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Evolução das relações entre cidades e portos: entre lógicas homogeneizantes e


dinâmicas de diferenciação

Article · June 2012


DOI: 10.4000/confins.7685

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2 authors:

Frédéric Monié Flavia Nico Vasconcelos


Federal University of Rio de Janeiro UNIVERSIDADE VILA VELHA
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Revue franco-brésilienne de géographie / Revista franco-brasilera de geografia

15 | 2012 :
Número 15
Dossiê Portos, cidades e regiões

Evolução das relações entre


cidades e portos: entre lógicas
homogeneizantes e dinâmicas
de diferenciação
Évolution des relations entre villes et ports: entre logiques homogénéisatrices et dynamiques de
différenciation
Evolution of relationships between cities and ports: homogenizing trends and differentiation dynamics

FRÉDÉRIC MONIÉ E FLAVIA NICO VASCONCELOS

Resumos
A fase atual da globalização é acompanhada por mutações que, ao incidirem sobre a malha
global das interações espaciais de longa distância, redefinem a paisagem institucional, as
modalidades técnico-operacionais e a organização espacial do sistema portuário mundial. A
situação dos portos, pelos quais transitam parte substancial do comércio internacional de
mercadorias, é paradoxal e complexa. As estratégias desenvolvidas pelos atores que dominam
o horizonte marítimo do porto somadas às estratégias impostas pelos atores econômicos que
dominam seu horizonte terrestre colocam as cidades portuárias em um caminho marcado por
redes de transporte e de produção. O jogo das políticas portuárias, oscilantes entre
concorrência e complementaridade, consiste em posicionar o porto no coração dessas redes
através da incorporação de um número crescente de variáveis econômicas, comerciais,
urbanísticas, ambientais e sociais frente às racionalidades funcionais e territoriais de atores
que podem transformar o porto em um simples nó de transbordamento ou, ao contrário, em
um grande centro logístico. Com base na definição de portos comerciais como territórios
situados nos espaços de manobra de um “tabuleiro” mundial e regional existem possibilidades
para articulações diferenciadas entre as competências localizadas no porto comercial, no
sistema produtivo e nos recursos do território urbano e para uma análise com trajetória em
três escalas: no nível global, através da globalização; no nível meso-econômico, no âmbito dos
sistemas regionais que capturam os volumes crescentes de fluxos e atividades de
transformação; e, no nível local, sobre o território da cidade portuária. Essa abordagem nos
permite elaborar uma tipologia das cidades portuárias como territórios de circulação e/ou
territórios produtivos.

La phase actuelle de la mondialisation porte en elle des mutations dont l´incidence


sur la maille globale des interactions spatiales de longue distance redéfinit le paysage
institutionnel, les modalités technico opérationnelles et l´organisation spatiale du système
portuaire mondial. La situation des ports, par lesquels transite l´essentiel du commerce
international de marchandises, n´en est pas moins paradoxale et complexe. Les stratégies

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développées par les acteurs dominant l´horizon maritime du port et celles imposées par les
acteurs économiques dominant son horizon terrestre, placent les villes portuaires dans le
double champs des réseaux du transport et de la production. L´enjeu pour les politiques
portuaires, oscillant entre concurrence et complémentarité, consiste donc à positionner le port
au cœur de ces réseaux en incorporant un nombre croissant de variables économiques,
commerciales, urbanistiques, environnementales et sociales face aux rationnalités
fonctionnelles et territoriales d´acteurs pouvant transformer le port en simple nœud de
transbordement ou, à l´opposé, en grand centre logistique. S’appuyant sur la définition des
ports de commerce comme territoires multi-situés dont les marges de manœuvre sur
«l’échiquier» mondial et régional sont à l´origine d´une articulation différenciée des
compétences liées au port de commerce, au système productif et aux ressources du territoire
urbain, une analyse de leur trajectoire à trois échelles, au niveau global, dans le cadre de la
mondialisation ; au niveau méso-économique, au sein de systèmes régionaux qui capturent des
volumes croissants de flux et d´activités de transformation; et au niveau local, sur le territoire
de la ville portuaire permet d´élaborer une typologie des villes portuaires comme territoires
circulatoires et/ou productifs.

