro do Município de Lambeth, 1978-82.
regulamentação governamental chegar a níveis em que os benefí- De 1982 a 1993 viveu nos EUA, onde foi, entre outras coisas, Presi-
cios marginais sociais estejam bem abaixo dos respectivos custos dente da lnstitute for Humane Studies, 1988-91, Presidente da
marginais sociais. Eles mostram que áreas importantes da vida Atlas Economic Research Foundation, 1987-91, Presidente da
econômica ainda estão regulamentadas por meios voluntários (item Congressional Schools of Virgínia, 1988-92, Presidente da Charles
11 ); que esses métodos não contêm as mesmas tendências de su- G. Koch and Claude R. Lambe Charitable Foundation, 1991-92.
per-regulamentação; e que uma estrutura legal mais imaginativa Assumiu o cargo de Diretor Geral do lnstitute of Economic Af-
pode permitir o futuro desenvolvimento dessa área de regulamenta- fairs em 1° de janeiro de 1993.
ção privada (item 12). Foi também co-fundador e Presidente do lnstitute for Children,
Todas as publicações do IEA contêm a visão de seus autores, Boston, MA., 1993-97; diretor fundador do lnstitute for Justice, Was-
e não do Instituto. Apesar de neste caso os autores serem diretores hington, DC, 1991-93; Membro do Conselho Internacional,
do IEA, o IEA não tem uma visão corporativa, e publica este docu- 1988-93, do The Fraser lnstitute, Vancouver, BC; e conselheiro fun-
mento como uma contribuição estimulante a um importante debate dador do Buckeye lnstitute, Dayton, OH.
sobre o futuro da regulamentação. É diretor da Fairbridge, da Atlas Economic Research Founda-
tion (Reino Unido), Presidente do Comitê Executivo da Diretoria da
Julho de 1999 Atlas Economic Research Foundation (EUA) e membro da diretoria
MARTIN RICKETTS do lnstitute for Humane Studies da George Mason University,
Presidente, Conselho Consultivo Acadêmico do IEA Fairfax, VA, do lnstitute for Economic Studies (Europa) em Paris, e
Professor de Organização Econômica da Mont Pélerin Society.
Universidade de Buckingham Colin Robinson formou-se pela Universidade de Manchester
e, em seguida, trabalhou como economista durante 11 anos antes
de ser indicado para a cadeira de Economia da University of Surrey,
em 1968.
O professor Robinson escreveu mais de 20 livros e monografi-
as e mais de 150 trabalhos principalmente sobre economia e políti-
cas no setor de energia. Para o IEA escreveu A Policyfor Fuel? (IEA

10 11
Occasional Paper, N° 31, 1969); Competition for Fue/ (Suplemento
do Occasional Paper, N° 31, 1971), The Energy 'Crisis' and British
Coai (IEA Hobart Paper, N° 59, 1974); (com Eileen Marshall) What
Future forBritish Coa/ (IEA Hobart Paper, N° 89, 1981), e Can Coai
be Saved? (IEA Hobart Pape r, N° 105, 1985); Competition in Electri-
city? The Government's Proposals for Privatising Electricity Supply
AGRADECIMENTOS
(IEA lnquiry, N° 2, Março, 1988); Making a Market in Energy, IEA
Current Controversies, N° 3, Dezembro, 1992; Energy Policy:
Errors, /1/usions and Market Realities (IEA Occasional Paper, N° 90, Agradecemos a John Longworth, da Tesco, por ter originalmen-
Outubro, 1993). Contribuiu com alguns capítulos na publicação Pri- te nos desafiado a pensar o impensável sobre o Estado regulador.
vatization & Competition (IEA Hobart Paperback, N° 28, 1989) e em Agradecemos também ao professor Martin Ricketts, da Univer-
quatro volumes da série 'Regulating Utilities'. sidade de Buckingham, Membro do Conselho Diretor e Presidente
O professor Robinson passou a ser membro do Conselho Con- do Conselho Consultivo Acadêmico do IEA. Como os autores são
sultivo do IEA em 1982 e ocupou o cargo de Diretor Editorial em diretores do IEA, a prática interna normal do processo de revisão
1992. Foi nomeado Membro do Conselho Diretor da Wincott Foun- neutra não foi possível. Conseqüentemente, esse processo foi, de
dation em 1993. Recebeu o prêmio de 'Economist of lhe Year 1992' acordo com a política da diretoria do IEA, subcontratado ao profes-
do British lnstitute of Energy Economists e o prêmio de 'Outstanding sor Ricketts.
Contribution to lhe Profession' da lnternational Association for Agradecemos aos peritos contratados por seus valiosos co-
Energy Economics em 1998. mentários sobre uma versão preliminar. Outros comentários muito
úteis foram feitos pelo nosso colega Gerald Frost. Nenhuma das
pessoas mencionadas é responsável pelas conclusões deste traba-
lho nem por qualquer eventual erro remanescente.

Maio de 1999
J.B.
C. R.

12 13
1- GOVERNO VERSUS REGULAÇÃO VOLUNTÁRIA

'REGULAÇÃO' É ATUALMENTE UM ASSUNTO COMUM DE


CONVERSA. Os empresários discutem-no constantemente devido
ao impacto que causa nas suas atividades; os grupos de pressão
fazem /obby sobre o assunto; os noticiários de TV transmitem infor-
mações sobre o assunto; e os indivíduos comentam os efeitos em
suas vidas privadas. Quase todos os debates na media sobre tópi-
cos correntes terminam com sugestões para novas regras. Geral-
mente, o termo 'regulação' é usado como abreviatura para significar
tentativas governamentais, movidas por várias razões, para regula-
mentar a vida alheia por lei ou ato administrativo.
Regras constituem parte essencial da vida. Mas fazê-las não é
necessariamente uma função do governo: elas podem ser (e geral-
mente o são) criadas pela ação voluntária. As disposições insti-
tucionais que governam o comportamento tanto dos indivíduos
como das organizações têm, em democracias liberais consolidadas
como as da Europa Ocidental e da América do Norte, evoluído atra-
vés dos séculos à luz da experiência.' Não seria possível viver vi-
das relativamente ordenadas, como vivemos atualmente, sem o
surgimento de leis e normas de comportamento que se transforma-
ram em normas sociais (algumas integradas, ex post, a uma estru-
tura de lei e ordem).
Contrária ao conhecimento convencional, a alternativa à regu-
lação estatal não é a de evitar a regulação, mas trazê-la ao âmbito
de disposições voluntárias. Na prática, os dois tipos de regulação
são encontrados na Grã-Bretanha e em outras sociedades demo-
cráticas apesar de, no clamor por soluções instantâneas que fre-
qüentemente ocorrem após a percepção de uma crise, a regulação
estatal poder impedir a existência de soluções voluniárias devido à
suposição amplamente disseminada, divulgada por políticos de ho-
rizontes estreitos, de que o governo sempre tem um remédio que

5. Douglass C. North, Understanding the Process of Economic Change, Londres:


lnstitute of Economic Affairs, mar. 1999. (Occasional Paper, 106)

15
trará mais beneficios do que custos.e A experiência sugere que brevive. Na realidade, continua influente para prover a justificativa
essa suposição não está bem fundamentada. Muita regulação por intelectual para a ação do governo em vários setores, entre os quais
parte do governo tem conseqüências inesperadas: quando uma re- a área de saúde e segurança, a proteção do meio ambiente natural,
gulação falha em alcançar os objetivos, segue-se outra com a espe- o subsidio à educação, a garantia de emprego, a fixação de salário
rança de ser bem-sucedida. Assim, o Estado regulador leva á acu- mínimo, para evitar a 'exploração' do trabalhador, e para proteger
mulação de camadas de regras, sendo um dos seus efeitos a redu- os investidores dos riscos que eles correm. Na realidade, o estabe-
7
ção da responsabilidade democrática. lecimento e o crescimento da regulação podem ter pouca relação
Essa pequena publicação examina como surgem as regula- com tais idéias. A maioria, evidentemente, é o resultado dos com-
ções do governo; considera os custos da regulação, sua incidência portamentos /obbistas (ver adiante, itens 4 e 7) que vêem vanta-
e os problemas que emergem; descreve alguns exemplos de regu- gens na introdução e na expansão da regulação governamental.
lação voluntária; e conclui com algumas recomendações para au- Mas as bases intelectuais da regulação são importantes, uma vez
mentar o âmbito desses meios voluntários. A intenção é a de pro- que dão uma aura de respeitabilidade a um processo que, freqüen-
mover a discussão da dimensão e do escopo da regulação do go- temente, não faz jus a tal aura.
verno e da regulação voluntária. A base intelectual, como usada pelos economistas da corrente
dominante, geralmente justifica a regulação do governo com base
no argumento de que um mercado especifico pode ser melhorado
2- ALGUNS PROBLEMAS DE PRINCÍPIOS porque "falha"- isto é, não alcança os objetivos de 'interesse públi-
co'! Assim, afirma-se, o Estado deve intervir para melhorar o que,
ao contrário, seria o resultado do mercado. Entretanto, existe um
A REGULAÇÃO PELO GOVERNO PODE TER diversas for-
problema fundamental com essa abordagem de política de 'falha do
!11as, desde o extremo planejamento central da atividade econômica
mercado': ela considera como padrão do que é desejado o modelo
até o planejamento sem coerção ('planejamento indicativo') e até as
dos economistas da corrente dominante de um equilíbrio de compe-
{Tledidas para a melhoria do mercado com o objetivo de que o resul-
tição perfeita de longo prazo 8 Como este é um Estado idealizado
tado se assemelhe ao ideal de 'competição perfeita' dos economistas
que não pode ser encontrado na prática, a medição dos mercados do
neoclássicos. O planejamento econômico, em todas as suas formas,
mundo real de acordo com esse padrão significa que todo mercado
tem estado exposto ás mais ácidas criticas quanto a seus princípios,
parece 'falhar'. Conseqüentemente, o uso do modelo de falha de
e é amplamente considerado como desacreditado na prática em vir-
mercado leva inexoravelmente à recomendação de uma ampla inter-
)ude da experiência soviética e de outras economias planejadas.
venção governamental na economia - não necessariamente por ha-
Mas, apesar da idéia de o aperfeiçoamento do mercado ser
ver problemas genuínos com os mercados, mas porque o desempe-
vulnerável às mesmas criticas da economia planejada, a idéia so-
nho não alcança um ideal inatingível. Muitas 'falhas' são, na verdade,
mais devidas aos processos normais de mercado do que aos desvios
de uma situação que, na prática, poderia ser superada 9
6. Uma das publicações anteriores do IEA colocava-se contra a regulação do gover-
no em contratos de /easing a não ser através da política morietária e fiscal geral:
Ralph Harris, Arthur Seldon e Margot Naylor, Hire Purchase in a Free Society,
IEA, 1958, 2.ed. 1959, 3.ed. 1961. 8. Mark Blaug, 'Classical Economics', in Eatwell, Milgate and Newman (eds.), The
7. Norman Barry, 'The Market, Uberty and the Regulatory State', Economic Affairs, New Palgrave- A Oíctionary of Economics, v. 1, Londres: Macmillan, 1987.
v.14, n.4, p.5-11, jun. 1994, e John O'Sullivan, Conservatism, Oemocracy and 9. Israel M. Kirzner, How Markets Work: Disequilibrium, Entrepreneurship and Dis-
Nationalldentity, Londres: Centre for Policy Studies, 1999. covery, Londres: fnstitute of Economic Affairs, 1997. (Hobart Paper, 133)

