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Física Matemática I

November 21, 2012

1 Motivação
1.1 Números
Uma vez desenvolvida a escrita é inquestionável a importância prática de se inventar símbolos para designar
as quantidades. Neste sentido surgem “naturalmente”os números naturais N. A necessidade de se expressar
a “posse”ou a “falta”(ou ainda se você vai ganhar ou perder uma certa quantidade) faz surgir o símbolo n,
com n 2 N, e, conseqüentemente, a idéia de números inteiros Z. Além disso, o conceito de se dividir um objeto
em n partes inteiras (onde n 2 N) é também bastante intuitiva. Assim, é de importância prática se inventar
um símbolo para resumir a expressão “dados 2 objetos e dividindo cada um deles em sete 7 eu quero pegar
(ou dar) uma destas partes de cada objeto”. A invenção deste símbolo me permite dizer que eu quero 2=7
(ou 2=7) do total de objetos. Surgem então os números racionais Q. Mesmo na estrutura matemática mais
rigorosa os racionais são construídos a partir dos inteiros (racionais são classes de equivalência de inteiros).
Mas de onde vem os chamados números reais R?
Quando se coloca todas as idéias acima numa estrutura matemática rigorosa, observa-se que existem
“quantidades” que não podem ser expressas como números racionais. Estas quantidades são chamadas de
números irracionais. Mas que “quantidades” são estas? Apesar de geometricamente estas quantidades
poderem ser construídas (e.g., pelo teorema de Pitágoras), na verdade elas não possuem respaldo no nosso
mundo cotidiano. Neste sentido poderíamos dizer que os números irracionais não possuem uma utilidade
prática (além da matemática pura). Entretanto, a descrição do mundo através da Física adquiriu uma
so…sticação matemática tão grande que os conceitos envolvidos na construção dos números reais possuem hoje
conseqüências diretas nas teorias e modelos que descrevem o universo. Por exemplo, aplicando as mesmas
idéias que levam aos reais, mas seguindo um caminho diferente, é possível construir um outro conjunto,
diferente de R (i.e., cujos elementos têm propriedades diferentes). Além disso, é possível se fazer Física
utilizando este conjunto no lugar dos reais. Uma destas possibilidades são os chamados números p-ádicos.
O ponto aqui é que números são construídos pela nossa necessidade de que não exista nada que não
possamos expressar. Dentro desta idéias, de onde surgem os números complexos?

1
1.2 Teorema fundamental da álgebra
Vivamos num mundo sem os complexos. Um dia, resolvendo um problema real do nosso mundo, nos de-
paramos com a equação
3x2 + 1 = 0 : (1)

Fácil ver que, neste nosso mundo onde só existem os reais, esta equação não possui soluções. Obviamente,
a incapacidade de tratar uma expressão matemática qualquer, além de frustrante, implica numa série de
limitações práticas no tratamento de problemas do mundo real.
A inexistência de soluções reais da equação (1) é uma manifestação do fato do conjunto dos números
reais não formar um corpo algebricamente fechado. Um corpo (abaixo veremos o que é um corpo) F diz-se
algebricamente fechado se qualquer polinômio de uma variável de grau maior ou igual a 1, com coe…cientes
em F , tiver pelo menos uma raiz em F .
Para não corrermos mais o risco de obter equações polinomiais “intratáveis”, de…nimos então um novo
conjunto maior, dos quais os R fazem parte, mas que qualquer polinômio neste novo conjunto possua soluções
que também sejam elementos deste conjunto. Este processo é chamado de fechar algebricamente o conjunto.
Fazendo isso com os reais, o que se obtém é precisamente o conjunto dos números complexos C. Disse então
que C é o fecho algébrico de R. Esta característica dos números complexos é uma conseqüência do Teorema
fundamental da álgebra.

Theorem 1 Qualquer polinômio p(z), z 2 C, com coe…cientes complexos e de grau n 1 tem alguma raiz
complexa.

Em outras palavras, o corpo dos números complexos é algebricamente fechado e, portanto, tal como
qualquer outro corpo algebricamente fechado, a equação p(z) = 0 possui n soluções não necessariamente
distintas.

1.3 Teorema da identidade


O teorema da identidade (identity theorem) para funções holomór…cas (funções de variáveis complexas difer-
enciáveis) estabelece que:

Theorem 2 Dada duas funções holomór…cas f e g de…nidas num aberto (conexo) D C, se f = g em


alguma vizinhança de z contida em D, então f = g em D.

Assim, uma função holomór…ca está completamente determinada uma vez conhecido seu valor numa
vizinhança arbitrariamente pequeno. Esta propriedade não é válida para funções reais diferenciáveis.
É graças à propriedade acima que podemos tão facilmente estender uma função real para o plano complexo,
por exemplo, ex ! ez .
Além disso, a noção de diferenciabilidade é muito mais forte para funções complexas, pois a existência da
diferencial de primeira ordem implica na existência das diferenciais de qualquer ordem. Assim, mostrando-se

2
que uma função complexa possui uma primeira derivada, automaticamente se mostra que ela é in…nitamente
diferenciável e, conseqüentemente, que ela é uma função analítica (pode ser expandida em série de Taylor).
O fato de uma função possuir uma expansão em série de…nida em todo seu domínio é de fundamental
importância tanto em matemática quanto em física.
Assim, dada uma certa função real f (x), se conseguirmos entender esta função para o plano complexo,
i.e., encontrar uma função diferenciável f (z) de…nida em C que para Im z = 0 seja igual a f (x), esta função
será única (pelo teorema da identidade) e analítica.
Assim, o estudo das propriedades de funções com variáveis complexas é de fundamental importância não
apenas teóricos, mas também práticos.

2 Números complexos
Assim como os reais, os números complexos foram inventados originalmente apenas por razões matemáticas.
Entretanto, seu estudo posterior apresentou uma série de aplicações práticas. Comecemos então com uma
olhada na estrutura matemática por trás dos números complexos.
Um número complexo é um mapa z : R2 ! R2 onde de…nimos duas operações binárias1 (+; ) com as
seguintes propriedades algébricas

zi z (xi ; yi ) ; xi ; yi 2 R ;
z (x1 ; y1 ) + z (x2 ; y2 ) z (x1 + x2 ; y1 + y2 ) = z2 + z1 ;
z (x1 ; y1 ) z (x2 ; y2 ) z1 z2 z (x1 x2 y1 y2 ; y1 x2 + x1 y2 ) = z2 z1 :

Chamemos o conjunto de todos os z de C. Vejamos porque esta escolha de operações, aparentemente arbi-
trária, é tão importante. Das de…nições acima é fácil ver que

z (x; y) + z (0; 0) = z (x; y) ; _x; y ; (identidade) (2)


z1 + (z2 + z3 ) = (z1 + z2 ) + z3 ; (associativo) (3)
_ z (x1 ; y2 ) 9 z ( x1 ; y2 ) j z1 + z2 = z (0; 0) ; (inverso) (4)
z1 + z2 = z2 + z1 (comutativo). (5)

A existência do elemento z0 = z(0; 0) (2) e as propriedades (3) e (4) acima fazem deste conjunto um grupo
pela primeira operação binária (a soma, +).O fato da soma ser comutativa (5), faz deste um grupo abeliano.
1 Operações que envolvem dois elementos do conjunto.

3
Além disso, podemos ver também que

z (x; y) z (1; 0) = z (x; y) ; _x; y ; (identidade) (6)


z1 (z2 z3 ) = (z1 z2 ) z3 ; (associativo) (7)

(a inexistência do elemento inverso para z (0; 0) faz com que C, assim como R, não seja um grupo pelo
produto).
A existência do elemento z(1; 0) (6) (identidade do produto) acima e da associatividade do produto (7),
fazem deste conjunto um monóide pelo produto (um grupo é um monóide onde todos os elementos têm
inversa).
Um conjunto que é simultaneamente um grupo abeliano (por +), um monóide ( ) e além disso, respeita
a propriedade distributiva pela composição das duas operações

z1 (z2 + z3 ) = z1 z2 + z1 z3 (distributivo): (8)

é chamado de um anel. A comutatividade da multiplicação (z1 z2 = z2 z1 ) faz deste um anel abeliano.

Finalmente, todas estas propriedades, mais o fato do conjunto C z (0; 0) formar um grupo pela multi-
plicação (z (0; 0) é o único elemento sem inversa pelo produto), devido às propriedades seguintes

z1 (z2 z3 ) = (z1 z2 ) z3 ; (associativo)


x1 y1
_ z (x1 ; y1 ) ; x21 + y12 6= 0 9 z 1
; j zz 1
= z (1; 0) ;
x21 + y12 x21 + y12

fazem deste anel abeliano um corpo.


É pelo fato de C ser um corpo que podemos fazer com z 2 C tudo que fazemos com os números reais.
Assim, polinômios estão bem de…nidos, bem como as séries in…nitas. Destarte podemos de…nir funções
trigonométricas, exponenciais etc. E, o mais importante, podemos procurar pelo inverso de todas estas
funções.

2.1 Realização ou representação de C


Vamos começar de…nindo o seguinte símbolo para nos referirmos aos elementos de C:

z (x; y) x + iy ; x; y 2 R ;

onde x é chamado parte real de z (x = Re z) e y parte imaginária (y = Im z). É importante ter em mente
que a quantidade acima é apenas um símbolo, não representando nenhuma soma, ou qualquer coisa
parecida.

4
Para efetivamente trabalharmos (manipularmos) este símbolo, precisamos encontrar uma de…nição baseada
em entidades que já saibamos trabalhar. Ou seja, precisamos realizar esta quantidade em algum es-
paço conhecido. Vejamos três possibilidades para esta realização.

2.1.1 Representação matricial

Podemos de…nir o símbolo introduzido acima como uma matriz


!
x y
z (x; y) x + iy ;
y x

e especi…carmos que a soma e o produto deste símbolo respeita a álgebra usual de matrizes.

Exercise 3 Veri…que que o símbolo assim de…nido obedece às propriedades de soma e multiplicação de…nidas
na seção anterior.

Agora que temos uma representação concreta para o nosso símbolo, podemos efetuar cálculos completos.
Por exemplo, para z = i =2, podemos calcular ez = ei =2
" !# 1
!n
0 =2 X 1 0 =2
ei =2
= exp =
=2 0 n=0
n! =2 0
1
!n
X ( =2)
n
0 1
=
n=0
n! 1 0
! ! !2 !3
2 3
1 0 0 1 ( =2) 0 1 ( =2) 0 1
= + =2 + + + :::
0 1 1 0 2! 1 0 3! 1 0

observando que
!2 ! !3 !
0 1 1 0 0 1 0 1
= ; = ; :::
1 0 0 1 1 0 1 0
temos
! ! ! !
2 3
1 0 0 1 ( =2) 1 0 ( =2) 0 1
ei =2
= + =2 + :::
0 1 1 0 2! 0 1 3! 1 0
! 1
! 1
1 0 X n
( 1) ( =2)
2n
0 1 X ( 1) ( =2)
n 2n+1
= +
0 1 n=0
(2n)! 1 0 n=0
(2n + 1)!
! !
1 0 0 1
= cos + sin
0 1 2 1 0 2
!
0 1
= = 0 + i1 i = z (0; 1) :
1 0

5
Da mesma forma !
i2 1 0
e = = 1 + 0i = z (1; 0) 1:
0 1

Observe que o símbolo 1 2 C da igualdade acima não tem o mesmo signi…cado (apesar de compartilhar as
mesmas propriedades) do símbolo 1 2 R como elemento dos reais. Mais especi…camente, o nosso 1 aqui é
uma matriz.
De forma geral, usando a notação introduzida acima,
! !
i 1 0 0 1
e = cos ( ) + sin ( ) = 1 cos ( ) + i sin ( ) (9)
0 1 1 0

conhecida como fórmula de Euler.

Exercise 4 Podemos escrever ez1 +z2 = ez1 ez2 ?

De forma geral,
" ! ! #
1 0 0 1
ex+iy = ex cos y + sin y
0 1 1 0
!
x cos y sin y
= e = ex (cos y + i sin y) : (10)
sin y cos y

Exercise 5 Obtenha a relação acima.

Remark 6 Os resultados obtidos numa certa representação são válidos em qualquer representação.

2.1.2 Representação algébrica

Outra forma de se representar um elemento de C (talvez a mais conhecida) é a…rmar que a quantidade

x + iy

respeita a álgebra usual dos reais (i.e., passamos a considerar este símbolo como uma soma usual)
acrescida da seguinte de…nição
i:i 1:

Exercise 7 Veri…que que esta de…nição reproduz as operações de soma e produto de…nidas na seção anterior.

A veri…cação da compatibilidade desta de…nição com a anterior é imediata


! ! !
0 1 0 1 1 0
i:i = = = 1 + 0:i = 1:
1 0 1 0 0 1

6
2.1.3 Representação geométrica

Uma terceira forma de se representar os elementos de C é a…rmar que estes são pontos no plano x y e
identi…car a operação de soma com a álgebra (usual) dos vetores que partem da origem até o ponto
x; y. Neste caso é conveniente utilizar a representação polar deste ponto

y
z ^r cos + y^r sin ; r2 = x2 + y 2 ;
x = tan :
x

Neste caso costuma-se ainda introduzir a notação

y^ i; x
^ 1 =) z = r (cos + i sin ) :

Usando o resultado (9), que deve ser válido em qualquer representação, temos

z = r (cos + i sin ) = rei ; r; 2 R :

Nesta notação r é a magnitude (ou módulo, ou valor absoluto) de z (r = jzj) e a fase ou argumento
( = arg z).
Partindo das de…nições é fácil ver que

2 2 2
jzj = r2 = (Re z) + (Im z) :

A operação de múltimplicação de dois números z1 = r1 ei 1 e z2 = r2 ei 2 é identi…cada como o aumento


da magnitude de z1 por um fator r2 seguido de uma rotação deste vetor de um ângulo 2 . O que, na
representação polar, possui uma forma bastante simples

z1 z2 = r1 ei 1 r2 ei 2
= r1 r2 ei( 1+ 2)
:

Exercise 8 Veri…que que a introdução dos símbolos acima é compatível com a representação algébrica, i.e.,
veri…que que na representação geométrica i:i = 1.

Exercise 9 Use a representação geométrica para mostrar a desigualdade triangular

jz1 + z2 j jz1 j + jz2 j :

7
As vezes é importante usar a representação polar fora da origem

z z0 = exp (i ) =) z = exp (i ) + z0

ou seja, z são pontos com coordenadas polares e com relação a z0 .

Exercise 10 Desenhe no plano x y os pontos

jz + ij = 1 :

Remark 11 Todas as representações apresentadas são, obviamente, equivalentes. A utilização de uma certa
representação depende apenas das conveniências do problema.

2.1.4 Extração de raízes

Vejamos agora como funciona uma determinada operação em C. O ponto é que, apesar de podemos fazer em
C tudo que fazemos em R, os resultados que obtemos são bem diferentes. Por exemplo, vamos extrair a raiz
p
n-ésima de um número complexo z ( n z ou z 1=n ). Isso equivale a encontrar z0 tal que:

n
(z0 ) = z :

Este problema é mais facilmente tratado na representação polar

z = r (cos + i sin )
z0 = r0 (cos 0 + i sin 0)

Ou seja, dados r e (reais) precisamos encontrar números reais r0 e 0 tais que

n
r (cos + i sin ) = r0n (cos 0 + i sin 0)

Usando a fórmula de Euler (9) temos

n n
(cos 0 + i sin 0) = ei 0
= ein 0
= cos (n 0 ) + i sin (n 0 )

conhecido como teorema de De Moivre. Com isso nossa igualdade toma a forma

r (cos + i sin ) = r0n (cos (n 0 ) + i sin (n 0 ))

8
que pode ser resolvida fazendo (pois e r são parâmetros independentes)
p
r = r0n =) r0 = n
r
k
n 0 = 2 k ; k 2 N =) 0 = 2
n n

Agora, para n = k (ou n = mk com m 2 N) temos 0 = =n + 2 o que representa o mesmo ponto. Então,
existem n valores de k
k = 0; 1; :::; n 1

que representam pontos distintos e satisfazem a nossa igualdade.


p
Assim, para z 6= 0, a expressão n z = z 1=n possui n raízes

p +2 k +2 k
z 1=n = z0 = n
r cos + i sin ; k = 0; 1; ::; n 1:
n n
p
3
Exercise 12 Calcule 1, com 1 2 C. Resp.

1 = cos 0 + i sin 0 =) r = 1 ; = 0
2 k 2 k
11=3 = cos + i sin ; k = 0; 1; 2
3 3
2 0 2 0
z0 = cos + i sin =1
3 3
2 2
z1 = cos + i sin
3 3
4 4
z2 = cos + i sin
3 3
p
3
Observe que para 1 2 R; 1 = 1.

Remark 13 Antes de efetuarmos qualquer operação com uma quantidade (um número), precisamos especi-
…car a qual conjunto esta quantidade pertence.

2.2 Funções
Uma função W (z) : C ! C de uma variável complexa é também um número complexo, cuja parte real
U = Re W e imaginária V = Im W dependem, na nossa representação geométrica, da posição de z no plano
x y. Usando as notações introduzidas anteriormente escrevemos

W (z) = U (x; y) + iV (x; y) :

9
Podemos escolher duas diferentes representações grá…cas para W . A primeira é representar U (x; y) e V (x; y)
como superfícies sobre o plano complexo x y. Esta representação, que é útil em certas ocasiões, possui o
inconveniente de não explicitar a relação das duas funções U e V como elementos de C.
Outra possibilidade é representar o próprio número complexo W como um ponto no plano U V . Neste
último caso, a função W (z) fornece um mapa (R2 ! R2 ) do plano z = x y no plano W = U V e, para
cada ponto no plano z, corresponde um (ou, como veremos, mais de um) valor ponto no plano W .
Exemplo: Conjugação complexa:

W (z) z (x; y) = z (x; y)


x + iy ! x iy

A representação grá…ca do mapa R2 ! R2 é a re‡exão dos pontos em relação ao eixo x.


Como pode ser veri…cado pela de…nição, esta operação respeita as propriedades

z1 + z2 = z1 + z2
z 1 z2 = z 1 z2
z+z = 2 Re z
z z = 2 Im z

Além disso, pelas de…nições na seção da representação geométrica, temos

2
z:z = x2 + y 2 = jzj =) jzj = z:z

A noção de norma nos permite escrever desigualdades do tipo

jz1 j > jz2 j ;

i.e., z1 são todos os pontos mais distântes da origem que z2 . Mas a…rmações como z1 > z2 não fazem

10
sentido algum (a menos, é claro, que Im z1 = Im z2 = 0).

Exercise 14 Mostre que


2 2 2
jz1 z2 j jz1 j jz2 j = 0 :

11
2.2.1 Funções multivalentes

Vejamos agora uma função um pouco mais complicada,

2
W (z) = z 2 = (x + iy) = x2 y 2 + 2ixy = r2 e2i ;
U = x2 y 2 ; V = 2xy :

O semi-circulo no plano z é mapeado num círculo no plano W e a linha x = 1 é mapeada na parábola


4U = 4 V 2 .

Exercise 15 O que acontece com um circulo de raio R centrado em (a; b)? Rint: use a equação do circulo
em coordenadas polares
r2 2ar cos 2br sin = R2 a2 b2 :

Esta …gura foi retirada do livro Mathematical Methods of Physics, J. Mathews,


R.L. Walker (2nd. Edition Addison Wesley, 1971)

12
Exercise 16 Estude a função 1=z.

Para motivar a discussão a seguir, considere a seguinte questão:

Exercise 17 Onde está o problema na seguinte “demonstração”


p p 2
1= 1= ei2 = ei 2 = ei = 1 ???

Antes de responder esta pergunta, voltemos ao estudo das características de z 2 . No exemplo W (z) = z 2
os pontos z e z são mapeados no mesmo ponto W . O principal problema desta característica é que isto
implica em problemas na de…nição do mapa inverso

1
p
W (z) = z 1=2 = rei =2
:

Uma vez que na função acima


z = arg z = (arg W ) =2 = W =2;

os pontos z e z + 2 , que representam os mesmos pontos no plano z, são dois pontos distintos
1
W e W + . Ou seja, o para inverso W = z 1=2 não é monovalente.
A rigor o conceito de função se refere apenas a mapas monovalentes. Entretanto, isso ocorre com tanta
freqüência para mapas complexo que usamos um certo abuso de linguagem e dizemos que W = z 1=2 (a partir
daqui chamaremos W 1 simplesmente de W ) é uma função multivalente. Obviamente, como tal coisa não
existe nos reais, precisamos desenvolver certas ferramentas para tratar este tipo de função.
Uma curva fechada no plano z que circule a origem ( z = 0 2 ) não retornará para o mesmo ponto
no plano W . De outra forma, qualquer curva fechada que circule a origem no plano z não gera uma curva
fechada no plano W . Um ponto com esta característica é chamado ponto de rami…cação 2 .
p
Por exemplo, a função W = z a tem um ponto de rami…cação em a.
2 Neste exemplo, na verdade, estamos falando mais especi…camente de um ponto de rami…cação algébrica.

13
Figure 1: Esta …gura foi retirada do livro Mathematical Methods of Physics, J. Mathews, R.L. Walker (2nd.
Edition Addison Wesley, 1971)

Assim as funções multivalentes estarão bem de…nidas apenas se não circularmos um ponto
de rami…cação. Para garantir isso, traçamos no plano z uma linha deste ponto até o in…nito, chamada
linha de rami…cação (ou corte de rami…cação) e, ao trabalharmos com a função, concordamos em nunca
cruzar esta linha. No caso da rami…cação na origem é conveniente tomar como linha de rami…cação o
semi-eixo real positivo ou negativo. O plano z cortado desta forma é chamado uma folha de Riemann da
função em consideração. Esta folha é mapeada de forma unívoca numa parte do plano W chamada de
ramo da função. No nosso caso de W = z 1=2 a metade deste plano . A outra metade do plano W (o outro
ramo da função) também é mapeada em todo o plano z.
Podemos evitar o problema da multivalência do mapa (ou da “função”) dizendo que existem várias cópias
(ou folhas) do plano z assim cortado e, ao cruzar a linha de rami…cação, passamos de uma folha
para outra. As curvas se comportam como se estas folhas fossem ligadas na linha de rami…cação (Figura).
As folhas assim ligadas formam uma superfície de Riemann S. Esta superfície mapeia sem ambiguidade
todo o plano W , i.e., W : S ! C é uma função legítima (monovalente). Agora uma curva fechada no
plano W é também uma curva fechada na superfície de Riemann S.
Então, quando escrevemos W (z) = z 2 , precisamos ser bem claros se estamos falando de W : C ! C ou
W : C ! S. Estas são duas funções diferentes. A segunda possui uma inversa (raiz quadrada), enquanto a
primeira não.

14
Voltando agora ao problema da nossa “prova” 1 = 1. O problema está em que, quando escrevemos
p
1=1

estamos falando de um ramo (e, consequentemente, de uma especí…ca folha de Riemann) da função z 1=2 .
Mais especi…camente, o valor desta função no ponto z (1; 0). Se dermos agora uma volta completa até o ponto
z (1; 2 ) estaremos cruzando uma linha de rami…cação (independente de onde ela esteja) e, conseqüentemente,
passaremos para uma outra folha de Riemann. Ou seja, quando nos movemos na superfície de Riemann S
(onde z 1=2 está bem de…nida como função) saímos do ponto z1 = ei0 e chegamos num outro ponto z2 = ei2 ,
com z1 = z2 em z 2 C, mas com z1 6= z2 em z 2 S e, consequentemente, W (z1 ) 6= W (z2 ). O erro da nossa
demonstração foi considerar W (z1 ) = W (z2 ) e com isso a…rmar que
p ?
p ?
ei0 = ei2 =) 1 = 1:

Resumindo: a função W = z 1=2 está de…nida com z 2 S que são duas cópias do plano z e possui dois
p
ramos. No primeiro ramo (de…nido no primeiro plano z) temos W (ei0 ) = 1 = 1, já no segundo ramo
p
(segundo plano z) W (ei2 ) = 1 = 1. Sempre que falamos no valor de uma função multivalente, não basta
dar a forma da função, mas precisamos também dizer de qual ramo estamos falando.
Com o desenvolvimento do curso vamos ver algumas aplicações (e implicações) práticas das de…nições
acima.
O número de folhas ligadas de…ne a ordem do ponto de rami…cação.
Outras raizes (r1=n ei =n ) podem ser descritas da mesma forma. A função W (z) = z 1=3 necessita de 3
folhas e tem a origem como ponto de rami…cação de ordem 3.
No caso de funções com mais de um ponto de rami…cação, por exemplo,
p
W (z) = (z a) (z b) ;

temos diferentes formas de traçar a linha de rami…cação. Na função acima podemos construir duas linhas
partindo uma de a e outras de b até o in…nito, ou podemos traçar apenas uma linha de a até b. A forma das
superfícies de Riemann dependem desta escolha.
Exemplo: Para resolver o problema de Kepler (da forma das órbitas) usando variáveis de ângulo ação
temos de resolver a integral
Z r
2mk L2
2mE + dr
r r2
Este problema, resolvido por Sommerfeld, envolve uma integral complexa com dois pontos de rami…cação.
Esta descrição mostra que, apesar de todos os benefícios vindos da extensão das funções para o plano
complexo, este procedimento não é uma tarefa trivial nem mesmo para um caso simples como x1=2 .

15
2.3 Diferenciação
Para uma função f : R ! R ser diferenciável num ponto x 2 R, os seguintes limites

0 f (x + dx) f (x)
f (x) = lim ;
dx! 0 dx

devem existir e serem iguais.


Por exemplo, a função
x
f (x) = ;
jxj
não tem o limite limx! 0 f (x) de…nido no ponto x = 0. Outro exemplo, a função (contínua)

f (x) = jxj

não é diferenciável em x = 0, porque

f (0 + dx) f (0) f (0 + dx) f (0)


lim =1; lim = 1:
dx!+0 dx dx! 0 dx

O mesmo critério pode ser usado para se analisar a diferenciabilidade de uma função complexa. Precisamos
assim analisar o limite
lim f (z) = u ; w; z; u 2 C :
z!w

A única diferença entre este limite e o conceito usual na reta real e que, sendo w um ponto no plano
(f : R2 ! R2 ), existem várias formas diferentes de se aproximar do ponto w. Um problema semelhante ao
que ocorre em uma dimensão, onde os limites pela direita e pela esquerda podem ser diferentes. Quando isso
ocorre dizemos que este limite não existe. Da mesma forma, se o limite para w depender do caminho
escolhido no plano, dizemos que o limite não existe.
Uma função f é diferenciável num ponto z se existir o limite

0 f (z + dz) f (z) df
f (z) = lim (11)
dz!0 dz dz

e este for independente do caminho pelo qual z + dz se aproxima de z.


Uma função é analítica 3 (regular ou holomór…ca) numa região E se for diferenciável nesta região.

Remark 18 Praticamente toda a teoria de funções de uma variável complexa se aplica apenas a funções
analíticas.
3 Para funções reais o termo analítica numa região signi…ca que a função é igual a sua série de Taylor nesta região.

16
2
Exemplo: a função f (z) = jzj . Precisamos analisar

jz + dzj jzj (z + dz) (z + dz) z z z z + zdz + zdz + dzdz zz


= =
dz dz dz
zdz + zdz + dzdz dz dz dz
= =z +z + dz
dz dz dz dz
dz
= z + z + dz :
dz

Fazendo dz ! 0 pelo eixo real dz = dx = dz

df dx
=z + z + dx = z + z :
dz dx

Fazendo dz ! 0 pelo eixo imaginário dz = idy = dz

df ( idy)
=z + z + dz = z+z :
dz idy

Para ser diferenciável devemos ter


z+z = z + z =) z = z:

Esta função só pode ser difereciável em z = 0. O que é verdade, porque neste ponto

df dz
=0 + 0 + dz = dz = 0 ;
dz z=0 dz

2
independente do caminho. Assim, f (z) = jzj é diferenciável apenas no ponto z = 0 e não é analítica em
nenhuma região.

Remark 19 Funções são analíticas em regiões.

Remark 20 Da seção anterior temos que a região de regularidade de uma função multivalente deve ser
de…nida numa superfície de Riemann.

Pode-se provar4 que se uma função f (z) possui uma derivada numa região, esta derivada é necessariamente
contínua. Assim, uma função f (z) sempre pode ser expandida numa série de Taylor em torno de um ponto
z0 numa região onde esta função é analítica

n
f (z) = a0 + a1 (z z0 ) + ::: + an (z z0 ) ;
1 (n)
a0 = f (z0 ) ; an = f (z0 ) : (12)
n!

O raio de convergência desta expansão é um circulo cujo raio se estende até o ponto onde a função é singular,
4 Veja, e.g., Konrad Knopp, Theory of Functions, Parts I.

17
i.e., um ponto onde a função deixa de ser analítica. O contrário também é verdade, qualquer série de potência
convergente numa região representa uma função analítica nesta região.

2.3.1 Equações diferenciais de Cauchy-Riemann

Se uma função W (z) = U (x; y) + iV (x; y) é analítica e fazemos dz = dx + idy em (11) podemos fazer dz ! 0
pela horizontal (dy = 0) ou pela vertical (dx = 0). Se a função é analítica devemos obter o mesmo limite
(11) para estas duas variações de dz,

dW @W dx @W dy dx dy
= + ; =1; = i
dz @x dz @y dz dz dz
)
dW @W
dz dx=0 = @y i @W @W
dW @W
=) i= ; (13)
dz dy=0 = @x
@y @x

se usarmos agora a nossa representação matricial de W


! !
@U @V
U V @W @x @x
W (z) = U + iV = ; = @V @U
V U @x @x @x
! ! !
@U @V @V @U
@W @y @y 0 1 @y @y
i = @V @U
= @U @V
@y @y @y 1 0 @y @y

temos ! !
@U @V @V @U
@W @W @x @x @y @y
i= =) @V @U
= @U @V
@y @x @x @x @y @y

o que fornece

@U @V @V @U
= ; = : (14)
@y @x @y @x

Estas são as equações diferenciais de Cauchy-Riemann (CR) e fornecem condições necessárias e su…cientes
para uma função W = U +iV ser analítica numa região, desde que as quatro derivadas parciais existam
e sejam contínuas.
De outra forma, as condições de CR são necessárias, mas não su…cientes, para estabelecer a diferenciabil-
idade da função. Como mapas de R2 ! R estas funções são diferenciáveis se as derivadas parciais existirem
e forem contínuas, mas como mapas de C ! C, estes mapas, além de serem contínuos, precisam satisfazer
as condições de CR.
É muito importante compreender o signi…cado das igualdades acima. Como vimos anteriormente, toda
função complexa pode ser vista como um mapa de R2 ! R. Existe uma in…nidade de mapas que são
diferenciáveis como funções reais (todas as derivadas parciais acima existem), mas que não satisfazem as

18
relações acima. Estes mapas não são funções complexas diferenciáveis. Para que exista a derivada de
uma função complexa (e ser chamada de diferenciável) esta função tem de obedecer as equações de Cauchy-
Riemann. Está é uma restrição bastante forte e implica que funções reais diferenciáveis não serão
necessariamente funções complexas diferenciáveis.

19
Exemplo:

2
f (z) = jzj = x2 + y 2 =) U = x2 + y 2 ; V = 0
@U @U @V @V
= 2x ; = 2y ; = =0
@x @y @x @y

as funções U e V acima são diferenciáveis (como funções reais) em qualquer ponto. Mas as condições de
CR fornecem

@U @V
= =) 2y = 0 ;
@y @x
@V @U
= =) 2x = 0 ;
@y @x
2
Que só são satisfeitas na origem x = y = 0. Vemos (novamente) que a função f (z) = jzj só é diferenciável
no sentido complexo (f : C ! C) na origem, mesmo que, como uma função de R2 ! R, U e V sejam
diferenciáveis em todos os pontos.
Assim, se a derivada de uma função W = U + iV existe num ponto z0 (as derivadas parciais de U e V
0
existem neste ponto) e obedecem a condição de CR, então a derivada W pode ser calculada como (13)

0 dW @W @ (U + iV ) @U @V
W (z0 ) = = = = +i : (15)
dz z=z0 @x @x @x @x

Ou, usando CR,


0 @U @U
W = i : (16)
@x @y
Remark 21 Dada uma função complexa diferenciável, valem também as regras usuais de diferenciação de
somas e produtos de funções. Todos os argumentos usados para demonstrar estas regras para funções reais
continuam válidos.

Exercise 22 Veri…que se e onde é diferenciável a função: W = z 2 . Resp:

z 2 = (x + iy) (x + iy) = x2 y 2 + 2ixy


U = x2 y 2 ; V = 2xy
@U @U @V @V
= 2x ; = 2y ; = 2y ; = 2x
@x @y @x @y

Esta função é diferenciável em todos os pontos e, consequentemente, analítica em qualquer região.