The current stage of globalisation presents mutations that act on the global network of long
distance spatial interactions and redefine the institutional scenery, the technic-operational
modalities and the spatial organisation of the world port system. The situation of the ports,
through which transit substantial part of the whole goods international trade, is not less
paradoxal and complex. The strategies developed by the players that control the port maritime
horizon added to the strategies imposed by the economic players that control the terrestrial
horizon, put the city-ports in a path marked by transport and production networks. The game
of the port politics, which oscillate between competition and complementarity, consists in
placing the port in the core of these networks through a rising number of economic,
commercial, urban, environmental and social variables facing the functional and territorial
rationalities of players that can transform the port into a simple logistic hub or the contrary, a
big logistic centre. Based on the definition of commercial ports as territories situated in
manoeuvre spaces of a global and regional “game board”, there are possibilities of articulations
differentiated among the capabilities located in the commercial port, in the productive system
and in the resources of the urban territory and of an analysis with trajectory in three scales: in
the global level, through globalisation, in the middle-economic level, in the regional systems
that capture the rising volumes of flows and transformation activities; and in the local level, on
the territory of the city-port. This approach allows the conception of a typology of city-ports as
territories of circulation and/or productive territories.

Entradas no índice
Index de mots-clés : villes portuaires, relations villes/ports; réseaux; territoires
Index by keywords : port-city, cities/ ports relationships; networks; territories
Índice de palavras-chaves : cidades-portuárias, relações cidades/portos; redes; territórios

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Créditos : Hervé Théry

“Todos os lugares existem em relação com um tempo do mundo, tempo do modo de


produção dominante, embora nem todos os lugares sejam, obrigatoriamente,
atingidos por ele. Ao contrário, os lugares se diferenciam, seja qual for o período
histórico, pelo fato de que são diversamente alcançados, seja quantitativamente, seja
qualitativamente, por esses tempos do mundo.” (SANTOS, 2008, p. 135).

1 Nas cidades portuárias, porto e cidade constituem um sistema cujas interações e

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complementaridades variam no tempo sob influência das dinâmicas produtivas,


tecnológicas, sociais e urbanas. Tanto as mudanças nas atividades e infraestruturas
portuárias implicam em novos posicionamentos frente ao espaço (urbano-)portuário;
quanto o desenvolvimento e crescimento urbanos também levam à uma nova postura
da cidade em relação à presença do porto.
2 O conjunto de variáveis intervenientes que modificam as relações espaciais e
funcionais da cidade e do porto são muitas e variadas. A análise é complexa e requer
que, numa perspectiva geo-histórico-analítica, consideremos a evolução tecnológica e
o desenvolvimento logístico, o surgimento e posicionamentos de novos atores
portuários, as transformações no sistema marítimo internacional, a conjuntura
econômica e as dinâmicas globais, além das especificidades locais de cada cidade
portuária.
3 Considerando toda essa gama de variáveis, estudos e modelos acadêmicos
apontam para a ocorrência de momentos ou fases comuns e recorrentes em cidades
portuárias de todo o mundo. No contexto de imperativos globais que
sobredeterminam comportamentos portuários e conduzem a lógicas
homogeneizadoras, identificam-se dinâmicas diferenciadoras no nível das
localidades.
4 Os impactos das mudanças espaciais e funcionais nas cidades portuárias ficam
mais nítidos quando observamos, utilizando termo de Hoyle (1989), a “interface
cidade-porto”. Apesar da dissociação funcional e espacial contemporâneas serem
traços comuns em grande parte das cidades portuárias, cada caso tem suas próprias
peculiaridades. A natureza e a intensidade das relações nas cidades portuárias são
influenciadas pelo contexto regional/nacional específico onde estão inseridas e pelos
valores associados à comunidade local. Ou seja, as cidades portuárias estão longe de
serem homogêneas ou monolíticas.
5 Reconhecendo os aspectos multidimensionais que afetam as cidades portuárias,
discorremos abaixo sobre a evolução comum às mesmas partindo da perspectiva
morfológica e topográfica desenvolvida na geografia portuária - que prevê diferentes
fases de desenvolvimento a partir de dinâmicas produtivas, tecnológicas, urbanas e
sociais da atualidade - e identificamos uma tipologia das cidades portuárias como
territórios de circulação e/ou territórios produtivos.