16 17
Além do mais, a abordagem de falha de mercado implica um sações desonestas no mercado financeiro. A questão então é se
governo perfeito- um corpo altruísta e onipotente capaz de identifi- esses objetivos que quase todos - se não todos - desejam são
10
car e perseguir sem desvios o 'interesse público'. Presume-se que mais bem alcançáveis por regulação governamental ou, principal-
esse governo benevolente irá identificar as falhas do mercado e em mente, pela ação voluntária.
seguida corrigi-las, a despeito do auto-interesse de seus membros Como a regulação governamental tem aumentado nos últimos
ou de outras considerações políticas em geral. A comparação de anos, surgiram sérias preocupações nos países da Europa, EUA e
'mercados imperfeitos' com governos perfeitos está obviamente Japão em relação aos custos, apesar de ser difícil estimá-los. Os
equivocada e leva à busca de mais ações do governo do que seria o custos orçamentários do governo são conhecidos, mas são apenas
caso, se as imperfeições do governo fossem levadas em conta. Ao uma pequena parte do total; os custos mais altos para o cumpri-
responder à afirmação de que a intervenção do governo se fez ne- mento das regulações ('custos de cumprimento') que recaem sobre
cessária para a solução de um problema especifico, diz-se que as empresas e os indivíduos podem ser estimados, mas os custos
Alfred Marshall respondeu: "Você quer dizer um governo sábio, justo 'invisíveis' (em geral os efeitos adversos sobre o desenvolvimento
e poderoso, ou esse governo que temas a1. agora.?"11 empresarial e tecnológico, como explicado no item 8) são na maior
É curioso que muitas pessoas que clamam por mais regulação do parte desconhecidos.
governo parecem não estar conscientes de que, na base de seus ar- Foram feitas estimativas de custos da regulação federal nos
gumentos, está um modelo de funcionamento de mercados e de go- EUA, incluindo os custos de cumprimento, porém não dos custos in-
vernos com o qual quase certamente elas não concordariam. Além do visíveis. Um estudo informa o custo de cumprimento como sendo
mais, dadas as falhas do modelo regulador vigente, os problemas prá- de cerca de US$ 700 bilhões, diminuindo os custos gerados pelas
ticos de implementação são inevitáveis. Alguns desses problemas es- agências do governo federal em torno de US$ 15 bilhões. Esses
tão descritos a seguir, começando pelo custo da regulação. custos estimados referentes ao cumprimento de regulações repre-
sentam cerca de 9% do PIB dos EUA, ou quase US$ 7.000 por fa-
mília (cerca de 19% da receita média de uma família de dois traba-
3- A QUESTÃO DOS CUSTOS lhadores)." As principais tendências nos EUA são referentes à di-
minuição dos custos de regulação econômica em virtude da desre-
gulamentação em algumas das principais indústrias (gás natural,
A MAIORIA DAS PESSOAS CONCORDARIA que as razões
telecomunicações, aviação e, mais recentemente, o setor elétrico),
geralmente dadas pelos governos para a imposição de regulações
enquanto os custos 'sociais' de regulação aumentaram enorme-
são válidas.
mente, dobrando em termos reais nos últimos 1O anos.
As pessoas desejam, entre outras coisas, ter saúde e seguran-
ça, minimizar os efeitos adversos da atividade humana ao meio am-
.biente, proporcionar uma boa educação para seus filhos, assegurar
que os trabalhadores sejam tratados adequadamente e evitar tran-
12. Thomas D. Hopkins, Regulatory Costs in Profile, Center for the Study of American
Business, Rochester, Nova Iorque, ago. 1996. (Policy Study, 132) O Center esti-
ma que em 1999 o gasto com regulação federal será de quase US$ 18 bilhões;
1O. A abordagem de 'escolha pública', que critica a presunção de governo perteito, ver lnvestors Business Daily, 24 fev. 1999. A respeito de um estudo que pesquisa
está explicada em Gordon Tullock, The Vote Motive, lnstitute of Economic Affairs, os custos regu!atórios nos EUA e as diferentes maneiras de medi-los (por exemplo,
2a impressão, 1978. (Hobart Paperback, 9) Ver também William C. Mitchell, Go- contando o número de páginas de regulação), ver Clyde Wayne Crews, Jr., Ten
vemment as lt Js, IEA, 1988. (Hobart Paper, 109) Thousand Commandments: A Policymaker's Snapshot of the Federal Regulatory
11. A. E. Benians, Memoriais of Alfred Marsha/1, Londres: Macmillan, 1926. State, 1998, Washington DC: Competitive Enterprise lnstitute, jan.1998.

18 19
Os custos da regulação não são tão bem documentados em peito. Nessas circunstâncias, como o ônus dos custos de regulação
outros países, mas não há motivo para se acreditar que a enorme não recai sobre os reguladores, o volume de regulações tende a se
disparidade entre tais custos arcados pelo governo e o total dos expandir muito além do seu nível de "eficiência"- o que ocorreria
custos da regulação só aconteça nos EUA: como explicado no item quando chegasse ao ponto em que os custos de uma outra regula-
4, a seguir, a disparidade é inerente ao processo da regulação go- ção ultrapassassem os seus benefícios. Em resumo, apesar das fa-
vernamental. lhas do mercado serem a razão comum do clamor por regulamenta-
Além do mais, observa-se que isso não ocorre somente nos ção governamental, a instituição da regulação em si leva a uma for-
EUA, onde o crescimento da regulação 'social' se processa de ma- ma diferente de falha.
neira acelerada. Em outros países desenvolvidos, apesar da redu-
ção de barreiras comerciais e da desregulamentação no setor de
serviços públicos e de alguns setores de transporte, essa forma de 5- EXCESSO DE REGULAÇÃO
regulação parece ter aumentado.

OS PROCESSOS EXPOSTOS ANTERIORMENTE SUGEREM


que a regulação governamental irá sempre e em qualquer lugar ex-
4- QUEM PAGA OS CUSTOS DE REGULAÇÃO?
ceder o nível que poderia se justificar se todos os seus custos e be-
nefícios fossem levados em conta. Assim, pode-se esperar um "ex-
A DISPARIDADE ENTRE CUSTOS TOTAIS e custos quere- cesso de regulação".
caem sobre os reguladores é altamente significativo. Os custos que Atualmente, o "excesso de regulação" é uma reclamação co-
recaem sobre o governo representam somente 2% dos custos de mum em vários países, conforme observado pela OECD (Organí-
cumprimento nos EUA, e seriam um percentual muito mais baixo dos zation for Economic Cooperation Development), cujo Serviço de
custos totais de regulação se os custos invisíveis pudessem ser in- Administração Pública propôs um amplo estudo de alternativas à re-
cluídos. Assim, no que diz respeito ao governo e às agências regula- gulação-'" Iniciativas desreguladoras já ocorrem em vários paí-
doras oficiais, o grosso dos custos de regulações é "externo" (isto é, ses, inclusive nos Estados Unidos, Japão e Grã-Bretanha. Na
<>les recaem sobre os outros); isso, mais do que qualquer outro fator, Grã-Bretanha, um estudo do Instituto McKinsey, em 1998, afirmou
parece explicar o ímpeto por trás do crescimento das regulações. que' ... as regulações impostas com o objetivo de se obter resulta-
Na realidade, os argumentos usados pelos economistas da dos sociais desejáveis de um modo geral levaram à conseqüência
corrente dominante em favor da introdução de regulações podem não desejada de prejudicar os níveis de emprego e de crescimen-
estar claros em suas mentes. A argumentação desses economistas to' .14 Da mesma forma, o presidente da Britaín's Better Regulatíon
é de que existem "externalidades" que os mercados privados não
Íevarão em conta: assim, o governo deve intervir para assegurar
13. Focus, Public Mangement Gazette, n. 8, Paris: Organization for Economic Coo-
que quaisquer custos ou benefícios externos sejam levados em
peration and Development, março 1998, p. 1. Ver também comentário sobre US
conta. Mas, na prática, a introdução de regulações 'Cria novas exter- Regulatory lmprovement Act 1997 em National Gente r for Policy Analysis, Brief
nalidades. Os custos que seriam "internos" (e, portanto, levados em Analysis 258, 2 mar. 1998.
conta pelos tomadores de decisões) não recaem sobre os regula- 14. 'Regulatory Barriers can damage employment and growth', relatório de um semi-
nário sobre o resultado das pesquisas de McKinsey, The Financiai Times, 14 ma i.
dores e, portanto, não importa quão bem intencionados sejam, es-
1998. O relatório McKinsey foi posteriormente publicado como McKinsey Global
ses custos se transformam em externalídades no que lhes diz res- lnstitute, Driving Productivity and Growth in the UK Economy, Londres: McKin~
sey, 1998.