Exercise 23 A conjugação complexa z (ou z ) de um número z de…nida por

i
z = x + iy =) z = z x iy = re

20
Veri…que se e onde é diferenciável a função: W = z .
2
Exercise 24 Veri…que se e onde é diferenciável a função: W = jzj = zz . Resp:

U = x2 + y 2 ; V = 0
@U @U
= 2x ; = 2x
@x @y

esta função só pode ser diferenciável na origem. Para veri…car se esta função é realmente diferenciável na
origem, precisamos veri…car se as derivadas parciais são contínuas. O que de fato é verdade. Então, a função
acima é diferenciável na origem. Mas esta função não é analítica em nenhuma região.

Como vimos, a última função é uma função real perfeitamente diferenciável. Como um mapa R2 ! R
em W = U + iV = x2 + y 2 , U = x2 + y 2 ; V = 0 ambas as funções são perfeitamente diferenciáveis. Assim,
a condição de diferenciação complexa é algo mais forte que a diferenciação real.
Se uma função f : C ! C satisfaz as equações de CR e as derivadas parciais existem e são contínuas, a
derivada complexa desta função existe e é dada por

0 @U @V
f (z) = U (x; y) + iV (x; y) =) f (z) = +i :
@x @y

Exercise 25 Mostre que, em coordenadas polares, as condições de CR se tornam

@U @V @U @V
r = ; = r
@r @ @ @r

e que a derivada de uma função pode ser calculada como:

0 @U @V @U @V
f (z) = +i = (cos i sin ) +i :
@x @y @r @r

Resp: Veja o livro do Churchil pg 65.

De…nition 26 Se f : C ! C possui diferencial complexa em todos os pontos num aberto centrado em z0 ,


dizemos que f é analítica, ou holomór…ca, em z0 .

De…nition 27 Uma função f : C ! C é dita inteira (entire function) se for analítica em qualquer ponto
de C .

De…nition 28 Uma função f : C ! C possui uma singularidade no ponto z1 se ela não for analítica neste
ponto. Isto inclui o caso em que f não está de…nida em z1 .

Proposition 29 Se f e g são funções analíticas num domínio E então:


1. f + g é analítica em E

21
2. f g é analítica em E
3. wf é analítica em E para todo w complexo ou real
4. f g é analítica em E
5. f =g é analítica em E exceto nos zeros de g.

Proposition 30 Se f; g : C ! C são funções analíticas, então a composta f g : C ! C é analítica.

Exercise 31 Veri…que que se f (z) e f (z) são ambas analíticas numa região D, então f é constante em D.
Resp: pg 73 Churchill.

22
3 Funções harmônicas
Como vimos, a característica de uma função ser diferenciável complexa é uma restrição bastante forte nesta
função (bem mais forte que diferenciabilidade real). Estas condições estão relacionadas com a equação de
Laplace.
Por exemplo, a distribuição de calor num corpo u obedece a equação

@u
r2 u = 0
@t

no regime estacionário (@u=@t = 0) em duas dimensões temos a equação (17).


A equação de difusão do calor e a equação de onda, no caso estacionário se reduz a equação
de Laplace. Como veremos nos exemplos a seguir, esta equação possui uma in…nidade de aplicações, em
especial, no eletromagnetismo e na dinâmica dos ‡uidos.
Uma função H : Rn ! R é chamada harmônica num certo domínio D se suas derivadas parciais de
primeira e segunda ordem forem contínuas em D e H satisfaz a equação diferencial
n
X @2H
=0
i=1
@x2n

conhecida como equação de Laplace. No que segue, estamos interessados no caso em duas dimensões H :
R2 ! R,
Hxx (x; y) + Hyy (x; y) = 0 ; (17)

Falar sobre unicidade da solução.


Funções harmônicas possuem a notável propriedade de que se você traçar um círculo ao redor de um
ponto, e encontrar o valor médio da função dentro deste círculo, este valor é sempre igual ao valor da função
no centro deste círculo, que é igual a média do valor da função na fronteira. Desde que a função esteja
de…nida dentro de todo o círculo e em sua fronteira. Esta propriedade pode ser usada para resolver, de forma
iterativa, o problema de Dirichlet, i.e., …xada a condição na fronteira, qual o valor da função numa região.
Este efeito pode ser observado numa chapa quente.
Vejamos como estas funções se relacionam com as funções analíticas.

Theorem 32 Se uma função f (z) = u (x; y) + iv (x; y) é analítica, então as funções u e v são harmônicas.

Assumindo que f é analítica em D, então nesta região ela deve obedecer às condições de CR

@u @v @u @v
= ; = (18)
@x @y @y @x

23
diferenciando ambos os lados destas igualdades em relação a x temos

@2u @2v @2u @2v


2
= ; =
@x @x@y @x@y @x2

Da mesma forma, diferenciando com relação a y temos

@2u @2v @2u @2v


= ; =
@y@x @y 2 @y 2 @y@x

Lembrando que a continuidade da derivada parcial garante que

@2u @2u @2v @2v


= ; =
@y@x @x@y @y@x @x@y

temos

@2u @2v @2u @2v @2v @2v


= = = =) + =0;
@x@y @x2 @y@x @y 2 @y 2 @x2
@2u @2v @2v @2u @2u @2u
= = = =) + 2 =0:
@y 2 @y@x @x@y @x2 @x2 @y

Ou seja u e v são harmônicos em D. Por outro lado, se duas funções u e v são harmônicas em D e suas
derivadas parciais satisfazem às condições de CR, ou seja, é possível construir uma função complexa
analítica u + iv com estas funções, então v é chamada de harmônica conjugada de u.

Theorem 33 Uma função f (z) = u (x; y) + iv (x; y) é analítica em D apenas se v é a harmônica conjugada
de u.

É importante notar que se v é a harmônica conjugada de u, isso não garante que u é a harmônica conjugada
de v (observe que as condições de CR (18) não são simétricas em u e v).
Por exemplo, as funções
u (x; y) = x2 y 2 ; v (x; y) = 2xy :

Enquanto a função
f = u + iv = z 2

é analítica. A função
f = v + iu ;

não é analítica em nenhum ponto.

Exercise 34 Veri…que a a…rmação acima.

É possível mostrar (ver Churchill) que se uma função u é harmônica em D, então ela é a parte real de

24
alguma função analítica em D. Além disso, se a harmônica conjugada existe, ela é única a menos de uma
constante aditiva.
Assim, dada uma função harmônica, podemos sempre construir uma função analítica. Por exemplo,

u (x; y) = y 3 3x2 y

é harmônica. Pela primeira relação de CR (18) sua harmônica conjugada deve obedecer

@u @v @v
= =) = 6xy =) v (x; y) = 3xy 2 + (x)
@x @y @y

usando agora a segunda relação

@v 0 @u
= 3y 2 + (x) = = 3y 2 3x2 =)
@x @y
0 0
3y 2 (x) = 3y 2 3x2 =) (x) = 3x2 =) (x) = x3 + C

Assim v (x; y) = 3xy 2 + x3 + C é a harmônica conjugada de u e a seguinte função é analítica

f (z) = y 3 3x2 y + i 3xy 2 + x3 + C :

Utilizando as propriedades das funções analíticas é possível concluir uma série de propriedades para as funções
harmônicas quando estas são conjugadas. Por exemplo, se f é analítica então

f = u + iv =) f 2 = u2 v 2 + i (2uv)

também será. Assim o produto e a diferença do quadrado de duas funções harmônicas conjugadas também
são funções harmônicas.

Remark 35 O produto de duas funções harmônicas não é em geral uma função harmônica.

Remark 36 Toda solução da eq. de Laplace pode ser expandida em série de potências numa região sem
singularidades.

(Soluções são tabeladas)


Encontrar soluções da equação de Laplace (e de equações diferenciais em geral) não é uma tarefa trivial.
Por isso as soluções conhecidas são compiladas em tabelas que possam ser consultadas por quem deseje
resolver um determinado problema prático.
Características e o método de construção da conjugada descrito acima permite, a partir do conhecimento
de uma solução, construir um par de soluções conjugadas e, consequentemente, encontrar vários outros
elementos para compor estas tabelas.

25
Remark 37 Se f : C ! R é harmônica e g : C ! C é analítica então f g é harmônica. Dizemos que
mapas analíticos preservam soluções da equação de Laplace, ou que a equação de Laplace é invariante por
transformações analíticas.

3.1 Campos irrotacionais de divergência nula


Uma grande quantidade de problemas em física envolve a presença de campos conservativos, i.e., campos
cujo trabalho necessário para se movimentar sob sua ação independe do caminho seguido. Por exemplo,
o movimento de uma massa num campo gravitacional, ou de uma carga num campo elétrico constante
(r E = @B=@t). Estes campos são irrotacionais. Se estes campos não possuírem fontes ou
sorvedouros (e.g., num campo elétrico estamos tratando uma região sem cargas r:E = ="0 ) eles também
possuem a sua divergência nula.
Por exemplo, um ‡uido newtoniano incompressível de viscosidade constante é descrito pela seguinte
particularização da equação de Navier–Stokes

@v
+ v:rv = rp + r2 v ;
@t

no caso estacionário onde não há nenhum tipo de aceleração (@v=@t + v:rv = 0) e não há gradiente de
pressão (rp = 0) temos a equação de Laplace para as componentes de v. A incompressibilidade implica
ainda r:v = 0, e se não houver rodamoinhos no ‡uído r v = 0.

26
Consideremos então campo vetorial num plano, que pode ser tanto um problema de mecânica dos ‡uidos,
como de eletromagnetismo, onde o ‡uido poderia ser o campo elétrico.
Podemos descrever este campo vetorial como

V (x; y) = u (x; y) x
^ + w (x; y) y^ :

Se este ‡uído é irrotacional (um campo conservativo ou um ‡uído sem rodamoinhos)

@ @
@x @y @Vy @Vx @w @u @w @u
r V = 0 =) = = = 0 =) = (19)
Vx Vy @x @y @x @y @x @y

Se não houver nenhuma fonte ou sorvedouro do nosso ‡uído (sem cargas, ou um ‡uido incompressível), então
sua divergência também será nula

@Vx @Vy @u @w
r V (x; y) = + = 0 =) = (20)
@x @y @x @y

Assim, a função
f =V u iw

obedece as condições de CR (19) e (20).


Assim, se V descreve um campo irrotacional sem fontes nem sorvedouros, então a função f = V : C ! C
é diferenciável. Além disso, se as derivadas parciais de V forem contínuas, f será uma função analítica.
Ademais temos que as componentes de f são funções harmônicas.
Lembrando que um campo irrotacional sempre pode ser escrito como o gradiente de uma função escalar,
pois
@ @ @ @ @ @
V (x; y) = r (x; y) = x
^+ y^ =) r V = =0:
@x @y @x @y @y @x
(onde para trocarmos as derivadas precisamos que : R2 ! R tenha derivadas parciais contínuas) podemos
escrever

@ @
V (x; y) = r (x; y) =) u = ; w=
@x @y
@ @
f =u iw = i
@x @y

Lembrando a expressão (16)


0 @U @U
W = i :
@x @y

27
que obtivemos anteriormente temos

0 @u @u
F = u + iv =) F = i
@x @y
0 @ @
F =f = i =) = Re F (21)
@x @y

Vemos que, nas condições acima, a função é a parte real da antiderivada de f . Este resultado também é
bastante útil.

Example 38 Por exemplo, vamos encontrar o potencial que gera o campo (o encontro de 2 rios)

V (x; y) = 2x^
x 2y y^ =) V = 2x i2y
f = V = 2x + i2y = 2 (x + iy)
f (z) = 2z

Fácil que f é analítica (veri…que!). Assim V descreve um campo irrotacional sem fontes nem sorvedouros
que, consequentemente, pode ser descrito por um escalar. Observando que

0
F = z 2 =) F = 2z = f

Do fato de F 0 ser também analítica e usando a relação (21) temos

= Re F = x2 y2 :

E determinamos assim o potencial que gera o nosso campo conservativo.

O estudo da equação de Laplace, ou o estudo das funções harmônicas, é chamado de teoria dos potenciais.

28
Remark 39 Toda função analítica corresponde a um campo irrotacional de divergência nula. Um ‡uido
incompressível sem rodamoinhos, um campo elétrico sem cargas etc.

4 Integral
Como f : C ! C pode ser vista como composta por um par de funções R2 ! R (mais algumas pro-
priedades) é natural supor que, assim como ocorre na diferenciação, o conceito de integral de uma função
complexa também se relacione com a integral de funções no plano.
Observe que, a princípio, poderíamos tentar de…nir a integral de uma função complexa como a integral
da parte imaginária e real, i.e., como a integral de duas funções no plano
Z Z Z Z Z Z Z
?
f (z) dz = (U (x; y) + iV (x; y)) dx dy = U (x; y) dx dy + i V (x; y) dx dy ; (22)

ou seja, a integral de uma função complexa seria uma integral de área. Mas, neste caso, a integral da função
f (z) = 2z seria

f (z) = 2z = 2 (x + iy)
Z Z Z Z Z Z Z Z
2x dx dy + i 2y dx dy = 2x dx dy + i 2y dy dx

= yx2 + ixy 2 :

Mas observe que desta forma a derivada desta "primitiva" F = yx2 + ixy 2 não corresponde a cuja derivada
complexa de novamente f (z), pois
d 2
yx2 + ixy 2 6= z 2 ; z = 2z
dz
Ou seja, a de…nição (22) não corresponde a uma operação inversa a nossa de…nição de diferenciação.
Este é um argumento de porque não de…nimos a integral desta forma.
Nós queremos ter, também para funções complexas, um análogo do teorema fundamental
do cálculo.
Além disso, lembrando da nossa representação grá…ca dos números complexos, temos que dz = dx + idy
pode ser visto como um vetor in…nitesimal no plano x; y, ou seja, se comporta como dr = ^{dx + ^|dy. Todos
estes argumentos indicam que a de…nição de integral que queremos não se relaciona com integrais de áreas,
mas sim com integrais de curvas.
Como vimos acima, o conceito de limite no plano complexo deve levar em conta que temos vários caminhos
possíveis para nos aproximarmos do ponto em questão. Da mesma forma, o conceito de integrar entre dois
pontos, possui a mesma questão de qual caminho percorremos para chegar de um ponto a outro. Este
problema também existe na integral de linha de funções no plano. Assim, vamos primeiro rever o que
acontece neste último caso.

29
4.1 Teorema de Green
Um campo vetorial num plano é uma função que a cada ponto deste plano associa um vetor. Tal campo pode
ser usado, por exemplo, para descrever o comportamento de um ‡uido, um campo eletromagnético etc.
Um dos grandes interesses no estudo de problemas práticos é saber qual o trabalho realizado para se
mover neste campo vetorial. Por exemplo, queremos mover uma carga elétrica por um campo elétrico, ou
uma massa num campo gravitacional, ou ainda um barco por um rio.
Em todos estes casos, o trabalho realizado será:
Z
W = F:dr (23)
C

onde, num plano, F (x; y) = U (x; y)^{ + V (x; y) ^


| é o campo vetorial (neste caso a força) e dr = ^{dx + ^
|dy um
elemento de deslocamento na trajetória C. Em geral este trabalho depende, não apenas do caminho,
mas também do sentido que este caminho é seguido.
Exemplo: Vamos calcular a integral de linha do campo

F = (3x y) i + (x + 5y) j

sobre a circunferência unitária. Este caminho pode ser parametrizado como

30
2
x = cos !t ; y = sin !t ; t 2 0;
!

onde ! está relacionado com a velocidade que percorremos a curva. Assim


Z Z
W = F:dr = (U (x; y) dx + V (x; y) dy)
C C
dx dy
x = x (t) ; y = y (t) =) dx = dt ; dy = dt ;
dt dt
Z 2!
dx dy
W = (3x y) + (x + 5y) dt
0 dt dt
dx dy
= ! sin !t ; = ! cos !t
dt dt
Z !2

W = ((3 cos !t sin !t) ( ! sin !t) + (cos !t + 5 sin !t) (! cos !t)) dt
Z0
= ! ( (3 cos !t sin !t) sin !t + (cos !t + 5 sin !t) cos !t) dt
Z
= ! 3 cos !t sin !t + sin2 !t + cos2 !t + 5 sin !t cos !t dt
Z Z 2
!
= ! (( 3 + 5) sin !t cos !t + 1) dt = ! (2 sin !t cos !t + 1) dt
0
Z 2 Z 2 ! Z 2
!
! ! ! 2
= ! 2 sin !t cos !tdt + 1dt =! 2 sin !t cos !tdt +
0 0 0 !
Z 2
!
! 1 2
= ! 2 sin 2!t dt +
0 2 !
Z 2
! !
2 =!
! 2 1 2
= ! sin 2!t dt + =! cos 2!t +
0 ! 2! 0 !
2
= ! =2 :
!

Observe como o valor calculado não depende de !, a velocidade com que percorremos a curva.
Vamos calcular a integral (23) para um campo F arbitrário, mas para um caminho especí…co, por exemplo,
um retângulo:
(0; 0) ! (a; 0) ! (a; b) ! (0; b) ! (0; 0)

31
Z Z
W = F:dr = (U (x; y)^{ + V (x; y) ^
|) : (^{dx + ^
|dy)
ZC C

= (U (x; y) dx + V (x; y) dy) :


C

Na primeira parte do caminho (0; 0) ! (a; 0) ; dr = ^{dx =) dy = 0:


Z (a;0) Z a
(a;0)
W j(0;0) = (U (x; y) dx + V (x; y) dy) = U (x; 0) dx
(0;0) 0

Enquanto na segunda parte (a; 0) ! (a; b) ; dr = ^


|dy =) dx = 0
Z (a;b) Z b
(a;b)
W j(a;0) = (U (x; y) dx + V (x; y) dy) = V (a; y) dy
(a;0) 0

Da mesma forma
Z 0 Z a
(0;b)
W j(a;b) = U (x; y) dx = U (x; b) dx
a 0
Z 0 Z b
(0;0)
W j(0;b) = V (x; y) dy = V (0; y) dy
b 0

(o sinal de menos vem do fato do percurso ser na direção em que x e y diminuem). O trabalho total é a soma

32
do trabalho de cada parte:

(a;0) (a;b) (0;b) (0;0)


W = W j(0;0) + W j(a;0) + W j(a;b) + W j(0;b)
Z a Z b
= [U (x; 0) U (x; b)] dx + [V (a; y) V (0; y)] dy (24)
0 0

Um ponto importante é que cada uma das integrais acima é uma integral ordinária em apenas uma
variável. Assim, no cálculo de qualquer das integrais acima a função integrada pode ser tratada como uma
função de uma única variável. Assim, podemos fazer, por exemplo:
Z b
dfx (y)0 0
U (x; y) = fx (y) =) fx (y) = =) fx (y) dy = fx (b) fx (0)
dy 0

0 dfx fx (y + dy) f (y) U (x; y + dy) U (x; y) @U


fx (y) = = lim = lim =
dy dy*0 dy dy*0 dy @y
Z b Z b
0 @U
fx (y) dy = fx (b) fx (0) =) dy = U (x; b) U (x; 0)
0 0 @y
Da mesma forma Z a
@V
dx = V (a; y) V (0; y)
0 @x
Substituindo em (24) temos
Z a Z b Z b Z a
@U @V
W = dy dx + dx dy
0 0 @y 0 0 @x
Z a Z b
@V @U
= dx dy
0 0 @x @y

Assim, para o nosso caminho quadrado


Z Z Z Z
@V @U
W = F:dr = (U (x; y) dx + V (x; y) dy) = dA
C C @x @y
R

Suponha agora que o nosso quadrado tenha sido dividido, por exemplo, por uma linha vertical no ponto
x = h < a e calculamos o trabalho para percorrer cada um dos dois quadrados:

(h;0) (h;b) (0;b) (0;0)


W1 = W(0;0) + W(h;0) + W(h;b) + W(0;b)
(a;0) (a;b) (h;b) (h;0)
W2 = W(h;0) + W(a;0) + W(a;b) + W(h;b)

33
onde
Z b
(h;b)
W(h;0) = V (h; y) dy
0
Z 0 Z b
(h;0) (h;b)
W(h;b) = V (h; y) dy = V (h; y) dy = W(h;0)
b 0

Então
(h;0) (0;b) (0;0) (a;0) (a;b) (h;b)
W1 + W2 = W(0;0) + W(h;b) + W(0;b) + W(h;0) + W(a;0) + W(a;b)

Agora observamos que


Z h Z a Z a
(h;0) (a;0) (a;0)
W(0;0) + W(h;0) = U (x; 0) dx + U (x; 0) dx = U (x; 0) dx = W(0;0)
0 h 0
(h;b) (0;b) (0;b)
W(a;b) + W(h;b) = W(a;b)

Assim
(a;0) (a;b) (0;b) (0;0)
W1 + W2 = W j(0;0) + W j(a;0) + W j(a;b) + W j(0;b) = W

Ou seja, não importa que divisão façamos no nosso quadrado todas as contribuições das partes internas irão
se cancelar (porque são percorridas na ordem inversa) e sobrará apenas as bordas.
Assim, para uma superfície fechada qualquer, podemos subdividi-la em quadrados, somar todas as con-
tribuições dos quadrados e o que teremos será a integral de linha nas bordas da região interna do caminho.
É importante notar que qualquer buraco na nossa área, i.e., regiões que não pertencem ao
domínio das funções geraram bordas e contribuirão para a integral.
Assim, de forma geral, para um caminho fechado que encerre uma superfície simplesmente conexa (sem

34
buracos) temos: I I Z Z
@V @U
F:dr = (U (x; y) dx + V (x; y) dy) = dA (25)
C C @x @y
R

Este é o teorema de Green e permite, através do cálculo de integrais de áreas, que não envolve produtos
vetoriais, calcular uma integral de linha.
Exemplo: Vamos voltar ao nosso exemplo anterior

F = (3x y) i + (x + 5y) j
U = (3x y) ; V = (x + 5y)
@V @U
= 1; = 1
@x @y
I Z Z Z Z Z Z
@V @U
F:dr = dA = [1 + 1] dA = 2 dA = 2 :
C @x @y
R R R

Este teorema também permite ver que, se


I
@V @U
= =) F:dr =0 ;
@x @y C

para qualquer curva fechada. Ou seja, F é um campo conservativo. Veja que esta expressão concorda com
(19) que obtivemos porque F é um campo gradiente.
Se F é um campo conservativo temos
Z Z
@f @f @f @f
F = rf = ^+
x ^ =)
y F:dr = ^+
x ^ : (^{dx + ^
y |dy) ;
@x @y C C @x @y
Z Z Z B
@f @f
F:dr= dx + dy = df = f (B) f (A) ;
C C @x @y A

para A e B os limites de C. Assim Z


rf:dr =f (B) f (A) ;
C

é uma generalização do Teorema Fundamental do Cálculo para funções de várias variáveis.


Como veremos a seguir, todo o material desenvolvido acima está intimamente ligado com o cálculo de
integrais de funções complexas.

4.2 Integrais complexas


Dos resultados anteriores, sabemos que integrais complexas estão intimamente ligadas às integrais de campos
vetoriais. Assim, se quisermos obter uma generalização do teorema fundamental do cálculo, assim como () é

35
esta generalização para funções no plano, devemos interpretar nossas integrais complexas como integrais de
linha. No caso de funções complexas, estas integrais de linha são chamadas de integrais de caminhos.
Agora, se tratarmos a integral Z
f (z) dz
C

como uma integral de linha sobre uma curva C no plano complexo, podemos, assim como na integral de linha
de funções reais, parametrizar esta curva por um parâmetro t qualquer e escrever

dx dy
C (t) = x (t) + iy (t) =) dx = dt = xdt
_ ; dy = dt = ydt
_
dt dt
Z Z Z
f (z) dz = f (x (t) + iy (t)) (x_ + iy)
_ dt = f (z (t)) z_ dt
C C C

Usando as de…nições e os resultados acima podemos calcular a integral de funções complexas no plano
complexo
Exemplo: vamos integrar f (z) = z de 1 até i por duas linhas retas de 1 ! 0 e 0 ! i linha reta
Z Z Z
z dz = z dz + z dz ; C1 : 1 ! 0 ; C2 : 0 ! i
C C1 C2

Parametrizando por
z = x + iy

temos
Z Z Z
z dz = (x iy) (dx + idy) + (x iy) (dx + idy)
C C1 C2
Z 0 Z 1
= x dx + y dy
1 0
1 1
= + =0:
2 2

E ao longo do arco
Z Z =2
z dz = z ( ) z_ d
C 0
Z =2 Z =2
i i
= e ie d =i d =i
0 0 2

Do resultado acima vemos que a integral, em geral depende do caminho de integração.


Exemplo 2: Vamos integrar a nossa função f (z) = 2z como uma integral de linha, por exemplo, do

36
ponto 0 ao ponto 1 + i por uma linha reta

x = y =) x = t ; y = t =) x_ = 1 = y_
Z Z 1 Z 1 1
2 2 t2 2
f (z) dz = 2 (t + it) (1 + i) dt = (1 + i) 2tdt = 2 (1 + i) = (1 + i) = 2i
C 0 0 2 0

E por duas linhas retas 0 ! 1 e 1 ! (1 + i)


Z Z 1 Z 1+i
f (z) dz = 2 (x + iy) (dx + idy) + (x + iy) (dx + idy)
C 0 1
Z 1 Z 1
= 2 x dx + (1 + iy) (idy)
0 0
Z 1 Z 1 Z 1
= 2 x dx + 1 (idy) + i y (idy)
0 0 0
Z 1 Z 1 Z 1
= 2 x dx + idy y dy
0 0 0
Z 1
= 2 idy = 2i :
0

Repetindo este processo in…nitas vezes podemos ver que, neste caso, a integral não depende do caminho.
Observe também que neste caso, se assumirmos que a integral é uma antiderivada, temos
Z
1+i 2
2z dz = z 2 0
= (1 + i) = 2i :
C

Então neste caso, e isso pode ser veri…cado para qualquer pontos iniciais e …nais, nossa de…nição concorda
com a idéia de antiderivação.

4.3 Integrais de funções analíticas


Vamos agora usar a nossa de…nição de integral complexa como uma integral de linha, temos
Z
f = u + iv =) f (z) dz = (26)
C
Z Z Z
(u + iv) (dx + idy) = (u dx v dy) + i (u dy + v dx)
C C C

A existência da integral acima depende da existência da integral de u e v e, assim como no caso dos
campos, a curva C deve ser lisa por partes.
Lembrando que C é um caminho sobre o plano complexo, i.e., o plano x; y, cada uma das duas integrais

37
acima é da forma Z
(u (x; y) dx + v (x; y) dy)
C

ou seja, temos duas integrais de caminho (reais) para os campos vetoriais

F1 = u^
x v^
y ; F2 = v^
x + u^
y

Se a curva C for uma curva fechada, podemos então agora usar o teorema de Green (25) para calcular

I Z Z
@ ( v) @u
F1 :dr = dA
C @x @y
R
I Z Z
@u @v
F2 :dr = dA
C @x @y
R

Usando agora as relações de CR temos


I Z Z Z Z
@u @v @v @u @u @u
= =) F1 :dr = dA = dA = 0
@y @x C @x @y @y @y
R R
I Z Z Z Z
@v @u @u @v @v @v
= =) F2 :dr = dA = dA = 0
@y @x C @x @y @y @y
R R

Assim, o teorema de Green para funções no R2 , as condições de CR e a nossa de…nição das integrais complexas
como integrais de linha no plano complexo, garantem que cada um dos termos em (26) é zero. De outra
forma, se f é uma função analítica num domínio E C a integral sobre qualquer curva fechada em E, lisa
por pedaços (uma exigência para que a integral dos campos esteja bem de…nida), então
I
f (z) dz = 0 : (27)

Este é o teorema de Cauchy-Goursat.

Remark 40 Obviamente o resultado acima já era esperado, uma vez que funções analíticas são campos
conservativos e, para tais campos, a integral por um circuito fechado é zero. O ponto aqui é que, para se
obter o resultado (27), passamos de uma integral de linha para uma integral de área. Ou seja, este resultado
só é válido se a nossa função for analítica em toda a área no interior da curva fechada. De outra forma,
mesmo que a função seja analítica em todas as regiões em torno do caminho de integração, se ela for singular
num único ponto dentro da região, não podemos mais usar os resultados acima.

Como conseqüência, a integral de f de um ponto z1 até um ponto z2 depende apenas dos pontos e

38
independe do caminho Z Z z2
f (z) dz = f (z) dz :
C z1

Na verdade, já sabíamos deste fato, uma vez que funções analíticas são campos irrotacionais (conservativos).
Obviamente toda a discussão acima depende do fato da função ser analítica e, consequentemente, não
possuir singularidades na região em consideração. Em geral a integral de uma curva fechada que envolva
uma singularidade não será igual a zero.

Remark 41 Para funções não analíticas, temos de calcular uma integral de linha e o resultado irá, no geral,
depender da curva e não só dos extremos.

39
4.4 Antiderivada
Voltemos ao cálculo da integral Z
f (z) dz
C

através da parametrização

dx dy
C (t) = x (t) + iy (t) =) dx = dt = xdt
_ ; dy = dt = ydt
_
dt dt

com o que temos Z Z Z


f (z) dz = f (x (t) + iy (t)) (x_ + iy)
_ dt = f (z (t)) z_ dt
C C C

Vamos primeiro supor que os pontos iniciais e …nais estão sobre o eixo dos reais. Para o caso de caminhos
C também sobre o eixo dos reais (dy = 0) a integral acima é da forma
Z Z b
f (z (t)) z_ dt = w (t) dt ; a; b 2 R :
CR a

Onde w é uma função complexa, mas com argumentos reais, w : R ! C. Ou seja, w é uma restrição do
domínio de f sobre o eixo real.
Vamos ver o que acontece com a integral da função w (z (t)) w (t) = u + iv. Onde, como estamos
caminhando apenas no eixo real, u = u (x) e v = v (x) são funções reais de uma única variável real,
u; v : R ! R. Assim, usando o teorema fundamental do cálculo para funções reais temos
Z b Z b Z b Z b
w (t) dt = (u + iv) dt = u dt + i v dt
a a a a
b b b
= U (t)ja + i V (t)ja = W (t)ja ;

onde
dU dV
U0 = =u ; V0 = = v ; W = U + iV
dt dt
Da expressão acima vemos que
Z b
b 0
w (t) dt = W (t)ja ; W = w ; (28)
a

onde, obviamente, a mesma parametrização z (t) deve ser usada para w e W . O resultado acima diz que:

Remark 42 Para funções complexas com argumentos reais, temos uma generalização do teorema fun-
damental do cálculo.

Obviamente, assim como no caso de integrais reais, a função deve estar bem de…nida em todo o eixo real.

40
Exemplo: calcular
Z =4
=4 1 1
eit dt = ieit 0
= p +i 1 p
0 2 2

O resultado acima pode ser usado para se de…nir a integral inde…nida de uma função complexa, sua
primitiva ou a antiderivada. Obviamente, se estamos procurando uma primitiva de uma função, esta só
dependerá dos pontos iniciais e …nal de integração. E, como vimos, isto só está garantido para funções
analíticas. Assim, vamos procurar primitivas apenas de funções analíticas.
Se f é analítica, sabemos que para qualquer caminho temos
Z z2 Z 1
f (z) dz = f (z (t)) (x_ + iy)
_ dt
z1 0

com z (0) = z1 e z (1) = z2 terá o mesmo valor. Usando (28) temos


Z b
b 0
w (t) dt = W (t)ja ; W = w
a

então existe uma função F tal que


Z 1
1 0
f (x_ + iy)
_ dt = F j0 ; F = f (x_ + iy)
_ = f z_
0

(onde 0 é a derivada pelo parâmetro real) mas para qualquer função F (z (t))

0 dF dF
F (z) = z_ = f z_ =) =f :
dz dz

Assim, se para uma função analítica f de…nirmos um caminho qualquer z 0 (t) ; t 2 [0; 1]
Z z Z 1
0 0
F (z) = f (z (t)) dz = f (z 0 (t)) (x_ 0 + iy_ 0 ) dt
0 0

com z 0 (t = 0) = 0 e z 0 (t = 1) = z teremos
0
F =f

e podemos dizer que F é a antiderivada de f . A de…nição acima é independente da parametrização (desde


que z 0 (1) = z).
Observe que isso só é possível porque f é analítica e, consequentemente, a integral só depende dos extremos
do caminho. O resultado acima é o nosso teorema fundamental do cálculo complexo para funções
analíticas.
Do nosso estudo de derivadas é fácil ver que, assim como no caso de funções reais F está de…nida a

41
menos de uma constante.
Exemplo: A utilização da antiderivada é, no cálculo de integrais, idêntico ao cálculo nos reais
Z 1+i 1+i 3
2 z3 (1 + i) 2
z dz = = = (i 1) :
0 3 0 3 3

4.5 Integrais de contorno


Vamos agora integrar a função
1
f (z) =
z
num caminho C que seja um circulo de raio unitário começando e terminando em 1. Podemos parametrizar
o circulo fazendo

dz
z = eit =) = ieit
dt
Z Z 2 Z 2 Z 2
dz
z dz = e it dt = e it
ieit dt = i dt = 2 i :
C 0 dt 0 0
Z Z
1 z
dz = dz
C z C zz
como no circulo zz = 1
Z Z Z 2
1 z it dz
dz = dz = e dt
C z C zz 0 dt
Z2 Z 2
it it
= e ie dt = i dt = 2 i :
0 0

Diferente de zero. Porque f não é analítica em todos os pontos dentro do contorno.