Sobreposição e proximidade dos


espaços urbanos e portuários nas
sociedades pré-industriais
6 A centralidade das cidades marítimas foi historicamente relacionada a sua
inserção em redes comerciais que, a partir dos séculos XVII e XVIII, adquiriram uma
dimensão mundial. Fernand Braudel sublinha assim que até o triunfo do capitalismo
industrial e o advento da hegemonia definitiva dos Estados territoriais as “praças
portuárias” do Mediterrâneo e da Europa do Norte foram pilares fundamentais do
processo de emergência e consolidação do capitalismo mercantil (BRAUDEL, 1979).
O comando exercido sobre sistemas de trocas de médio e longo alcance espacial, a
concentração de funções manufatureiras, financeiras e de negócio e o
desenvolvimento de atividades relacionadas à economia marítima e portuária
produziram uma urbanidade própria às cidades-porto (BRAUDEL, 1979; PAVÓN,
2004). Segundo geógrafos como James Bird (1963), André Vigarié (1979) e Brian
Hoyle (1989), a expansão das atividades portuárias participava intensamente dos
desenvolvimentos urbanos e vice-versa.
7 O modelo Anyport, elaborado por Bird (1963), buscou identificar e analisar a
natureza e a evolução histórica dos vínculos entre funções portuárias e funções

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urbanas. Trata-se de uma perspectiva histórico-morfológica que, a partir do exemplo


dos portos britânicos, pretendeu criar um referencial que provesse uma base
comparativa para a compreensão dos mecanismos do desenvolvimento portuário.
Em sua essência a reflexão teórica de James Bird entende o espaço portuário como
uma sucessão linear e cronológica de fases históricas de desenvolvimento. O modelo
descritivo é organizado em três etapas, cada qual envolvendo uma mudança ou
evolução no layout físico dos portos.

Figura 1: O modelo Anyport de J. Bird

Fonte: Rodrigue et al (2009).

8 A fase inicial marca o “estabelecimento” da cidade portuária a partir da instalação


de um porto num sítio adjacente ao centro urbano. A escolha desta localização
original depende de considerações geográficas e dos fins aos quais atenderá o novo
equipamento (BIRD, 1963). Nesse estágio pré-industrial, as estruturas,
equipamentos e o modo de funcionamento do porto inicial mantiveram-se por
bastante tempo de forma rudimentar.
9 Nesta mesma linha de raciocínio, Hoyle (1989) apresenta um modelo cronológico
de análise da evolução da interface cidade-porto estruturado em cinco fases distintas.

Figura 2: Evolução temporal da cidade portuária industrial ocidental

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Fonte: Hoyle (1989).

10 A primeira delas – Porto-Cidade Primitivo – corresponde ao surgimento do


porto que, em seu estágio inicial de desenvolvimento, mantinha um íntimo vínculo
físico/morfológico e funcional com o tecido urbano dentro de uma relação simbiótica
de beneficiamento mútuo. As fronteiras que delimitam atividades portuárias e
urbanas ou o uso das infraestruturas técnicas eram então particularmente fluidas.
11 Em países periféricos, como o Brasil, as instalações portuárias
frequentemente atendiam ao duplo objetivo geopolítico e geoeconômico da potência
colonial. As cidades portuárias desempenharam uma função central no processo de
conquista, controle e defesa dos territórios ultramarinos (DROULERS, 2001). Elas
constituíam também o elo privilegiado das interações espaciais de longo alcance
geográfico que marcaram a crescente inserção da economia nas redes do capitalismo
mercantil. Os primeiros portos brasileiros funcionaram, assim, como portas de
entrada dos colonizadores, de milhões de escravos e de bens manufaturados
europeus e como pontos de saída das riquezas do país (COCCO; SILVA, 1999;
MONIÉ, 2011). As atividades mais diretamente relacionadas ao porto geravam um
grande volume de empregos e representavam uma fonte maior de arrecadação para a
cidade. As famílias que dominavam o comércio ergueram fortunas e consolidaram
seu poder político local. No entanto, se nos países centrais os portos eram associados
à prosperidade econômica e ao progresso, na periferia do sistema mundial a cidade
portuária simbolizou também uma inserção na divisão internacional do trabalho e
num sistema de dominação colonial que alimenta até hoje uma relação complexa da
sociedade com a atividade portuária (RIBEIRO, 1995).