20 21
Force, Christopher (agora lorde) Haskins, argumentou que a ber como reagir racionalmente. Devemos olhar para
Grã-Bretanha tem regulação excessiva e que as alternativas priva- trás, e reagir com ceticismo'-"
das podem ' ... alcançar os objetivos de forma mais efetiva e a um
custo mais baixo'. Ele argumenta: As ansiedades em relação a sistemas reguladores excessivos
têm sido intensificadas pela preocupação de que uma regulação
'A ação voluntária de indivíduos ou de grupos de indi- detalhada ('prescritiva') pode não ser compatível com a necessida-
víduos também pode alcançar os objetivos de maneira de de as empresas permanecerem ágeis e competitivas em merca-
muito mais eficiente e efetiva do que o Estado. É gran- dos que estão mudando rapidamente sob o impacto da 'globaliza-
de o número de pessoas que passaram a depender do ção'. Segundo as palavras de Murray Weidenbaum, ex-presidente
governo para obter a proteção que poderiam perfeita- da US President's Council of Economic Advisers:
15
mente organizar sozinhas'.
'Em nenhuma nação existe uma agência do governo
A regulação governamental é difícil de ser mudada devido ao len- com a missão de frear a economia ou de acelerar a in-
to, e freqüentemente complexo, processo político envolvido. Quando flação. Entretanto, muitas ações do governo- especial-
uma regulação é implementada, freqüentemente refere-se a um mente no que se refere a impostos, gastos do governo e
mundo que não mais existe (ver a seguir). Além do mais, as regula- regulamentação - têm aqueles efeitos indesejados. Os
ções muitas vezes sobrevivem às circunstâncias que as fizeram ser custos da regulação são especialmente insidiosos. São
criadas: as regulações que dizem respeito ao funcionamento do co- um imposto oculto que reduz seriamente a competitivi-
mércio no domingo, na Grã-Bretanha, são um exemplo clássico que dade de negócios domésticos numa época em que têm
16
não podem acompanhar os tempos atuais. As atitudes com rela- que encarar um mercado global crescente'. 18
ção à regulação poderiam ser mais céticas se fosse dada maior
atenção à experiência passada e aos casos de países que enfrenta- No caso da Grã-Bretanha, o volume total das regulações vem
ram problemas específicos sem recorrer à regulação do Estado. aumentando em conseqüência de sua adesão à União Européia .
.Um estudo recente sobre regulações e suas conseqüências em Dados abrangentes sobre as regulações na UE são escassos. Não
grandes empresas, elaborado por dois sociólogos britânicos, con- obstante, parece que apesar da promessa de Jacques Santer de
clui que: que a introdução do principio da subsidiariedade significaria 'menos
e melhores' regras, o volume de regulações na UE continua cres-
nossas instituições são um tanto insensíveis, por- cendo. De acordo com dados baseados nos números da UE, o total
que vivemos em uma sociedade que não questiona. de atos legais em vigor na CE/UE aumentou de 1.947, em 1973,
Estamos sempre prevendo os possíveis perigos futu- para 14.729 em 1990 e 23.027 em 1996. 19 Outro fator indicativo
ros e, no entanto, é somente se considerarmos a for-
ma como tolamente reagimos em excesso à panes
tecno-morais ilusórias no passado que poderemos sa- 17. Mark Neil e Christie Davis, The Corporatíon Under Siege, Londres: Social Affairs
Unit, 1998, p. 103.
18. Murray Weidenbaum, Recasting the Role of Government to Promote Economic
15. Christopher Haskins, 'Rules and More Rules', The Financiai Times, 13 mai. 1998. Prosperity, Pfizer Forum, The Financiai Times, 12 mai. 1998.
16.John Burton, Whither Sunday Trading? The Case for Deregufation, Londres: 19.Jens-Peter Bonde, MEP, Centralisation will Continue', Eurofacts, 19 dez.
lnstitute of Economic Affairs, 1993. (Hobart Paper, 123) 1997.

22 23
com relação à máquina reguladora de Bruxelas é que o número de preços mais elevados dos produtos em questão) recairiam sobre
páginas produzidas pelo Departamento de Publicações da UE mais um grande número de consumidores.
que duplicou durante um período de sete anos- de 886.996, em Uma vez que os benefícios estão concentrados, a indústria tem
1989, para 1.916.808 em 1996. Os custos de cumprimento serão um poderoso incentivo para aplicar recursos no /obby por proteção
inevitavelmente mais altos naqueles estados onde a interpretação -por exemplo, divulgando informações sobre desemprego e outros
nacional das leis da UE forem mais severas do que a regulação em problemas que adviriam caso o governo não agisse de acordo com
20
si, como tem sido freqüentemente o caso na Grã-Bretanha. E se- os seus desejos. Por estarem mais bem informados sobre as condi-
rão também mais elevados naqueles países onde existe uma forte ções da indústria do que o governo, haverá uma boa chance de se-
tradição de cumprimento de leis do que nos países onde é fraco o rem bem-sucedidos.
respeito pela autoridade legal. Por outro lado, os consumidores terão que arcar apenas com
pequenos custos se a regulação for implementada. Conseqüente-
mente, têm pouco incentivo para investir em tempo e em outros
6- GRUPOS DE INTERESSE E REGULAÇÃO custos em que incorreriam caso fizessem oposição à regulação.
Muitos consumidores podem não perceber que existem custos en-
volvidos. Assim, apesar de existirem milhões de 'vitimas invisíveis'
UM OUTRO MOTIVO PELO QUA~ A REGULAÇÃO É CRIADA
de uma regulação e de o total dos custos estar muito acima dos be-
e pelo qual tende a crescer é que os mais diversos grupos de interes-
neficios obtidos pelo grupo organizado, na prática as vitimas po-
se podem se beneficiar consideravelmente dessa mesma regulação.
dem fazer uma oposição fraca ou até mesmo nenhuma oposição à
O processo de /obby, através do qual os grupos de pressão se esfor-
regulação.
çam para mudar as políticas do governo a seu favor, explica o fato
O setor de agricultura, em particular, está repleto de exemplos
comumente observado de que freqüentemente as políticas do gover-
de lobby, de concentração de benefícios e de custos diluídos. Em
no parecem ser mais dominadas pelos interesses de produtores e
Beyond Good lntentions, 21 Doug Bandow conta a história dos api-
outros grupos organizados do que pelo 'interesse público'.
cultores dos EUA. Existem cerca de 2.500, que recebem um subsi-
O motivo subjacente pelo qual os grupos organizados são tão
dio anual do Departamento de Agricultura dos EUA de US$ 100 mi-
influentes na regulação (e outros setores de formadores de políti-
lhões (uma média deUS$ 40.000 cada). Em 1987, uma pequena
cas) é de que o benefício potencial da regulação se concentra nos
alteração na regulação desses subsídios do governo deu aos 15
seus membros, enquanto os custos da regulação são diluídos em
maiores produtores um adicional de US$ 6 milhões por ano, ou
um grande número de consumidores ou até mesmo na totalidade
uma média de US$ 400.000 para cada. Enquanto cada produtor
da população. Tomemos como exemplo uma indústria que obteria
obteve um elevado ganho, a perda média de cada cidadão nor-
ganhos se o governo estabelecesse uma regulação que proteges-
te-americano foi muito pequena- cerca de dois centavos de dólar,
se seus membros das importações. Se o setor protegido for
ou menos do que o valor de um selo de correio para mandar uma
bem-sucedido, todos os benefícios (por exemplo, crescimento do
carta de reclamação.
nível de emprego no curto prazo naquele setor e salários mais al-
É porque os beneficios da regulação estão concentrados e os
tos) recairiam sobre os seus membros. Os custos (por exemplo,
custos dispersos que os beneficiários da regulação exercem maior

20. Richard North, Death by Regufation: The Butchery of the British Meat lndustry, 21. Douglas Bandow, Beyond Good /ntentions, Westchester, lllinois: Crossway,
IEA Health and Welfare Unit Health Series n. 12, mai. 1993. 1988.