Exercise 43 Veri…que os pontos onde 1=z é analítica.

Suponha agora um outro círculo de raio R, neste caso teríamos:


Z Z Z Z
1 z z 1
dz = dz = dz = 2 z dz
C z C zz C R2 R C

fazendo
dz
z = R exp (it) =) = iR exp (it)
dt

42
Figure 2: Figura 3

temos

dz
z = eit =) = ieit
dt
Z Z Z 2
1 1 1 dz
dz = 2 z dz = 2 R exp ( it) dt
C z R C R 0 dt
Z 2 Z 2
= e it ieit dt = i dt = 2 i :
0 0

A parametrização acima mostra ainda que qualquer circulo em torno da origem daria o mesmo
resultado.
Observe agora que se …zermos a integral pelo caminho da …gura abaixo
Ou seja, de A até D pelo circulo, depois de D até C então de C até B pela …gura externa e, …nalmente
de B de volta para A teremos percorrido um caminho fechado que não contem nenhuma singularidade, i.e.,
0
nesta região a função é analítica. Assim, neste contorno C temos
I
1
dz = 0
C 0 z

Mas a integral sobre o caminho D ! C é igual ao negativo da integral B ! A e, consequentemente, a


integral na curva externa é igual a integral da curva interna. Este resultado mostra que:

Remark 44 se f é uma função analítica com uma singularidade num ponto, qualquer integral ao redor desta

43
singularidade (percorrida na mesma direção), tem o mesmo valor independente da curva.

Assim, I
1
dz = 2 i
C z
para qualquer curva C que circule a origem.

De…nition 45 Dizemos que a função f tem um pólo no ponto w se

lim jf (z)j = 1
z !w

Vamos calcular a integral I


1
n dz :
C (z z0 )
num contorno C que circule z0 . Esta função tem um pólo em z = z0 . Mas sabemos que qualquer caminho
dará o mesmo resultado. Assim, escolhemos o caminho C que é um circulo unitário centrado em z0 , i.e., C
0
é o circulo z = z0 + ei . Com isso

z = z0 + ei ; z_ = i ei
I Z 2 Z 2
1 1 i
n dz = n ie d = e i n iei d
C (z z0 ) 0 (ei ) 0
Z 2 (
i (1 n) 2 i para n = 1
= i e d = (29)
0 0 para n 6= 1

Exemplo: Calcule a integral I


z
dz
C z2 1
com C um círculo centrado na origem de raio 2.
Primeiro se veri…ca-se quantas singularidades estão no interior do circuito. No caso, as duas. Depois se
faz a decomposição

z z 1 (z + 1) + (z 1) 1 (z + 1) (z 1)
= = = +
(z 2 1) (z + 1) (z 1) 2 (z + 1) (z 1) 2 (z + 1) (z 1) (z + 1) (z 1)
1 1 1
= +
2 (z 1) (z + 1)

44
com isso, usando (29),
I I
z 1 1 1
dz = + dz
C z2 1 C 2 (z 1) (z + 1)
I I
1 1 1
= dz + dz
2 C (z 1) C (z + 1)
1
= [2 i + 2 i] = 2 i :
2

Exemplo: Calcular f (z) = z em torno do círculo de raio unitário e em torno do quadrado 1 i.


Em torno do círculo temos Z 2 Z 2
i i
e ie d =i d =2 i
0 0

Ao redor do quadrado
Z 1
z = 1 + ti =) (1 ti) i dt = 2i
1
Z 1
z= 1 ti =) (( 1 + ti) i) dt = 2i
1
Z 1
z=t i =) (t + i) dt = 2i
1
Z 1
z= t + i =) ( t i) i dt = 2i
1

Num caso 2 i no outro 8i.


Resumindo:

Integrais de funções não analíticas devem ser calculadas em todos os pontos da curva.

Integrais de funções inteiras (analíticas em todo o plano complexo) sobre domínios fechados são zero.

Integrais de funções inteiras não depende do caminho (podemos escolher de acordo com a conveniência).

Integrais de funções analíticas com singularidades podem ser calculadas por qualquer caminho que não
contorne a singularidade

Integrais fechadas de funções analíticas que envolvem singularidades só precisam ser calculadas ao redor
dos pontos de singularidade.

Cuidados especiais com funções multivalentes:


Exemplo: uso da antiderivada no cálculo da integral de funções multivalentes.
p
Vamos calcular a integral da função f (z) = z do ponto 1 até 1 através de um semi-circulo acima do
eixo real, C = ei ; 0 .

45
Como vimos anteriormente, esta função possui vários ramos. Apesar de todos estes ramos possuírem a
mesma forma funcional, seus domínios de de…nição são diferentes para cada corte escolhido. Por exemplo,
suponha que se escolheu o seguinte corte:

1=2 p
f1 (z) = [z (r; )] r exp (i =2) ; r > 0 ; 0 < <2

Neste corte não podemos efetuar a integral pelo método da anti-derivada, porque a função não é analítica
no caminho (não podemos de…nir a derivada, porque não podemos nos aproximar do ponto por qualquer
caminho sem cruzar a linha de corte) este ramo não é analítico, não está de…nido, em z = 1). Podemos
resolver este problema fazendo o corte em outro lugar. Por exemplo, fazendo o corte = =2

1=2 p
f2 (z) = [z (r; )] r exp (i =2) ; r > 0 ; =2 < < 3 =2

Neste caso, como nosso caminho não cruza a linha de corte e, conseqüentemente, o ramo escolhido é analítico
em todo o percurso, podemos calcular

2 3=2 0
F = z =) F = z 1=2
3
Z r=1; = r=1; =
2 3=2 2 p 3
z 1=2 dz = z = r exp i
C 3 r=1; =0 3 2 r=1; =0
=
2 3 2 3
= exp i = exp i exp (0)
3 2 =0 3 2
2 2
= [ i 1] = (1 + i)
3 3

Qualquer caminho acima do eixo real pode ser calculado da mesma maneira.
Agora, se quisermos efetuar o mesmo cálculo por um caminho C2 que liga o mesmo ponto, mas passa pela
parte abaixo do eixo real, devemos escolher um novo ramo da função. Por exemplo, podemos fazer o corte
em = =2
1=2 p
f3 (z) = [z (r; )] r exp (i ) ; r > 0 ; =2 < < 5 =2

observe que = 0 não está no domínio desta função.

46
2 3=2 0
F = z =) F = z 1=2
3
Z r=1; = r=1; =
2 3=2 2 p 3
z 1=2 dz = z = r exp i
C 3 r=1; =2 3 2 r=1; =2
=
2 3 3 3 3
= exp i = exp i exp i2
3 2 =2 2 2 2
2 3
= exp i exp (3i )
3 2
2 3
= [ i ( 1)] = [1 i]
3 2

Observe que, mesmo tendo a mesma forma funcional, o resultado é diferente.

4.6 A formula integral de Cauchy


Se f é uma função analítica num domínio E C pelos resultados acima temos que
I
f (z)
dz = 0
C 0 z w
0
para qualquer caminho C que não contorne o ponto z = w (pois f é analítica, mas o integrando tem
uma singularidade).
Vamos imaginar uma curva como a da …gura 2 com w no centro do círculo interno (observe que há um
circulo interno que circunda a singularidade, mas há o caminho externo que não circunda). O ponto crucial
é que o cálculo da integral na …gura, por qualquer caminho, independe do tamanho (raio) do círculo interno.
Isso signi…ca que, se C é o circulo interno, que circunda a singularidade em w, esta integral terá o mesmo
valor para qualquer círculo, em especial (a seguir eu usei o símbolo ?C ! 0 para indicar que o diâmetro
do círculo tende a zero) I I
f (z) f (z)
dz = lim dz : (30)
C z w ?C !0 C z w
Mas como f é analítica, quando o círculo tente ao ponto z = w temos

lim f (z) = f (w)


z !w

para qualquer caminho do limite (lembrando que para funções analíticas o limite acima não depende do
caminho). Assim temos I I
f (z) 1
lim dz = f (w) dz :
?C !0 C z w C z w
Usamos agora a integral de contorno (29) e calculamos

47
I
1
dz = 2 i
C z w

Retornando este resultado em (30) temos


I I I
f (z) f (z) 1
dz = lim dz = f (w) dz
C z w ?C !0 C z w C z w
= f (w) 2 i

ou ainda I
1 f (z)
f (w) = dz (31)
2 i C z w
onde lembramos que C é qualquer curva que circunde a singularidade (i.e., que circunde w). Esta
é a fórmula integral de Cauchy.
A fórmula acima mostra a característica bastante peculiar das funções analíticas de que seu valor numa
certa região é totalmente determinado pelo valor nas bordas desta região. Assim, uma vez de…nido as
condições da função na fronteira, não há mais nenhuma liberdade na de…nição dos seus valores internos. Ou
ainda, qualquer alteração em qualquer ponto da fronteira, altera todos os demais valores da função. Este
comportamento pode ser visto, por exemplo, no estado de equilíbrio de uma chapa aquecida, onde o valor
da temperatura nos pontos da borda da chapa determina seu valor em toda a chapa (lembrando que a parte
real e imaginária de uma função analítica obedece, cada uma, a equação de Laplace).
Exemplo de aplicação: Calcule a integral
I
z
dz
C (9 z 2 ) (z + i)

onde o caminho C é um circulo de raio 2 (jzj = 2) centrado no ponto z0 = i. Solução: Apesar do integrando
ter uma singularidade no interior do caminho, observe que a função

z
f (z) =
(9 z2)

é analítica em toda a região de interesse. Assim, podemos usar a fórmula integral de Cauchy para escrever
I
1 z 1 ( i)
f ( i) = dz = =)
2 i C (9 z 2 ) (z + i) 9 ( i)
2

I
z 1 ( i)
2 ) (z + i)
dz = 2 i = :
C (9 z 9 ( i)
2 5

48
4.7 Derivadas de funções analíticas
Vamos voltar à integral I
f (z)
dz
C z w
para uma curva C que circunda a singularidade w. Vamos agora parametrizar esta curva por z (t), t 2 [0; 1],
com isso I Z 1
f (z) f (z (t))
dz = z_ dt :
C z w 0 z (t) w
Usando agora a fórmula integral de Cauchy (31) temos
Z 1
1 f (z (t))
f (w) = z_ (t) dt :
2 i 0 z (t) w

Vamos calcular agora a derivada da função f (w)


Z 1
d 0 1 d f (z (t))
f (w) = f (w) = z_ dt :
dw 2 i dw 0 z (t) w

Observe que a quantidade dentro do sinal de integral pode ser considerada como uma função de w e t.
Usando agora a regra de Leibniz (que garante que, para integrais reais, nós podemos diferenciar através
do sinal de integral) temos
Z 1
0 1 @ f (z (t))
f (w) = z_ dt :
2 i 0 @w z (t) w
(observe que a integral é uma função apenas de w mas o integrando é uma função de w e t por isso, quando
entra na integral a derivada total vira uma derivada parcial). Efetuando agora a diferenciação
Z 1 I
0 1 f (z) 1 f (z)
f (w) = 2 z_ dt = 2 i 2 dz :
2 i 0 (z w) C (z w)

Repetindo este procedimento n vezes temos que


I
(n) n! f (z)
f (w) = n+1 dz ;
2 i C (z w)

esta é a fórmula de Cauchy para as derivadas. Do resultado acima temos o importante:

Theorem 46 Se f é uma função analítica numa região E C; e C é uma curva simples (cujo percurso não
se cruza) fechada em E, então para um ponto z0 dentro da curva C, a n-ésima derivada de f existe e é dada
por I
(n) n! f (z)
f (z0 ) = dz : (32)
2 i C (z z0 )n+1

49
Este resultado garante que, se a função é analítica, além de ser diferenciável (como já sabíamos), ela
pode ser in…nitamente diferenciável. Lembrando que uma função f é analítica em z0 se, e somente
se, existe uma vizinhança deste ponto onde a derivada de f existe em cada ponto desta vizinhança, temos
que todas as derivadas também serão funções analíticas em E. Pois a derivada estará de…nida para todos os
pontos z0 dentro do contorno e f (n+1) existe em todos os pontos de E, então f (n) é analítica em E.
A existência de todas estas derivadas garante que podemos expandir uma função analítica em série de
Taylor (que é a de…nição de funções analíticas para funções de variáveis reais).
O resultado acima é mais uma diferença gritante entre funções reais diferenciáveis e funções complexas
diferenciáveis. (Obviamente, se uma função real possui uma derivada de ordem n isso não garante a existência
da derivada de ordem n + 1 e, conseqüentemente, a função pode não ser expansível em série de Taylor.)
Como corolário do teorema acima temos:

Corollary 47 Se u : R2 ! R é uma função harmônica, então ela possui derivadas de todas as ordens,
e cada uma destas derivadas também são funções harmônicas, pois se f = u + iv é analítica, e portanto
contínua, segue que
@u @v @u @v
f0 = +i = +i
@x @x @y @y
e, portanto as derivadas de u e v também são contínuas e assim sucessivamente para as demais derivadas.

Existe também uma versão inversa do teorema de Cauchy-Goursat.

Theorem 48 Se f = u + iv é dada por funções u e v contínuas numa região e satisfaz a condição


I
f (z) dz = 0 ;
C

para qualquer contorno fechado, então f é analítica nesta região. Este é o teorema de Morera.

Os resultados acima são essenciais para o estudo de série de potências de funções analíticas. Assim,
exemplos de aplicação destes resultados serão dados diretamente no desenvolvimento das seções seguintes.

5 Séries de Taylor
A decomposição em série de funções possui uma in…nidade de aplicações práticas, por exemplo, para se
estimar o valor de certas funções (quando se pressiona o botão seno da calculadora o que ela faz é calcular a
série do seno até uma certa ordem e assim em todos os cálculos numéricos).
Para funções complexas, além desta aplicação prática, uma série de outras propriedades das funções (além
do seu valor) podem ser obtidas pela sua expansão em série de potências. Para funções complexas, se f (z)
é uma função in…nitamente diferenciável num ponto z0 , então (como no caso de funções reais) de…nimos sua

50
série de Taylor em torno de um ponto z0 como
1
X f (k) (z0 ) k
(z z0 )
k!
k=0

onde f 0 = f e 0! = 1! = 1.
Observe que, para funções reais, em geral esta série não é igual a f . Por exemplo a função
(
0, para x 0
f (x) = 1
:
e101 exp x2 , para x > 0

Esta função é in…nitamente diferenciável em qualquer ponto x e todas as derivadas são zero na origem. Assim,
a série de Taylor desta função em torno da origem calculada no ponto 1 vale 0, o que, obviamente é bem
diferente de f (1) = e101 e 1 = e100 .
Além disso, uma série de Taylor pode não convergir. E do exemplo acima vemos que, mesmo que ela
convirja, pode convergir para algo que não se relaciona com a nossa função. De forma geral, a
questão da convergência desta série é um ponto bastante intrincado. Entretanto, como veremos, esta questão
se torna muito mais simples quando nos restringimos apenas a funções analíticas.
Se f (z) é uma função analítica numa região E interior a um círculo C0 centrado em z0 , para qualquer
ponto em z 2 E podemos usar a formula integral de Cauchy (31) para escrever
I
1 f (z 0 )
f (z) = dz 0
2 i C1 z0 z

onde C1 é um caminho fechado interior a E que tomaremos como um círculo de raio r1 . Vamos tomar C1
dentro de E de sorte que possamos traçar um novo circulo C0 maior que C1 .

51
Observe agora que
1 1 1 1
= = z z0 (33)
z0 z (z 0 z0 ) (z z0 ) (z 0 z0 ) 1 z 0 z0

mas para qualquer complexo com 6= 1 temos


n
1 2 n 1
=1+ + + ::: + +
1 1

Para ver isso, multiplique ambos os lados por (1 )

2 n 1 n
1 = (1 ) 1+ + + ::: + +
2 n 1 2 n 1 n n
= 1+ + + ::: + + + ::: + + +
n n
= 1 +

Assim, podemos escrever (33) como


" #
n 1 n
1 1 z z0 z z0 1 z z0
= 1+ 0 + ::: + + z z0
z0 z z0 z0 z z0 z0 z0 1 z 0 z0
z0 z0

multiplicando por f (z 0 ) temos

f (z 0 ) f (z 0 ) f (z 0 ) f (z 0 ) n 1
= + 2 (z z0 ) + ::: + n (z z0 )
z0 z z z0 (z 0 z0 ) (z 0 z0 )
f (z 0 ) 1 n
+ 0 n z z0 (z z0 )
(z z0 ) (z 0 z0 ) 1 z 0 z0
f (z 0 ) f (z 0 ) f (z 0 ) n 1
= + 2 (z z0 ) + ::: + 0 n (z z0 )
z z0 (z 0 z0 ) (z z0 )
f (z 0 ) 1 n
+ 0 n 0
(z z0 )
(z z0 ) (z z)

Dividindo cada termo por 2 i e integrando ao longo de C1 temos


I I I
1 f (z 0 ) f (z 0 )
1 1 f (z 0 )
dz 0 = 0
dz + (z z0 ) dz 0 +
2 i C1 z0 z C1 z2 iz0 2 i C1 (z 0 z0 )2
I
1 f (z 0 ) n
+::: + (z z0 ) dz 0 (34)
2 i C1 (z 0 z) (z 0 z0 )n

Usando agora a fórmula de Cauchy para a derivada (32) temos que


I
1 f (z 0 ) 1 (k)
k+1
dz 0 = f (z0 )
2 i C1 (z z0 ) k!

52
Podemos então escrever (34) como

f (n 1)
(z0 ) n 1
f (z) = f (z0 ) + f 0 (z0 ) (z z0 ) + ::: + (z z0 ) + Rn (35)
(n 1)!

onde n I
(z z0 ) f (z 0 ) 0
Rn = n dz :
2 i C1 (z 0 z) (z 0 z0 )
Vamos chamar de r1 o raio da nossa curva C1 . Pegando agora um ponto z dentro da curva C1 e um ponto
z 0 na curva C1 , i.e., jz 0 z0 j = r1 e jz z0 j = r < r1 . Com isso temos jz 0 zj = j~r1 ~rj r1 r (lembre
que z 0 é o caminho sobre o circulo C1 de raio r1 ).
n I
jz z0 j f (z 0 ) 0
jRn j = n dz
2 C1 (z 0 z) (z 0 z0 )
n I
r f (z 0 ) 0
= 0 0 n dz
2 C (z z) (z z 0 )
I 1
rn jf (z 0 )j
jdz 0 j
2 C1 jz 0 zj jz 0 z0 jn
Z
rn 2 jf (z 0 )j
= r1 d
2 0 j~r1 ~rj (r1 )n
Z 2
r n r1 jf (z 0 )j
= n d
2 (r1 ) 0 j~r1 ~rj

(lembre-se que a integral de é uma soma de vetores que é sempre menor que a soma dos módulos).
Lembrando que
jz 0 zj = j~r1 ~rj r1 r

temos Z Z Z
2 2 2
jf (z 0 )j jf (z 0 )j 1
d d = jf (z 0 ( ))j d
0 j~r1 ~rj 0 r1 r r1 r 0

Voltando na expressão de jRn j temos


Z 2
r n r1 1
jRn j n jf (z 0 ( ))j d
2 (r1 ) r1 r 0

Agora, se
M = max (jf (z 0 )j) ; z 0 2 E

ou seja, M é o valor máximo do módulo de f (jf (z 0 )j M ; z 0 2 E), este valor existe porque f é
analítica em E.

53
Podemos escrever Z Z Z
2 2 2
jf (z 0 ( ))j d M d =M d =2 M
0 0 0

Com isso temos n


r n r1 2 M r1 M r
jRn j n = ;
2 r1 (r1 r) r1 r r1
Mas como
r
<1
r1
temos
lim Rn = 0 :
n!1

(lembre-se que se uma seqüência converge em módulo ela converge). Assim, quando n tende a in…nito o limite
da soma dos n termos do segundo membro da igualdade (35) converge e podemos escrever

1
X n f (n) (z)
f (z) = f (z0 ) + an (z z0 ) ; an =
n=1
n! z=z0

Lembrando agora que o circulo C1 que traçamos é um circulo qualquer dentro do circulo maior C0 , temos
como resultado que: quando f é analítica no interior do circulo C0 a convergência da sua série de Taylor
está garantida. De outra forma, a convergência da série de Taylor em torno de um ponto z0 de uma função
analítica está garantida até o primeiro ponto de singularidade da função (i.e., onde a função deixa de ser
analítica). Este é o raio de convergência da série de Taylor de uma função analítica.
Para o caso especial em que z0 = 0 esta série é chamada de série de Maclaurin

X1
f (n) (0) n
f (z) = f (0) + z :
n=1
n!

Exemplo 1: Vamos desenvolver a série de Maclaurin da função

f (z) = ez

Veri…que que f é inteira (exercício). Para esta função temos

f (n) (0) = 1

Assim, temos
X1
zn
ez = 1 + para jzj < 1 :
n=1
n!

Diferente do que ocorre para funções complexas, para o caso de funções reais devemos provar a convergên-

54
cia da série de Taylor para toda a região de interesse e, mais ainda, veri…car que a série converge para a
função de interesse. Entretanto, os resultados obtidos aqui permitem obter estes resultados diretamente dos
resultados obtidos para funções complexa.
Por exemplo, no exemplo acima nossa função é inteira e, conseqüentemente, a série está de…nida e
converge para a função em todo o espaço. Em especial nos pontos sobre o eixo real. Com isso temos
que
X1
xn
ex = 1 + ; _x 2 R :
n=1
n!

O mesmo sendo verdade para qualquer função inteira.


Exemplo 2:
" #
1 0 1
f (z) = ; f (0) = 2 = 1
1+z (1 + z) z=0
" # " #
00 1 (n) n 1 n
f (0) = 2 3 = 2 ; f (0) = ( 1) n! n+1 = ( 1) n! :
(1 + z) z=0 (1 + z) z=0

a série de Maclaurin vale


1
X
1 n
= ( 1) z n
1 + z n=0

Observe que o raio de convergência desta série é jzj < 1.


Exemplo 3: Vamos agora calcular a série de Maclaurin da função

1
f1 =
1 z

calculando as derivadas temos

n!
f (n) (z) = n+1 =) f (n) (0) = n!
(1 z)

e a série toma a forma


X f (n) (0) 1
X
1
f1 (z) = z n =) = zn
n! 1 z n=0

cujo raio de convergência vale jzj < 1 (até o ponto de singularidade z = 1).
Manipulação de séries:
Exemplo: Calcule a série de Maclaurin da função

1
f2 = para jzj < 1 :
1+z

55
Vamos usar aqui a importante característica de que a série, se existir, é única. Diferente do exemplo
anterior, o ponto de singularidade desta função é z = 1. Entretanto, como jzj = j zj os pontos de
interesse também estão no raio de convergência do exemplo anterior. De outra forma, podemos
usar a expansão anterior para os pontos para calcular f1 ( z) = f2 (z) ;

1
X 1
X n 1
f1 (z) = z n =) f1 ( z) = ( z) = = f2 ;
n=0 n=0
1+z
X1
1 n
= ( 1) z n ; jzj < 1 :
1+z n=0

0 0
Continuando com o exemplo, podemos fazer a substituição z = z + 1 z 1 = z tanto na série quanto
no raio de convergência da série acima
1
X
1 n
= ( 1) z n ; jzj < 1 =)
1+z n=0
X1 n
1 1 n 0 0
= 0 = ( 1) z 1 ; z 1 <1
1 + z0 1 z n=0

1
Temos assim a série de Taylor em torno do ponto z = 1 da função f3 (z) = z . Observe que a função se
torna singular em z = 0 que é até onde vai o raio de convergência.

5.1 Serie de Laurent


Vamos calcular a série para a função
1 + 2z 2
f (z) = :
z3 + z5
Para isso, vamos escrever esta função na forma

1 1 + 2z 2 1 1 + 2z 2 + 2 2
f (z) = =
z3 1 + z2 z3 1 + z2
!
1 2 z2 + 1 1 1 1
= = 3 2
z3 1 + z2 z 1 + z2

Esta função não pode ser expandida em torno de z = 0. Mas o segundo membro dentro dos parênteses
pode,
1
X 1
X
1 n 1 n
= ( 1) z n ; jzj < 1 =) = ( 1) z 2n ; jzj < 1
1 + z n=0 1 + (z 2 ) n=0

56
Então, nos pontos jzj < 1, onde a série acima está de…nida, e para o ponto z 6= 0 onde 1=z 3 também está
de…nido tempos

1
!
1 1 1 X n
2 = 2 ( 1) z 2n
z3 1 + z2 z3 n=0
1
= 2 1 + z 2 z 4 + z 6 + :::
z3
1 1
= 3
+ z 1 + z 3 + :::
z z
0 < jzj < 1

Assim, apesar de ter uma singularidade na origem nós conseguimos expandir a função em série na região
entre dois círculos concêntricos jzj > 0 e jzj < 1. Esta é uma série (num anel) em torno de um ponto singular
z = 0.
Diferente das séries de Taylor, a série acima contém potências negativas de z. Ou seja,

Remark 49 é possível tomar em conta a singularidade da função se adicionarmos a série potências negativas
do termo de expansão.

Uma série de potências com potências negativas é chamada de série de Laurent.

Se a função f é analítica na região entre os círculos r2 < jz z0 j < r1 da …gura, temos pela fórmula
integral de Cauchy (31)
I I
1 f (z 0 ) 0 1 f (z 0 ) 0
f (z) = dz dz :
2 i C1 z0 z 2 i C2 z0 z

57
Tratemos agora cada uma das integrais acima.

5.1.1 A primeira integral

Esta integral pode ser tratada exatamente como no caso da série de Taylor. Fazendo

1 1 1 1
= = z z0
z0 z (z 0 z0 ) (z z0 ) z0 z0 1 z 0 z0

e usando

N
X1 n N
z z0 1 (z z0 ) (z z0 ) 1
= =) z z0 = n + N 1
z0 z0 1 z 0 z0 n=0
(z 0 z0 ) (z 0 z0 ) (z 0 z)

temos
Z Z Z
1 f (z 0 ) 0 1 0 1 1 0 1 1
dz = f (z ) 0 dz = f (z 0 ) z z0 dz 0
2 i C1 z0 z 2 i C1 z z 2 i C1 z0 z0 1 z 0 z0
Z " n
#
1 1 X1 (z z0 )
k
(z
n
z0 ) 1
= f (z 0 ) 0 k
+ n 1 dz 0
2 i C1 z z0 (z 0 z0 ) (z 0 z0 ) (z 0 z)
k=0
n
X1 m
= am (z z0 ) + R n
m=0

onde
Z
1 f (z 0 )
an = n+1 dz 0 ; n = 0; 1; ::::
2 i C1(z 0 z0 )
n Z
(z z0 ) f (z 0 ) 0
Rn = 0 n dz :
2 i C1 (z z) (z 0 z0 )

Tanto os coe…cientes an quanto RN são os mesmos obtidos para a série de Taylor. E sabemos que limn!1 jRn j =
0.

5.1.2 Segunda integral fazemos

Lembrando que para obter


n
r1 M r
lim jRn j = lim =0:
n!1 n!1 r1 r r1
usamos que

r
<1
r1

58
este procedimento não funciona para o circulo C2 , pois, neste caso r > r2 . Assim, para a segunda integral,
devemos seguir um outro caminho. Fazendo

1 1 1 1
= = z 0 z0
z0 z (z z0 ) (z 0 z0 ) (z z0 ) 1 z z0

1 1
(onde colocamos em evidência (z z0 ) e não (z 0 z0 ) , como antes) usando, novamente,

n
X1 n
1 k
= +
1 1
k=0

temos n
n (z0 z0 )
z0 z0 1 X1 (z 0 z0 )
k
(z z0 ) n 1
= =) = k
+
z z0 1 z0z0 (z z0 ) (z z0)
z z0 k=0

assim !
n
X1 k n
1 (z 0 z0 ) 1 (z 0 z0 )
= k+1
+ n
z0 z (z z0 ) (z z 0 ) (z z0 )
k=0

mudando para k = m 1

n
!
1 X (z 0 z0 )
m 1
1 (z 0 z0 )
n
= m + n
z0 z m=1
(z z0 ) 0
(z z ) (z z0 )

com o que, a segunda integral …ca,


I I
1 f (z 0 ) 0 1 1
dz = f (z 0 ) dz 0
2 i C2 z0 z 2 i C2 z0 z
n I " #
1 X (z 0 z0 )
m 1
1 (z 0 z0 )
n
= m + f (z 0 ) dz 0
2 i
C2 m=1 (z z0 ) (z z 0 ) (z z0 )n
Xn I
1 m 1 1
= (z 0 z0 ) f (z 0 ) dz 0 m
m=1
2 i C2 (z z0 )
I n
1 1 (z 0 z0 )
+ n f (z 0 ) dz 0
2 i C2 (z z 0 ) (z z0 )
Xn
1
= bk k
+ Qn
k=1 (z z0 )

59
onde
Z Z
1 0 n 1 0 1 0 f (z 0 ) 0
bn = (z z0 ) f (z ) dz = n+1 dz
2 i C2 2 i C2 (z 0 z0 )
I n
1 (z 0 z0 )
Qn = n f (z 0 ) dz 0
2 i (z z0 ) C2 (z z0)

Fazendo jz z0 j = r ; jz 0 z0 j = r2 , jz 0 zj = j~r ~r2 j r r2


Z n Z n
1 (z 0 z0 ) 1 jz 0 z0 j
jQn j = n f (z 0 ) dz 0 jf (z 0 )j jdz 0 j
2 jz z0 j C2 (z z0) 2 rn C2 jz z 0 j
Z 2 n Z 2
1 (r2 ) 1 n r2
jf (z 0 )j r2 d = (r2 ) jf (z 0 )j d
2 rn 0 r r2 2 r n r r2 0

De…nindo
N = max (jf (z)j)

temos Z 2
jf (z 0 )j d 2 N
0

e, consequentemente,
r2 n N r2
jQn j
r r r2
Como agora
r2
r2 < r < r1 ) <1;
r
temos
lim jQn j = 0 :
n!1

Com isso temos


1
X 1
X
n bn
f (z) = an (z z0 ) + n
n=0 n=1
(z z0 )
I
1 f (z 0 )
an = n+1 dz 0
2 i C1 (z 0 z0 )
I
1 f (z 0 )
bn = n+1 dz 0
2 i C2 (z 0 z0 )

Além disso, sendo a função analítica em todo o domínio r2 < jz z0 j < r1 então, com a devida orientação,
podemos usar o teorema de Cauchy (27) e mostrar que
I I I
= =
C1 C2 C

60
onde C é qualquer caminho na região anular onde a função é analítica. Temos então o teorema:

Theorem 50 Se f é analítica na região entre os círculos C1 de raio r1 e C2 de raio r2 , ambos centrados em


z0 então em cada ponto z da região r2 < jz z0 j < r1 , f (z) é representada por uma série convergente de
potências positivas e negativas de (z z0 ),

1
X 1
X
n bn
f (z) = an (z z0 ) + n
n=0 n=1
(z z0 )
I
1 f (z 0 )
an = n+1 dz 0
2 i C (z 0 z0 )
I
1 f (z 0 )
bn = n+1 dz 0 (36)
2 i C (z 0 z0 )

onde C é qualquer caminho simples fechado na região r2 < jz z0 j < r 1 .

Esta fórmula pode ser escrita na forma mais compacta


1
X I
n 1 f (z 0 )
f (z) = An (z z0 ) ; An = n+1 dz 0 : (37)
n= 1
2 i C (z 0 z0 )

É importante observar que, mesmo no caso dos coe…cientes dos termos positivos an , não podemos mais
identi…car as integrais com as derivadas da função (usando a fórmula (32)) porque a função não é mais
analítica no interior da curva fechada C. Assim, no caso geral, os coe…cientes devem ser calculados com as
técnicas de integração já desenvolvidas. Entretanto, como veremos, estes coe…cientes raramente precisam ser
calculados explicitamente.
Se a função é analítica em todos os pontos (incluindo z0 )
I
1 f (z 0 )
bn = n+1 dz 0 = 0 ; n > 0
2 i C (z 0 z0 )

porque não há singularidade no integrando. Além disso, como neste caso f é analítica em todos os pontos
no interior de C, podemos novamente usar a fórmula integral de Cauchy para as derivadas nos coe…cientes
an . Assim, neste caso, voltamos a ter a série de Taylor.
Exemplo: Encontrar a série de Laurent em torno de z = 0 da função

ez
f (z) = ; jzj > 0
z2

Neste caso, como a função é analítica para todo z 6= 0 o circulo C1 é in…nito. Para encontrar a série
procurada precisamos apenas lembrar que a série de Laurent também é única. Assim, se encontrarmos
uma expansão em série (qualquer uma) que seja igual a nossa função na região de interesse, então esta é a
nossa série.