O auge do sitema porto-cidade e a


Revolução Industrial
12 No século XIX, a expansão das atividades industriais transformou a natureza das
trocas comerciais e intensificou a circulação de mercadorias em todas as escalas. As
comunicações, até então prejudicadas pela precariedade e pelo elevado custo dos

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transportes, intensificam-se sob o efeito dos ganhos de escala na produção industrial


e da reorganização do espaço econômico. Uma onda de inovações facilita a circulação
de pessoas, bens e informação. O progresso técnico beneficiou em primeiro lugar ao
transporte marítimo. Os modernos navios de casco de aço e movidos a vapor
transportam de forma segura volumes crescentes de mercadorias em longas
distâncias (VIGARIÉ, 1979). O setor se organiza em Conferências e multiplica as
linhas regulares que desenham uma malha circulatória cada vez mais abrangente.
Mas, o aumento da capacidade de carga e a crescente especialização dos cargueiros
por segmentos de mercados demandam uma reestruturação da ferramenta portuária.
Os portos são dotados de docas para acolher navios maiores, de cais lineares, de
modernos equipamentos de manuseio das mercadorias e de estruturas de
armazenamento especializadas para atender às demandas impostas pelo aumento
regular das trocas marítimas e pela gestão descontínua dos fluxos de mercadorias
(CHALINE, 1994, p. 25). A dinâmica marítimo-portuária da época caracteriza,
segundo Hoyle (1989), a transição da era “porto-cidade primitivo” para a fase
“porto-cidade em expansão”, período de maior intensidade das relações entre
espaços portuário e urbano.
13 Nas primeiras décadas do século XX, o “sistema cidade-porto” (CHALINE,
1994) ainda articula as funções marítimas e portuárias à um conjunto de atividades
comerciais e de serviços. A gestão de inúmeros portos pelas autoridades locais
contribui para transformar a atividade portuária em eixo central da economia e da
vida urbanas. No Brasil, os portos mais diretamente vinculados aos ciclos do café
(Rio de Janeiro, Santos) e da borracha (Belém, Manaus) são associados a um denso
tecido de estabelecimentos bancários, casas de negócios, empresas oferecendo
serviços de apoio diversos à navegação e estruturas produtivas voltadas para o
processamento ou a transformação das mercadorias. A fixação local de valor
agregado aos fluxos de bens transforma a rugosidade espacial da interface mar/terra
numa renda de situação para a cidade (VIGARIÉ, 1979). O porto é também um
elemento fundamental do desenvolvimento urbano. Na ausência de um sistema de
transporte público eficiente, a numerosa mão de obra portuária e industrial
instala-se nas proximidades de seu lugar de trabalho. No “novo mundo”, os
migrantes e os tripulantes de navios, cujo tempo de permanência nos portos podia
superar semanas, também se alojam nos espaços contíguos ao porto.
14 No entanto, com o tempo, o crescimento da atividade comercial e a reestruturação
do espaço portuário intensificam a funcionalização do solo urbano. Mesmo se, num
primeiro momento, as descontinuidades espaciais provocadas pela construção de
muros de separação, pela instalação de armazéns de grande porte e de vias férreas
conectadas aos cais não rompem a coerência socioeconômica do sistema porto-
cidade, os contornos do mesmo adquirem maior complexidade. Em suma, a era da
expansão portuária, segundo momento identificado por Bird (1963), prefigura uma
dinâmica de distanciamento do porto em relação a cidade.