24 25
poder de lobby do que as vitimas e têm um maior peso na tomada O auto-interesse dos reguladores irá, em geral, fazer com que eles
de decisões políticas. tendam a exagerar beneficios, subestimar custos e superestimar a
expectativa de ações por parte deles. 23

7- PROBLEMAS INERENTES AOS MERCADOS REGULADOS -Algumas empresas pleiteiam regulação e a competição é suprimida

Empresas estabelecidas em um setor podem ver a regulação


COMO OS LOBBISTAS FREQÜENTEMENTE T~M INTERESSE
com bons olhos, como um meio para manter de fora concorrentes
em fazer pressão por regulação (conforme explicado antes) e os re-
potenciais (através do aumento dos custos de instalação). Uma pes-
guladores não pagam os custos de grande parte de suas atividades,
quisa nos EUA revelou que ao final do século XIX a regulação era fre-
surge uma série de conseqüências para os mercados regulados.
qüentemente procurada pelos beneficiados. 24 Uma outra pesquisa
Explicamos a seguir algumas dessas conseqüências.
sugere que a lei federal de salário mínimo de 1938 dos EUA foi, na
realidade, uma tentativa dos políticos e dos trabalhadores do setor
-Agências reguladoras tendem a se expandir
têxtil de Massachusetts de dificultar a concorrência de tecidos produ-
zidos por trabalhadores de baixo salário dos estados do sul. 25 Recen-
O desejo de se construir impérios é uma característica comum
temente, ficou claro na Grã-Bretanha que, em geral, as grandes or-
a todas as organizações, mas a capacidade de realizá-lo, em mer-
ganizações têm feito menos resistência a imposições do tipo salário
cados competitivos, é restrita pela ação de competidores rivais.
mínimo do que as pequenas organizações. A conseqüência é que
Entretanto, não existe uma forma exata para definir objetivamente o
um mercado regulado geralmente tem a competição suprimida e,
volume de regulação que seria benéfico. Assim sendo, é difícil con-
portanto, os consumidores sofrem com preços mais elevados e
ter as ações das agências reguladoras, e seu crescimento é guiado
níveis inferiores de serviços do que os que existiriam se a concorrên-
pela discrepância entre os custos gerados por reguladores e o cus-
cia prevalecesse.
to total das ações reguladoras (itens 3 e 4 ). Uma vez que são os ou-
tros que pagam pela maioria dos custos, as agências reguladoras
não estão incentivadas a minimizar os custos; ao contrário, elas
-As empresas podem atrair os reguladores
tendem a favorecer padrões que ampliam os limites da tecnologia
Uma vez implementada a regulação, o regulador precisa confi-
conhecida." Nos casos de saúde e segurança, por exemplo, eles
vão querer mostrar que fizeram todo o possível tecnicamente para ar, em grande parte, na informação fornecida pelos beneficiados
(isto é, existe uma "assimetria de informações"), e por essa razão
evitar culpas no caso de ocorrerem acidentes. A insistência na aná-
lise de custo-beneficio de ações reguladoras propostas tem pouco existe alguma dependência da companhia regulada. Além do mais,
valor, porque todos os custos e beneficios relevantes são futuros:
iJSSim, são incertos e só podem ser avaliados de maneira subjetiva.
23. P~ra uma crítica sobre os esforços de se avaliar os custos e benefícios da regula-
çao nos EUA, ver Robert W. Hahn, 'Policy Watch: Analysis of the Benefits and
Costs of Regulation', Journal of Economic Perspectives, v. 12, n. 4, Fali 1998.
22. Como explicado no item 8, a regulação tende a prejudicar o progresso tecnológi- 24. George J. Stigler, 'The Theory of Economic Regulation', Bell Joumal o f Ecano-
co. Assim sendo, apesar de os reguladores almejarem os limites, provavelmente mies and Management, Spring 1971.
a tecnologia será menos desenvolvida em uma indústria regulada do que se não 25. B. W. Folsom Jr., 'The Minimum Wage's Disreputable Origins', The Wall Street
houvesse regulação. Joumal, 27 mai. 1998.

26 27
o regulador poderá visualizar perspectivas de carreira no setor re-
gulado. Existe uma história sobre reguladores que se empregaram 8- CUSTOS ELEVADOS E CONSEQÜÊNCIAS PERVERSAS
em setores onde anteriormente haviam exercido alguma responsa-
bilidade. A 'conquista reguladora' poderá, portanto, ocorrer quando
o regulador se solidariza com os produtores e pode agir de acordo A REGULAÇÃO, ENTÃO, CONQUISTA SEU PRÓPRIO ÍMPETO
com os interesses deles. Ou o regulador pode ser conquistado por que tem pouco a ver com considerações do interesse público. Ela é
algum outro grupo de pressão (como, por exemplo, os 'ambientalis- popular entre os poderosos grupos de pressão, entre os regulado-
tas'). Assim, os consumidores poderão sofrer os efeitos das regula- res e os políticos: como os seus custos são dispersos, os consumi-
ções, se os reguladores agirem no interesse de produtores ou ou- dores que perdem com a regulação não têm motivação para fazer
tros grupos. Numerosos estudos apontaram essa tendência no sis- oposição.
26
tema de regulação dos EUA, apesar de ser provavelmente menos Mas os custos de regulação são consideráveis. Como explicado
predominante na Grã-Bretanha (ver item 9 a seguir). anteriormente, alguns (tais como os custos orçamentários do gover-
no e os custos de cumprimento dos que são afetados pela regulação)
podem ser estimados. Mas os custos invisíveis devem ser muito
-A regulação é popular entre políticos
mais altos. Eles consistem em preços mais elevados e padrões mais
baixos de qualidade para os consumidores antes mencionados; na
A popularidade da regulação se deve parcialmente ao fato de
tendência geral de interesse dos produtores favorecidos pela regula-
que parece ser uma tentativa direta de 'se fazer algo' sobre um pro-
ção; e, talvez, o mais importante de tudo, no efeito de refrear na ativi-
blema. A mídia, freqüentemente estimulada por grupos de pressão,
dade empresarial a inovação e, subseqüentemente, o desenvolvi-
se aproveita de acidentes, de aparentes emergências e de exem-
mento tecnológico e gerencial. Regras rígidas que inevitavelmente
plos de erros humanos de todos os tipos. Ela exige ação, invocando
o 'princípio da precaução', apesar de haver freqüentemente uma deixam de levar em conta o futuro desenvolvimento técnico tornam
considerável incerteza científica sobre os temas relevantes e a difíceis as inovações do produto, do markeling e demais inovações:
ação necessária. Um exemplo recente é a ação draconiana na conseqüentemente, obstruem a prática corrente, e a vida das pesso-
Grã-Bretanha para combater o suposto risco de a 'epidemia da vaca as melhora menos do que melhoraria sem a regulamentação.
louca' estar ligada à epidemia Creutzfeld-Jakob em seres humanos. A regulação pelo Estado pode ser muito grosseira na sua abor-
De maneira geral, a resposta política a tais eventos será provavel- dagem de estabelecimento de regras. Por algum motivo, a atenção
mente um inquérito, novas regulações e talvez até uma nova agência está focalizada sobre um determinado processo ou situação.
reguladora. O governo pode estar bem ciente de que tal reação re- Uma regulação baseada no conhecimento e na tecnologia de
sultará em pouco ou nenhum benefício público: a atitude é tomada hoje é ultrapassada. Apesar de os burocratas (por razões expostas
para acalmar as pressões por uma ação causada por assimetrias no no item 7) fazerem pressão por padrões elevados, antes que seja
relato de notícias (a predominância de más notícias). expandido o conhecimento, a tecnologia muda e surgem maneiras
melhores (desconhecidas anteriormente) de fazer as coisas. Entre-
tanto, a introdução dessas inovações fica obstruída pela regulação
que pretendia melhorar as coisas. Até que os burocratas e os políti-
cos voltem ao assunto, a regulação não refletirá tais modificações
do conhecimento. Por outro lado, a regulação que tem origem no
26. Stigler, op.cit., e Sam Peltzman, 'Toward a More General Theory of Regulation', mercado tenderá a transformar em pequenos aumentos na medida
Journal of Law and Economics, ago. 1976.

28 29
em que o conhecimento, a tecnologia e outras variáveis relevantes governos a depender do carvão e da energia nuclear, é um outro
se modificam. exemplo de uma atividade altamente poluente, resultante da ação
A regulação governamental, assim, baseia-se em fundamen- do governo (e de como a ação do governo é capaz de reduzir a se-
tos de principias incertos e conduz a dificuldades práticas. Não é le- gurança de fornecimento). 28
gitimo simplesmente supor, como freqüentemente o fazem os de- Mesmo onde as conseqüências da regulação não são tão di-
fensores das ações do governo, que o saldo será benéfico e realiza- fundidas e sérias como as mencionadas anteriormente, o exercício
27
rá aquele conceito ilusório, o do 'interesse público' Não apenas do engenho humano geralmente resulta em efeitos não desejados.
os custos da regulação tendem a ser altos, como quase sempre im- Por exemplo, um recente artigo informa sobre alguns efeitos de
pedem soluções de mercado para problemas com os quais a regu- uma regulação nos EUA nos anos 70, que estabelecia que os pija-
lação pretende tratar. No decorrer do tempo, uma crescente estru- mas de crianças deveriam ser resistentes às chamas. 29 A regulação
tura de regulação, surgida pela construção de impérios e pelas ou- efetivamente eliminou o uso do algodão, mas como os pais queriam
tras tendências mencionadas anteriormente, pode prejudicar o que seus filhos usassem roupa de dormir de algodão (mais confor-
atendimento das necessidades dos individuas, inclusive suas de- tável), os fabricantes passaram a etiquetá-los como "conjuntos de
mandas por saúde, segurança, proteção ambiental e outros aspec- algodão escovado", em vez de pijamas. O uso de pijamas de algo-
tos da vida. Os fracassos mais evidentes de falhas no atendimento dão foi liberado em 1996, quando se percebeu que a velha forma
das demandas dos consumidores pàrecem ocorrer em setores não estava funcionando. Entretanto, a nova regulação determinava
onde a escolha está restrita pela ação do Estado- como educação que os pijamas deveriam ser justos (com medidas especificas) para
e transporte e, antes da privatização, nas empresas estatais, onde evitar o risco de queimaduras; ela é facilmente burlável pelos pais
prevalecia o monopólio e os fornecedores, na falta de concorrentes, que compram tamanhos maiores para compensar a modelagem.
não zelavam pela sua reputação. Existe uma perda considerável de recursos nesse tipo de jogo onde
Além do mais, a regulação pelo Estado tem tido, freqüente- os reguladores estabelecem as normas, os regulados as burlam, os
mente, resultados perversos. Recentemente, a Grã-Bretanha este- reguladores tentam novamente, ocorre mais evasão, etc.
ve sujeita a um controle de aluguéis que restring·,u a oferta de habi-
tações, a restrições salariais que resultaram na incompatibilidade
de capacidades e oportunidades de emprego, e a controles de pre- 9- REGULAÇÃO SEM O ESTADO
ços que serviram para aumentar a pressão inflacionária que se pre-
tendia combater. Em uma das áreas em que sua implementação é
APESAR DA CRENÇA POPULAR DE QUE O MERCADO É
freqüentemente recomendada -a de proteção ambiental- a regu-
'falho', na prática o melhor caminho para se alcançar os objetivos
lação estatal não só conseguiu alcançar efeitos colaterais nocivos
como o fez em escala notável. A antiga União Soviética e os países da regulação é a interação diária dos consumidores com os produ-
tores. Existe uma demanda por parte dos indivíduos, quer em seus
9a Europa Central e do Leste Europeu são claros exemplos dos
papéis de consumidores, quer de produtores, por saúde e seguran-
efeitos desastrosos de uma forma de regulação extrema sobre o
meio ambiente (planejamento central). Mas a indústria de eletricida-
de estatizada na Inglaterra e no Pais de Gales, que foi forçada pelos
28. Co!in Robinson, Energy Policy: Errors, lllusions and Market Realities, Londres:
lnstitute of Economic Affairs, 1993. (Occasional Paper, 90)
27 .Ver, por exemplo, J. High (ed.), Regulation: Economic Theory and History, Uni- 29.Jacob Sullum, 'Compromising Kids' Safety for Comfort', Consetvative Chronicle,
versity of Michigan Press, 1991, para críticas à teoria de 'escolha pública'. 17 jul. 1998.