61
Usando a série de Maclaurin da exponencial temos

X1
zn
ez =
n=0
n!

(que é válida em todo o espaço) basta observar agora que, para qualquer ponto z 6= 0 a seguinte série
converge
1 1
1 X zn X zn 2 1 1 1 z z2
= = + + + + + :::
z 2 n=0 n! n=0
n! z2 z 2! 3! 4!

como esta série é convergente na região de interesse e, nesta região, ela é igual a nossa função,
então esta é a série procurada.

Remark 51 A nossa série começa com o coe…ciente b2 = 1 (e não de 1).

Você poderia obter o resultado acima usando a de…nição (36) através de um caminho qualquer em torno
de z0 = 0 e da parametrização deste caminho. Neste caso você encontraria
Z (
1 f (z 0 ) 0 0 ; n 6= 2
bn = n+1 dz =
2 i C (z 0 z0 ) 1; n=2

Isso sempre funciona. Entretanto, o método descrito acima é o que usamos na prática.
Exemplo: Encontre a série de Laurent em torno de z = 1 da função

1
f= 2 ; jzj < 1 :
(z 1)

Esta expressão já está na forma da série (37) com A 2 = 1 e todos os outro An = 0.

62
Exemplo: Obter a série de Laurent que represente a função

1
f=
z2 (1 z)

na região 0 < jzj < 1:


Esta função possui 2 singularidades, então podemos achar sua representação em série em cada uma
destas regiões, 0 < jzj < 1; jzj > 1. Estamos interessados na primeira região.
Observando que 1= (1 z) não é singular em z = 0, portanto podemos escrever a série de MacLaurin

1 X
= z n ; jzj < 1 (38)
1 z

e sabendo, é claro, que a série é convergente para jzj < 1.


Observando agora que, para jzj > 0, 1=z 2 também não é singular (e já tem a forma de uma série de
Laurent). Temos que o produto das séries

1 X X 1 1
zn = zn 2
= + + 1 + z + z 2 + :::
z2 z 2 z
0 < jzj < 1

converge na região de interesse e é a série procurada


Exemplo: O mesmo do item anterior na região jzj > 1. Nesta região a série (38) obtida anterior-
mente não converge. Entretanto podemos escrever

1 X 1
n
1 1 1X 1
n

1 = =) =
1 z
z z 1 z1 z z
1 1 X 1 1 X 1 1 X 1
= =) = =) =
z 1 z zn 1 z z n+1 1 z n
z n+1

que converge na região de interesse jzj > 1. Assim


! 1 1
1 X 1 X 1 X 1 X 1
= = =
z2 n
z n+1 n
z n+1+2 n=0
z n+3 n=3
zn

é a série procurada na região jzj > 1.

Remark 52 Se uma série converge num certo domínio interior ao círculo jz z0 j < R esta série é uma
função analítica neste domínio.

63
Exemplo: Veri…que se a seguinte função é inteira
(
(sin z) =z ; z 6= 0
f (z) =
1; z=0

A série de Maclaurin do seno vale


1
X n z 2n+1
sin z = ( 1)
n=0
(2n + 1)!

Podemos então calcular


1 1
1 1X n z
2n+1 X n z 2n z2 z4
sin z = ( 1) = ( 1) =1 + + :::
z z n=0 (2n + 1)! n=0 (2n + 1)! 3! 5!

Esta série converge em todo espaço, então ela representa uma função analítica em todo o espaço
(uma função inteira). Além disso, ela é igual a nossa função em todos os pontos e, como a expansão em
série é única, esta é a expansão em série da nossa função. Então a nossa função é inteira. Uma vez
que isso garante que nossa função é contínua, podemos calcular

sin z
lim =1:
z!0 z

O que é válido, em especial, para o eixo real.

6 Resíduos
Vimos anteriormente que (pelo teorema de Cauchy-Goursat) a integral num circuito fechado que encerra uma
região onde a função é analítica vale zero
I
f (z) dz = 0 :
C

Por outro lado, se a função deixa de ser analítica num ponto, a integral ao longo deste ponto não vale mais
(necessariamente) zero. Mas, como vimos este valor é o mesmo para qualquer circuito que envolva o ponto
(desde que este circuito não englobe outras singularidades da função). Este valor é proporcional ao chamado
resíduo da função no ponto. Obviamente, conhecendo todos os resíduos de uma função, podemos calcular
sua integral ao redor de qualquer circuito fechado.
Um ponto singular (i.e., um ponto onde uma função deixa de ser analítica) de uma função f (z) é chamado
de isolado, se f for analítica em toda uma vizinhança (por menos que seja) deste ponto. De outra forma,
um ponto singular z0 é uma singularidade isolada se for possível encontrar um raio r onde, no círculo
0 < jz z0 j < r, a função f (z) é analítica.

64
Remark 53 Resíduos são de…nidos apenas para singularidades isoladas.

Exemplo: A função
z+1
f (z) =
z3 (z 2 + 1)
possui 3 singularidades isoladas nos pontos z = i e z = 0.
Exemplo: A função
1
f (z) =
sin z

é singular em z = 0 e em z = n =) z = 1=n. A singularidade z0 = 0 não é isolada. Pois, não importa o


tamanho do raio r, sempre podemos achar um n su…cientemente grande tal que n1 < r. Então, não existe
uma vizinhança do ponto z = 0 que não contenha outra singularidade. Vemos então, que quando
de…nimos a série de Laurent em torno de uma singularidade, estávamos falando de uma singularidade isolada.
Pois para uma singularidade não isolada a séria não teria raio de convergência.
Assim, para uma singularidade isolada z0 , sempre podemos expandir f numa série de Laurent
1
X 1
X
n bn
f (z) = an (z z0 ) + n ; 0 < jz z0 j < r :
n=0 n=1
(z z0 )

onde I I
1 f (z 0 ) 1 f (z 0 )
an = n+1 dz 0 ; bn = n+1 dz 0
2 i C (z 0 z0 ) 2 i C (z 0 z0 )
Como vimos, as singularidades da função estão relacionadas com as potências negativas desta série, ou
seja, com os coe…cientes I
1 f (z 0 )
bn = dz 0 ;
2 i C (z 0 z0 ) n+1
onde C é caminho fechado que circunda a singularidade z0 . Em especial, temos
I I
1 0 0
n = 1 ) b1 = f (z ) dz ) f (z 0 ) dz 0 = 2 ib1 ;
2 i C C

ou seja, 2 b1 é exatamente a integral da nossa função em torno da singularidade. O coe…ciente b1 é chamado


de resíduo da função f na singularidade isolada z0 ,

b1 = Res f (z) B:
z=z0

Assim, o resíduo de uma função (i.e., o primeiro termo de uma série de Laurent) fornece uma ferramenta
poderosa para o cálculo de integrais em contornos fechados.
Exemplo: Vamos calcular a integral Z
1
4 dz
C z (z 2)

65
onde C é o circulo jz 2j = 1.
O integrando possui duas singularidades isoladas (obviamente todo número …nito de singularidades é
isolado) z = 0 e z = 2. Entretanto, apenas a singularidade z = 2 está dentro da região de integração. Vamos
determinar a série do integrando em torno do ponto de interesse z = 2 (ou seja, vamos deixar todos os termos
na forma (z z0 ) com z0 = 2)

1 1 1
4 = 4
z (z 2) (z 2) 2 + (z 2)
1 1 1
= 4
(z 2) 2 1 + (z 2)
2

Usando
1
X
1
= z n ; jzj < 1
1 z n=0

temos
1
X 1
X n
(z 2) 1 1 1 (z 2)
z! =) = zn ! h i= (z 2)
= ;
2 1 z n=0 1 (z 2) 1+ n=0
2
2 2

z 2
< 1 =) jz 2j < 2
2

como nosso problema está dentro do limite desta série

X1 1
1 X ( 1)
n n
1 ( 1) n 1 1 n
= (z 2) =) 4 = 4 (z 2)
1+ (z 2)
n=0
2n z (z 2) (z 2) 2 n=0 2n
2
1
X n 4
1 (z 2) 1 1 1 1
4 = = 4 3 + 2 1 + :::
z (z 2) n=0
2n+1 2 (z 2) 22 (z 2) 23 (z 2) 24 (z 2)

1
o coe…ciente da série que multiplica o termo (z 2) , i.e., o coe…ciente b1 , vale
Z
1 1 1
b1 = = = f (z 0 ) dz 0
24 16 2 i C
Z
i
f (z 0 ) dz 0 = :
C 8

Exemplo: Z
1
exp dz
C z2

66
onde C é o círculo jzj = 1. A singularidade (isolada) está em z = 0. Sabendo que

X zn X 1 n 1
X
1 z2 1
exp (z) = ; jzj < 1 =) exp = =
n! z2 n! n=0
z 2n n!

esta série converge para


1 1
jzj < 1 ! < 1 =) < jzj =) 0 < jzj
z 1
Então a expansão em série do nosso integrando …ca

1 1 1
exp =1+ + 4 + :::
z2 z 2 z 2!

Quanto vale b1 ? Z
1
b1 = 0 = f (z 0 ) dz 0 :
2 i C

Remark 54 Do exemplo acima observe que


I
Analiticidade =) f dz = 0 :
C

mas I
f dz = 0 ; Analiticidade :
C

Exceto para o caso em que f não explode dentro da região de interesse (T. de Moreira).

(Contorno com várias singularidades)


Suponha agora que o contorno C envolva uma quantidade …nita (portanto isoladas) de singularidades
zn .
Fazendo então uma integral na região que não engloba nenhum ponto singular, i.e., onde a função é
analítica, temos I XI I XI
f dz f dz = 0 ) f dz = f dz
C n Cn C n Cn

lembrando agora que, em torno de cada singularidade zn temos


Z
1
f (z 0 ) dz 0 = Res f (z)
2 i C z=zn

temos I XI X
f dz = f dz = 2 i Res f (z) :
C Cn z=zn
n n

Este é o teorema dos resíduos de Cauchy.

67
Figure 3: Figura tirada do livro do Churchill.

Exemplo: Calcule a integral I


5z 2
dz
C z (z 1)
onde C é o círculo de raio 2 centrado na origem, jzj = 2.
O integrando possui duas singularidades, z = 0 e z = 1, ambas dentro da região de integração. Vamos
primeiro calcular o resíduo em z = 0,

5z 2
z (z 1)
1 1 1
=
z (z 1) z (z 1)
1
X
1
= z n ; jzj < 1
1 z n=0

lembre que para cálculo do resíduo o círculo em torno da singularidade pode ser quão pequeno quanto se
queira. Com isso,
1 1
(5z 2) (5z 2) X X
= zn = (5z 2) zn 1
z (z 1) z n=0 n=0
1
X 1
X
= 5 zn + 2 zn 1

n=0 n=0
1
X 1
X
(5z 2)
n 1 = m =) =2 zm 5 zn
z (z 1) m= 1 n=0
X1 1
X 1
X 1
X
1 1 2
= 2 +2 zm 5 z n = 2 + (2 5) zn = 3 zn
z m=0 n=0
z n=0
z n=0

68
Res f (z) = 2 B1
z=0

Agora, para o resíduo z = 1 temos

1 1 1 1 1
= =
z (z 1) (z 1) z (z 1) 1 + (z 1)
X1 X1
1 n 1 n n
= ( 1) z n ; jzj < 1 =) = ( 1) ((z 1)) ; jz 1j < 1
1+z n=0
1 + (z 1) n=0

com isso
1
X
5z 2 1 1 1 n n
= (5z 2) = (5z 2) ( 1) (z 1)
z (z 1) (z 1) z (z 1) n=0
2
5z 2 = 5 (z 1) + 1
5
1
5z 2 2 X n n 1
= 5 (z 1) + 1 ( 1) (z 1)
z (z 1) 5 n=0
" 1 1
#
X n n 1 2 X n n 1
= 5 (z 1) ( 1) (z 1) + 1 ( 1) (z 1)
n=0
5 n=0
" 1 1
#
X n n 2 X n n 1
= 5 ( 1) (z 1) + 1 ( 1) (z 1)
n=0
5 n=0
1
X n n 1
= 5 ( 1) (z 1) + 3 + :::
n=0
(z 1)

Res f (z) = 3 B2
z=1

Pelo teorema dos resíduos


I X
f dz = 2 i Res f (z) = 2 i (B1 + B2 )
C z=zn
n
= 2 i (2 + 3) = 10 i

Exemplo (continuação): No exemplo acima, podemos também desenvolver uma única série de Laurent

69
em torno da origem, mas que seja válida para r > 1,

5z 2 1 5z 2
=
z (z 1) z z 1
X1 1
1X
n
1 1 1 1 1
= z n ; jzj < 1 =) 1 = ; < 1 =) jzj > 1
1 z n=0
z 1 z
z n=0 z z
1
X
5z 2 1 1 1
= (5z 2) n+2
= (5z 2) + (5z 2) + :::
z (z 1) n=0
z z2 z3

Logo o resíduo vale Z


5z 2
B = 5 =) dz = 2 i5 = 10 i :
C z (z 1)

m
6.0.3 Integrais de funções da forma g (z) = (z z0 )

Para integrais da forma (com g analítica em z0 )


I
g (z)
dz (39)
C (z z0 )

onde C circunda a singularidade z0 temos


I
1 g (z)
b1 = dz :
2 i C (z z0 )

Mas se g é analítica em z0 e o raio de C for pequeno o su…ciente, podemos usar a fórmula integral de
Cauchy para escrever I
1 g (z)
g (z0 ) = dz
2 i C z z0
de onde temos I
1 g (z)
b1 = dz = g (z0 ) : (40)
2 i C (z z0 )
Ou seja, o resíduo é o próprio valor de g calculada em z0 .
Exemplo: Vamos voltar para a integral
I
5z 2
dz
C z (z 1)

70
onde C é o círculo de raio 2 centrado na origem, jzj = 2. Usando uma decomposição em frações parciais:

5z 2 A B A (z 1) + Bz
= + =
z (z 1) z (z 1) z (z 1)
(A + B) z A
=) A = 2 ; B = 3
z (z 1)

temos I I I
5z 2 2 3 5z 2 2 3
= + =) dz = dz + dz
z (z 1) z (z 1) C z (z 1) C z C (z 1)
Cada uma das integrais acima é da forma (39) em torno das singularidades z = 0 e z = 1
I I
2 g (z)
dz = dz ; g (z) = 2
C z z
I IC
3 g (z)
dz = dz ; g (z) = 3
C (z 1) C z

Usando a fórmula (40) e o teorema dos resíduos


Z
5z 2
dz = 2 i (2 + 3) = 10 i :
C z (z 1)

Observe que poderíamos, anteriormente, ter usado o resultado acima. Pois as duas funções no integrando
já estão na forma de sua série de Laurent onde vigora apenas o coe…ciente b1 .
Exemplo:
I
exp z 2
2
dz
C z +1

onde C é o círculo de raio 2 centrado na origem, jzj = 2.


As singularidades estão em z = i, ambas dentro do caminho. Observando que z = i são as raízes do
denominador do integrando, podemos escrever

1 1
=
z2 + 1 (z + i) (z i)

Se quisermos então calcular o resíduo em torno do ponto z = i fazemos


Z Z
exp z 2 exp z 2 1
dz = dz
C1 z2 + 1 C1 (z + i) (z i)

onde C1 é um caminho (pequeno o su…ciente para não englobar z = i) esta integral é da forma (39)
Z Z
exp 2 z 1 g (z) exp 2 z
dz = dz ; g (z) =
C1 (z + i) (z i) C1 (z i) (z + i)

71
observe que g (z) é analítica dentro do caminho de integração. Assim o resíduo vale

exp i 2 i 1
B1 = g (z = i) = = = :
2i 2i 2

Da mesma forma, para o resíduo em z = i,


Z Z
exp 2z 1 g (z) exp 2z
dz = dz ; g (z) =
C2 (z i) (z + i) C2 (z + i) (z i)
exp 2i i 1
B2 = g (z = i) = = =
2i 2i 2

onde C2 é um caminho (pequeno o su…ciente para não englobar z = i). Pelo teorema dos resíduos
Z
exp (z) 1 1
dz = 2 i + =2 i
C z2 + 1 2 2

Remark 55 O procedimento acima pode ser usado para o cálculo de resíduos da forma f (z) = (z n z0 ), com
f (z) analítica nas raízes do denominador.

Vamos tentar generalizar este resultado para a integral de funções na forma

g (z)
f (z) = m
(z z0 )

com g (z) analítica em z0 e g (z0 ) 6= 0. Como g é analítica na região de interesse ela pode ser decomposta
em série de Taylor em torno do ponto z0 (onde f é singular)

X1
g (n) (z0 ) n
g (z) = (z z0 ) :
n=0
n!

Numa região arbitrariamente próxima de z0 a seguinte série converge


1
X X1
1 g (n) (z0 ) n g (n) (z0 ) n m
m (z z0 ) = (z z0 ) ; 0 < jz z0 j < "
(z z0 ) n=0 n! n=0
n!

Então, nesta região, este é o desenvolvimento em série de Laurent da função f o coe…ciente b1 desta série

72
(i.e., o termo que multiplica 1= (z z0 )) vale

k 1 = n m)k 1+m=n
X1 1
X
g (n) (z0 ) n m g (k 1+m) (z0 ) k 1
(z z0 ) ! (z z0 )
n=0
n! (k 1 + m)!
k=1 m

g (m 1)
(z0 )
k = 0)
(m 1)!

com isso
g (m 1)
(z0 )
b1 =
(m 1)!
Este resultado, juntamente com (40) mostra que
(
g (z) g (z0 ) ; m = 1
Res m = g (m 1) (z0 ) (41)
z=z0 (z z0 ) ; m 2
(m 1)!

para g (z) analítica em z0 e g (z0 ) 6= 0.


Exemplo: Encontre o resíduo da função

z 3 + 2z g (z)
f (z) = 3 = 3 ; g (z) = z 3 + 2z
(z i) (z i)

Esta função tem uma singularidade em z = i. Neste ponto g é analítica e g (i) 6= 0 então

g (3 1)
(z = i) [g 00 (z)]z=i
b1 = =
(3 1)! 2
g 0 (z) = 00
3z + 2 ; g (z) = 3
3
b1 = :
2

6.1 Razões de funções analíticas


Para o cálculo do resíduo de funções na forma

p (z)
f (z) = ;
q (z)

com p e q funções analíticas num ponto z0 e q (z0 ) = 0 (i.e., z0 é um ponto singular de f ) podemos proceder
como no caso anterior. Assim, usando o fato das funções serem analíticas em z0 podemos expandi-las em
série de Taylor e tomar a razão (aqui estamos usando o fato de que se q (z) é analítica e q (z0 ) = 0, então

73
existe uma vizinhança em torno de z0 tal que q (z) 6= 0 para jz z0 j < ", ou q (z) é uma constante, veja, e.g.,
Churchill Sec. 65)

p (z) p (z0 ) + p0 (z0 ) (z z0 ) + :::


= 2
q (z) q0 q 00
(q (z0 ) = 0) + (z0 ) (z z0 ) + (z0 ) (z z0 ) =2! + :::
1 p (z0 ) + p0 (z0 ) (z z0 ) + :::
= ; 0 < jz z0 j < "
(z z0 ) q (z0 ) + q 00 (z0 ) (z z0 ) =2! + :::
0

Agora, se q 0 (z0 ) 6= 0 a expressão entre colchetes está de…nida também em z0 , assim se de…nirmos

p (z) p (z0 ) + p0 (z0 ) (z z0 ) + :::


g (z) = (z z0 ) = 0 (42)
q (z) q (z0 ) + q 00 (z0 ) (z z0 ) =2! + :::

a função g será analítica em z0 , alem disso

p (z)
g (z) = (z z0 ) = (z z0 ) f (z) ;
q (z)

ou ainda
g (z)
f (z) = ;
(z z0 )
com g (z) analítica em z0 . Usando agora o resultado (41) temos

g (z) g (z)
f (z) = =) Res f (z) = Res = g (z0 )
(z z0 ) z=z0 z=z0 (z z0 )

e, voltando a série (42) temos

p (z0 ) + p0 (z0 ) (z0 z0 ) + ::: p (z0 )


g (z0 ) = = 0 :
q 0 (z0 ) + q 00 (z0 ) (z0 z0 ) =2! q (z0 )

Concluindo, se p (z) e q (z) são analíticas em z0 com q (z0 ) = 0 e q 0 (z0 ) 6= 0, então

p (z) p (z0 )
Res = :
z=z0 q (z) q 0 (z0 )

Exemplo: Calcule os resíduos da função

cos z
f (z) =
sin z

As funções seno e cossenos são inteiras. As singularidades de f estão nos pontos sin z = 0 =) zn =

74
n (exercício: mostre isso). Além disso, para cada um destes pontos

d d n
sin z = cos z =) sin z = ( 1) 6= 0
dz dz z=zn

Então nossos resíduos são


cos z cos zn
Res = =1:
z=zn sin z cos zn

75
Figure 4: Figura tirada do livro do Churchill

6.2 Caminhos que englobam todas as singularidades


Os resultados acima podem ser simpli…cados quando o caminho C engloba todas as singularidades da função.
Lembre-se que a integral pode ser calculada através do primeiro termo da série de Laurent. O que
queremos aqui é desenvolver um método para que possamos usar os resultados acima (as técnicas para
calcular os resíduos), para o caso de caminhos que envolvam todas as singularidades.
Se a função f (z) é analítica em toda uma região fora da curva fechada C da …gura, podemos então traçar
um círculo C1 , de raio R1 e centrado em z = 0, sendo a função analítica na região entre C1 e C, a integral
por ambos os caminhos é a mesma.
Z Z
f (z) dz = f (z) dz :
C C1

Agora, na região exterior a C1 a função é analítica e, portanto, pode ser expandida numa série de Laurent
1
X
f (z) = An z n ; R1 < jzj < 1
n= 1
I
1 f (z)
An = dz (43)
2 i C0 z n+1

Onde C0 é qualquer círculo de raio R0 > R1 . Pois, como a função é analítica nesta região, a integral por
ambos os caminhos tem o mesmo valor.

76
Como no caso anterior, o coe…ciente A 1 fornece
I
1
A 1 = f (z) dz (44)
2 i C0

Entretanto, como a função engloba várias singularidades, este coe…ciente não é mais o resíduo da
função. Em especial, não podemos diminuir o círculo C0 em torno de nenhuma das singularidades sem
alterarmos o valor da integral. Lembre-se que o resíduo era a característica de um ponto e, sendo a função
analítica em torno deste ponto, podíamos usar um caminho de raio arbitrariamente pequeno. Além disso,
resíduos só estão de…nidos para singularidades isoladas. Ou seja, para que o coe…ciente A 1 sejá o resíduo
de uma função, é necessário que o domínio de validade da expansão seja algo como 0 < jz z0 j < r, pois
assim podemos garantir que a singularidade em z = z0 é uma singularidade isolada. Assim, obviamente o
desenvolvimento em série acima (uma vez efetuado) permite calcular o valor da integral, mas para usarmos
os resultados anteriores, precisamos transformar este coe…ciente num resíduo, i.e., uma integral em torno de
uma singularidade isolada.
Agora, se na expansão (43) trocarmos z por 1=z temos

1
z ! ;
z0
X 1
1 1 1 1
f = An 0n ; R0 < 0 < 1 =) > jz 0 j > 0
z0 n= 1
z z R1

e agora o domínio de validade dos nossos coe…cientes tem a forma necessária para especi…car um resíduo.
0
Porém, o coe…ciente que multiplica z 1 nesta nova série é A1 e não mais A 1 .
Entretanto, se multiplicarmos a série por z 2 temos
1
X
1 1 1 1
f = An ; > jzj > 0 ;
z2 z n= 1
z n+2 R1

lembrando que jzj > 0 está nova série também esta bem de…nida. O domínio de validade desta nova série
1
R1 > jzj > 0 mostra que z = 0 é uma singularidade isolada da função a esquerda da igualdade, portanto

1 1
A 1 = Res f :
z=0 z2 z

Usando agora (44) e lembrando que podemos integrar tanto ao longo de C1 como C, temos
Z
1 1
f (z) dz = 2 iRes f :
C z=0 z2 z

Assim a integral da função f numa região envolvendo várias singularidades, pode ser calculada através de

77
um único resíduo de uma determinada função.
Exemplo: Vamos agora voltar ao cálculo da integral
Z
5z 2
dz
C z (z 1)

onde C é o círculo de raio 2 centrado na origem, jzj = 2. Como vimos anteriormente este caminho engloba
as duas singularidades da função. Usando a gora o resultado desenvolvido acima, podemos calcular

1
5z 2 1 5 z 2 5 z2
f (z) = =) f =z 1 =z
z (z 1) z z 1 (1 z)
1 1 5 2z A B A + (B A) z
f = = + =) ; A=5
z2 z z (1 z) z (1 z) z (1 z)
Z
5z 2 1 1
dz = 2 iRes f = 2 i5 = 10 i :
C z (z 1) z=0 z2 z
Lembre-se que este mesmo exemplo

6.3 Pólos e tipos de singularidade


Como vimos, na série de Laurent a parte com potências negativas
Z
1 f (z 0 )
bn = n+1 dz 0 = 0 ; n > 0
2 i C (z 0 z0 )

é responsável por reproduzir a singularidade da função. Estes termos são chamados parte principal da série.
Assim, o estudo dos diferentes tipos de singularidade está relacionado com o estudo da parte principal da
série da função.
Estamos interessados apenas no estudo de singularidades isoladas.
Podemos identi…car 3 diferentes de singularidade, i.e., diferentes tipos de comportamento da função em
torno da singularidade.

1. Se a parte principal é …nita


bm 6= 0 ; bm+1 = bm+2 = ::: = 0

a singularidade isolada é chama de um pólo de ordem m. Um pólo de ordem m = 1 é chamado um pólo


simples.
Exemplo: como vimos antes

X1
ez zn 2 1 1 1 z z2
f (z) = = = + + + + + ::: ;
z2 n=0
n! z2 z 2! 3! 4!
jzj > 0

78
esta função tem um pólo de ordem 2 em z = 0.
Se z0 é um pólo temos
lim f (z) = 1 :
z!z0

2. O segundo tipo de singularidade ocorre quanto todos os termos da parte principal da série são zero.
Este tipo de singularidade é chamado de removível.
Exemplo: a função
sin z
f (z) = ;
z
possui uma singularidade isolada em z = 0. O desenvolvimento em série desta função fornece
1
X X1
n z 2n+1 1 n z 2n
sin z = ( 1) =) sin z = ( 1)
n=0
(2n + 1)! z n=0
(2n + 1)!
z2 z4
= 1 + + :::
3! 5!

Esta série descreve a nossa função para z 6= 0. Observe agora que se de…nirmos

f (0) = 1

a série passa a descrever a nossa função em todos os pontos do espaço. Como esta série converge em
todo espaço, ela descreve uma função analítica em todo espaço. Assim, a função
(
sin z
z; jzj > 0
f (z) =
1; z=0

é inteira. Por ser inteira, sabemos que esta função é contínua e os limites não dependem do caminho,
assim podemos a…rmar que
sin z
lim = lim f (z) = f (0) = 1 :
z !0 z z!0

Observe que de…nindo f (0) 1 nós removemos a singularidade da função. Este processo sempre
pode ser realizado para este tipo de singularidade, por isso este tipo de singularidade é chamado de
removível.

3. Quando existem in…nitos termos na parte principal da série, a singularidade é chamada de essencial.
Exemplo: Como vimos
X1
1 1 1
exp = ; 0 < jzj < 1
z n=0
n! zn

A identi…cação do tipo de singularidade da função permite simpli…car a determinação de seus resíduos e,


conseqüentemente, o cálculo de suas integrais em contornos fechados, além de informar sobre o comportamento

79
da função próximo a singularidade:

1. Se a singularidade da função é removível, o resíduo desta singularidade é, obviamente, nulo. Se z0 é


um pólo removível temos
lim f (z) = c ; c 2 C
z!z0

2. Se a função f (z) possui um pólo de ordem m, a seguinte função possui um pólo removível em z0

m
g (z) = (z z0 ) f (z) (45)

A remoção deste pólo torna uma função analítica em toda a região em torno de z0 e inclusive em z0 .
1
Assim, esta função g possui uma série de Taylor cujo coe…ciente que multiplica o termo (z z0 ) vale

g (m 1)
(z0 )
b1 =
(m 1)!

usando o procedimento da seção anterior temos o resultado (41)


(
g (z) g (z0 ) ; m = 1
Res f (z) = Res m = g (m 1) (z0 ) :
z=z0 z=z0 (z z0 ) ; m 2
(m 1)!

Com g (z) dado em (45).


Se z0 é um pólo temos
lim f (z) = 1 :
z!z0

3. Se a singularidade é essencial, praticamente todas as técnicas desenvolvidas não se aplicam e o cálculo


dos resíduos deve ser feito diretamente pelo desenvolvimento da série de Laurent da função. Se z0 é
uma singularidade essencial, então, em cada vizinhança de z0 a função assume todos os valores …nitos,
com a possível exceção de um valor, este é o teorema de Picard.

80
7 Cálculo de integrais reais
No cálculo uma integral é chamada de imprópria se um dos limites de integração for in…nito, ou se a
função não estiver de…nida em algum ponto dentro do intervalo de integração. Neste último caso,
o valor calculado pode depender da de…nição da integral (e.g., integral de Riemann, integral de Lebesgue) e
é um problema da teoria da medida. Em especial o valor da integral pode estar de…nido apenas para certas
de…nições. Aqui estamos interessados apenas no caso em que um dos limites de integração é in…nito.
Nosso objetivo é calcular uma integral da forma
Z 1
f (x) dx :
0

No cálculo diferencial para funções reais a integral imprópria de uma função f (x), contínua para x 0
pode ser de…nida como
Z 1 Z R
f (x) dx = lim f (x) dx ; (46)
0 R!1 0

esta integral está de…nida quando o limite acima existe. De forma análoga, se f (x) é contínua em todo o
plano
Z 1 Z 0 Z R2
f (x) dx = lim f (x) dx + lim f (x) dx : (47)
1 R1 !1 R1 R2 !1 0

Entretanto, mesmo para funções contínuas, o limite acima pode não existir.
Exemplo:
Z 1 Z 0 Z R2
x dx = lim x dx + lim x dx
1 R1 !1 R1 R2 !1 0
0 R2
x2 x2
= lim + lim
R1 !1 2 R1
R2 !1 2 0
R12 R22
= lim + lim ;
R1 !1 2 R2 !1 2

mas nenhum dos dois limites acima está de…nido.


Outra de…nição possível é dada pelo chamado valor principal (P.V.) de Cauchy
Z 1 Z R
P.V. f (x) dx = lim f (x) dx : (48)
1 R!1 R

Por esta de…nição, um conjunto maior de funções passa a ser integrável.


Exemplo:
Z 1 R
x2
P.V. x dx = lim =0:
1 R!1 2 R

81
É importante lembrar que se a integral (47) converge, então o valor principal existe. Entretanto, se o
valor principal de uma integral existe, isso não garante que a integral (47) esteja de…nida.
O valor principal também pode ser usado para calcular integrais que não estejam de…nidas em certos
pontos do intervalo. Por exemplo, se o integrando f (x) não está de…nido num ponto b 2 [a; c], podemos
calcular o P.V. neste intervalo fazendo:
Z "Z Z #
c b " c
P.V. f (x) dx = lim f (x) dx + f (x) dx :
a "!0 a b+"

Quando a função f (x) é par, i.e., f ( x) = f (x) então


Z 1 Z 1
1
f (x) dx = f (x) dx ;
0 2 1

além disso,
Z R Z 0
f (x) dx = f (x) dx :
0 R

Assim, neste caso, a existência do valor principal implica na existência da integral imprópria (47).
O método que vamos desenvolver está intimamente relacionado com o cálculo do valor principal de Cauchy.
Assim, para garantirmos que estes resultados se aplicam a integrais impróprias, vamos nos restringir a
funções pares.
Estamos interessados no cálculo de integrais impróprias de funções da forma

p (x)
f (x) = ; f ( x) = f (x) ;
q (x)

com p e q polinômios sem fatores em comum e com q (x) 6= 0 em todo o eixo.