Cidades e portos frente aos novos


padrões de desenvolvimento e
determinismos tecnológicos no século
XX
15 Nas primeiras décadas do século XX o sistema porto-cidade vivencia um
desenvolvimento mais autônomo da cidade e do espaço portuário. Lenta e
progressivamente a tendência de aninhamento, indissociabilidade e
interdependência é substituída por outra, marcada pelo afastamento e o

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distanciamento. Porto e cidade separam-se do ponto de vista físico, econômico e


gerencial (SEASSARO, 1999; HAYUTH, 1982; HOYLE, 1989; HENRY, 2006; WANG;
OLIVER, 2003).
16 A expansão geográfica e setorial do mercado massifica os processos
produtivos e as operações de distribuição. A concorrência pelo uso do solo e as
limitações físico-operacionais aos portos tradicionais constituem gargalos para os
atores econômicos. A mudança de escala na produção, no transporte e no consumo
estimula a relocalização das estruturas produtivas e das infraestruturas portuárias
para fora dos centros urbanos. A migração dos portos para lugares onde contam com
amplas reservas fundiárias, com calados profundos e um maquinário moderno
intensifica-se a partir dos anos 1950 (VIGARIÉ, 1979; HOYLE, 1989; BIRD, 1963). A
especialização dos navios e o gigantismo naval impõem-se nos mercados de graneis
(transportados sem condicionamento) que alimentam com insumos as unidades
petroquímicas, químicas e siderúrgicas de Zonas Industrial-Portuárias (ZIP)
instaladas em estuários (Antuérpia, Rotterdam) ou ao longo das fachadas marítimas
regionais (Dunkerque, Fos-sur-Mer, Sepetiba/Itaguaí).

Foto 1 – Zona Industrial-Portuária de Antuérpia

Fonte: Fotografia de Frédéric Monié

17 O desenvolvimento do mercado mundial das commodities sistematiza a


busca por economias de escala e alimenta o gigantismo naval (VIGARIÉ, 1981). O
crescimento das trocas internacionais de bens manufaturados estimula, por sua
parte, o recurso ao porta-contêiner, cujo uso requer técnicas operacionais e de
estocagem específicas. Intermodalidade e mecanização da atividade portuária
garantem aos armadores ritmo de rotação rápido dos navios e tarifas competitivas.

Figura 3. Uma circulação segmentada, interfaces rugosos

Fonte: Elaborado por Frédéric Monié.

18 A massificação dos fluxos impõe novos padrões de acessibilidade náutica e


terrestre aos complexos portuários; portanto, calados sempre mais profundos e

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infraestruturas de transporte terrestre de grande gabarito (VIGARIÉ, 1981). A era do


“porto-cidade industrial moderno” (HOYLE, 1989) insere o porto num universo
operacional e gerencial altamente funcionalizado que o transforma em simples ponto
de transbordo de insumos de base destinados às zonas industriais e de cargas gerais
que abastecem sua hinterlândia terrestre (COCCO, SILVA, 1999). A primazia da
função de transporte sobre as atividades comerciais e de negócio consolida a
dinâmica de distanciamento entre a cidade e o porto (VIGARIÉ, 1981; LAVAUD-
LETILLEUL, 2007; MONIÉ, 2011).