30 31
ça, proteção ao trabalhador, salvaguardas para o meio ambiente e cedimentos que garantissem a confiança dos consumidores em
por outros fatores desejáveis da vida. Na medida em que o padrão suas compras. Existiriam oportunidades de mercado para permitir a
de vida aumenta e os desejos básicos dos consumidores são satis- independência da definição de padrões, testes, serviços de certifi-
feitos, a demanda por aqueles fatores parece crescer mais rapida- cação e, então, surgiriam os fornecedores de tais serviços de infor-
mente do que a renda. Esse efeito pode ser observado ao longo do mação aos consumidores. O crescimento da Internet tem levado a
tempo em um dado país ou pela comparação de países com dife- prever o aumento de oportunidades para os consumidores através
rentes padrões de vida numa certa data. É, portanto, do interesse de novos 'infomediários', 31 o que ajudará os consumidores a reduzir
de fornecedores atuais e em potencial que se satisfaçam tais de- os custos de transação na procura de bens em um ambiente com-
mandas. É uma forma de construir reputação e ser bem-sucedido. plexo.
De uma maneira geral, as alternativas voluntárias à regulação Sob tal regime, haveria provavelmente um uso muito maior do
estatal permitem o funcionamento do mercado, assegurando solu- seguro privado do que agora. As pessoas, por exemplo, se protege-
ções legais para aqueles que sofrem por causa das ações de tercei- riam contra eventualidades tais como desemprego, doença e velhi-
ros, e asseguram formas de proteção baseadas no mercado, tais ce, e passariam a se proteger também contra os defeitos dos bens e
como seguros, cumprimento voluntário de padrões e, possivelmente, serviços adquiridos. Tal proteção já está embutida em vários acor-
o surgimento do estabelecimento voluntário de padrões. Os resulta- dos de hipoteca e compras e em algumas compras com cartão de
dos são 'imperfeitos', como o são todos os resultados concebíveis. crédito.
Na ausência de qualquer regulação do governo, os aspectos
de vida que a regulação tenta satisfazer seriam satisfeitos na medi-
da em que fossem desejados pelos consumidores. Os consumido- 10- MUDANDO OS INCENTIVOS DOS REGULADORES
_res compram conjuntos de bens e suas respectivas características,
rão só bens per se. Em conseqüência, as empresas competiriam
UMA FORMA DE SE REDUZIR O VOLUME DE REGULAÇOES
para proteger e reforçar sua reputação, com a produção de bens
e de limitar seus efeitos nocivos envolvendo relativamente pouca
com os atributos desejados pelos consumidores (inclusive seguran-
alteração no regime vigente é a de alterar os incentivos aos regula-
ça de consumo, propriedades saudáveis e características ambien-
dores, para que eles fiquem menos inclinados à construção de im-
tais benignas). A reputação de uma empresa é potencialmente o
périos e mais inclinados a resistir à expansão de regulações solici-
seu maior bem: em condições competitivas, as empresas têm gran-
tadas por outros grupos de interesse. Nesse sentido, algum suces-
de incentivo em se esforçar para realçar sua reputação, satisfazen-
so tem sido alcançado na regulação dos serviços de utilidade públi-
do as necessidades dos consumidores e destacando seus produtos
ca britânicos, ao obrigar os reguladores a promover ou facilitar a
pela marca. 30 As empresas também competiriam no pagamento de 32
competição Quando essas obrigações foram impostas, seu signi-
bons salários e dando boas condições de trabalho para seus empre-
ficado não foi inteiramente compreendido, embora houvesse a
gados, a fim de salvaguardar sua reputação e, assim, garantir a per-
consciência de que a transformação de um setor monopolista em
manência dos melhores colaboradores.
Quando fosse apropriado, as empresas se associariam para
estabelecer padrões para os produtos e definir certificados de pro- 31. John Hagel e Marc Singer, Net Worlh: Shaping Markets When Customers Make
The Rules, Boston: Harvard Business School Press, 1999, Ch. 1, e The McKinsey
Quarterly, n. 1, p. 7-15,1999.
30. Daniel B. Klein, Reputation: Studies in the Vofuntary Elicitation of Good Conduct, 32. A redação das obrigatoriedades difere de um regulador para outro. A menor abriA
University of Michigan Press, 1997. gatoriedade- para 'facilitar' a competição- está no setor de águas e esgoto.

32 33
competitivo necessitasse dessa medida. Entretanto, as obrigações capaz de ser muito mais aplicável em vários mercados atualmente
tiveram efeitos mais difusos do que havia sido previsto. Não só per- regulados, e não só na Grã-Bretanha. Por exemplo, a obrigação de
mitiram aos reguladores incentivar a entrada de novos agentes no promover a competição poderia ser inclui da dentre os deveres dos
mercado, como os levaram a alterar os incentivos. Os reguladores reguladores financeiros para evitar que se tornem excessivamente
sabem que uma das principais maneiras que serão usadas para jul- normativos e propensos à expansão (como poderão se tornar, por
gar suas ações (por exemplo, quando uma renomeação está sendo exemplo, sob o novo sistema centralizado da Grã-Bretanha). Isso
considerada) é a medida do grau de competição promovido por eles ajudaria a evitar o aperto geral da regulação e a adição de detalhes
no mercado que supervisionam. Conseqüentemente, se alguém que tendem a ocorrer em sistemas reguladores irrestritos, e que
aceita que a competição é o principal meio para salvaguardar os in- obstruem severamente o processo de mercado. Normas similares
33
teresses dos consumidores ao dar-lhes a opção de escolha, os re- poderiam ser aplicadas em outras áreas reguladas.
guladores dos serviços de utilidade pública da Grã-Bretanha tende-
rão a agir principalmente de acordo com os interesses dos consumi-
dores. A 'conquista' dos órgãos reguladores pelos produtores certa-
11- FORMAS VOLUNTÁRIAS DE REGULAÇÃO
mente não é uma questão tão séria no setor de serviços de utilidade
pública da Grã-Bretanha como tem sido nos EUA.
Além do mais, a ênfase em promover a competição significa VALE EXAMINAR ALGUNS CASOS em que a regulação emergiu
que à medida que cresce a concorrência nos mercados de serviços espontaneamente, em vez de através da imposição do governo, a fim
de utilidade pública, a necessidade de regulação diminui. O resulta- de determinar se esses casos poderiam ter uma aplicação mais ampla.
do lógico é que eventualmente a regulação cubra somente as áreas
genuinas de 'monopólio natural' (como redes de fios, canos e tri- -Estabelecimento de padrões e procedimentos de cumprimento
lhos).34 Em outras palavras, existe um mecanismo no regime de re-
gulação dos serviços de utilidade pública da Grã-Bretanha que re- Deve-se fazer uma importante distinção entre o estabelecimento
prime a regulação e que, com o tempo, fará diminuir o número de de padrões e os procedimentos de monitoração e cumprimento (por
agências reguladoras. exemplo, inspeção, teste e certificação) usados para assegurar o
Há caracteristicas especiais no setor de serviços de utilidade cumprimento desses padrões. Existe experiência considerável ares-
pública, como o poder de mercado dos que foram beneficiados ime- peito do envolvimento de terceiros independentes no acatamento
diatamente após a privatização, que tornaram as obrigações dos procedimentos de cumprimento e algum envolvimento deles no
pró-competição essenciais. Não obstante, a idéia da obrigatorieda- estabelecimento de padrões. Na ausência de regulação governa-
de que leva os reguladores a agirem de acordo com o interesse do mental, os dois procedimentos podem acontecer através de ação vo-
consumidor e torna pouco atraente a expansão de seus impérios é luntária, conforme demonstrado pelos exemplos a seguir.