Exemplo: Calcule a integral
Z 1 Z 1
1 1 1
dx = dx :
0 x2 + 1 2 1 x2 + 1

A função complexa
1
f (z) =
z2 + 1
é igual a f (x) para Im z = 0. Vamos então calcular a integral
Z
f (z) dz
C

82
Figure 5: Figura tirada do livro do Churchill

onde C é o caminho da …gura.Com isso, é fácil ver que


Z Z Z R
1
f (z) dz = f (z) dz + dx :
C CR R x2 + 1

Para estimar a contribuição da integral em CR precisamos do seguinte resultado: Se C é uma curva em C e


f : C ! C contínua, então Z
f (z) dz ML
C

onde L é o comprimento da curva e M o valor máximo do jf j. Para ver isso, basta observar que
Z Z 1 Z 1
f (z) dz = f (z) z_ dt jf (z)j : jzj
_ dt
C 0 0

e que, do cálculo de funções reais


Z 1 Z 1
jf (z)j : jzj
_ dt M jzj
_ dt = M L ;
0 0
M = max jf j :

Da …gura vemos que, para z em CR (i.e., jzj = R), com R > 1 temos

z2 + 1 z2 1 = R2 1:

83
Com isso Z
1 1
dz ( R)
CR z2 + 1 R2 1
Usando agora
R
lim =0;
R!1 R2 1
temos Z
1
lim dz = 0
R!1 CR z2 + 1
e, conseqüentemente, Z Z
1
1
2
dx = f (z) dz
1 x +1 C

Assim, basta calcular a integral de f (z) no caminho C que se resume ao cálculo dos resíduos em z = i.
Observe que o resíduo z = i não está no interior do caminho de integração. Observe também que o que
estamos calculando é o valor principal da integral.
Pelo procedimento acima, observe que
Z
zn Rn Rn+1
dz R =
CR zm + z0 Rm z0 R m z0
n+1
R
lim = lim Rn+1 m
R!1 Rm z0 R!1

84
Assim, a integral sobre o caminho CR desaparece sempre que n + 1 < m, i.e., o grau de q deve exceder o grau
de p em pelo menos duas unidades.
Exemplo: Calcule a integral Z 1
x2
2 dx
0 (x2 + 9) (x2 + 4)

1. Veri…que que o integrando é simétrico: então podemos usar o valor principal.

2. Depois veri…que se o (maior) grau do denominador é, pelo menos, uma vezes maior que a do numerador

n = 2 ; m = 4 =) n + 1 = 3 < 4 = m

Isso garante que a integral sobre o circuito CR não contribua.

Estando satisfeitas estas duas condições partimos para a função complexa

z2
f (z) = 2
(z 2 + 9) (z 2 + 4)

Esta função possui quatro pólos: z = 3i e z = 2i. Usando o caminho que vai pela parte superior do plano
z, apenas os pólos z = 3i e z = 2i estão dentro do nosso caminho de integração.
A integral pela parte inferior do plano seria diferente?
Para calcular o resíduo em z = 3i fazemos

z2 1 z2
f (z) = 2 =
(z + 3i) (z 2 3i) (z 2 + 4) (z 3i) (z + 3i) (z 2 + 4)2

Usando o resultado (41)

z2
Resz=3i = g (3i) ; g (z) = 2
(z + 3i) (z 2 + 4)
3
g (3i) = i
50

Para o cálculo do resíduo em z = 2i,

z2 1 z2
f (z) = 2 = 2 2
(z 2 + 9) [(z + 2i) (z 2i)] (z 2i) (z 2 + 9) (z + 2i)

85
e usamos novamente o resultado (41) (com m = 2)

g (z)
Res 2 = g 0 (z0 ) :
z=z0 (z z0 )
z2
g (z) = 2 =)
(z 2 + 9) (z + 2i)
2z z 1
g 0 (z) = 2 1 z +
(z 2 + 9) (z + 2i) (z 2 + 9) (z + 2i)
i 2 1 i 3 13
g 0 (2i) = 1+2 = 1+ = i
20 5 4 20 10 200

Assim, o resultado da nossa integral vale


Z 1
x2 3 13
2 dx = 2 i i i = :
0 (x2 + 9) (x2 + 4) 50 200 100

7.0.1 Numeradores com funções trigonométricas

Tanto no desenvolvimento de problemas envolvendo séries de Fourie, quanto em problemas envolvendo ondas
(eletromagnetismo, MQ etc.) encontramos integrais da forma:
Z 1 Z 1
f (x) sin (ax) dx ; f (x) cos (ax) dx :
1 1

Vamos, por exemplo, calcular a integral Z 1


cos 3x
2 dx (49)
1 (x2 + 1)
No lugar das integrais acima, vamos calcular a integral
Z 1 Z 1 Z 1
f (x) cos (ax) dx + i f (x) sin (ax) dx = f (x) exp (iax) dx :
1 1 1

Seguindo os passos anteriores, e lembrando que este integrando é par, vamos então calcular
Z Z R Z
exp (i3z) exp (i3x) exp (i3z)
2 dz = 2 dx + 2 dz
C (z 2 + 1) R (x2 + 1) CR (z 2 + 1)

o ponto aqui é observar que

jexp (iaz)j = jexp (iax) exp ( ay)j = jexp ( ay)j

86
Além disso, para a > 0,

R ! 1 =) y ! 1 =) lim jexp ( ay)j = 0 ; a > 0 :


R !1

Ou seja Z
exp (i3z)
2 dz
CR (z 2 + 1)
vai a zero mais rápido que Z
1
2 dz
CR (z 2 + 1)
enquanto esta última vai a zero pelas razões mostradas anteriormente. Assim
Z R Z
exp (i3x) exp (i3z)
2 dx = 2 dz ; a > 0 :
R (x2 + 1) C (z 2 + 1)

A integral da direita pode ser facilmente calculada pelos métodos anteriores. Possui os pólos z = i e apenas
o pólo z = i está dentro do caminho de integração
!
exp (i3z) 1 exp (i3z) d exp (i3z)
Resz=i 2 = Resz=i 2 2 = = i exp ( 3)
(z 2 + 1) (z i) (z + i) dz (z + i)2
z=i
Z
exp (i3z) 2
2 dz = 2 i ( i exp ( 3)) = :
C (z 2 + 1) e3

Para obter a integral desejada basta tomar a parte real deste valor (que é ele mesmo, mas, no caso geral,
teremos uma parte imaginária relacionada ao seno e outra real relacionada ao cosseno)
Z 1
cos 3x 2
2 dx = :
1 (x2 + 1) e3

Para usar este método, assim como no caso anterior, devemos ter:

A função f na forma p=q com p e q polinômios sem fatores comuns e o grau de q pelo menos duas vezes
maior do que o grau de p e a > 0.

Para que o valor principal concorde com a de…nição de integral imprópria devemos trabalhar, novamente,
apenas com funções pares.

87
7.0.2 Funções trigonométricas

Integrais inde…nidas de funções trigonométricas também podem ser facilmente calculadas pelo método dos
resíduos. Considere uma integral do tipo
Z 2
F (sin ; cos ) d (50)
0

onde F é um quociente de polinômios de senos e cossenos. Utilizando a representação polar dos números
complexo, podemos considerar como o argumento de z e usar a parametrização z = exp (i ), com isso,
podemos escrever

z 1 z z+z 1
sin = ; cos =
2i 2
F (sin ; cos ) ! F (z)

e escrever (50) como

1 1
dz = z_ d = iei d =) d = i dz = dz
ie iz
Z 2 Z
1
F (sin ; cos ) d = F (z) dz ; C = jzj = 1
0 C iz

Exemplo: Vamos calcular a integral Z 2


1
5 d
0 4 + sin
fazendo 1
5 5 z z 1
+ sin = + = 5iz + 2z 2 2
4 4 2i 4iz
Nossa integral se torna
Z 2 Z Z
1 4iz 1 4
5 d = 2
dz = dz
0 4 + sin C (5iz + 2z 2) iz C (5iz + 2z 2 2)
Z
2
= i
dz
C (z + 2i) z + 2

observando que apenas a singularidade z = i=2 está dentro do caminho de integração temos

1 2 4
Resz= i=2 i
= ;
z+ 2
(z + 2i) 3i
Z 2
1 4 8
5 d =2 i = :
0 4 + sin 3i 3

88
89
8 Funções ortogonais
Um exemplo bem conhecido de funções ortogonais é a série de Fourie, que aparece na solução de vários
problemas de eletromagnetismo, mecânica etc. A grade utilidade desta série é que qualquer função (bem
comportada) pode ser escrita como uma somatória de termos na forma

1
X
f (x) = (an sin (n x) + bn cos (n x)) ; x 2 [ 1; 1] :
n=0

Ou seja, não importa a forma da função (dentro do intervalo de interesse), esta função pode ser escrita
como uma somatória das funções seno e cosseno. Esta característica permite resolver uma in…nidade de
equações diferenciais. E a solução destas equações possui, obviamente, aplicações não apenas teóricas, como
também práticas (e.g., em engenharia). Além disso, este processo de decomposição de uma função arbitrária
em funções trigonométricas está presente na maioria dos equipamento de telecomunicação e computadores.
Imagine, por exemplo, que você possui uma curva bem complicada e precisa guardar (ou transmitir) esta
curva. A forma direta de você fazer isso é arquivando o valor de f (x) para cada ponto x dentro do intervalo de
interesse. Claro que para qualquer intervalo o espaço físico para este armazenamento seria in…nito, mas, dada
uma certa precisão necessária, você pode fazer isso apenas para pontos que distem de uma certa quantidade
x. Quanto menor x, melhor você consegue reproduzir a curva f (x) no futuro. Mas imagine agora que
você tem um dispositivo (um processador) capaz de calcular (não armazenar) funções trigonométricas. Neste
caso, você poderia calcular os coe…cientes an e bn da série de Fourie acima e armazenar estes coe…cientes.
Quando necessário reconstruir a curva o dispositivo pegaria estes coe…ciente, calcularia o valor dos senos e
cossenos e, com isso, poderia redesenhar a curva com a precisão que se desejasse. Obviamente a aplicação
deste método com precisão in…nita necessitaria do registro de in…nitos coe…cientes. Mas esta precisão não é
necessária. Quanto mais coe…cientes guardarmos, com mais precisão podemos reconstruir a curva. O ponto
aqui é que, para a maioria das curvas de interesse, o registro de uma centena destes coe…cientes já dá uma
precisão que, se fosse feita com o registro de pontos com x, necessitaria do registro de centenas de milhares
de pontos. Este é o processo usado, entre milhares de outras coisas, pela placa de som do seu computador
para gravar um sinal sonoro.
O que as funções seno e cosseno têm de especial para terem esta característica? Existem outras funções,
além de senos e cossenos, que podem reconstruir qualquer curva?
Estas são algumas das perguntas que vamos tentar responder nesta parte do curso.

8.1 Vetores e equações lineares


Um conjunto ordenado de n números reais x1 ; x2 ; ::xn pode ser chamado de um vetor de dimensão n, ou
um vetor num espaço n dimensional, denotamos este espaço por Rn (i.e., a coleção de n números reais).
Usualmente esta quantidade é simbolizada como jxi. Cada um dos elementos xi (i = 1; 2; ::; n) é chamado de

90
componente i do vetor. Se todas as componentes são nulas, o vetor é chamado de vetor nulo e usualmente
simbolizado por 0 (mas lembre-se que este símbolo é, na verdade, a coleção de n zeros). Para n = 2, ou n = 3
o vetor pode ser interpretado geometricamente como as coordenadas cartesianas de uma seta que inicia na
origem e termina neste ponto.
Para n > 3 a visualização geométrica não é possível, mas as expressões algébricas e a terminologia
continuam as mesmas.
Para números reais arbitrário a; b 2 R a quantidade a jxi + b jyi = jzi fornece um novo vetor (também de
dimensão n) cujas componentes são dadas por

zi axi + byi :

A quantidade
n
X
hxj yi = x1 y1 + x2 y2 + ::: + xn yn = xi yi ; (51)
i=0

é chamada de produto interno dos vetores jxi e jyi. Esta quantidade também é chamada de projeção de jxi
em jyi, ou a componente de jxi na direção jyi (ou vice-versa).
Fácil ver que o produto interno de…nido acima é

1. Simétrico: hxj yi = hyj xi

2. Linear: jzi = a jyi + b jwi : hxj zi = a hxj yi + b hxj wi

Observe que podemos obter a expressão da linearidade acima se simbolicamente escrevermos

hxj zi = (hxj) (a jyi + b jwi) = hxj a jyi + hxj b jwi = a hxj jyi + b hxj jwi a hxj yi + b hxj wi

Ou seja, a linearidade permite interpretar a quantidade hxj a esquerda do símbolo de produto como sendo
também um vetor, chamado de vetor dual do vetor jxi. Esta notação simbólica é chamada notação de Dirac.
Dizemos que dois vetores jxi e jyi são ortogonais quando

hxj yi = 0 :

Para n = 2 e 3 esta terminologia possui um signi…cado imediato. Pois, neste caso, quaisquer dois vetores que
respeitam a igualdade acima fazem entre si um ângulo de 90o . Por exemplo, para n = 2, os vetores

jxi = (1; 1) ; jyi = (1; 1)

temos
hxj yi = 1 1=0:

91
E é fácil ver que estes vetores no plano tem entre si um ângulo de 90o . Mais uma vez, para n > 3, a
interpretação geométrica não pode ser mais usada, mas a nomenclatura continua a mesma.
O produto interno de um vetor com ele mesmo

2
hxj xi jxj

é chamado de norma do vetor. A raiz positiva da norma


p
hxj xi jxj 0

é chamado de comprimento do vetor (alguns autores chamam esta raiz de norma). Mais uma vez, para n = 2
ou 3, esta quantidade representa o comprimento (ou a distância) da origem até as coordenadas do ponto.
Observe que
hxj xi = 0 =) jxi = 0 ; xi = 0 ; i = 1; 2; :::n :

Um vetor para o qual


hxj xi = 1 ;

é chamado de vetor unitário, ou vetor normalizado.


As de…nições acima também podem ser escritas identi…cando os vetores jxi com matrizes de n linhas
0 1
x1
B C
B x2 C
jxi = B
B .. C
C
@ . A
xn

Neste caso, o produto vetorial pode ser realizado identi…cando o dual do vetor como a matriz de n colunas
(ou a transposta) correspondente
hxj = x1 x2 xn

e identi…cando a operação de produto interno com a multiplicação usual de matrizes


0 1
x1
B C Xn
B x2 C
hyj xi = hxj jyi = y1 y2 yn B .. C= xi yi :
B C
@ . A i=0
xn

92
Um conjunto de m vetores jx1 i ; jx2 i ; ::: jxm i são ditos linearmente dependentes, se

m
X m
X
9ai (i = 1; ::; m) 2 R ; a2i 6= 0 : ai jxi i = 0
i=1 i=1

caso contrário, eles são linearmente independentes.


Num espaço de dimensão n qualquer conjunto de n vetores jwi i (distintos e não nulos) e linearmente
independentes formam uma base do espaço. Ou seja, qualquer vetor jxi pode ser escrito como:

m
X m
X
9ai (i = 1; ::; n) 2 R ; a2i 6= 0 : jxi = ai jwi i :
i=1 i=1

Ou, de outra forma, num espaço de dimensão n dado o conjunto de n vetor fjwi ig (não nulos) LI, qualquer
outro vetor é LD a este conjunto. Ou ainda, num espaço de dimensão n qualquer conjunto de n + 1 vetores
é LD. As quantidades ai da expressão acima são chados de componente do vetor jxi na base fjwi ig.
Se o conjunto de n vetores LI jwi i são também ortogonais entre si

hwi j wj i = 0 para i 6= j

dizemos que esta base é ortogonal.


Um conjunto de m vetores jei i que respeitam

hei j ej i = ij ; (52)

i.e., são ortogonais entre si e normalizados, são chamados de ortonormais. Se m = n (onde n é a dimensão
do espaço) estes vetores formam uma base, chamada de base ortonormal.
Observe que, se fjwi ig é uma base ortogonal do nosso espaço, podemos facilmente construir com eles uma
base ortonormal fjei ig fazendo
1 1
jei i = jwi i = p jwi i
jwi j hwi j wj i
Este procedimento se chama a normalização dos vetores jwi i.
Dada uma base ortonormal fjei ig podemos facilmente usar o produto interno para encontrar as com-
ponentes de um vetor qualquer nesta base. Basta para isso tomar o produto interno do vetor expandido com
os elementos da base

jxi = a1 je1 i + a2 je2 i + ::: =) he1 j jxi = a1 he1 j e1 i + a2 he1 j e2 i + ::

Usando agora (52) temos


he1 j xi = a1 he1 j e1 i = a1

93
ou, de forma geral
ai = he1 j xi ;

Assim, numa base ortonormal as componentes do vetor nesta base é o produto interno do vetor com cada
elemento da base.
Além disso, para uma base ortonormal, temos
" n
#2 n 3
n X
n
X X X
hxj yi = ai hei j 4 5
bj jej i = ai aj hei j ej i
i=1 j=1 i=1 j=1
n X
X n n
X
= ai bj ij = ai bi :
i=1 j=1 i=1

Que é uma expressão idêntica a de…nição anterior do produto interno (51). Assim, o produto interno entre
dois vetores pode ser calculado pelas componentes originais deste vetor ou pela suas componentes em qualquer
base ortonormal.
Em especial, para o produto interno de um vetor com ele mesmo, i.e., a norma deste vetor, temos
" n
#2 n 3
n X
n
2
X X X
jxj = hxj xi = ai hei j 4 aj jej i5 = ai aj hei j ej i
i=1 j=1 i=1 j=1

X n
n X n
X
= ai aj ij = a2i :
i=1 j=1 i=1

94
Exemplo: Voltando para o nosso exemplo em 2 dimensões tomemos o vetor com componentes x1 =
1; x2 = 2. Que na representação matricial assume a forma
!
1
jxi =
2

a norma deste vetor vale


2 2 2
jxj = (x1 ) + (x2 ) = 12 + 22 = 5

Uma base para este espaço é qualquer conjunto de dois vetores LI. Por exemplo, temos a base
! !
1 2
jf1 i = ; jf2 i =
1 3

Fácil ver que ! !


1 2 a + 2b = 0 ) a = 2b
a jf1 i + b jf2 i = 0 = a +b )
1 3 2 + 3b = 0 ) a = 3b

que só pode ser satisfeita para a = b = 0. Logo jf1 i e jf2 i são LI e, consequentemente, formam uma base do
espaço. As componentes de jxi na base fjfi ig valem
! ! ! !
1 2 c1 + 2c2 1
jxi = c1 jf1 i + c2 jf2 i = c1 + c2 = =
1 3 c1 + 3c2 2
c1 + 2c2 = 1 ) c1 = 1 2c2 ;
c1 + 3c2 = 2) 1 2c2 = 2 3c2 ) c2 = 1 ) c1 = 1:

Assim, as componentes de jxi na base fjfi ig valem: c1 = 1, c2 = 1. Fácil ver que

2 2 2 2
(c1 ) + (c2 ) = 1 + 1 = 2 6= 5 = (x1 ) + (x2 )

Tomemos agora outros dois vetores


!
1
jw1 i = jf1 i ; jw2 i = :
1

Facil ver que estes vetores também são LI. Mas, além disso
!
1
hw1 j w2 i = 1 1 =1 1=0:
1

95
Assim, fjwi ig é uma base ortogonal. As componentes c0i de jxi nesta base valem
! ! !
1 1 1
c01 + c02 =
1 1 2
c01 + c02 = 1 ) c01 = 1 c02
1
c01 c02 = 2 ) c02 =
2
1 3
c01 = 1+ =
2 2

Mais uma ver


2 2 9 1 41
(c01 ) + (c02 ) = + = 6= 5
5 4 20
Mas, como a nossa nova base fjwi ig é ortogonal, podemos aplicar o processo de normalização e de…nir uma
nova base fjei ig com
!
jw1 i 1 1
je1 i = =p
jw1 j 2 1
!
jw2 i 1 1
je2 i = =p
jw2 j 2 1

As componentes c00i de jxi na base fjei ig valem


! !
1 c001 + c002 1
c001 je1 i + c002 je2 i = p =
2 c001 c002 2
p p
c001 + c002 = 2 ) c001 = 2 c002
p
p 2
c001 c002 = 2 2 ) c2 =00

p 2
p 2 3p
c001 = 2+ = 2
2 2

onde, nas componentes de jxi na base ortonormal fjei ig temos

2 2 1 9 2 2 2
(c001 ) + (c002 ) = + = 5 = (x1 ) + (x2 ) = jxj
2 2

Um conjunto de m vetores fjei ig ortonormais, com m = n, é também chamado de um conjunto ortogonal


completo. Para m < n os vetores fjei ig são chamados de um conjunto ortogonal incompleto.
Assim, encontrar uma base para um espaço vetorial é equivalente a encontrar um conjunto completo de
vetores ortogonais (e normalizá-los).

96
8.2 Operadores, autovetores e autofunções no Rn
Em Rn dado um conjunto de n2 números reais Mij (i; j = 1; 2; :::n) podemos de…nir o seguinte mapa entre
as componentes de dois vetores jxi e jyi deste espaço

n
X
yi = Mik xk
k=1

ou, simbolicamente
^ jxi
jyi = M

onde o chapéu indica que M não é um número, mas sim o que chamamos de operador. Ou seja, dado
um espaço vetorial, um operador é um mapa entre vetores deste espaço. Na notação matricial introduzida
anteriormente, os operadores podem ser identi…cados como matrizes n n.
Como exemplo, vamos estudar as operações de rotações num plano. Ou seja, vamos trabalhar num espaço
com n = 2. Suponha que um vetor neste espaço tenha coordenadas ((x1 ; x2 )). Se aplicarmos uma rotação
de um ângulo no sentido anti-horário, neste vetor quais as componentes (x01 ; x02 ) do novo vetor obtido?
Fazendo desenhos no plano é fácil ver que
! ! !
x01 cos sin x1
=
x02 sin cos x2

Ou seja, o conjunto de quatro números Rij , ou a matriz


!
^( )= cos sin
R
sin cos

é um operador de rotação no nosso espaço bidimensional. Um caso particular é o operador de rotação de um


ângulo de 1800 !
^ 1 0
R( ) = :
0 1

Um outro exemplo é o operador que troca a troca a coordenada x1 por x1 (i.e., coloca um espelho no plano
normal a x2 ), chamado de operador de paridade em x1
!
1 0
P^1 =
0 1

Observe que isso não é nenhuma rotação.


Matematicamente um operador pode ser pensado visto como um tensor de segunda ordem. Este tensor
pode ser obtido pelo que chamamos de produto tensorial, ou produto externo entre os vetores do nosso espaço.

97
O produto externo entre dois vetores jxi e jyi pode ser de…nido como

^ = jxi
M jyi

onde
^ ij = xi yj
M
^ é a matriz
Ou seja, neste caso, M
0 1
x1 y1 x1 y2 x1 yn
B C
B x2 y1 x2 y2 x2 yn C
^ =B
M .. .. .. C
B .. C
@ . . . . A
xn y1 xn y2 xn yn

Como vimos anteriormente, a aplicação deste operador num vetor jzi é a multiplicação matricial
0 10 1 0 Pn 1
x1 y1 x1 y2 x1 yn z1 i=1 zi x1 yi
B CB C B Pn C
B x2 y1 x2 y2 x2 yn C B z2 C B i=1 zi x2 yi C
^ jzi =
M (jxi jyi) jzi = B
B .. .. .. .. CB . C = B
CB . C B .. C
C
@ . . . . A@ . A @ . A
Pn
xn y1 xn y2 xn yn zn i=1 zi xn yi
0 Pn 1 0 1 0 1
x1 i=1 zi yi x1 hyj zi x1
B Pn C B C B C
B x2 i=1 zi yi C B x2 hyj zi C B x2 C
= B
B .. C=B
C B .. C=B
C B .. C hzj yi
C
@ . A @ . A @ . A
Pn Pn
i=1 zi xi yi xn hyj zi i=1
= jxi hzj yi (53)

A notação de Dirac possui uma forma muito conveniente de expressar o produto externo

jxi jyi jxi hyj

pois, com isso, a aplicação deste produto externo num vetor jzi pode ser simbolicamente calculado como

(jxi jyi) jzi (jxi hyj) jzi = jxi hyj jzi jxi hyj zi

Que é exatamente a expressão (??).


Uma relação entre operadores e vetores que é de especial interesse é quando a aplicação de um operador

98
sobre um vetor resulta num vetor na mesma direção (i.e., proporcional) ao vetor original. Isso é, quando:

^ jxi = a jxi ; a 2 R ; jxi =


M 6 0:

^ e que a é o autovalor do autovetor jxi.


Neste caso, dizemos que jxi é um autovetor do operador M
Por exemplo, se aplicarmos o operador P^ no vetor
!
0
jp1 i =
1

teremos ! ! !
1 0 0 0
P^ jp1 i = = = jp1 i ;
0 1 1 1

Ou seja, o vetor jp1 i é um autovetor de P^ com autovalor 1. Já o vetor


! ! ! ! !
1 1 0 1 1 1
jp2 i = ) = = = jp2 i :
0 0 1 0 0 0

Assim, jp2 i é outro autovetor de P^ , mas com auto valor 1: Já o vetor


! ! ! !
1 1 0 1 1
jp3 i = ) = 6= a jp3 i
1 0 1 1 1

então, jp3 i não é auto vetor de P^ . Da mesma forma, qualquer vetor é autovetor de R
^ ( ) com autovalor 1,
pois ! ! !
^ 1 0 x1 x1
R ( ) jxi = = = jxi
0 1 x2 x2

Além disso, o operador R^ ( =2) não possui nenhum autovetor.


^ com autovalor m,
Observe que, se jxi é autovetor de M

^ jxi = m jxi ;
M

o vetor
jx0 i = a jxi ; a 2 C

também será autovetor com o mesmo autovalor

^ jx0 i = M
M ^ a jxi = aM
^ jxi = am jxi = m (a jxi) = m jx0 i :

99
Com isso, dizemos que jxi e jx0 i são os mesmos autovetores. A constante que multiplica o autovetor usual-
mente é …xada no processo de normalização, porém, ainda assim, podemos multiplicar nosso vetor por uma
fase
exp (i ) ; 2 R

e, sem destruir a normalização, continuar tendo o mesmo vetor. Ou seja, vetores que di…ram por uma
faze são considerados iguais.

8.3 Mudança de base


Como vimos anteriormente, a forma explicita das componentes do vetor dependem de qual base escolhemos.
Se numa certa base fjei ig um vetor jvi tem componentes
X
jvi = vi jei i
i

numa outra base fjei ig este mesmo vetor terá outras componentes
X
jvi = vi0 je0i i
i

Se você escolher uma certa base ortonormal fjei ig, como comparar suas quantidades com os de algém que
ecolheu outra base fje0i ig? Ou seja, como vi se relaciona com vi0 ?
Para saber isso basta lembrar que todos estes vetores fomam uma base do espaço. Assim, podemos
escrever
X
jei i = aij e0j
j

onde, sendo nossa base ortonormal, os coe…cientes desta expanção tem a forma
X
aij = hei j e0j =) jei i = hei j e0j je0i i (54)
j

Assim, para um vetor qualquer jvi podemos escrever


X XX XX
jvi = vi jei i = vi hei j e0j je0i i = vi je0i i hei j e0j
i i j j i

Ou seja, se vi são as componentes de jvi na base fjei ig as componentes vi0 deste mesmo vetor na base fje0i ig
são
X2
vj0 = vi hei j e0j
i=1

100
As quantidades hei j e0j também podem ser organizadas numa matriz com linha i e coluna j. Esta matriz
é chamada de matriz de mudança da base fjei ig para a base fje0i ig.
Vemos assim como é conveniente identi…carmos nossos vetores com matrizes. De forma geral, todas as
quantidades com um único índice podem ser vistos como uma matriz coluna de 2 elementos e qualquer
quantidade com dois índices como uma matriz 2 2.

8.4 Espaço de Hilbert


Nosso objetivo aqui é obter uma generalização dos resultados da seção anterior. O primeiro ponto é lembrar
que nossos vetores, e os números que multiplicam estes vetores, são todos reais. Assim, a primeira general-
ização que podemos é que um vetor num espaço de dimensão n é qualquer seqüência de números complexos
1 ; 2 ; :::; n ( i 2 C) e que nossos vetores podem se multiplicados também por números complexo

j i+ j i=j i ; ; 2C

com
i = i + i :

Até aqui nada mudou. O ponto agora é que devemos lembrar que se é um número complexo, podemos
ter
2
<0

(e.g., para = i). Isso implica que a somatória do quadrado de números complexo não é uma quantidade
positiva de…nida e, consequentemente, a norma de…nida anteriormente pode nos dar valores negativos. Não
queremos ter vetores de norma negativa (isso é, na verdade, contra a de…nição do que é uma norma).
Podemos resolver este problema lembrando que

: 0; 8 2 C

onde, além disso


: =0) =0:

Assim, podemos recuperar a característica de positividade da nossa norma se, no lugar de (51) de…nirmos o
produto interno como
Xn
h j i = 1 1 + 2 2 + ::: + n n = i i ; (55)
i=0i

com isso temos, novamente,


n
X
2
j j =h j i= i i 0
i=0

101
com
2
j j = 0 =) j i = 0 :

A única diferença neste produto interno é que, no lugar da simetria, temos agora uma simetria conjugada

n n n
!
X X X
h j i= i i = ( i i) = i i =h j i:
i=0i i=0 i=0

Já para o produto externo entre os vetores j i e j i, temos agora duas opções. Podemos de…nir o operador

^ = j ih j
M

com componentes
Mij = i j

Ou podemos formar também o transposto conjugado do operador

^+ = j ih j = M
M ^T

com
+
Mij = i j = j i = (Mji )

ou seja
^+ = M
M ^T :

Da mesma forma, no que se refere a representação matricial, continuamos representando nossos vetores
por matrizes coluna
0 1
1
B C
B 2 C
j i=B C
B .. C
@ . A
n

mas, para ser compatível com o produto interno (55), devemos de…nir o dual de j i, não apenas como o
transposto, mas como o transposto conjugado

h j= 1 2 n

A segunda generalização que vamos fazer é permitir que a dimensão do espaço assuma qualquer valor,
incluindo o in…nito. Ou seja, vamos admitir espaços com n = 1. Esta é, na verdade, a motivação deste
desenvolvimento.
Neste caso, obviamente não podemos mais representar nossos vetores por matrizes. Mas podemos con-

102
tinuar usando todas as expressões anteriores (fazendo n = 1). A grande diferença é que antes, bastava que
cada elemento do nosso vetor estivesse bem de…nido (não fosse in…nito) e, certamente, todas as expressões
de…nidas também estariam bem de…nidas.
Agora, para n = 1, pode acontecer de cada elemento do nosso vetor estar bem de…nido, e mesmo assim
não conseguirmos calcular quantidades como, por exemplo, o produto interno. Ou seja, agora precisamos
exigir que as somatórias de…nidas anteriormente convirjam.
Por exemplo, podemos de…nir as componentes do nosso “vetor” como

1
xk = ; k2N
k 1=2

Cada componente está bem de…nida. Em especial, para n ! 1

1
x1 = 1=2
=0
(1)

Entretanto, se desejarmos calcular a norma deste “vetor” teremos5

X1 X1
2 1 1 1
jxj = 1=2 k 1=2
= !1:
k k
k=1 k=1

E não podemos utilizar para estas componentes a noção de norma que é indispensável em todas as nossas
análises. Destarte, se quisermos de…nir um espaço vetorial tratável, devemos exigir que os vetores do nosso
espaço respeitem a restrição
1
X
j kj < 1 :
k=1

Ou seja, para nós agora, vetores são toras as seqüência, …nitas e in…nitas, sobre o corpo dos complexos, tal
que a soma do módulo quadrado convirja.
Um espaço vetorial de dimensão arbitrária (incluindo in…nito) sobre o corpo dos complexos onde (para
todo elemento) está de…nido um produto interno, juntamente com uma condição técnica de completeza6
forma um espaço de Hilbert.
Todo o nosso trabalho futuro sobre funções ortogonais, bem como todo o desenvolvimento da MQ, é o
estudo do espaço de Hilbert.
Todos os conceitos desenvolvidos anteriormente, incluindo a noção de ortogonalidade e base, são válidos
no EH. A diferença é que agora a nossa base pode conter in…nitos termos.
5 Lembre que
X1
1
ns
n=1
diverge para s 1.
6 Convergência de todas as seqüências de Cauchy j
n lj ! 0.

103
Mas será que, como os casos anteriores, este espaço possui uma base?
Para um espaço de dimensão N (…nito) qualquer, podemos sempre construir uma base fjei ig na forma
0 1 0 1 0 . 1
1 0 ..
B C B C B C
B 0 C B 1 C B 0 C
je1 i = B
B
C ; je2 i = B
C B
C ;
C ; jeN i = B
B
C
C (56)
@ 0 A @ 0 A @ 0 A
.. ..
. . 1

Sendo cada jei i uma matriz N 1. Esta é a chamada base canônica. Obviamente, qualquer vetor jxi pode
ser escrito como: 0 1
x1
B C XN
B x2 C
jxi = B
B .. C=
C xk jek i
@ . A k=1
xN
Observe que, as componentes de um vetor qualquer na base canônica são as próprias componentes do
vetor.
Além disso, esta base é ortonormal
hei j ej i = ij :

Podemos imaginar uma base do nosso espaço de Hilbert das seqüenciais in…nitas como uma coleção de
in…nitos termos na forma (56). Ou seja,
0 1 0 1 0 1
1 0 0
B C B C B C
B 0 C B 1 C B 1 C
je1 i = B
B
C ; je2 i = B
C B
C ; je3 i = B
C B
C;
C
@ 0 A @ 0 A @ 0 A
.. .. ..
. . .

O ponto aqui é que, para qualquer um destes elementos, temos

hei j ei i = 1 < 1 =) jei i 2 H ; i = 1; 2; 3; :::

Ou seja, todos os (in…nitos) elementos desta seqüência estão em H. Além disso, qualquer elemento de H
pode ser escrito como
1
X
j i= k jek i ; k 2C :
k=1

Com isso, fjek ig forma uma base do nosso espaço H. Esta base possui in…nitos elementos e, conseqüentemente,
nosso espaço tem dimensão in…nita.

104
8.5 O espaço L2
A generalização da dimensão introduzida anteriormente parece a mais geral que podemos fazer. Isso seria
verdade se não existissem vários tipos de in…nito, também chamado de cardinalidade. Este é um assunto
bastante complicado da teoria dos conjuntos. Na verdade, a cardinalidade mede o “tamanho”de um conjunto.
Mas, como vimos, a dimensão de um espaço está diretamente relacionada com o tamanho (ou o número de
elementos) da base.
Para um conjunto qualquer podemos considerar duas noções: tamanho do conjunto e o número de
elementos deste conjunto. Para qualquer conjunto com um número …nito de elementos estas noções
coincidem. Um conjunto com três elementos tem um tamanho, ou cardinalidade, três. Além disso, para
conjuntos …nitos, sempre que pegamos uma parte deste conjunto (um sub-conjunto) este tem um tamanho
menor que o original. A comparação entre os tamanhos dos conjuntos está ligada com a idéia de bijeção entre
os elementos destes conjuntos.

Remark 56 Se podemos criar uma bijeção entre dois conjuntos, então estes conjuntos tem o mesmo tamanho.

Assim, o conjunto de 3 frutas tem o mesmo tamanho do conjunto de 3 animais. Esta idéia também é
válida para conjuntos com in…nitos termos. Mas, neste caso, a noção de cardinalidade e número de elementos
não é mais a mesma.
Por exemplo, tomemos o conjunto dos naturais N e o conjunto dos números pares P . Certamente estes
conjuntos não têm os mesmos elementos. Em especial o número 1 está no primeiro conjunto e não está no
segundo. Mais ainda, qualquer elemento do segundo conjunto está no primeiro,mas o contrário
não é verdade.
Qual destes conjuntos é maior?
Poderíamos então imaginar que o conjunto dos naturais é maior que o conjunto dos números pares.
Entretanto, é possível estabelecer uma bijeção entre os naturais e os números pares. Obviamente, dado um
número natural n, podemos fácilmente associar a ele o número par

p = 2n

Mas, além disso, dado um número par p 2 P associamos a ele (de forma unívoca) o natural

p
n=
2

Ou seja, a cada número inteiro temos um (único) número par associado e vice-versa. Isto mostra
que os dois conjuntos têm o mesmo tamanho, ou a mesma cardinalidade.
Assim, para conjuntos in…nitos, podemos pegar apenas uma parte deste conjunto e obter um conjunto
com o mesmo tamanho.
Vejamos um exemplo um pouco mais complicado. Recapitulando, um dos resultados da teoria dos conjun-
tos é que sempre que for possível estabelecer uma bijeção entre dois conjuntos estes conjuntos têm a mesma

105
Figure 6: Figura da Wikipedia

cardinalidade. Peguemos, por exemplo, o conjunto dos naturais N, i.e., a seqüência


0 1
1
B C
B 2 C
B C
B 3 C
@ A
..
.

e a seqüência de um par ordenado de naturais, o produto N N, i.e., as seqüências


0 1
1; 1 1; 2
B .. C
B C
B 2; 1 2; 1 . C
@ A
.. ..
. .

Qual destes conjuntos é maior?


Aparentemente o segundo conjunto tem mais elementos que o primeiro. Entretanto, estes dois conjuntos
podem ser mapeados (um-pra-um) através do diagrama de Cantor
ou seja

0 ! (0; 0) ; 1 ! (1; 0) ; 2 ! (0; 1) ; 3 ! (2; 0) ; 4 ! (1; 1) ; 5 ! (0; 2) ; 6 ! (3; 0) :::

Desta forma, o par ordenado N N tem a mesma cardinalidade de N, ou seja, tem o mesmo tipo de
in…nito. Como resultado disso, os números racionais Q, que podem ser escritos como a=b, com a; b 2 N e

106
b > 0 tem a mesma cardinalidade dos naturais.
Mais ainda, com argumentos semelhantes é possível mostrar que qualquer seqüência …nita de números
naturais N N ::: N pode ser mapeado nos naturais N e conseqüentemente, tem a mesma cardinalidade.
Esta cardinalidade é chamada de in…nito (pois N é in…nito) contável. Também chamado de @0 (aleph-0).

Remark 57 Assim, se os elementos que formam a base de um conjunto tem uma cardinalidade contável
(possui uma bijeção com N) dizermos que a dimensão do espaço é contável.

Talvez você imagine com isso que todos os conjuntos in…nitos têm a mesma cardinalidade, mas isso não
é verdade.
Agora, se você considerar o conjunto dos reais, é impossível estabelecer uma relação um-pra-um entre
este conjunto e os naturais. Mais precisamente, é possível estabelecer a relação

N !R;

mas a inversa não


R9N:

Podemos dizer que, apesar de ambos serem in…nitos, o conjunto dos reais é maior que o dos
naturais. Mais ainda, qualquer intervalo …nito da reta real, e.g. [0; 1], tem mais elemento que qualquer
seqüência …nita de todos os naturais.
Assim, se você …zer um HD de computador capaz de armazenar todos os naturais, este HD pode encher
e não registrar os reais.
Com isso, os reais são de uma cardinalidade diferente (maior) que os naturais. Dizemos que o conjunto
dos reais é um in…nito incontável. Também chamado de @1 (aleph-1).

Remark 58 Assim, se não for possível estabelecer uma bijeção entre os elementos da base e N, mas for
possível estabelecer entre R, os elementos que formam a base de um conjunto tem uma cardinalidade incontável
dizermos que a dimensão do espaço é incontável.

Remark 59 Vemos então que todo o desenvolvimento apresentado na seção anterior sobre o espaço de
Hilbert diz respeito, na verdade, apena a in…nitos contáveis.

Do que foi dito acima, vemos que o nosso espaço H, de…nido anteriormente, tem dimensão in…nita, mas
contável. Pois possui uma base com um in…nito contável de elementos fjek ig. A existência de diferentes
tipos de in…nito nos leva a crer (o que é verdade) que possam existir também espaços com uma dimensão (e
consequentemente uma base) in…nita incontável.
Considere agora uma função f (x) sobre os reais num intervalo x 2 [a; b]. Esta função pode ser considerada

107
uma seqüência 0 1
f (x1 )
B C
B f (x2 ) C
B C
B f (x3 ) C
B C
B .. C
B C
@ . A
f (xn )
entretanto, neste caso o índice da nossa seqüência não é um número natural N, mas um número real
R. Pois podemos fazer x2 x1 < " para qual valor de ". Assim, entre quaisquer dois elementos existem
in…nitos elemento: 0 1
f (x1 )
B .. C
B . C
B C
B C
B f (x1;0001 ) C
B C
B .. C
B . C (57)
B C
B C
B f (x2 ) C
B .. C
B C
@ . A
f (xn )
Este tipo de seqüência é, certamente, diferente da de…nida anteriormente. Mais precisamente, a nossa seqüên-
cia, assim como a anterior, possui in…nitos termos, mas esta seqüência possui um in…nito incontável
de termos.
Assim, aquele HD hipotético capaz de registrar uma seqüência in…nita (xk ), não seria capaz de registrar
a função acima. Certamente o procedimento anterior para a construção de uma base canônica
falha neste caso.
Com isso, não há nenhuma razão para crer que os resultados desenvolvidos na seção anterior sejam válidos
para funções sobre os reais.
Vamos então tentar construir um espaço vetorial para as nossas funções f . Como uma extensão natural
da notação anterior, se queremos um vetor que represente a nossa função f (x) ; x 2 [a; b], podemos chamá-lo
de jf i. Ou seja, jf i é a coleção ordenada de todos os valores da função num certo intervalo (a “seqüência”
simbólica (57)). Observe que jf i não é a função calculada num ponto, mas uma quantidade abstrata que
representa uma coleção in…nita de termos.
A soma destas quantidades pode ser de…nido de forma análoga a anterior. Ou seja, a “seqüência”simbólica

jwi = jf i + jgi ; ; 2C

é de…nida como a coleção ordenada de todos os pontos w (x) = f (x) + g (x) ; x 2 [a; b].
Na construção do nosso espaço, assim como …zemos anteriormente, o primeiro ponto é a construção de
um produto interno. Podemos fazer isso apenas generalizando a expressão anterior para o caso de duas

108
“seqüências contínuas” jf i e jgi (todas de…nidas, sempre, no mesmo intervalo)

n
X Z b
h j i= i i ! hf j gi = f (x) g (x) dx :
i=0 a

Com isso, novamente, garantimos a positividade do produto

hf j f i 0 ; hf j f i = 0 =) jf i = 0

onde a última igualdade signi…ca f (x) = 0 para x 2 [a; b].


Novamente, para que o nosso produto faça sentido, devemos exigir que
Z b
2
hf j f i = jf (x)j dx < 1 : (58)
a

Ou seja, o nosso espaço é o espaço das funções de quadrado integrável no intervalo [a; b], também chamado
L2 (a; b).
O fato de que a soma (de…nida acima) de duas funções de quadrado integrável é também ser de quadrado
integrável, garante que L2 (a; b) é um espaço vetorial (assim como as nossas seqüências em H).
O ponto (e toda a di…culdade do trabalho) é estudar a dimensão deste espaço.
Para isso, podemos invocar aqui o resultado de Fourie. Para qualquer função (bem comportada) que
respeite (58), de…nida no intervalo [ ; ] existe uma correspondência unívoca entre esta função e a seqüência
(contável)
X1
f (x) = xk exp (ikx) (59)
k= 1

onde Z b
1
xj = p f (x) exp ( ikx) dx (60)
2 a

Ou seja, registrar a seqüência contável xj é equivalente a registrar a função (de…nida num intervalo incon-
tável) f (x).
Assim, apesar do HD hipotético não poder registrar o valor da função em todos os pontos, ele pode
registrar a seqüência fxk g e, com isso, reconstruir a função (exatamente) em todos os pontos. Ou ainda,
mesmo estando a função de…nida num contínuo de pontos, nem todos estes pontos são necessário para
especi…car a função. O fato de ela ser de quadrado integrável cria uma relação entre estes pontos, de sorte
que eles possam ser especi…cados pelo conjunto menor formado por uma seqüência contável de pontos.
Mais ainda, existe uma relação unívoca entre o espaço das funções em L2 (a; b) e o espaço das seqüências
contáveis in…nitas. O que mostra que estes dois espaços têm a mesma dimensão. Ou seja, se existir uma base
contável para a seqüência fxk g existirá também uma base contável para L2 . Observe que ainda não falamos
nada sobre as sequencias acima.

109
Ou ainda, existe uma base contável para o espaço L2 (a; b).
Além disso, existe um resultado, devido a Parseval, que a…rma
Z 1
X
2
jf (x)j dx = x2j
j= 1

Ou seja, se a seqüência xj pertence ao nosso espaço de Hilbert H. Podemos assim considerar L2 (a; b)
como um espaço de Hilbert H. E dizer que a função f (x) pertence ao espaço de Hilbert L2 .
Observe que as próprias funções
1
exp ( ikx)
2
pertencem a L2 ( ; ). Assim, se chamarmos estas funções de jek i (ou seja, jek i é a coleção de todos os
valores da função exp ( ikx) =2 no intervalo ( ; )), podemos escrever (59) como

1
X
jf i = xk jek i
k= 1

Observe que Z
1
hek j ej i = exp ( i (k j) x) dx = kj
2
Ou seja, fjek ig é uma base (contável) para o nosso espaço L2 ( ; ) e esta base é ortonormal. Além
disso, xk são as componentes de jf i nesta base. Sendo nossa base ortonormal, as componentes de f nesta
base são simplesmente a projeção:
Z b
1
hek j f i = p f (x) exp ( ikx) dx
2 a

que são as componentes xk da série de Fourie (60).


Estas funções fjek ig são um exemplo de funções ortogonais. Nosso objetivo é construir outras bases para
2
L , ou seja, encontrar outras funções ortogonais.

8.6 Operadores simétricos, ou hermitianos


Como vimos anteriormente qualquer operador pode ser visto como o produto externo de dois vetores j i e
^ é de…nido como
j i. Se um operador M
^ = j ih j
M
^ + será
então, seu hermitiano conjugado M
^+ = j ih j
M

110
^ , mas
Para o caso do espaço de dimensão …nita, este operador é apenas o transposto conjugado da matriz M
a nomenclatura continua para o caso de dimensão in…nita. Neste caso podemos imaginar nossos operadores
como matrizes quadradas in…nitas.
^ jxi com o vetor jyi vale
O produto interno do vetor jzi = M

^ jxi
hyj zi = hyj M

podemos eliminar o parênteses acordando que o operador sempre age no vetor a direita (o que é equivalente
a acordar que o conjugado do operador age no dual do vetor a esquerda, hyj zi = hwj xi com jwi = M^ + jyi,
mas basta convencionar que ele age a direita). Com isso, temos

^ jxi = hyj j i h j jxi = h j jyi hxj j i = hxj j i h j jyi = hxj M


hyj M ^ + jyi (61)

onde usamos
hyj j i = h j jyi :

Um operador é dito simétrico, ou hermitiano se

^ =M
M ^+ ) j ih j = j ih j

ou seja, para espaços de dimensão …nita são matrizes cuja transposto conjugado é igual a ela mesma. Por
exemplo, qualquer matriz na forma
0 1
a11 a12 a13
B C
B a12 a22 a23 C
B C ; aii 2 R ; i = 1; 2; 3::
B a13 a23 a33 C
@ A
.. .. .. ..
. . . .

Para operadores hermitianos a propriedade (61) fornece

^ jxi = hxj M
hyj M ^ jyi : (62)

Propriedades dos operadores hermitianos:


^ com autovalor , ou
Imagine agora que você encontrou um autovetor j i de um operador hermitiano M
seja,
M^ j i= j i

observe que estamos usando a mesma letra apenas por conveniência, mas 2 C enquanto j i 2 H.

111
Com isso a propriedade acima fornece

^ jxi = hxj M
hyj M ^ jyi =)
^ j i = h j j i=
h jM h jj i = h jM j i = h j j i = h jj i

Mas
h j i=h j i

com isso
h j i= h j i

como
h j i=
6 0 ; h j i < 1,

temos
= ) 2R:

Ou seja, todos os autovalores de um operador hermitiano são reais.


Na mecânica clássica os estados de um sistema são identi…cados como pontos no chamado espaço de fase.
Ou seja, dado um ponto no espaço de fase eu sei tudo sobre o sistema. Já na mecânica quântica estes estados
são identi…cados com vetores no espaço de Hilbert. Ou seja, saber qual vetor representa o sistema é saber
tudo sobre ele. Além disso, observáveis (quantidade que podem ser medidas) são associadas a operadores
agindo neste espaço. Um dos postulados da MQ a…rma que os valores possíveis de se obter numa medida
deste observável são (apenas) o autovalor do operador correspondente. Outro postulado a…rma que este
operador é hermitiano. O resultado acima mostra que esta exigência é necessária para que valores medidos
sejam reais.
Exemplo: Num espaço de dimensão 2 o operador
!
0 i
^2 = :
i 0

(em MQ este é um dos operadores associados ao spin das partículas). É hermitiano.


Vamos encontrar seus autovalores. O processo geral é o seguinte: Encontrar um autovetor signi…ca resolver
a equação
M^ j i= j i) M ^ I j i=0:

A quantidade M^ I é um novo operador. Para um espaço de dimensão …nita, este operador é uma nova
matriz. Vamos chamar esta nova matriz de

T^ = M
^ I

112
Nossa equação …ca
T^ j i = 0

Se T^ é uma matriz inversível, podemos calcular T^ 1


e multiplicar pelos dois lados da expressão acima

T^ 1
T^ j i = T^ 1
0)j i=0

Ou seja, se T^ é inversível, o vetor j i é único e vale j i = 0. Assim, M


^ não terá autovetor. Portanto: A
única forma de M ^ ter autovetor é que T^ = M ^ I não tenha inversa. Para que uma matriz não tenha
inversa, basta que
det T^ = det M ^ I =0:

Para o nosso caso


^ = ^2
M

Logo devemos exigir que


! ! !
0 i 1 0 i
det (^ 2 I )= = =0;
i 0 0 1 i

ou seja,
2 2 2
( i:i) = 1 = 0 =) = 1 =) = 1:

Vemos então que ^ 2 tem dois autovaloes 1 = 1 e 2 = 1 e, como esperado, ambos são reais.
Suponha agora que temos dois autovetores de um operador hermitiano

^ j i=
M ^ j i=
j i ; M j i

com
6= :

Para estes vetores podemos calcular

^ j i = h j j i=
h jM h jj i ;
^ j i = h j j i=
h jM h jj i

além disso, usando (61) temos

^ j i = h jM
h jM ^ j i =) h j i= h j i= h j i= h j i

113
onde usamos que ; 2 R. Com isso
[ ]h j i = 0

Se usarmos agora 6= a igualdade acima implica

h j i=0

Ou seja, autovetores correspondentes a autovalores distintos são ortogonais.


O resultado acima fornece uma forma prática e bastante útil de encontramos bases ortogonais para um
espaço qualquer. Bastando para isso encontrarmos operadores hermitianos neste espaço.
Exemplo: Voltemos a nossa matriz !
0 i
2 =
i 0
Sendo esta matriz hermitiana, devemos esperar que seus auto vetores sejam ortogonais. Encontremos então
estes autovetores. Voltando a equação de auto-valores,
! !
i 1
( 2 I) j i = 0 ) =0
i 2

sabemos que = 1. Para = 1 temos


! !
1 i 1 1 i 2 =0
=0)
i 1 2 i 1 2 =0

Primeiro note que, se multiplicarmos a primeira equação por i temos

i 1 2 =0

que é idêntica a segunda equação. Assim, na verdade, temos apenas uma equação e duas incógnitas.
Isso nada mais é do que uma conseqüência do fato da matriz
!
1 i
i 1

não possuir inversa (ou ter determinante nulo). Lembre-se que construímos os valores de impondo esta
exigência. Assim, usando a única equação que temos

i 1 2 =0)i 1 = 2

114
Ou seja, o nosso autovetor tem a forma
! !
1 1
j +i = = 1
i 1 i

para qualquer valor 1 2 C.


Isso é uma característica geral destes problemas. Para um sistema qualquer de dimensão N , construímos
seus autovalores de um operador M ^ exigindo que a matriz M
^ I não tenha inversa. Isso faz com que, para
estes valores de , tenhamos um sistema de N 1 equações para N incógnitas. Com isso sempre teremos uma
parâmetro livre nos nossos autovetores. É a existência deste parâmetro que nos permite normalizar nossos
vetores. Ou seja, escolhemos este parâmetro de forma que nossos vetores tenham norma 1.
Com isso, o autovetor associado ao autovalor 1 vale
!
1
+ = +1 ; j +i = 1 :
i

Da mesma forma, encontramos o autovetor associado ao auto-valor = 1


! !
1 i 1 1 i 2 =0
=0) :
i 1 2 i 1+ 2 =0

Onde já sabemos que podemos usar apenas uma destas equações. Assim, usando a segunda equação,

i 1 + 2 =0) i 1 = 2

Ou seja, o autovetor associado ao auto-valor = 1 vale


!
1
= 1 ;j i= 1 :
i

Como vimos, uma vez que + 6= devemos esperar que os vetores j iej +i sejam ortogonais. De fato
!
1 2
h +j i= 1 1 i 1 =j 1j (1 1) = 0 :
i

Assim, fj +i ; j ig formam uma base ortogonal do nosso espaço. Podemos ainda normalizar esta base

115
fazendo
! !
j i 1 1 1 1 1
je i = p = p 1 =p
h j i j 1 j 1+1 i 2j 1j i
!
1 1
= p ei ; 2 R:
2 i

Ou seja, a nossa normalização também está de…nida a menos de uma constante. Como veremos, os
princípios da MQ nos permitem …xar arbitrariamente esta constante. Escolhendo o caso mais simples = 0
temos !
1 1
je i = p
2 i
Da mesma forma, podemos de…nir o vetor normalizado
!
1 1
je+ i = p
2 i

estes vetores respeitam


he+ j e i = 0 ; he+ j e+ i = he j e i = 1

e, consequentemente, formam uma base ortonormal do nosso espaço.


Este resultado é geral. Para um espaço de Hilbert H de dimensão N qualquer, inclusive in…nito, dado um
operador hermitiano M ^ neste espaço, os auto-vetores deste operador formam uma base deste espaço. Assim,
qualquer vetor j i 2 H pode ser escrito como

N
X
j i= ck j ki
k=1

onde
^j
M ki = k j ki :

116
8.7 Operadores diferenciais
Recapitulando os resultados do exemplo anterior: ao resolvermos o problema de autovetores para o operador
2
2 2 R obtivemos dois vetores ortogonais num espaço de duas dimensões. Um resultado que vamos usar
sem provar, pois isso consumiria um tempo razoável, é:

Remark 60 Dado um operador hermitiano (não degenerado) num espaço de Hilbert de dimensão N , este
operador possui N autovetores (que, como sabemos, são ortogonais). Consequente, a coleção de todos os
autovetores de um operador hermitiano forma uma base para o espaço de dimensão arbitrária N .

Esta é uma forma bastante prática para construir bases para espaços e é exatamente o que vamos usar
para construir nossas funções ortogonais.
Para qualquer espaço de dimensão …nita o procedimento anterior para encontrar os autovetores pode ser
aplicado (obviamente com uma di…culdade algébrica crescente).
Mas e quando N = 1? Como resolver um sistema de in…nitas equações?
Primeiramente, vamos analisar melhor o tipo de operadores que podem surgir em espaços de dimensão
in…nita. Como vimos a correspondência
X Z
1
jf i = ck jek i ; ck = hf j ek i = f (x) exp ( ikx) dx
2
k

para funções L2 permite tratar a função (de…nida num intervalo contínuo), como a seqüência discreta ck .
Lembre que, uma vez de…nida uma base, podemos pensar nos operadores como atuando, não diretamente
^ agindo em H pode ser visto como o produto
nos vetores, mas nos elementos da base. Ou seja, um operador D
esterno
D^ = j ih j

e cada um destes vetores possui uma decomposição na base escolhida


X X
j i= i jei i ; j i = i jei i
i i

signi…ca que nosso operador, nesta mesma base, possui a decomposição


X
^ =
D Dmn jem i hen j
mn

onde
Dmn = m n :

117
A ação deste operador num vetor j i pode ser escrito como
X X X X
j i= i
^j i=
jei i ) D Dmn jem i hen j i jei i = Dmn n jem i (63)
i mn i mn

^ j i tem componentes
Ou seja, o novo vetor j i = D
X X
j i= i jei i ; i = Din n
i n

Podemos assim pensar na atuação do operador D^ em H como a atuação da matriz Dnm nas componentes do
^ j i como
vetor numa determinada base ortonormal e calcular D
X
Din n
n

que nada mais é que o produto da matriz quadrada D pela matriz coluna .
Lembre que, apesar de estarmos usando a mesma letra, j i e são quantidades diferentes. O vetor
0
1
x1
B C
j i=B
@
x2 C
A
..
.

representa uma seqüência xk que independe da base, enquanto as componentes k dependem da base. Assim,
se vamos trabalhar com o produto matricial D devemos lembrar que todas estas quantidades dependem da
base.
O ponto da explicação acima é que operadores atuando em vetores pode ser vistos, uma vez
…xada uma base, como matrizes atuando nas componentes do vetor nesta base. Isso implica
que: a cada operador D^ agindo no espaço das funções, existe uma matriz D agindo no espaço das seqüências
in…nitas que de…nem as componentes do vetor jf i 2 L2 . Assim como podemos tratar tanto as seqüência
como as funções, podemos trabalhar tanto com D ^ : L2 ! L2 quanto com D : R1 ! R1 dependendo da
conveniência. Mais ainda, a cada operador agindo em R1 , ou seja, uma matriz quadrada in…nita, corresponde
um operador agindo em L2 .
Voltemos para a nossa base fjek ig com componentes

1
ek (x) = p exp (ikx)
2

118
e, para os coe…cientes ck da nosso função f de…nidos nesta base (i.e., os coe…cientes da série de Fourie),
vamos estudar a ação do seguinte operador
0 1
.. .. .. .. .. .. ..
B . . . . . . . C
B C
B i:2 0 0 0 0 C
B C
B 0 i:1 0 0 0 C
B C
B C
D=B 0 0 0 0 0 C= mn (in) :
B C
B 0 0 0 i:1 0 C
B C
B C
B 0 0 0 0 i:2 C
@ A
.. .. .. .. .. .. ..
. . . . . . .

Ou seja, a matriz diagonal onde a k-ésima componente é a multiplicação de i pór k.


Pelo que vimos acima, existe um operador D^ atuando em jf i cuja ação é o produto da matriz acima com
as suas componentes, ou seja, a aplicação deste operador no vetor jf i fornece (63)
X X
jf i = ^ jf i =
ck jek i =) D Dmn cn jem i
k mn

Lembrando agora que, no nosso caso,


Dmn = i mn n

temos
X X
jgi ^ jf i =
D i mn ncn jem i = incn jen i :
mn n

^ jf i valem
Ou seja, as componentes do vetor jgi = D
X
g (x) = incn exp (inx)
n

Mas estas componentes também podem ser escritas como


X d d X d
g (x) = cn exp (inx) = cn exp (inx) = f (x)
n
dx dx n dx

Assim, as componentes do novo vetor jgi são as derivadas das componentes de jf i. Podemos então
identi…car o operador D ^ associando a matriz D com o operador diferencial d=dx agindo nas componentes do
vetor jf i, ou ainda, como um operador diferencial

^ = d
D
dx

119
agindo no espaço das funções de quadrado integrável.
Da mesma forma, podemos construir operadores que correspondem à diferenciais de ordem mais alta.
Assim, um tipo bastante especial de operadores que agem em L2 são operadores diferenciais.
Cabe aqui uma observação sobre a MQ. O exposto acima nos diz que a igualdade
X
jf i = ck jek i ; jf i 2 L2 (a; b)
k

nos da a liberdade de trabalhar tanto no lado esquerdo, i.e., operadores diferenciais agindo no espaço das
funções, quanto no direito, i.e., matrizes agindo em seqüência contáveis. Nos primórdios da MQ havia duas
teorias quânticas aparentemente independentes. A teoria de Schroedinger, baseada numa equação diferencial,
e a teoria de Heisenberg, baseada na álgebra de matrizes. Grosso modo, podemos dizer que estas duas teorias
são as mesmas (ou equivalentes). Apenas que a teoria de Schroedinger trabalha no lado esquerdo da igualdade
acima (i.e., no espaço L2 ), enquanto a teoria de Heisenberg trabalha no lado esquerdo (i.e., no espaço R1 ).
Dizemos que é a mesma teoria utilizando uma representação diferente do espaço de Hilbert.
Da mesma forma que em R1 , se M ^ é um operador em L2 este se relaciona com seu conjugado pela relação
(61)
^ jgi = hf j j i h j jgi = h j jf i hgj j i = hgj j i h j jf i = hgj M
hf j M ^ + jf i

ou, explicitando o produto interno,


Z b h i
^ jgi =
hf j M f (x) M^ g (x) dx
a
Z b h i
^ + jf i =
hgj M g (x) M^ + f (x) dx
a

^ jgi = hgj M
Usando a igualdade hf j M ^ + jf i

Z b h i Z b h i Z b h i Z b h i
f (x) M^ g (x) dx = g (x) M^ + f (x) dx = g (x) M^ + f (x) dx = ^ + f (x) g (x) dx (64)
M
a a a a

A relação acima de…ne o adjunto dos operadores agindo em L2 .


Em especial, para operadores hermitianos, temos a relação (60)

^ jgi = hgj M
hf j M ^ jf i :

que fornece
Z b h i Z b h i
f (x) M^ g (x) dx = ^ f (x) g (x) dx
M
a a

120
^ no espaço das funções a igualdade acima permite veri…car se este operador é
assim, dado um operador M
(ou não) hermitiano.
Exemplo: vamos veri…car se o operador
^ = d
D
dx
agindo em L2 (a; b) é hermitiano. Para isso calculamos
Z b h i Z b
^ jgi = ^ (x) dx = dg
hf j D f (x) Dg f dx
a a dx

Usando agora uma integração por partes temos


Z b Z b
dg b df
f dx = f g a
g dx
a dx a dx

Ou ainda, se observamos que


df df
=
dx dx
temos Z Z Z
b h i b h i b h i
^ b ^ ^ g dx
f Dg dx = f g a
Df g dx 6= Df
a a a
2
Ou seja, nosso operador não é simétrico em L (a; b).
b
O ponto aqui é que, graças ao termo de fronteira f g a , devemos esperar que nenhum operador diferencial
seja hermitiano em L2 (a; b). Entretanto, podemos tentar contornar este problema.. Uma vez que nosso oper-
ador não é simétrico em todo o espaço L2 (a; b), podemos tentar encontrar um sub-espaço de L2 onde (talvez)
ele seja simétrico. Vamos, por exemplo, de…nir o subespaço das funções que valem zero nas extremidades.
Ou seja, nosso espaço não é todo o espaço L2 , mas:

L2 (a; b) L02 (a; b) g; g 0 2 L2 (a; b) ; g (a) = g (b) = 0; a:c:

Onde estamos exigindo

1. as funções pertençam a L2 (a; b), obviamente;

2. a derivada das funções também pertençam a L2 (a; b). Isso é necessário porque nosso operador é uma
diferencial e, para que este seja um operador no nosso espaço, ele deve levar funções do espaço em
outras funções do mesmo espaço. Ou seja, Df ^ 2 L2 (a; b). Esta exigência deve ser ampliada quando
tratamos de operadores diferenciais de ordem mais alta.

3. as funções sejam nulas nas extremidades, f (a) = f (b) = 0. Isso é necessário (na nossa esperança de
simetrizar o operador) para eliminar o termo de fronteira da integração por partes;

121
4. Finalmente, as funções devem ser absolutamente contínuas (a:c:). Este é um detalhe técnico intrincado,
mas podemos simpli…cá-lo dizendo que, grosso-modo, funções absolutamente contínuas são aquelas que
podem ser integradas por partes. Isso certamente é válido para todas as funções bem comportadas
que vamos trabalhar. Ou seja, esta teoria vale também para funções que não sejam in…nitamente
diferenciáveis e que possuem certas descontinuidades em suas derivadas. Mas isso é muito mais do que
precisamos.

Neste espaço L02 (a; b) temos


Z b h i Z b h i Z b h i
^ 0g
f D dx = ^ 0
D f g dx 6= ^ 0 f g dx
D
a a a

Onde colocamos uma linha no operador para indicar que este age no espaço L0 . Mas, ainda assim, nosso
operador não é hermitiano.
Mais ainda, podemos escrever a relação acima como
Z b h i Z b h i
f D^ 0 g dx = ^ 0 f g dx
D
a a

lembrando da relação (64) temos


Z b h i Z b h i
f (x) D^ 0 g (x) dx = ^ 0+ f (x) g (x) dx
D
a a

comparando as duas relações acima temos


^ 0+ =
D ^0 :
D (65)

Entretanto, tudo isso era de se esperar, pois se olharmos para a matriz relacionada com este operado

0 1
.. .. .. .. ..
B . . . . . C
B C
B i2 0 0 C
B C
D=B
B 0 0 0 C
C
B C
B 0 0 i2 C
@ A
.. .. .. .. ..
. . . . .

122
vemos que os elementos diagonais desta matriz não são reais. Além disso, se tirarmos o transposto conjudado
desta matriz temos 0 1
.. .. .. .. ..
B . . . . . C
B C
B i2 0 0 C
B C
T
D =B B 0 0 0 C= D
C
B C
B 0 0 i2 C
@ A
.. .. .. .. ..
. . . . .

que nada mais é que a relação (65).