- O caso da Underwriters Laboratories


33. Como ocorre no atual governo. Ver, por exemplo, Departinent for Trade and
lndustry, A Fair Dea/ for Consumers: Modemising the Framework for Utility Regu-
lation- The Response to Consultation, jul. 1998, para. 42. Nos Estados Unidos, a Underwriters Laboratories (UL) é uma
34. Os reguladores dos setores de gás e eletricidade já reduziram o campo de ativi- organização particular sem fins lucrativos que fornece, entre outras
dades previstas para o 'monopólio natural' ao implementar a concorrência em
coisas, certificados voluntários de segurança para aparelhos elé-
áreas como armazenamento, leitura de medidores e provisão de medidores, fun-
ções anteriormente monopolizadas. tricos, produtos automotivos, instrumentos médicos, sistemas de

34 35
alarme e produtos químicos. 35 A organização não só testa e certifica termos ambientais 36 A Green Seal é uma organização de rotu-
como também desenvolve padrões após um cuidadoso processo de lagem, sem fins lucrativos, com o objetivo de auxiliar os consumido-
revisão. Apesar de ter concorrentes, nos últimos 100 anos conquistou res na escolha de produtos que estejam dentro de padrões ambien-
a posição de maior organização no ramo. A sua reputação é tal que os tais específicos. Assim como a UL, ela executa um vasto processo
revendedores relutam em vender bens que não tenham o certificado de avaliação antes de estabelecer os padrões. Os produtos que es-
da UL ou de um dos seus concorrentes, apesar de não existir dispositi- tão dentro dos padrões recebem o Green Seal of Certification (Cer-
vo legal nesse sentido. Apesar de a certificação ser referente somente tificado do Selo Verde) e contêm um rótulo que informa aos consu-
à segurança, a não-obtenção de tal certificado tornaria sua comerciali- midores as características ambientais do produto. As companhias
zação extremamente difícil. O sistema voluntário funciona bem porque envolvidas assinam contratos com a Green Seal, e o cumprimento é
os padrões são bem reconhecidos; os fabricantes e os revendedores monitorado através de inspeção.
têm um poderoso incentivo para cumpri-los. Na mesma área está a Eco-Rating lnternationallnc., uma em-
No que diz respeito à eficiência e à resposta do mercado, a UL presa com fins lucrativos que classifica os produtos por sua solidez
está em posição fundamentalmente diferente de uma agência do ambiental, usando escala de performance semelhante à usada nos
governo. Ela opera em um mercado competitivo (tem 12 concorren- índices financeiros. A Scientific Certification Systems também certi-
tes e existe liberdade de entrada no mercado), e assim tem incenti- fica produtos pelas características ambientais, considerando, por
vos para manter seus custos baixos e'adaptar-se às modificações exemplo, a emissão de dióxido de carbono e enxofre.
de circunstâncias do mercado. Além do mais, todos os custos de
estabelecimento e cumprimento dos padrões precisam estar de - Informação ao consumidor e agências de classificação
acordo com normas aceitáveis pelos seus clientes. Conseqüente-
mente, isso evita a predisposição ao excesso de regulação que ge- Uma resposta natural do mercado à necessidade de informação
ralmente ocorre quando a entidade reguladora é responsável ape- dos consumidores sobre produtos e serviços é o surgimento de or-
.nas por pequena fração dos custos de suas atividades. ganizações que atestam a performance, a segurança e outros atri-
O sucesso da UL- e do esquema chamado 'Kite Mark', da British butos relevantes dos produtos. As companhias perceberão o alcan-
Standards lnstitution -comprova as vantagens da ação voluntária ce da procura desses serviços e terão um incentivo do mercado
sobre a regulação prescritiva do governo. O interesse das próprias para fornecê-los. Uma vez estabelecidos, esses serviços serão soli-
13mpresas leva-as a buscar a certificação pelo regulador, e a agên- citados por fornecedores que consideram essa aprovação um meio
cia reguladora tem mais incentivo do que o regulador estatal. importante para melhorar sua reputação.
Na Grã-Bretanha, a Associação dos Consumidores (editores
-A Green Seal, os sistemas de certificação científica e a avaliação de Which?) surgiu, em resposta à demanda do mercado, como uma
ambiental agência que fornece informações sobre produtos e serviços e os
classifica para os consumidores. Existem várias nos EUA, 37 como a
Um outro exemplo diz respeito à três agências norte-americanas Consumers' Union, que avalia os produtos e publica seus resulta-
que avaliam os produtos de acordo com o nível de benignidade em dos através de sua publicação mensal Consumer Reports, em um

35. Mais detalhes sobre a Underwriters Laboratories podem ser encontrados em Ye-
sim Yilmaz, 'Private Regulation: A real alternativa for regulatory reform', Poficy 36./bid., p.20-22.
Analysís, Washington DC: Cato lnstitute, n. 303, p.14-16, 20 abr. 1998. 37./bid., p.28-30.

36 37
guia anual, Buying Guide, por relatórios via TV e rádio e artigos em governo. Como resultado, o negócio desenvolveu-se consideravel-
jornais. A Consumer Reporls é assinada por cinco milhões de leito- mente desde o início, quando se especializava em caldeiras a va-
res. o Good Housekeeping lnstitute é um laboratório de avaliação por. Hoje, o folheto da Royal and Sun Alliance Engineeríng (ver
de produtos que concede o Selo de Eficiência Doméstica- que in- Boxe 1) informa que ela fornece serviços de inspeção (com ou sem
clui a garantia de que a Good Housekeeping substituirá um produto seguro) e serviços de consultoria técnica para diversas fábricas e
defeituoso ou devolverá o dinheiro, durante o período de um ano a proprietários. Cobre riscos de engenharia (inclusive interrupção de
partir da data da compra. Existe também um Council of Better Busi- negócios), riscos de construção e transporte e riscos 'eletrônicos'
ness (Conselho de Melhores Negócios) nos EUA e no Canadá, que (inclusive conseqüências financeiras de falhas nos sistemas de
estabelece altos padrões para seus membros, fornece relatórios computadores). Apesar de fornecer inspeção sem seguro, não for-
para os consumidores e também age como árbitro em disputas en- necerá, naturalmente, seguro sem inspeção.
tre seus membros e os consumidores. Outro exemplo de esquema Para que o seguro seja uma opção praticável, ele deve poder
de arbitragem é o de pacotes de viagens oferecidos pelas agências evitar os problemas que ocorrem em função de informações ocul-
de viagens da Grã-Bretanha. tas, sendo os dois mais importantes aqueles descritos por econo-
mistas como 'escolha adversa' (aqueles que buscam o seguro po-
-Seguro de engenharia dem ocultar informações sobre si mesmos) e 'danos morais' (uma
vez seguradas, as companhias e os indivíduos podem ocultar a fal-
Os exemplos, na Grã-Bretanha, de certificação privada podem ta de esforço para evitar riscos relevantes). Em resumo, as compa-
ser encontrados nas regulações de segurança em alguns setores- nhias de seguro devem estar aptas a avaliar ex ante os riscos em
por exemplo, dos fabricantes de elevadores e guindastes, caldeiras que estão incorrendo e a dizer ex post se aqueles que estão contra-
a vapor e contêineres de transporte de gás-, todos relativos a ativi- tando o seguro estão sendo negligentes.
dades potencialmente perigosas. A legislação atual prevê a inspe- Havendo uma ligação entre inspeção e seguro, como no caso
ção dessas atividades por uma 'pessoa competente', que fornece o de engenharia, os dois problemas ficam cobertos. As empresas
certificado de segurança necessário. Essa função passou natural- precisam da autorização de um inspetor competente, e também
mente a ser exercida pelas empresas que asseguram a prestação contratam o seguro por saberem que eventualmente algo poderá
desses serviços. dar errado. A empresa reconhece que só poderá obter o seguro se
· Os esquemas de 'seguro de engenharia' remontam aos mea- suas instalações forem consideradas satisfatórias, depois de inspe-
dos do século XIX, quando havia uma séria preocupação com o nú- cionadas por seguradoras experientes na determinação dos riscos
mero de explosões ocorridas em caldeiras a vapor. Com o objetivo dos setores em questão. Do ponto de vista do segurador, sua expe-
de lidar com o problema, as empresas envolvidas se uniram volun- riência permite conhecer os riscos de antemão: só efetuará o segu-
tariamente. O sistema de segurança e inspeção que surgiu desse ro se o relatório de inspeção for satisfatório. Além do mais, em virtu-
esforço tornou-se um negócio promissor por direito próprio. Em ou- de do sistema de inspeção periódica, o inspetor pode monitorar o
tras palavras, uma solução baseada no mercado s,urgiu para fazer comportamento da empresa segurada: pode, assim, manter contro-
face a uma necessidade, apesar de ter sido apoiad<~ por uma deter- le sobre as empresas que burlam suas responsabilidades.
minação do governo sobre a obrigatoriedade da inspeção. O papel do Estado, nesse sentido, parece ser nada mais do
Já que as companhias de seguro de engenharia estão sujeitas que uma operação de fiscalização. Um esquema inteiramente vo-
a incentivos normais de mercado, elas se adaptaram às circunstân- luntário, em que as empresas, em seu próprio interesse, procurem
cias de uma forma que é muito difícil para os órgãos reguladores do por seguro e, portanto, sejam inspecionadas, provavelmente seria