O exemplo acima mostra que, se quisermos um operador hermitiano, devemos partir de uma matriz
hermitiana. Partamos então da matriz
0 1
.. .. .. .. .. .. ..
B . . . . . . . C
B C
B 2 0 0 0 0 C
B C
B 0 1 0 0 0 C
B C
B C
D2 = B 0 0 0 0 0 C
B C
B 0 0 0 1 0 C
B C
B C
B 0 0 0 0 2 C
@ A
.. .. .. .. .. .. ..
. . . . . . .

que, obviamente, é hermitiano. Observe que


D2 = iD

o que, obviamente, fornece


^ =i d :
^ 2 = iD
D
dx
Vamos então calcular novamente
Z b h i Z b
^ 2 jgi = ^ 2 g (x) dx = dg
hf j D f (x) D f i dx
a a dx

Usando novamente uma integração por partes temos


Z b Z b
dg b df
f i dx = i f g a
i g dx
a dx a dx

Observe agora que


df df df
i =i = i ;
dx dx dx

123
pois { = i. Com isso temos
Z b Z b
dg b df
f i dx = i f g a
+ i g dx
a dx a dx

^ 0 que atua no espaço L02 (a; b)


Novamente, para eliminarmos o termo de fronteira, de…nimos o operador D 2
de…nido anteriormente, com isso
Z b Z b
d d
f i g dx = i f g dx
a dx a dx

que pode ser escrito como


Z b h i Z b h i
^ 20 g
f D dx = ^ 0 f g dx
D 2
a a

Ou seja, o operador ^0
D é hermitiano.
2

124
8.8 Domínio dos operadores
^ 2 , que age em L2 , não é
Um ponto extremamente importante no que foi exposto acima é que o operador D
^ 0 , que age em
hermitiano, mas já o operador D 2

L02 (a; b) g; g 0 2 L2 (a; b) ; g (a) = g (b) = 0; a:c:

é hermitiano.
Certamente um operador que é hermitiano é diferente de um operador que não é hermitiano, ou seja, D2
é diferente de D20 . Assim, apesar destes dois operadores terem a mesma forma

d
i
dx

ou seja, atuam da mesma maneira, eles atuam em espaços diferentes e, conseqüentemente, são oper-
adores diferentes.
O espaço de atuação de um operador é também chamado de domínio deste operados. Indicamos o domínio
de D^ por D D ^ , ou seja

^ 20 = g; g 0 2 L2 (a; b) ; g (a) = g (b) = 0; a:c:


D D

Assim:

Remark 61 Um operador não é apenas uma regra de atuação mas também a especi…cação do domínio onde
esta atuação é válida. A mesma regra, para domínios diferentes, especi…ca operadores diferentes.

^+
Voltemos nossa atenção agora para o operador adjunto. Ou seja, qual o domínio do operador adjunto D2
^ 2 seja hermitiano?
para que D
O adjunto de um operador M ^ pode ser de…nido pela expressão

Z b h i Z b h i
^ + f (x) g (x) dx
M f (x) M ^+
^ ;f 2 D M
^ g (x) dx ; 8g 2 D M ;
a a

^ agem em g, i.e., g 2 D M
onde devemos notar que o operador M ^ , enquanto o operador M
^ + age em f , i.e.,

f 2D M ^ + . A pergunta acima pode ser formulada da seguinte forma: Uma vez …xado um domínio D(M
^)
^ é simétrico, qual o domínio de M
no qual M ^ + que não quebra esta simetria?
Para o nosso operador D^ 0 sabemos que
2

^ 20 = g; g 0 2 L2 (a; b) ; g (a) = g (b) = 0; a:c:


D D (66)

125
e quais podem ser as funções f para que a relação
Z b h i Z b h i Z b h i
^0 g
f D dx = ^ 0
D2 f g dx = ^ 0+ f g dx
D
2 2
a a a

se mantenha (lembrando que D ^ 0 no lado direito da igualdade é, na verdade, o adjunto de D


^ 0 ). Voltemos
2 2
para a forma completa da integral por partes
Z b h i Z b h i
b
f D^ 0 g dx = i f g + ^ 0 f g dx
D
2 a 2
a a
Z b h i
= ^ 0 f g dx + i f (b) g (b)
D f (a) g (a)
2
a

Para que nosso operador seja simétrico, basta que o último termo se anula. Então, a nossa pergunta se torna:

quais podem ser as funções f para que o último termo se anule?

^0
Lembrando que, pela de…nição do domínio (66) de D2

Z b h i Z b h i Z b h i
f D^ 20 g dx = ^ 0 f g dx + i f (b) :0
D f (a) :0 = ^ 0 f g dx
D
2 2
a a a

para qualquer valor …nito de f (b) e f (a) e, consequentemente, para qualquer valor de f (b) e f (a). Ou seja,
as funções f onde age D ^ + não precisam se anular nas fronteiras. Ou ainda, alem de serem L2 não
2
precisamos colocar mais nenhuma restrição nestas funções. Assim, o domínio de D ^ +0 , para que D
^2
2
seja hermitiano vale
D D ^ +0 = f; f 0 2 L2 (a; b) ; a:c:
2

Vemos explicitamente que


^ +0 6= D D
D D ^ 20
2

ou seja, apesar de terem a mesma forma

^0 = i d ; D
D ^ +0 = i d
2 2
dx dx

(pois o operador é simétrico) os operadores D ^0 e D ^ +0 são operadores diferentes. Este ponto pode parecer
2 2
uma tecnicalidade, mas será importante no futuro.
No procedimento acima, partimos de um operador D ^ 2 que não é hermitiano e de…nimos um novo
operador D^ 0 (que tem a mesma forma de D ^ 2 , mas atua num espaço diferente) que é, fazendo uma restrição
2
no domínio de D ^ 2 . Feito isso, podemos obter o domínio do adjunto D ^ +0 que não quebre esta simetria.
2

126
8.9 Operadores lineares
Como vimos, um tipo de operador que age em nosso espaço L2 são operadores diferenciais. Da forma mais
geral possível, um operador diferencial linear, agindo no espaço das funções de quadrado integrável tem a
forma tem a forma
2
^ = a0 (x) + a1 (x) d + a2 (x) d + :::
L
dx dx2
Xm
dn
= an (x) n (67)
n=0
dx

onde m é chamado a ordem do operador. Estes operadores são lineares

^ (c1
L 1 + c2 2)
^
= c1 L 1
^
+ c2 L 2 ; c1 ; c2 2 C

se exigirmos que L^ i 2 L2 .
Obviamente nem todas as funções em L2 possuem sua derivada de ordem m em L2 , além disso, como
vimos no exemplo anterior, condições de contorno (ou considerações físicas) podem impor certas restrições
nas funções nas fronteiras, i.e., …xar o valor de (a) e (b). Assim, um operador não atua em todo L2 , mas
sim num subconjunto D (L) L2 .

^ devemos sempre informar sua expressão diferencial (67) e


Remark 62 Para especi…carmos um operador L
seu domínio de atuação.

Uma equação diferencia linear tem a forma

^ = f (x) :
L

O caso com f 0 é chamado de equação homogênea.


Pela condição de linearidade, vemos que, se 1 e 2 são soluções da equação homogênea para o operador
^ então qualquer combinação c1 1 + c2 2 também será solução da equação homogênea de L.
L ^ De forma
mais geral, uma combinação arbitrária de soluções da equação homogênea também é uma solução. Este é o
princípio da superposição.
O hermitiano conjugado de um operador L, ^ chamado de L ^ + , é de…nido através do produto interno e
através da expressão (??)
^+ j 1i = h 1j L
h 2j L ^ j 2i ;

^ de…nimos o seu conjugado pela expressão


ou seja, dado um operador L
Z b Z b h i
[L+ 1 (x)] 2 (x) dx (x) L^ 2 (x) dx :
1
a a

127
Exemplo: Se
^= d
L
dx
e D (L) são as funções 2 L2 (a; b) com 0
2 L2 e (a) = ^ + . Este é o mesmo exemplo
(b) = 0 encontre L
que resolvemos acima.
Pela de…nição temos
Z b h i Z b
^ ^ d
h 1j L j 2i = 1 (x) L 2 (x) dx = 1 (x) 2 (x) dx
a a dx

se nossas funções são absolutamente contínuas, i.e., podem ser integradas por partes, temos
Z b Z b
d b d
1 (x) 2 (x) dx = [ 1 (x) 2 (x)]a 1 (x) [ 2 (x)] dx
a dx a dx
Z b Z b h i
d ^+
= 1 (x) [ 2 (x)] dx = L 1 (x) 2 (x) dx
a dx a

assim
^+ = d
L
dx
^ + . Para de…nirmos completamente este operador precisamos ainda especi…car
Esta é a forma diferencial de L
D (L+ ), voltaremos a este problema em breve.
Exemplo: O operador
^=c; c2C
L

Novamente
Z b h i
h ^+
2j L j 1i =
^+
L 1 (x) 2 (x) dx h ^
1j L j 2i
a
Z b
= 1 (x) [c 2 (x)] dx
a
Z b
= [c 1 (x)] 2 (x) dx
a
Z b h i
= ^+
L 1 (x) 2 (x) dx ;
a

assim
^+ = c :
L
^ + pode ser todos o espaço L2 (e, é claro, a restrição L
A princípio o domínio de L ^ + 2 L2 ). Entretanto,
como veremos mais pra frente, podemos impor certas característica no operador L ^ que, para serem mantidas,
restringem também o domínio de L ^ .
+

128
9 A série de Fourie
Temos agora a nossa disposição todos os elementos para o estudo das funções ortogonais. Como primeiro
caso, vamos obter o conjunto de funções já conhecidas presentes na série de Fourie.
O processo de construção das funções harmônicas está relacionado com a construção dos autovetores de
um operador hermitiano agindo no espaço das funções. Ou seja, a solução de uma equação diferencial do
tipo
N
X
^ =l ; L ^= dn
L an (x) n
n=0
dx

Primeiramente alguns comentários sobre estas soluções.


No caso geral, esperamos que uma equação diferencial ordinária de ordem N tenha N soluções LI. Mas
nosso caso, encontraremos in…nitas soluções. O ponto aqui é que, para uma dada equação, o lado direito
é dado, enquanto, nosso caso, este lado depende de autovalores (l) que também temos de encontrar. Ou seja,
não estamos falando de resolver uma determinada equação diferencial, mas, além disso, encontrar
condições para que esta equação tenha soluções.
No caso particular que vamos tratar aqui o operador em questão é o operador de Laplace
2
^ = a1 d ; a1 2 C :
L
dx2

Assim, este problema está relacionado com todos os problemas físicos onde este operador aparece. Em
especial, problemas de eletromagnetismo e mecânica dos ‡uídos.
Apenas como motivação (sem alterar o conteúdo formal) podemos dizer que estas funções surgem no
estudo do problema quântico de uma partícula numa caixa.
Como vimos, um dos postulados da MQ a…rma que qualquer sistema físico pode ser completamente
representado por um vetor no espaço de Hilbert. Na teoria de Schroedinger o espaço de Hilbert é o espaço
L2 , assim, os vetores são funções (x; t). O signi…cado físico destas funções é dado pela chamada interpretação
de Copenhagen, segundo a qual a quantidade

2
j (x; t)j

representa a probabilidade do sistema ser encontrado na posição x no instante t. Para não …car abstrato
2
demais, podemos dizer que o nosso sistema físico é uma partícula de massa m. Assim, j (x; t)j é a proba-
bilidade de encontrarmos esta partícula na posição x no instante t. Mais ainda, a quantidade
Z b
j (x; t)j dx
a

é a probabilidade desta partícula ser encontrada, num instante t, dentro do intervalo [ L; L]. Obviamente,

129
se sabemos que a nossa partícula existes (i.e., está em algum lugar), devemos ter:
Z 1
j (x; t)j dx = 1
1

Ou seja, deve ser uma função de quadrado integrável. Assim, o fato de 2 L2 na teoria de Schroedinger
é uma conseqüência da interpretação probabilística da MQ.
Além disso, observáveis são operadores hermitianos agindo neste espaço. Na teoria de Schroedinger o
operador relacionado com a energia do sistema é dado por7

^ = ~2 2
H r + V (x) ;
2m

onde V (x) é o potencial que age no sistema (ou seja, a energia potencial do sistema). Este operador é
chamado de hamiltoniano do sistema.
Outro postulado a…rma que os valores que o observável pode assumir (ou seja, feita uma medida é o que
vamos obter) são apenas os autovalores do operador correspondente. Assim, se efetuarmos uma medida de
um sistema quântico descrito por um hamiltoniano H^ , os únicos valores de energia que podemos obter são

^
H n = En n :

Estamos aqui interessados nos níveis de energia de uma partícula de massa m que pode se mover apenas
dentro de um certo intervalo [ L; L]. Ou seja, a partícula está presa neste intervalo. Este problema pode
ser facilmente generalizado para o caso com 3 dimensões. Dentro da caixa nenhuma força age sobre a
partícula (ela está livre). Assim, neste caso temos V = 0 e o hamiltoniano do sistema se torna

^ = ~2 d 2
H :
2m dx2

Estando livre, a energia desta partícula é puramente cinética. Classicamente, uma ver que a
partícula pode ter qualquer velocidade dentro da caixa e, consequentemente, ela pode assumir qualquer
valor de energia. Além disso, a partícula pode estar em qualquer lugar dentro da caixa. Na descrição
quântica, entretanto, veremos que as coisas são um pouco diferentes.
Primeiramente vamos veri…car que o operador H ^ acima é hermitiano. Ou seja, vamos veri…car que para
duas funções e temos
h jH^ j i = h jH
^j i: (68)

Façamos isso para o caso geral em que V 6= 0.


7O operador hamiltoniano é degenerado, por isso as coisas não são tão simples.

130
Explicitando o produto interno acima temos
Z L hi Z L
^j i= ^ ~2 d 2
h jH (x) H (x) dx = (x) + V (x) (x) dx (69)
L L 2m dx2
2 Z L Z L
~ d2
= + V dx (70)
2m L dx2 L

Já para o segundo membro de (68)

Z L
^j i= ~2 d 2
h jH (x) +V (x) dx
L 2m dx2
Z L
~2 d 2
= (x) +V (x) dx
L 2m dx2
2 Z L Z L
~ d2
= + V dx : (71)
2m L dx2 L

Ser ou não hermitiano depende de (71) ser, ou não, igual a (69).


Analisemos primeiro o último membro de cada igualdade. Para (71) temos
Z L Z L
(x) V (x) dx = (x) V (x) (x) dx
L L

que, obviamente, é igual ao último termo de (69).


Vejamos agora o primeiro termo de (69). Fazendo uma integral por partes temos
Z L L Z L
d2 d d d
dx = dx
L dx2 dx L L dx dx
" L Z #
L L
d d d2
= dx
dx L dx L L dx2
L L Z L
d d d2
= + dx
dx L dx L L dx2

que (multiplicado por ~2 =2m) seria exatamente igual ao primeiro termo de (71) se não fossem os dois
primeiros termos.
Lembremos agora que, no caso geral, não esperamos que nosso operador seja hermitiano para todas as
funções em L2 . Fisicamente isso signi…ca que nem todos os estados são possíveis ao sistema. Vamos então

131
limitar o nosso espaço impondo condições de fronteira nas nossas funções de onda

( L) = (L) = 0
0 0
( L) = (L) = 0

Ou seja, os vetores do nosso espaço (e, consequentemente, os estados físicos do nosso sistema) não são todos
os vetores em L2 ( L; L), mas apenas os vetores

^ =
D H ; 0
2 L2 ( L; L) ; ( L) = (L) = 0
( L) = 0
(L) = 0; a:c:

Com esta imposição temos

L
d 0 0
= ( L) (L) =0;
dx L
L
d d d
= ( L) (L) = 0
dx L dx dx

e, com isso,
^ j i = h jH
h jH ^j i

e o operador H^ é hermitiano.
Assim, as condições de contorno acima surgem como uma necessidade para que o operador H ^ seja hermi-
tiano. Fisicamente estas condições podem ser interpretadas como o fato da partícula não poder ser encontrada
fora, nem nas paredes da caixa, assim

2
j (x; t)j = 0 ; para jxj L:

Agora que sabemos que nosso operador é hermitiano, procuremos por suas auto funções. Ou seja, vamos
resolver a equação
2
^ = E ) d = k 2 ; k 2 = 2mE :
H
dx2 ~2
Para qualquer valor k 2 C a equação acima possui duas soluções LI e sua solução geral pode ser escrita
como
(x) = A exp (ikx) + B exp ( ikx)
^ d2 =dx2 é hermitiano e, como sabemos, seu autovalor deve
Entretanto, é fácil ver que, assim como H,
ser real, ou seja,
k2R:

132
Pela de…nição de k vemos que isso implica

k2 0)E 0:

^ ser hermitiano implica que o sistema só pode ter energias positivas. Este resultado
Ou seja, o fato de H
é completamente compatível com a física clássica.
Como determinamos as constantes A,B e k da solução geral acima?
Estas constantes estão relacionadas com as condições de contorno do problema.
Lembrando o domínio do operador H ^ temos

(L) = 0 =) AeikL + Be ikL


= 0 =) AeikL = Be ikL

A (cos kL + i sin kL) = B (cos kL i sin kL) : (72)

Podemos satisfazer esta igualdade de duas formas, a primeira fazendo

sin kL = 0 =) kL = n ; n 2 N

observe que n = 0 não é um autovetor. Além disso, o caso n < 0 corresponde as mesma funções com sinal
trocado e, consequentemente, são as mesmas funções (lembre que a normalização possui uma arbitrariedade
na fase). Com a escolha acima, temos,

A (cos kL) = B (cos kL) ) A = B;

Podemos também satisfazer a igualdade (72) fazendo

1
cos kL = 0 =) kL = n+ ; n2N
2

(observe que agora n = 0 é um autovetor), com isso

A (i sin kL) = B ( i sin kL) ) A = B :

Ou seja, o nosso problema possui dois tipos de soluções estacionárias

~2 n 2
n (x) = N sin kn x ; kn = n ) En = ;
L 2m L
2
+ 1 ~2 1
n (x) = N + cos kn+ x ; kn+ = n+ ) En+ = n+ ; (73)
L 2 2m L 2

onde as constantes N são constantes de normalização destas funções.

133
Exercise 63 Obtenha as constantes de normalização N + e N .

O resultado acima nos mostra que, dentro da caixa, a partícula só pode assumir os níveis de energia En
e En+ . Além disso, existe um nível mínimo de energia que o sistema pode assumir que é E0+ . A partícula
nunca pode ter energia cinética nula (observe que E0 = 0 implica 0 (x) = 0 e a partícula não está mais na
caixa).

134
Suponha que você prendeu um elétron numa caixa e baixou a temperatura do sistema de forma a garantir
que este elétron está no estado fundamental E0+ (é mais natural imaginarmos que temos vários elétrons não
interagentes nesta caixa). Primeiramente veja que existe uma energia do sistema que você não pode
retirar, ou seja, esta energia não se dissipa em forma de calor. Em segundo lugar, se você tentar aquecer o
sistema, por exemplo o iluminando com um laser, se este laser tiver uma energia menor que E1 o sistema não
irá interagir com seu laser (ou seja, ele será transparente). Se você for aumentando a freqüência destes laser,
quando a sua energia chegar a E1 o sistema passa a absorver o laser (se torna opaco) e os elétrons passam
para um nível de energia mais alto. Este “salto” de um nível de energia para o outro, sem que o sistema
possa existir em níveis intermediários (o que classicamente é um contínuo) é chamado de salto quântico.
Este efeito de absorção de apenas alguns comprimentos de onda pode ser observado em pontos quânticos.
Este é também o mecanismo porque os elétrons em torno do núcleo só absorvem e emitem radiações com
determinada freqüência (e.g., a série de Balmer).
O fato de nosso operador ser hermitiano signi…ca que suas autofunções formam uma base (agora orto-
normal) do espaço. Assim, qualquer função do nosso espaço pode ser escrita como:

1
1 X + 1 1 X
1 h i
f (x) = p cn cos n+ x +p cn sin nx :
L n=0 L 2 L n=1 L

2
Em MQ o módulo quadrado dos coe…cientes (jcn j ) corresponde a probabilidade de, numa medida da
energia (ou qualquer outro observável) do sistema no estado f , obtermos o valor En . Assim, o fato de
qualquer estado poder ser expandido na decomposição acima, tem o signi…cado físico de que todo sistema
possui (com uma certa probabilidade) sempre algum valor de energia.
e+
Usando a notação de Dirac temos a base composta pelos dois pares de funções fj^n i ; j^
en ig com compo-
nentes h i
1 1 1
e^+
n (x) = p cos n+ x ; e^n (x) = p sin nx
L L 2 L L
Exercise 64 Veri…que que esta base é ortonormal

e^n e^+ ^+
m =0 ; e ^+
n em = e
^n e^m = nm :

Com isso
1
X 1
X
jf i = c+ ^+
n en + cn e^n
n=0 n=1

e+
e as componentes cn são a projeção de f na base fj^n i ; j^
en ig
Z L h i
1
c+
n = e^+
n f i = p cos nx f (x) dx
L L L
Z L
1 1
cn = e^n f i = p sin n+ x f (x) dx
L L L 2

135
9.0.1 Completeza

e+
A…rmamos acima que as funções fj^n i ; j^
en ig, com componentes

1 h i 1 1
e^+
n (x) = p cos nx ; e^n (x) = p sin n+ x ;
2L L 2L L 2

formam uma base do nosso espaço.


Mas qual é o nosso espaço?
^ não é todo o espaço L2 ,[ L; L] mas sim
Lembre que o domínio do nosso operador H

^ =
D H ; 0
2 L2 ( L; L) ; ( L) = (L) = 0
( L) = 0
(L) = 0; a:c:

E é para este espaço que as funções encontradas formam uma base. Ou seja:

Remark 65 As autofunções de um operador hermitiano formam uma base para o espaço do domínio deste
operador.

Isso signi…ca, por exemplo, que as funções encontradas não podem descrever uma função L2 que seja
diferente de zero nas fronteiras.
Suponha agora que, no lugar da restrição acima, façamos a restrição:

0 0
( L) = ei (L) ; ( L) = ei (L) :

Ou seja,

^ =
D H ; 0
2 L2 ( L; L) ; ( L) = ei (L) ; 0
( L) = ei 0
(L) ; a:c: ; 2R

usualmente chamadas de condições periódicas de contorno (na próxima seção veremos com mais detalhes a
razão desta escolha).
Com isso o termo de fronteira se torna
L
d 0 0 0
= ( L) ( L) (L) (L) = (L) ei ( L) (L)
dx L

d
L h i
0 0 0 0
= ( L) ( L) (L) (L) = (L) ei ( L) (L)
dx L

Neste caso vemos que nosso operador não será hermitiano a menos que coloquemos também a restrição

i
( L) = e (L) =) ( L) = ei (L) ;
0 i 0 0 0
( L) = e (L) =) ( L) = ei (L) ;

136
^ mas temos de também impor a seguinte
ou seja, neste caso, não basta a restrição sobre o domínio de H,
^+
restrição sobre o domínio de H

^+ =
D H ; 0
2 L2 ( L; L) ; ( L) = ei (L) ; 0
( L) = ei 0
(L) ; a:c: :

Assim, também para as condições de fronteira acima, nosso operador é simétrico. Para diferen-
ciar este operador do anterior vamos chamá-lo de H ^ 0 (lembre que domínios diferentes de…nem operadores
diferentes). Vamos então encontrar os autovetores de H^ 0 . Para isso voltamos as condições de contorno:

( L) = ei (L)

com
(x) = A exp (ikx) + B exp ( ikx)

Novamente, se aplicarmos diretamente as condições de fronteira, teremos dois conjuntos de soluções. Uma
forma conveniente de se obter estas soluções (que também podia ter sido usada no exemplo anterior) é fazer
cada uma das constante A e B igual a zero. Ou seja, para B = 0 temos as soluções

+
(x) = A exp (ikx)

Aplicando a condição de contorno

( L) = ei (L) ) exp (i (kL + )) = exp ( ikL) ;

que pode ser satisfeita fazendo

2 n
kL + = kL + 2 n ) kn+ = ; n2N;
2L

com isso
+ 2 n n
n (x) = A exp i x = A exp i x
2L L 2L
Fazendo A = 0 temos
(x) = B exp ( ikx)

Aplicando as c.c.
B exp (ikL) = B exp ( i (kL ))

que fornece
2 n+
kn =
2L

137
com isso,
2 n+ n
n (x) = B exp i x = B exp i + x
2L L 2L
Estas soluções são válidas para qualquer valor de .
Em especial, para = 0 temos

1 h n i
+
n (x) p exp i x ;
=
2L L
1 h n i
n (x) = p exp i x ;
2L L
n
kn+ = kn = = kn :
L

Onde já normalizamos os nossos estados.


O resultado acima nos mostra que qualquer função f (x)

1
X 1
X
+
f (x) = a+
n n (x) + an n (x) (74)
n=0 n=1

observe que, para n = 0,


+ 1
0 (x) = p = 0 (x)
2L
por isso na somatória (74) contamos este estado apenas uma vez (n começa de 1 em uma das somatórias).
Obviamente a decomposição (74) pode ser escrita como
( )
1
1
X hn i X
1 h n i
f (x) = p a+
n exp i x + an exp i x
2L n=0
L n=1
L
( )
1
1
X hn i X1 h n i
= p a+
n exp i x + a n exp i x ;
2L n=0
L n= 1
L

ou ainda, fazendo (
a+
n ; n 0
an =
a n ; n<0
temos
( )
1
1
X n i X1h h n i
f (x) = p an exp i x + an exp i x
2L n=0
L n= 1
L

1 X1 h n i
= p an exp i x :
2L n= 1 L

138
Vamos então introduzir as funções:

1 n
e^n (x) = p exp i x ; n2Z
2L L

^ 0.
Exercise 66 Veri…que que estas funções são auto-funções de H

Exercise 67 Veri…que que estas funções são ortonormais.

Com isso, podemos a…rmar que qualquer função no nosso espaço pode ser escrita como
1
X X1
1 n
f (x) = an e^n (x) = p an exp i x :
n= 1 2L n= 1 L

Esta é a chamada série de Fourie da função f (x). E, uma vez que as nossas funções formam uma base
ortonormal Z L
1 n
an = h^
en j f i = p exp i x f (x) dx :
2L L L
que são os coe…cientes de Fourie da função.
Lembrando que agora o nosso espaço é o espaço das funções L2 [ L; L], periódica, i.e., f ( L) = f (L).
Este espaço inclui o anterior (i.e., o espaço das funções com f ( L) = f (L) = 0).
Porque a série de Fourie é tão importante?
A série de Fourie (autovetores de H ^ 0 ) é muito mais usada que os autovetores de H.
^ Obviamente, como
D(H)^ D(H ^ 0 ), isso era de se esperar. Ou seja, podemos expandir muito mais funções usando os autovetores
de H^ do que com os autovetores de H.
0 ^ Isso é verdade, mas a verdade é ainda mais forte. Um fato é que,
tirando os pontos L e L qualquer função no domínio [ L; L], pode ser expandida em serie de Fourie.
Ou seja, qualquer função contínua com derivada contínua de…nida no intervalo ( L; L) (e não apenas as
periódicas) pode ser expandida em série de Fourie. Assim, dada uma função g (x) de…nida no intervalo
x 2 [ L; L] e dada uma distância …nita " > 0 da fronteira, podemos obter uma série na forma

1
X 1 n
f (x) = an en (x) ; en (x) = p exp i x ;
n= 1 2L L
Z L
1 n
an = p exp i x g (x) dx ;
2L L L

que será igual a g (x) para qualquer ponto acima desta distância " > 0 não importa o quão pequeno
seja ". Destarte, qualquer função em L2 ( L; L) pode ser aproximada, com uma precisão in…nita, por
uma série na forma acima.
Dizemos assim que a base fjen ig é completa em L2 ( L; L) (lembre que ela não é uma base de L2 ( L; L)
mas sim de L02 ( L; L) D H ^ 0 ). Por abuso de linguagem, dizemos que fjen ig é uma base de L2 ( L; L).

139
Assim, se queremos expandir qualquer função de L2 ( L; L) devemos encontrar operadores que nos
forneçam uma base completa.
Mas como saber se a base de um operador é completa?
Antes vamos observar uma peculiaridade do operador H ^ 0 . Observe que D(H
^ 0 ) = D(H
^ 0+ ), ou seja, H
^0
não é apenas hermitiano (i.e., possui a mesma forma que seu adjunto), mas também possui o mesmo
domínio que seu adjunto. Uma vez que um operador é de…nido pela sua forma e pelo seu domínio, neste
caso podemos a…rmar que o operador H ^ 0 é igual ao seu adjunto. Um operador que é igual ao seu adjunto
é chamado de um operador auto-adjunto. Um resultado que vamos aceitar sem provar é o seguinte:

Remark 68 Autovetores de um operador auto-adjunto formam uma base completa.

Exemplo: Vamos encontrar a série de Fourie da função f (x) = x, com x 2 [ ; ]

1
X
f (x) = an en (x)
n= 1
Z Z
1
an = en (x) f (x) dx = p x exp ( inx) dx
2

Precisamos calcular a integral Z


x exp ( inx) dx

fazendo uma integração por parte


Z Z
0
fg = (f g) f 0g

f = x ) f0 = 1
exp ( inx)
g0 = exp ( inx) ) g = i
Z Zn
i i
x exp ( inx) dx = [x exp ( inx)] exp ( inx) dx
0 n n
i i exp ( inx)
= [exp ( in ) + exp (in )]
n n in
i 1
= 2 cos n 2i 2 sin n
n n
i n
= 2 ( 1)
n

140
com isso
r
1 i n 2 i n
an = p 2 ( 1) = ( 1) ; n 6= 0
2 n n
Z 2 2
1 1
a0 e0 j f i = p
= h^ x dx = p =0
2 2 2 2

E a nossa série toma a forma


(1 r 1 r
)
1 X 2 i hn i X 2 i h n i
n n
f (x) = p ( 1) exp i x + ( 1) exp i x
2 n=1
n n= 1
n
(1 r 1 r
)
1 X 2 i n
X 2 i n
= p ( 1) exp [inx] + ( 1) exp [i ( n) x]
2 n=1
n n=1
( n)
r 1
i 2X1 n
= p ( 1) fexp [inx] exp [ inx]g
2 n=1
n
r 1
i 2X1 n
= p ( 1) 2i sin [nx]
2 n=1
n
X1
1 n
= 2 ( 1) sin [nx]
n=1
n
X1 n+1
( 1)
= 2 sin [nx]
n=1
n

Vamos calcular, por exemplo, este série em x = 0

X1 n+1
( 1)
f (0) = 2 sin [n0] = 0
n=1
n

que, obviamente, concorda com f (x) = x.


Vamos agora calcular a série na fronteira, x = ,

X1 n+1
( 1)
f( )=2 sin [n ] = 0
n=1
n

que, certamente, é diferente de f (x) = x calculado em x = . Assim, como vimos, a série obtida converge
para a função em qualquer ponto dentro do intervalo x 2 ( ; ), mas não necessariamente para o
valor da função na borda x = . O ponto é que, pelo domínio escolhido ( = 0 ) (L) = ( L)) a
série obtida sempre terá o mesmo valor nas bordas. Para minimizar o salto que a série terá de dar para se
aproximar da função fora da borda, este valor sempre estará no ponto intermediário ao valor da função nas
bordas, i.e., no ponto [f (L) f ( L)] =2.

141
Para pontos diferentes de x = 0; precisamos, obviamente calcular a série (o que usualmente é feito
numericamente). Quanto mais termos incluímos na série, mais esta se aproxima da função. A …gura abaixo
P20
mostra um exemplo com apenas um termo (n = 1) e com vinte termos ( n=1 ).

9.0.2 O operador de momento e o signi…cado físico das condições de fronteira

Na MQ o operador hamiltoniano está relacionado com a energia da partícula, i.e., os autovalores deste
operador são as energias que o sistema pode assumir.
O operador hamiltoniano usado na seção anterior também pode ser escrito como
2
^ = p^ + V (x)
H
2m

onde
d
p^ = i~
dx
Comparando H ^ com a expressão clássica, vemos que o operador p^ corresponde ao momento da partícula.
Na seção anterior, quando …xamos condições periódicas de contorno ( (L) = ( L)), as soluções obtidas
foram da forma

1 n
e^+
n (x) = p exp (ikn x) ; kn =
2L L
1
e^n (x) = p exp ( ikn x) ; n 2 N
2L

Assim, o momento associado a partículas nestes estados vale

d 1 1
p^e^+
n = i~ p exp (i kn x) = ~kn p exp (i kn x) = ~kn e^+
n
dx 2L 2L
p^e^n = ~kn e^n

142
Ou seja partículas no estado e^+
n correspondem a partículas com momento positivo ~kn e no estado e ^n com
momento negativo ~kn . Se usarmos um análogo clássico deste sistema podemos dizer que as primeiras tem
velocidade positiva (vão para a direita) e as outras velocidade negativa (vão para a esquerda).
Observe agora que os auto-estados de H ^ 0 acima também são auto-estados de p^. O que era de se esperar,
pois nossas partículas estão livres e toda a sua energia é cinética. Assim, dado o valor (auto-valor) de p^
sabemos o valor (auto-valor) de H.^
Agora, quando …xamos a condição de fronteira (L) = ( L) = 0, as autofunções de H ^ foram

n (x) = N sin kn x ; kn = n;
L
+ 1
n (x) = N + cos kn+ x ; kn+ = n+ ;
L 2

que certamente não são autofunções de p^.


Mas por que, se neste caso também a partícula continua livre?
O ponto é que a condição de fronteira (L) = ( L) = 0 signi…ca (…sicamente) que a partícula não
pode penetrar na parede e, como esta partícula não pode desaparecer, ela tem de ser re‡etida. Assim,
para esta condição de fronteira temos a visão clássica de uma partícula indo e voltando na caixa. Tal partícula
tem seu momento mudando constantemente e, certamente, não está num auto-estado do momento. Já para a
condição periódica de fronteira (L) = ( L) é como se, ao chegar no ponto x = L a partícula reaparecesse
no ponto x = L (ou vice-versa). O melhor modelo clássico para isso não seria uma partícula numa caixa,
mas sim presa num anel. Neste caso, obviamente, a partícula pode “girar”sempre numa determinada direção
e ter um momento bem de…nido.
Assim, a escolha das condições de fronteira para um problema depende do sistema físico em consideração.
Mas os resultados matemáticos nos dizem muita coisa. Por exemplo, as autofunções de p^ são da forma

e^ (x) = N exp (ikx) ;

e, para estas funções, não conseguimos …xar a condição de fronteira

(L) = ( L) = 0

O que nos diz que o momento não é uma quantidade bem de…nida da nossa partícula numa caixa. Neste
caso a interpretação é óbvia, mas, em casos mais complicados, a incapacidade de …xar certas condições de
fronteira, ou alguma outra peculiaridade matemática, pode nos dar uma in…nidade de informações físicas
novas sobre o sistema.

143
9.1 Operadores auto-adjuntos
Como vimos, os operadores auto-adjuntos são os elementos cruciais na construção de funções ortogonais. Pois
seus autovetores formam uma base completa de L2 . Além disso, estes operadores são os elementos principais
em MQ, pois (um resultado de Von Neumann) observáveis estão associados a operadores auto-adjuntos (e
não hermitianos).

De…nition 69 Um operador L ^ é auto-adjunto se ele for hermitiano (L


^=L
^ + ) e se seu domínio for igual
+ ^=L
a de seu adjunto (D (L) = D (L )), ou seja, se L ^ .
+

Exemplo: Vamos voltar ao exemplo tratado anteriormente

^=i d ; D L
L ^ = ; 0
2 L2 (a; b) ; a:c: ; (a) = (b) = 0
dx

como vimos anteriormente, este operador é hermitiano.


Z b h i Z b
^ ^ d
h 1j L j 2i = 1 (x) L 2 (x) dx = 1 (x) i 2 (x) dx
a a dx
b ^
= [ 1 (x) 2 (x)]a + h 2j L j 1i

Qual o domínio do operador L^ + ? Em outras palavras, em quais funções 1 L ^ + pode atuar sem que isso
^ Observe que, mesmo que 1 (a) 6= 0 e 1 (b) 6= 0 temos
quebre a simetria de L?

h ^
1j L j 2i = 1 (b) 2 (b) 1 (a) 2 (a) + h ^
2j L j 1i

= 1 (b) 0 1 (a) 0+h ^


2j L j 1i

= h 2j L j 1i
^

^ é hermitiano para
ou seja, L

^+ =
D L ; 0
2 L2 (a; b) ; a:c: ^
D L

^ + 6= D (L), portanto nosso operador L,


ou seja D L ^ apesar de hermitiano, não é auto-adjunto.
Exemplo: vamos agora de…nir o operador

^c = i d ; D L
L ^c = ; 0
2 L2 (a; b) ; a:c: ; (a) = c (b) ; c2C
dx

144
^ j b ^ j
h 1 j Lc 2i = [ 1 (x) 2 (x)]a + h 2 j Lc 1i

= 1 (b) 2 (b) 1 (a) 2 (a) + h ^ j


2 j Lc 1i

= [ (b) ^c j
c 1 (a)] 2 (b) + h 2 j L 1i
1

6= h 2 j Lc
^ j 1i

^ + como
Para tentar simetrizar este operador, vamos tentar de…nir o domínio de D L c

^+
D Lc = ; 0
2 L2 (a; b) ; a:c: ; ^
(a) = c (b) = D L

com isso,

h ^ j
1 j Lc 2i = [ (b) c (a)] 2 (b) + h ^ j
2 j Lc 1i
1 1

= [ 1 (b) cc 1 (b)] 2 (b) + h ^ j


2 j Lc 1i

= [1 cc ] 1 (b) 2 (b) + h ^ j
2 j Lc 1i
h i
2 ^ j
= 1 jcj 1 (b) 2 (b) + h 2 j Lc 1i

Vemos então que nosso operador será simétrico se (e somente se)

2
jcj = 1 =) c = ei ; 2R:

ou seja, se de…nirmos o operador

^ =i d ; D L
L ^ = ; 0
2 L2 (a; b) ; a:c: ; (a) = ei (b) ; 2R:
dx

^ , diferente de L,
Assim, o novo operador L ^ é um operador auto-adjunto.

^+
(D L ^ )
D L
^+
Dos exemplos acima vemos que, no primeiro caso o D L é maior que o D L ^+
^ , D L ^ ,
D L
enquanto no segundo caso D L ^+ = D L ^ . É possível provar que, no caso geral, D L^ D L ^ + , i.e.,
o domínio de L^ nunca é maior que o domínio de L
^ + . O que …zemos no segundo exemplo foi restringir o
^ + , que chamamos de D L
domínio de L ^ + . Obviamente D L+ D (L+ ). Assim, se D (L+ ) 6= D (L), como
no primeiro exemplo, as vezes (mais nem sempre) é possível reduzir o domínio do adjunto de forma que o
novo operador seja auto-adjunto. Um procedimento para fazer foi desenvolvido por Von Neumann.
Vemos assim que todo operador auto-adjunto é, por de…nição, hermitiano, mas o contrário não é ver-
dade. Esta diferença, que a primeira vista parece uma tecnicalidade, possui importantes conseqüências tanto
matemáticas quanto físicas.

145
9.2 O oscilador harmônico
Como um excelente (além de importante) exemplo da aplicação do formalismo desenvolvido acima, temos o
tratamento do oscilador harmônico quântico. Como se verá no desenvolvimento que segue, a noção abstrata
do espaço de Hilbert (sem sua realização) permite simpli…car bastante o problema. Deve-se tentar resolver o
problema partindo diretamente da equação de Schrödinger (ES) para se veri…car isto.
Vamos introduzir os seguintes operadores diferenciais lineares

^ ^ = ~2 d 2 1
L H + m! 2 x
^2 ;
2m dx2 2
d
p^ = i~
dx
D (^ ^ =
p) = D H ; 0
2 L2 ; a:c:

aqui H^ é o operador hamiltoniano de um oscilador harmônico. A solução do problema quântico se obtém


^
pela solução da ES estacionária, i.e., através da solução do problema de autovalores de H,

^ ~2 d 2 1
H =E =) 2
+ m! 2 x
^2 =E
2m dx 2

Esta equação não é nada simples de se resolver.


Vamos tentar então um método alternativo. Primeiro observe que, para qualquer função 2 D (^
p) temos

d d
x^
p p^ (x ) = x i~ i~ (x )
dx dx
d d
= i~x + i~ (x )
dx dx
d d
= i~x + i~ ( ) + i~x
dx dx
= i~ (75)

Se usarmos a notação
x^
p p^ (x ) = [x^
p p^x] [x; p^] ;

onde
[x; p^] [x^
p p^x]

é chamado o comutador de x com p^, lembrando que o operador atua em tudo que estiver a sua direita e que
(75) é válida para toda função , podemos escrever simbolicamente

[x; p^] = i~ (76)

146
ou seja, sempre que aparecer o comutador entre x e p^ podemos substituir por i~. Lembre que a
quantidade acima é um operador enquanto a quantidade à direita da igualdade é um número.

Remark 70 Assim, esta igualdade só faz sentido quando ambos os lados atuam numa função qualquer.

Vamos agora de…nir os seguintes operadores diferenciais

i^
p i^
p
a
^ = p x+ ^+ = p
; a x
2 m! 2 m!
1
x = p a ^+
^+a ; p^ = i~ p ^+
a a
^ (77)
2 2
r
m!
=
~

Com estes novos operadores o Hamiltoniano pode ser escrito como (veri…que):

2 2
^ a+ a
(^ ^) 1 1 2
H = ~2 + m! 2 a^+a^+
2 2m 2 22
1 h 2 2
i
= !~ a^+a ^+ ^+ a
a ^
4
1 h 2 2 2
i
= !~ a
^ +a ^a+ + a+ a^ + a+ ^2 a
a ^a+ a+ a
^ a+
4
1
= ^a+ + a+ a
!~ a ^
2
2
^ = p^ + 1 m! 2 x
H
1
^2 = !~ a
^a+ + a+ a
^ (78)
2m 2 2
As regras de comutação (76) implicam que (veri…que):

2
i^
p i^
p
a ^+
^; a = x+ ; x
2 m! m!
2
i^
p i^
p
= x+ ; x
2 m! m!
2
i^
p i^
p i^
p i^
p
= x+ x x x+
2 m! m! m! m!
" #
2 2 2
2 i^
p i^
p i^
p 2 i^
p i^
p i^
p
= x x + x x x + x+
2 m! m! m! m! m! m!
2
2
= i [x; p^]
2 m!
= 1

147
ou seja,
[x; p^] = i~ =) a ^+ = 1 :
^; a (79)

Com isso
^ = 1 !~ a
H ^a+ + a+ a ^+ a
^ = ~! a ^+
1
2 2

Suponha agora que n


^ ou seja,
(x) é uma auto função qualquer de H,

^
H n = En n

Agora uma característica muito mais do que importante dos operadores (77): Usando a regra de
comutação (79) vemos que

^a 1 1
H^ n ^+ a
= ~! a ^+ a
^ n = ~! ^+ a
a ^ a
^+ a^ n
2 2
1
= ~! a
^a^+ ^+ a
1 a ^ n
2
1
= a
^~! ^+ a
a ^ 1+ n
2
1
= a
^~! a^+ a
^+ 1 n
2
h i
^ H
= a ^ ~! n
= a
^ [En ~!] n
En
= ~! 1 a
^ n :
~!

fazendo
En ^
= n =) H n = ~! n n
~!
temos
^a
H^ n = ~! ( n 1) a
^ n :

Ou seja, se n
^ com autovalor ~! n , então a
é autovetor de H ^ mas com
^ n é outro autovetor de H,
autovalor ~! ( n 1) diminuindo de uma unidade. Simbolicamente podemos chamar este vetor de n 1 ;

a
^ n n 1
^
; H n 1 = ~! n 1 n 1 ; n 1 n 1:

148
Da mesma forma

^ a+ 1
H^ n ^+ a
= ~! a ^+ ^+
a n
2
1
^+ a
= ~! a ^a^+ + a
^+ n
2
1
^+ 1 + a
= ~! a ^+ a ^+
^ +a n
2
1
^+ ~!
= a ^+ a
1+a ^ + n
2
= a ^
^+ ~! 1 + H n
+
= a
^ ~! (1 + n) n
+
= ~! (1 + n) a
^ n

^ com autovalor ~! n , então a


Ou seja, se n é autovetor de H ^ mas com autovalor
^+ n é outro autovetor de H,
~! ( n + 1) acrescido de uma unidade. Simbolicamente podemos chamar este vetor de n+1 ;

^+
a n n+1
^
; H n+1 = ~! n+1 n+1 ; n+1 n +1 : (80)

Por isso estes operadores são chamados de operadores de criação a+ e aniquilação a.


Vamos usar agora que a energia do sistema é uma quantidade positiva8

^j i
h jH 0

num estado n qualquer

h nj H
^j ni =h n j ~! n j ni = ~! n h nj ni = ~! n 0: (81)

(onde supusemos que n está normalizado).


(Estado fundamental)
Se a energia é positiva deve haver um estado de energia fundamental, i.e., um estado cuja energia não
possa ser reduzida. Podemos chamar este estado simbolicamente de 0 com energia 0 min ( n ).
8 Isso pode ser visto observando que para qualquer autovetor normalizado temos
n
Z b
^+ a
h nj a ^ j ni = [ n (x)] a+ a n (x) dx
a
Z b
= [a n (x)] [a n (x)] dx
a
= a
h^ a ni
n j j^ 0:

149
Mas a existência do operador a
^ garante que sempre podemos baixar a energia do sistema. Ou seja, o
vetor = a^ 0 teria uma energia 0 1 < 0 , a menos que (x) = 0, ou seja,

a
^ 0 =0:

Isso é tudo que precisamos para caracterizar o OH.


Voltando agora para os nossos operadores originais (x; p^) temos:

i^
p
a
^ 0 = 0 =) p x
^+ 0 =0
2 m!
~ d 0
x 0 + =0
m! dx

fazendo
~
k=
m!
temos
d 0 1 1 d 0 d x
= x 0 =) = ln 0 = ;
dx k 0 dx dx k
Fácil ver que a equação acima é bem mais fácil de resolver que a nossa equação original (??). Sua solução
vale
x2 x2
ln 0 = + C =) 0 (x) = N exp :
2k 2k
com N uma constante (normalização).
A exigência a
^ 0 = 0, nos permite ainda determinar a energia deste estado fundamental. Partido da eq.
(78)

^
H n = ~! n n
1
^+ a
~! a ^+ 0 = ~! 0 0
2
1
^+ (^
~! a a 0) + 0 = ~! 0 0
2
1
~! 0 = ~! 0 0
2
1
0 =
2

Então já temos o estado fundamentas e a sua energia (auto-valor).


(o oscilador nunca para de oscilar)
Observe que a descrição quântica do OH implica na existência de uma energia mínima (o oscilador nunca
para de oscilar).

150
Como construir os outros estados n ?
Para isso, basta usar a propriedade (80)

i^
p
^+
a n = n+1 ^+
=) a 0 = 1 =) p x
^ 0 = 1
2 m!
1
E1 = ~! ( 0 + 1) = ~! +1
2

explicitamente

~ d
p x 0 0 = 1
2 m! dx
!
~
1 (x) = p x 1 + ~ 0
2 m! m!
2 x2
1 (x) = 2 p x 0 = N p x exp
2 2 2k

Da mesma forma, podemos obter todos os outros estados (não-normalizados) n

n
n ^+
= a 0
n
~ d
n (x) = N p x 0 (x)
2 m! dx

Com autovalor
1
En = ~! n +
2

9.2.1 Normalização

^+ n vezes, precisamos calcular


As funções n (x) não estão normalizadas, i.e., após a aplicação do operador a
N . Isso pode ser simpli…cado supondo que, se n é um vetor normalizado, queremos obter N e N + para que

a
^ n N n 1
+ +
a
^ n N n+1

a
^ n ^+
ea n também já estejam normalizados.

H^j ni = En j ni
1 1
^+ a
~! a ^+ j ni = ~! n + j ni
2 2
^+ a
a ^j ni = nj ni

151
multiplicando pelo dual de j ni temos

h ^+ a
nj a ^ j ni = nh nj j ni =n (82)

Agora observe que, pela de…nição de adjunto

h j A^ j i = h j A^+ j i

temos Z Z Z
A^ dx = (A+ ) dx = (A+ ) dx

ou seja, podemos calcular h j A^ j i como o produto do dual de j i com A^ j i, ou como o produto de j i com
o dual de A^+ j i. Com isso
Z Z
h ^+ a
nj a ^j ni = n a+ (a n ) dx = a
^ n (^
a n) dx

se …zemos
j ni =a
^j ni

a expressão acima se torna Z


2 2
( n) ( n) dx = h nj j ni =j nj = j^
a nj

usando (82)
2
2 a
^
j^
a nj =n) pn =1
n
ou seja, se quisermos um vetor normalizado não devemos de…nir a
^ n = n 1, mas sim

a
^ n p
p n 1 )a
^ n = n n 1
n

Da mesma forma

2
h nj a
^a^+ j ni ^+ a
= h nj 1 + a ^j ni =1+h ^+ a
nj a ^ j ni = 1 + n = N+
p
^+
a n = n + 1 n+1

Ou, fazendo m = n + 1,
p
^+
a m 1 = m m

152
com isso

^+ m 1
a ^+
a ^+
a ^+
a
m = p =p p p m 3
m m m 1 m 2
^+
a ^+
a ^+
a ^+
a
= p p p ::: p m m
m m 1 m 2 m m
m
a+ )
(^
= p 0 :
m!

Assim, a formula para a n-ésima autofunção do hamiltoniano do OH se torna


n
N0 ~ d
n (x) = p p x 0 (x)
n! 2 m! dx

onde N0 é a normalização do estado 0 .


As funções n assim construídas são chamadas de funções de Hermite.

Exercise 71 Use a integral gaussiana Z 1 p


x2
e dx =
1

e ache a normalização N0 .

Exercise 72 Construa a função de Hermite 4 (x).

Qual o domínio do operador H^ em consideração?


Assim, como antes, fazendo uma integração por partes temos:

L L
^+ j i = d d ^+ j i
h jH + h jH
dx L dx L

Se …xarmos L = 1 temos
1 1
^+ j i = d d ^+ j i
h jH + h jH
dx 1 dx 1

Nosso operador será hermitiano se ( 1) = ( 1) = 0, ou seja, nossas funções vão à zero no in…nito.
Assim, o domínio do nosso operador vale

^ =
D H ; 0
2 L2 ( 1; 1) ; ( 1) = 0
( 1) = 0; a:c:

Felizmente praticamente todas as funções usadas em física (e em todas as aplicações práticas) são deste
tipo9 .
9 Um ponto bizarro é que podemos construir funções que não vão a zero no in…nito e, ainda assim, são de quadrado integrável

153
Resumindo: a construção de funções ortogonais consiste na determinação dos autovetores (autofunções)
de operadores auto-adjuntos, ou, ao menos, hermitianos. Vimos os seguintes casos:

1. O operador de momento
d
p^ = i~
dx
com condições periódicas de contorno, fornece as funções ortogonais

1 n
e (x) = p exp (ikn x) ; kn =
2L L

presentes na decomposição da série de Fourie. Este operador está relacionado com vários problemas
em física, em especial com o problema quântico de uma partícula numa caixa.

2. O operador
^ = ~2 d 2 1
H 2
+ m! 2 x
^2
2m dx 2
no espaço das funções L2 ( 1; 1) cujas autofunções são
n
N0 ~ d
n (x) = p p x 0 (x)
n! 2 m! dx

conhecidas como funções de Hermite. Este problema está relacionado, em especial, com a equação do
oscilador harmônico.

Outros casos muito encontrados são:

1. Equação diferencial de Legendre

^= 1 d2 d
L x2 2x + n (n + 1)
dx2 dx

Cujas soluções são os polinômios de Legendre

1 dn n
Pn (x) = N x2 1 :
2n n! dxn

Esta equação esta relacionada, por exemplo, com o problema quântico do átomo de hidrogênio.

2. Equação diferencial generalizada de Legendre

^= 1 d2 d m2
L x2 2x + l (l + 1)
dx2 dx 1 x2
(veja o livro Akhiezer N.I., Glazman I.M. Theory of linear operators in Hilbert space ). Entretanto, a exigência de que a derivada
da função vá a zero no in…nito é condição necessária para que ela seja de quadrado integrável.

154
Cujas soluções são os polinômios generalizados de Legendre

m m=2 dm
Plm (x) = N ( 1) 1 x2 (Pj ) :
dxm

3. A equação de Laplace em coordenadas esféricas


2
^=2 @ + @ + 1 @ @2 1 @2
L cos + sin +
r @r @r2 r2 sin @ @ 2 2
r2 sin @'2

cujas autofunções são os harmônicos esféricos

Ylm ( ; ') = N eim' Plm (cos )

Esta equação esta relacionada, por exemplo, também com o problema quântico do átomo de hidrogênio.

10 Operadores integrais e transformadas


10.0.2 Transformada de Fourie

Como vimos anteriormente certas funções ortogonais estão de…nidas em todo o espaço L2. Decomposições
desta forma têm a vantagem de grande parte dos problemas da física respeitarem estas condições. Menos,
é claro, funções periódicas, para a qual temos a série de Fourie. Nosso objetivo aqui é estender a série de
Fourie, de…nida em –L,L para o caso L-i, o que, entre outras coisas, elimina o problema da série não convergir
para a função nos extremos.
Como vimos, a decomposição em série de Fourie de uma função f (x), x 2 [ L; L] é dada por
Z
1 X n 1 L
n
f (x) = p an exp i x ; an = p f (x) exp i x dx
2L n L 2L L L

gostaríamos de tomar o limite L ! 1. Obviamente, neste limite, nem a série, nem os coe…cientes, estão
de…nidos. Entretanto, podemos resolver esta indeterminação exigindo que as quantidades
p
2Lan

tenham um valor …nito. Vamos então fazer a mudança de variável

n
=k
L

e exigir que
p
2Lan = h (k) ;

155
Além disso, como n aumenta sempre de uma unidade na somatória, temos
X X
n =n+1 n=1) Fn = Fn n
n n

n dk
=k) =
L dn L
X Z 1
L
Fn = F (k) ) Fn n ! F (k) dk
n 1

1 X n
f (x) = p an exp i x
2L n L

1 n 1 h (k)
Fn = p an exp i x ) F (k) = p p exp (ikx)
2L L 2L 2L
Z 1
1
f (x) = h (k) exp (ikx) dk
2 1
com Z 1
p
h (k) = 2Lan = f (x) exp ( ikx) dy
1

ou ainda, fazendo
h (k)
g (k) = p
2
temos
Z 1
1
f (x) = p g (k) exp (ikx) dk
2 1
Z 1
1
g (k) = p f (x) exp ( ikx) dx
2 1

A expressão para a função f (x) acima é chamada de fórmula integral de Fourie. A função g acima é
chamada de transformada de Fourie de f . Pela simetria destas expressões, podemos chamar f também da
transformada de g. Muitos livros adotam a notação
Z 1
1
F [f (x)] g (k) = p f (x) exp ( ikx) dx ;
2 1
Z 1
1
F [g (k)] f (x) = p g (k) exp (ikx) dk :
2 1

Obviamente no procedimento acima não há nenhuma razão para crer que a integral de Fourie convirja
para a função. Entretanto, substituindo os coe…cientes da transformada (a função g) na formula integral

156
temos:
Z 1
1
f (x) = p g (k) exp (ikx) dk
2 1
Z 1 Z 1
1 1
= p p f (x0 ) exp ( ikx0 ) dx0 exp (ikx) dy
2 1 2 1
Z 1Z 1
1
= f (x0 ) exp [i (x x0 ) k] dx0 dk
2 1 1
Z 1 Z 1
0 1
= f (x ) exp [i (x x0 ) k] dk dx0
1 2 1
Z 1
= f (x0 ) (x x0 ) dx0
1

onde Z 1
1
(x x0 ) = exp [i (x x0 ) k] dk
2 1

A quantidade acima é conhecida como delta de Dirac. Um resultado da teoria das distribuições, a…rma que:
para qualquer função f (x) 2 L2 ( 1; 1). A seguinte igualdade é válida
Z 1
f (x0 ) (x x0 ) dx0 = f (x)
1

Este resultado mostra que realmente a fórmula integral de Fourie (assim como a série de Fourie) tente (em
módulo quadrado) para a função.
Observe também que
Z 1 Z 1
2
jg (k)j dk = g (k) g (k) dk
1 1
Z 1 Z 1 Z 1
1
= f (x0 ) exp (ikx0 ) dx0 f (x) exp ( ikx) dx dk
2 1 1 1
Z 1Z 1Z 1
exp (ik (x0 x))
= dk f (x0 ) f (x) dx0 dx
1 1 1 2
Z 1Z 1
= (x0 x) f (x0 ) dx0 f (x) dx
1 1
Z 1
= f (x) f (x) dx
1
Z 1
2
= jf (x)j dx :
1

Este resultado é conhecido como teorema de Parseval. Ou seja, se f (x) 2 L2 ( 1; 1) é uma função variável
x, então g (k) 2 L2 ( 1; 1) como uma função da variável k.

157
A convergência acima pode ser explicitamente provada (usando a fórmula integral de Dirichlet) para
funções de módulo integrável Z 1
jf (x)j dx < 1
1

(veja o livro do Courant-Hilbert). Mas, para o caso de funções L2 , que são o nosso interesse, precisamos de
resultados da teoria das distribuições.
Obviamente o mesmo procedimento acima pode ser desenvolvido usando outros sistemas de funções or-
togonais (e não apenas as exponenciais). Desta forma, existem vários outros tipos de transformadas. Por
exemplo, a transformada de Henkel que utiliza as funções de Bessel.

Exercise 73 Mostre que, se f (x) é uma função par, então:


Z 1
g (k) = 2 f (x) cos (kx) dx ;
0

conhecido como Transformada de Fourie dos cossenos.

Exercise 74 Mostre que a transformada de Fourie de uma gaussiana

x2
f (x) = N exp
a2

é também uma gaussiana.

Exercise 75 Mostre que


df
F [f 0 (x)] = ikF [f (x)] ; f 0 =
dx

10.0.3 A delta de Dirac

A delta de Dirac é uma quantidade bastante útil nas manipulações do espaço L2 . A forma explicita acima
é apenas uma das in…nitas formas de se construir explicitamente a delta de Dirac. No caso geral, esta
quantidade é construída apenas pela de…nição:

(x x0 ) = 0 para x 6= x0
Z 1
f (x) (x x0 ) dx = f (x0 )
1

Em especial, para f (x) = 1 temos Z 1


(x x0 ) dx = 1 :
1

Pela de…nição acima, vemos que esta quantidade não pode ter um valor …nito em x = x0 , pois, neste caso, a
integral seria zero (a área embaixo de um ponto é zero). Assim, esta quantidade não é uma função. Mas

158
sim uma quantidade chamada distribuição, i.e., uma quantidade que só faz sentido quanto integrada.
Através da notação de Dirac podemos expressar também a formula integral de Fourie fazendo:
Z 1
jf i = g (k) jek i dk
1

onde agora o "vetor" jki tem suas componentes indexadas por um índice contínuo10

1
ek (x) = p exp (ikx)
2

Com a de…nição acima temos


Z 1
1
hek0 j ek i = exp [i (k k 0 ) x] dx = (k k0 ) ;
2 1

e para obtermos os coe…cientes g (k) (os coe…cientes da expansão) basta “projetar” jf i em jek i
Z 1
hek0 j f i = g (k) hek0 j ek i dk
1
Z 1
= g (k) (k k 0 ) dk
1
0
= g (k )

o que, obviamente, fornece a expressão para g (k) obtida anteriormente


Z 1
1
g (k) = hek j f i = p f (x) exp ( ikx) dx : (83)
2 1

Claro que, pela simetria entre g e f , podemos da mesma forma de…nir


Z 1
jgi = f (x) jex i dx
1

onde jex i possui componentes


1
ex (k) = p exp ( ikx) = (ek (x))
2
Remark 76 Observe que agora x é o índice (contínuo) que identi…ca o vetor e k é o parâmetro da função.

Com isso, Z 1
1
hex0 j ex i = exp [i (x0 x) k] dk = (x0 x)
2 1
1 0 Observe que k é o índice que identi…ca o “vetor” e x o parâmetro da função.

159
e Z 1
1
f (x) = hex j gi = p g (k) exp (ikx) dk
2 1

Podemos então obter todas as expressões anteriores se trocarmos todas as somatórias por integrais e
generalizamos a nossa de…nição de ortogonalidade para

hen j em i = nm ! hex0 j ex i = (x x0 ) :

Estas igualdades nos permitem trata jxi como uma "base" contínua do espaço e a transformada de Fourie
como uma mudança da base jxi para a base jki. Mas isso é só uma forma de lidar com as coisas, ou seja, é
útil, mas não é rigorosamente verdade. Lembre da discussão de cardinalidade. Nosso espaço tem uma
base contável e um conjunto contínuo de vetores jxi possui mais elementos (uma maior cardinalidade) que um
conjunto contável de vetores jni. Por isso no conjunto fjxig temos mais vetores que a base fjnig. E qualquer
conjunto com mais elementos que uma base não é uma base ortonormal. Em especial, seus elementos
não podem ser ortogonais. Ou seja, a generalização acima não é (rigorosamente) uma expressão de
ortogonalidade. Além disso, fácil ver que as funções

1 1
ex (k) = p exp ( ikx) ; ek (x) = p exp (ikx)
2 2

não são de quadrado integrável (com a medida usual), de sorte que jxi ; jki 2= L2 ( 1; 1).
Toda esta questão é extremamente complicada e exige uma discussão profunda sobre análise de operadores
no espaço de Hilbert e teoria das distribuições. Em especial, para incorporar as funções ex (k) e ek (x) numa
teoria consistente existe uma generalização do conceito de espaço de Hilbert, chamado rigged Hilbert space
(ou equipped Hilbert space).
Mas o ponto é que você será muito feliz se, ao tratar a grande maioria dos problemas, esquecer tudo isso
e tratar jex i e jek i como uma base do espaço de Hilbert. Estes vetores (vamos então esquecer as aspas) são
tão usados que simpli…camos sua notação

jxi jex i ; jki jek i :

com isso

hx0 j xi = (x x0 ) ; hk 0 j ki = (k k0 )

Assim, dado um vetor jf i 2 L2 ( 1; 1) podemos decompor este vetor na base fjxig


Z 1
jf i = jxi hxj f i dx
1

160
com componentes
hxj f i = f (x)

ou na base fjkig Z Z
1 1
jf i = g (k) jki dk = jki hkj f i dk
1 1

com componentes
hkj f i = f (k) :

Obviamente f (k) = F [f (x)] é a transformada de f (x) (nessa notação usamos a mesma letra para a trans-
formada e só mudamos a variável).
Neste sentido, a transformada pode ser vista como uma mudança de base. Pois, dado um vetor na base
fjxig Z Z
1 1
jf i = jxi hxj f i dx = jxi f (x) dx
1 1

suas componentes na base fjkig são


Z 1
f (k) = hkj f i = hkj xi f (x) dx
1

Comparando com a expressão da transformada de Fourie (83)


Z 1
1
hkj f i = p f (x) exp ( ikx) dx
2 1

temos
1
hkj xi = p exp ( ikx) :
2
E as funções da Transformada são os coe…cientes de mudança das duas bases.

Exercise 77 Considere um vetor hi 2 L2

Decomponha o vetor hi na base fjxig.


Faça
h (x) = xf (x)

e mostre que
d
hkj hi = i hkj f i
dk
Ou seja,
d
F [xf (x)] = i F [xf (x)] :
dk

161
Aplicação
Vamos considerar um exemplo usando a equação de difusão. Ou seja, vamos determinar a distribuição de
temperatura T (x; t) num sólido (considerado in…nito) sabendo que T (x; 0) = f (x). Precisamos então resolver
a equação
@2T 1 @T
2
=
@x @t
Fazendo a transformada de Fourie de T na variável x temos
Z 1
exp (ikx)
F [T ] = F (k; t) = p T (x; t) dx
1 2

Usando as propriedades
@2T
F = k 2 F [T ]
@x2
temos que F (k; x) obedece a equação
1 @F
k2 F =
@t
com isso
F (k; t) = exp k2 t (k)

Pela de…nição de F sabemos que


Z 1
exp (ikx)
F (k; 0) = p T (k; 0) dx = (k)
1 2

Usando agora a condição inicial Z 1


exp (ikx)
(k) = p f (x) dx
1 2
Com isso Z 1
exp (ikx)
F (k; t) = exp k2 t p f (x) dx
1 2
Para obtermos a distribuição de temperatura, basta agora aplicar a transformada inversa
Z 1
exp ( ikx)
F [F ] = T (x; t) = p F (k; t) dk
1 2

162
com isso
Z 1 Z 1
exp ( ikx) 2 exp (ikx0 )
T (x; t) = p exp k t p f (x0 ) dx0 dk
1 2 1 2
Z 1 Z 1
1
= exp k 2 t exp (ik (x0 x)) dk f (x0 ) dx0
1 2 1

Este resultado já pode ser usado para calcularmos a distribuição numericamente. Entretanto, a integral em
k pode ser facilmente calculada completando o quadrado

k 2 t + ikA
2
(ak b) =a2 k 2 + 2akb b2 = k 2 t + ikA
p iA
a = t; b= p
2 t
A = (x x0 )

com isso
Z Z !
1 1 p 2
1 2 1 iA A2
exp k t + ikA dk = exp tk p dk
2 1 2 1 2 t 4 t
Z !
1 p 2
A2 1 iA
= exp exp tk p dk
4 t 2 1 2 t

usando a integral gaussiana


Z 1 h i
1 1 2
exp k 2 t exp (ik (x0 x)) dk = exp (x x0 ) =4 t
2 1 4 t

temos
Z 1
T (x; t) = G (x; t; x0 ) f (x0 ) dx0
1
1 h i
0 2
G (x; t; x ) = exp (x x0 ) =4 t
4 t

A função G (x; t; x0 ), que permite calcular a solução do nosso problema num instante qualquer, dada a
condição inicial, é chamada de função de Green do problema.

163

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