38 39
igualmente eficaz. Na realidade, o seguro de engenharia cresceu
BOXE 1: O nascimento e o desenvolvimento das através de tal esquema voluntário. Entretanto, a conclusão é a de
companhias de seguro de engenharia que em muitas circunstâncias uma necessidade estatutária de ins-
peção é preferível à prescrição do Estado por ser mais sensível a
A medida que a revolução industrial ganhou velocidade na
Grã-Bretanha, no século XIX, a demanda por energia a vapor aumentou dra- mudanças.
maticamente. Foram construídas caldeiras a vapor para as indústrias pesadas
e a têxtil, e por volta de 1850 os condados centrais e o norte da Inglaterra ti-
nham a maior concentração de caldeiras a vapor do mundo.
- OMar do Norte
Mas o desenho e a construção das caldeiras estavam em um estágio ini-
cial de desenvolvimento técnico, e os perigos associados às caldeiras e as li- A segurança de instalações ao largo da costa é uma questão
mitações de capacidade técnica não estavam bem entendidos. As explosões
particularmente complexa. Não obstante (ou talvez por sertão com-
eram freqüentes, pois as caldeiras eram usadas com pressão excessiva. Os
severos danos a propriedades e o grande número de mortes transformaram plexa) o governo tem se envolvido cada vez menos nos detalhes da
essas explosões em motivo de preocupação nacional. regulação referente à segurança.
Em 1854 ocorreu em Rochdale uma explosão particularmente violenta Depois do terrível acidente de julho de 1988 nas instalações
que matou 10 pessoas. Como conseqüência, SirWilliam Fairbairn, desígner
da caldeira Lacanshire, começou a acumular informações de pessoas que ha-
Alpha, no campo de petróleo da Occidental Piper, quando 167 pes-
viam participado de inquéritos relacionados com explosões de caldeiras. No soas morreram e do subseqüente relatório do inquérito de Lorde
mesmo ano, suas investigações resultaram E!m uma reunião de engenhe'1ros, Cullen, o regime de segurança prescritivo em vigor quando o aci-
cientistas, fabricantes e donos de usinas que resultou na fundação da Associ-
ação de Prevenção de Explosões de Caldeiras a Vapor. Esse grupo organiza-
dente ocorreu- que se revelou nitidamente ineficaz- foi substituí-
va inspeções voluntárias, sem responsabilidade, mas foi bastante ineficaz. do. Não mais foram baixadas exigências detalhadas para cada ins-
Na tentativa de desenvolver uma solução mais eficiente para as explo- talação ao largo da costa e, ao contrário, os operadores e proprietá-
sões de caldeiras, foi criada em 1858 a Steam Boiler Assurance Company, por
rios passaram a ser responsáveis pela formulação de seus próprios
comerciantes e industriais. Essa foi a primeira empresa criada tanto para ins-
pecionar como para fazer seguros de novas caldeiras e das caldeiras em uso. planos de segurança ('cases' de segurança), sujeitos à aceitação
A empresa passou por um período de rápida expansão e foi recriada, em pela Health and Safety Executive (HSE). Os operadores e os propri-
1865, como Boiler lnsurance and Steam Power Company, no mesmo ano em etários poderiam escolher dentre seis autoridades de certificação
que se formou a National Boi/e r and Generallnsurance Company. Esse novo
setor da indústria de seguros resultou na inspeção de motores, estabeleci- autorizadas para executar a vistoria das instalações.
mentos dos setores mecânico e elétrico, máquinas de processamento, guin- Em 1996, o governo introduziu (após um período de transição
dastes e elevadores, acoplados à cobertura de seguro adequada. Ao final do de dois anos) uma nova forma de verificação. O operador ou propri-
século XIX as duas companhias de seguro de caldeiras passaram a ser segu-
radoras de caldeiras, motores, economizadores e receptores de ar, assegu-
etário de uma instalação fora da costa ainda precisa preparar uma
rando a propriedade e a vida de empregados e demais pessoas. Também ela- argumentação relativa à segurança sujeita à aceitação pelo HSE,
boravam especificações para novos motores e caldeiras, e realizavam inspe- mas não é mais uma exigência recorrer a uma das seis autoridades
ções e testes tanto durante a fabricação como durante o funcionamento.
Em 1996 os sucessores das duas primeiras companhias de seguros de
específicas de certificação para obter a vistoria das instalações. Em
caldeiras se uniram, fazendo a fusão das empresas Royal lnsurance e Sun vez disso, o operador ou proprietário faz sua própria identificação
Atliance, criando o maior grupo de seguros de engenharia da Grã-Bretanha, dos elementos críticos de seu problema de segurança ('elementos
com atividades que incluem os setores de metalurgia, químiCo e tratamento de
críticos de segurança') e pode encontrar a pessoa 'independente e
água, testes não-destrutivos, cobertura de riscos referentes 8 computadores e
outros equipamentos eletrônicos.
competente' (por exemplo, um especialista em eletricidade ou em
embarcações a vapor). Os proprietários e os operadores terão, des-
Fonte: 'Royal and Sun Alliance Engineering; Enjoying an Honourable Herita-
ge', revista Foreword, p. 8-9, ago. 1997.
sa forma, a capacidade de estabelecer seus próprios padrões, su-
jeitos à verificação por pessoa de sua escolha, desde que preencha

40 41
os requisitos de 'independência' e 'competência' da HSE 38
BOXE 2: Regulação voluntária na Tesco
-Auto-regulação do álcool na Grã-Bretanha Vários líderes do setor varejista estabelecem e se impõem padrões, inclu-
sive de segurança de alimentos, além do que é exigido pela legislação vigente.
Os fornecedores de bebida alcóolica na Grã-Bretanha operam A seguir, dois exemplos de iniciativas da Tesco.
de acordo com uma estrutura de licença e regulação estabelecida
pelo Estado. Dentro dessa estrutura, porém, foi desenvolvido um Auditoria de sistemas e amostragem
sistema de regulação voluntário, principalmente através do Grupo A Tesco lançou um esquema-piloto em conjunto com sua autoridade lo-
Portman (um órgão financiado pela indústria de bebidas com o ob- cal, a Hertfordshire County Council, com o objetivo de introduzir um sistema
jetivo de prevenir o mau uso do álcool e promover o 'consumo sen- de auditoria eventual em lojas selecionadas por amostragem, em vez da audi-
toria total de cada loja duas vezes por ano. Esse esquema tem a vantagem de
sato'). Campanhas para a educação do consumidor, através da TV liberar recursos para outros fins e permite que os inspetores se concentrem
e outros meios, algumas patrocinadas pela indústria de bebidas, em atividades de alto risco.
têm ajudado a diminuir o número de pessoas mortas ou seriamente
feridas por motoristas embriagados, mais na Grã-Bretanha do que Acidentes e auto-regulação
na maioria dos outros paises- de 1.800, em 1980, para menos de Ao reconhecer que o aumento do índice de acidentes estava resultando
600 há um ano. Outros paises que adotaram uma abordagem regu- em altissimos prêmios de seguro, a Tesco implantou controles au-
ladora governamental obtiveram uma redução menor. Os EUA, por to-reguladores para minorar o problema. Isso envolvia o aumento da consci-
entização com a saúde e com a segurança, bem como o investimento de re-
exemplo, aumentaram a idade mini ma para a compra de bebida al- cursos para se auto-assegurar contra pedidos de pagamento de seguros.
cóolica para 21 anos; a Austrália introduziu em ampla escala o teste Dentro de um período de três anos o índice de acidentes graves de funcionári-
do bafômetro; e na Escandinávia foram implementadas penas de os e clientes caiu em 35% e as reivindicações também diminuíram.
multas pesadas e prisão.
Programas de proteção voluntária nos EUA
A fim de lidar com o problema da bebida por menores de idade,
o Grupo introduziu em 1990 o cartão de Comprovante de Idade A Tesco também aponta para uma experiência de regulação nos EUA.
para auxiliar tanto os varejistas (que são responsáveis pelo cumpri- Em 1992 a US Occupatlonal Safety and Health Administration (OSHA)- equi-
valente da HSE do Reino Unido - iniciou Programas de Proteção Voluntária
mento da lei contra a compra de bebida alcóolica por menores de 18 experimentais. De acordo com os representantes da OSHA, a abordagem du-
;3nos) como os consumidores legítimos que não possuem um pas- pla para a implementação diferencia os 'maus atores', que não têm um progra-
saporte ou outro comprovante de idade. ma de cumprimento, das corporações de 'bons cidadãos'. Usando 'as melho-
res práticas', os empregadores conseguem da OSHA a isenção de inspeção
Outra iniciativa do Grupo Portman objetiva a redução da apa-
ou a redução de penalidades em caso de ações de cumprimento.
rente confusão causada pelo lançamento dos 'alcopops'. Um Códi-
go de Normas de Denominação, Embalagem e Marketíng de Bebi- Fonte: Tesco.
das Alcóolicas, introduzido em abril de 1996 e revisto em agosto de

38. As regulações da HSE explicam como 'independência' e 'competência' devem 1997, pretende evitar a confusão entre bebidas alcóolicas e
ser avaliadas: ver A Guide to the lnstallation, Verification and miscel/aneous as- não-alcóolicas e a associação entre bebidas alcóolicas e comporta-
pects of amendments by the Offshore /nstallation and Wells (Design and Cons-
truction etc.) Regulations 1996 to the Offshore /nstallations (Safety Case) Regu-
mento anti-social. O Grupo conta com um serviço de aconselha-
latíon 1992, HSE Books, 1996, regulações 7A, 78, 7C e Programa 9. mento para que as empresas possam ter orientação antecipada

42
43
quanto à conformidade com o código dos produtos propostos.
BOXE 3: Transporte na Nova Zelândia

-Regulação voluntária no varejo na Grã-Bretanha


Na Nova Zelândia o encolhimento do setor público e a desregulamenta.
ção no setor de transportes alcançaram efeitos surpreendentes e benéficos.
Os grandes varejistas na Grã-Bretanha freqüentemente pare- Por exemplo, o Ministério de Transportes controlava toda a regulação referen-
cem agir além das exigências das regulações do governo. Alguns te a segurança, preço e licenciamento dos setores de transporte rodoviário,
exemplos extrai dos da experiência da Tesco, o maior grupo de su- marítimo e aéreo. Em 1991 o governo da Nova Zelândia reconheceu que esta-
permercados da Grã-Bretanha, estão no Boxe 2. va obrigando os contribuintes a pagarem por qualidade e segurança que de-
veriam ser de responsabilidade do mercado. Assim, mudou o viés de seu es·
quema regulador de segurança de transporte, de operador de cumprimento
- Transporte na Nova Zel~ndia para o de operador de prestação de contas.
Na prática, essa mudança significou que o Ministério dos Transportes
Observando um outro país, a Nova Zelândia (que tem estado à não mais participaria da provisão de resultados de segurança; ao invés disso,
39 simplesmente asseguraria que os membros do mercado o fizessem. O traba·
frente da reforma econômica em diversos setores) mudou para
lho diário típico dos funcionários do Ministério deixou de ser o de trabalhar
um regime de regulação muito menos prescritívo no setor de trans-
para os provedores de transporte e passou a ser a mensuração do desempe-
portes, conforme explicado no Boxe 3. I,Jm sistema detalhado de re-
nho através de monitoração, inspeção e visitas eventuais.
gulação do setor de transportes foi substituído por um sistema no Enquanto a função anterior do Ministério- prover pessoal de segurança
qual o governo nomeou membros do setor como responsáveis pela para esse setor- necessitava de 5.500 funcionários, sua nova função de asA
segurança, concentrando-se, por sua vez. no monitoramento do segurar transporte seguro e monitorar o desempenho necessitava de somen-
cumprimento das normas. O esquema parece ter sido muito te 57- cerca de 1% do número anterior. A despeito dessa enorme redução no
número de reguladores do governo, a qualidade do novo esquema regulador
bem-sucedido, em termos de melhoria de segurança, custos mais
e, por conseguinte, as medidas objetivas de resultados com a segurança me-
baixos de regulação e preços reduzidos. lhoraram em todos os setores da indústria. A qualidade e a seleção dos servi-
ços de transporte melhoraram e os consumidores se beneficiaram, uma vez
que os preços ou se estabilizaram ou caíram desde 1980.
A melhoria na segurança de transporte não aconteceu por acaso. Ao fa-
zer com que o setor de transporte pagasse pela sua própria manutenção de
segurança, o governo concedeu aos membros daquele mercado o incentivo
de se auto-regularem da maneira mais eficiente possível. E ao medir o real re-
sultado da segurança e do desempenho, em vez de o mero cumprimento de
regulações específicas, o Ministério devolveu ao setor o incentivo de se regu-
lar efetivamente e de forma responsável, uma vez que descobriu mais aborda-
gens inovadoras para prover transporte seguro.
Assim, ao esmiuçar suas funções, objetivando resultados mensuráveis
e reestruturando seu esquema regulador, foi possível ao Ministério dos Trans-
portes cumprir sua tarefa de reduzir o número de acidentes e mortes de forma
mais eficaz- e a uma fração do custo anterior imposto aos contribuintes.

Fonte: James M. Buchanan Center for Political Economy, George Mason Uni-
versity, Fairiax, Virgínia.
39. Ver Donald Brash, New Zealand's Remarkable Reforms, Londres: lnstitute of
Economic Affairs, 1996. (Occasional Paper, 100)

44 45
ries) em que a regulação é inteiramente feita pelo setor privado. Isto
12- O ARGUMENTO A FAVOR DE MAIS é, um sistema de regulação surgiu naturalmente em resposta à de-
REGULAÇÃO VOLUNTÁRIA manda de produtores e consumidores, e provê o estabelecimento
de padrões por agentes independentes, bem como procedimentos
PODER-SE-IA DAR MAIS EXEMPLOS DA REGULAÇÃO de cumprimento (teste, certificação, etc.).
VOLUNTÁRIA que é evidentemente mais bem-sucedida ou de áre- A grande vantagem dos sistemas surgidos naturalmente é que
40 eles evitam as inúmeras dificuldades de regulação governamental
as onde ela poderia, com sucesso, substituir a regulação estatal
anteriormente mencionadas. Uma vez que os custos de regulação
De acordo com um estudo realizado nos EUA:
não são externos às agências reguladoras, evita-se a tendência à
'A regulação é geralmente identificada com o governo super-regulação existente em um sistema estatal. Além do mais, o
sistema é mais rapidamente adaptável às mudanças circuns-
estadual ou federal, mas isso é um equivoco. Hoje
tanciais do que a regulação pelo Estado. Conforme explicado no
existem vários grupos independentes privados quere-
gulam grande parte da atividade do mercado sem en- item 8, um dos principais custos da regulação estatal (apesar de ser
volvimento do governo' .41 um custo 'invisível') é o efeito de enfraquecimento da atividade em-
presarial e de inovação que se retrai devido às regras rígidas geral-
Existem vários modelos diferentes. Em alguns casos o gover- mente associadas à regulação governamental.
no provê a estrutura da regulação e as empresas formam uma or- A maior flexibilidade dos sistemas privados constitui uma gran-
ganização auto-reguladora que preenche os detalhes daquela es- de vantagem. Além do mais, a habilidade do mercado em criar in-
trutura, evitando as desvantagens das normas inflexíveis e alta- centivos, agir com segurança e sensibilidade geralmente não é re-
mente prescritivas do Estado. O Grupo Portman é um exemplo conhecida. Por exemplo, recentemente um dos autores estava con-
tratando o seguro para um veículo cujo principal usuário seria o seu
desse modelo.
Em outros casos, um setor é altamente responsável pela regu- filho adolescente. O corretor solicitou então uma cópia do último re-
lação de suas próprias atividades, mas existe uma exigência esta- latório de desempenho escolar do rapaz em todas as matérias, e
tutária de inspeção (por exemplo, por uma 'pessoa competente'). A concedeu um desconto significativo. Um desconto adicional é con-
segurança do Mar do Norte é um desses exemplos. Outro é o segu- cedido para os que concluem com sucesso um curso de direção.
ro de engenharia, exceto pelo fato de ter crescido como um sistema Uma cópia do relatório escolar e o comprovante de conclusão do
voluntário policiado por empresas de seguro e ainda parecer operar curso de direção são então enviados pelo corretor com os demais
principalmente devido ao envolvimento das companhias de seguro: documentos para a seguradora: o desconto por boas notas é um
inspeção e seguro são partes de um sistema integrado. pouco maior do que pela conclusão do curso de direção. O mercado
Existem também exemplos (como o da Underwriters Laborato- está claramente fazendo distinção correta e sutil entre coisas com
as quais a regulação simplesmente não pode lidar.
Finalmente, vale ponderar nesse contexto o que aconteceria
40. Por exemplo, no caso de pensões ver David Simpson, Regulating Pensions: Too se o sistema de licença para dirigir do Reino Unido fosse privatiza-
Many Rules, Too Uttle Competition, Londres: lnstitute of Economic Affairs, 1996.
do. Atualmente, o jovem aprendiz de 17 anos recebe uma licença
(Hobart Paper, 131) Sobre água, ver Colin Robinson, 'lntroducing Competition
lnto Water', em M. E. Beesley (ed.), Regulating Utilities: Broadening the Debate, válida por 53 anos- isto é, até o seu 70° aniversário. Não existe trei-
Londres: lnstitute of Economic Affairs, 1997. (Readings, 46) namento futuro ou reeducação adicional, e há pouco ou nenhum in-
41.Yilmaz, op.cit., p. 35. centivo para melhorar as habilidades, além do aumento dos prêmi-

46
47
os de seguro cobrados após o registro de uma ocorrência. Com a li- pacto similar), a fim de reprimir as tendências expansionis-
cença sob a responsabilidade do setor privado, talvez até nas mãos tas das agências reguladoras.
das seguradoras, haveria a expectativa de ocorrerem diversos tipos Transferir os procedimentos de monitoramento e cumpri-
de experimentação e o surgimento de diversos cursos de atualiza- mento (inspeção, teste e certificação), sempre que possível,
ção. É também inconcebível que o setor privado pudesse conceder dos reguladores do governo para o setor privado. Por exem-
uma licença por um período superior a 50 anos. plo, uma solicitação do Estado para que seja feita uma ins-
peção por uma 'pessoa competente' (como nos casos do se-
guro de engenharia e Mar do Norte) poderia substituir regras
13- CONCLUSÕES prescritivas. O Estado requereria a regulação, mas não es-
tabeleceria padrões detalhados nem estaria envolvido dire-
Um estudo norte-americano sobre regulação concluiu:' ... exis- tamente nos procedimentos de seu cumprimento.
te um enorme mundo de regulação privada aos quais os regulado- Permitir que empresas privadas estabeleçam os padrões
res, os membros do Congresso, o presidente e os jornalistas não (possivelmente competindo com os reguladores do governo
estão atentos' 42 O mesmo provavelmente ocorre na Grã-Bretanha, exist(lntes ); e
apesar de que nos dois países a regulação particular venha sendo • Tornar voluntário o cumprimento de padrões estabelecidos
alijada pela regulação governamental. Pelo menos dever-se-ia es- pelo setor privado para que a regulação privada mantenha a
tudar a extensão da regulação privada e os seus efeitos: na sua característica não-coercitiva.
Grã-Bretanha seria uma tarefa apropriada para a Better Regulation
43
Task Force e a recém-criada Regulatory lmpact Unit, uma vez que Os produtores poderiam optar ou não pelo cumprimento de pa-
a regulação voluntária parece ter inerentes vantagens sobre a regu- drões particulares, dependendo se isso reforçaria ou não sua repu-
lação pelo Estado. A regulação governamental freqüentemente pa- tação. Um dos fatores de decisão de compra dos consumidores se-
rece ser incapaz de alcançar os objetivos estabelecidos e os custos ria a sua avaliação do valor por certos padrões.
de cumprimento são geralmente altos, além de desencorajadores Essas recomendações devem agradar os governos de vários
para as empresas. Muitas vezes ela se parece com uma poderosa países preocupados com os efeitos da regulação e conhecedores
marreta incapaz de acertar uma pequena noz. do seu perigo. Os custos da regulação governamental são tão altos
Existem mais quatro passos que recomendaria mos, relaciona- que existe um argumento prima facie favorável à sua substituição
dos a seguir, na ordem do menos radical para o mais radical: por um sistema de regulação voluntária, a fim de melhorar o desem-
penho econômico. Além do mais, muitos problemas que a regula-
• Impor aos outros reguladores indicados pelo governo atare- ção governamental pretende resolver seriam mais bem soluciona-
fa de promover a concorrência ora aplicada aos reguladores dos por meios voluntários. Se é uma questão de melhorar a saúde e
de serviços de utilidades publicas (ou uma obrigação de im- a segurança, salvaguardar o meio ambiente, prover termos e condi-
ções favoráveis de trabalho, promover a boa prática de venda de
produtos financeiros ou de lidar com outros setores enfocados pela
42. Yilmaz, op.cit., p. 32. regulamentação governamental, é importante provar que a forma
43. 'Brussels to be targeted in drive to curb red tape', The Financia! Times, 28 abr. futura da regulação seja através de ação voluntária.
1999, descreve as novas formas de avaliação de impactos de regulação na
Grã-Bretanha.

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