Cidades e portos diante dos


imperativos de fluidez na era da
globalização

O imperativo da fluidez na atividade portuária


19 A partir da década de 1970, o aprofundamento da globalização reestrutura o espaço
econômico mundial dando a ele uma feição de arquipélago cujos centros produtivos
mais competitivos são interconectados por redes logísticas multi-escalares (VELTZ,
2002; MONIÉ, 2011). A reorganização do transporte marítimo e da atividade
portuária provoca uma “remodelação da frente marítima”, que constitui a quinta e
última fase do modelo de Hoyle (1989).
20 As pressões que se exercem sobre a interface cidade/porto intensificam a
“crise dos cais”, cujas atividades são submetidas à adoção de novos padrões de
organização e localização. A sincronização da produção, do transporte e da
distribuição insere os portos em arquiteturas logísticas organizadas segundo
princípios de flexibilidade operacional e de minimização das rugosidades espaciais e
funcionais (SLACK, 2005; MONIÉ, 2011; DUCRUET, 2005). As estratégias
funcionais e espaciais dos operadores logísticos aprimoram a gestão das redes
integradas de prestação de serviços logísticos de porta-a-porta. A interface portuária
é submetida ao imperativo de fluidez do supply chain management num ambiente
de concorrência crescente entre portos por captação de mercadorias. Por esta razão,
as reformas portuárias dos anos 1980 e 1990 promovem medidas de ordem
institucional, administrativa, gerencial e operacional visando à inserção competitiva
dos portos nas redes intermodais do transporte mundial.
21 As redes mundiais de nós de transbordo e vetores de circulação marítima são
administradas pelos atores da logística segundo lógicas que deslocam a gestão dos
terminais locais da escala do complexo portuário para o nível global (DUCRUET,
2005). Na Ásia, Europa e América do Norte, as estratégias heterogêneas dos
operadores aceleram a tendência de fragmentação e “terminalização” dos territórios
portuários (SLACK, 2005; NOTTEBOM; RODRIGUE, 2005; LAVAUD-LETILLEUL,
2007). A interiorização de parte da atividade portuária em direção à hinterlândia
participa da mesma lógica de fluidificação da circulação. A conteinerização dos fluxos
de mercadorias e a instalação de corredores intermodais permitem amenizar as
rugosidades funcionais e burocráticas próprias aos espaços retroportuários e
aproximam as etapas finais da produção a mercados de consumo cada vez mais
diferenciados (NOTTEBOM; RODRIGUE, 2005; MONIÉ, 2011).
22 No Brasil, o crescimento do tráfego de contêineres, a chegada dos atores
globais da logística e as dificuldades das Autoridades Portuárias em atenderem às
demandas de seus clientes alimentam uma tendência, ainda embrionária, de
regionalização de atividades tradicionalmente realizadas nos retroportos. Os
operadores de Santos e Rio de Janeiro dispõem, assim, de um sistema de portos

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secos, zonas de atividades logísticas e centros de distribuição estrategicamente


localizados nas suas hinterlândias que garantem maior agilidade nos processos de
distribuição.
23 O imperativo de fluidez também leva os armadores a privilegiarem escalas
em nós portuários que, apesar de não contarem com hinterlândia terrestre de porte,
estão estrategicamente localizados nos eixos marítimos que conectam os três polos
da Tríade. Os hub ports de Dubai, Gioia Tauro, Algésiras, Panama Cd, Tanjung
Pelepas ou Freeport funcionam como plataformas de concentração e redistribuição
de contêineres para portos alimentadores que servem em seguida suas áreas de
influência terrestres regional (MONIÉ; VIDAL, 2006). Fruto da racionalidade técnica
e operacional dos operadores logísticos internacionais, os portos pivô constituem nós
de trânsito dentro de um sistema hierarquizado e polarizado que multiplica as lógicas
des-territorializadoras (COCCO; SILVA, 1999).

Figura 4 – Integração e fluidificação da circulação, terminalização dos portos


organizados e interiorização das funções portuárias

Fonte: Elaborado por Frédéric Monié

24 Dinâmicas semelhantes caracterizam a inserção dos terminais de graneis


líquidos e sólidos nos sistemas de objetos dos atores econômicos globais da
mineração, da indústria petrolífera e do comércio de bens agrícolas. No Brasil, se os
portos gateways de Santos, Rio de Janeiro, Paranaguá ou Vitória permanecem
importantes pontos de trânsito para matérias primas, eles enfrentam, no entanto, a
crescente concorrência de terminais monofuncionais que captam fluxos de
commodities oriundos das fronteiras de acumulação do planalto central, da bacia
amazônica e do off shore petrolífero. Essas cidades portuárias, depois de terem sido
privadas de sua função de praça de negócio e de organização dos segmentos
comerciais pelo desenvolvimento de mercados a termo, agora perdem os mercados
de graneis em beneficio dos portos sem cidade (FOULQUIER, 2008, p. 214).
25 A atividade dos portos generalistas é assim ameaçada tanto pela transferência do
transbordo dos contêineres e dos graneis em direção a sítios logísticos interiorizados
e/ou terminais extraurbanos, quanto por dinâmicas do espaço econômico nacional. É
em particular o caso do Brasil, onde os investimentos de grande porte aplicados nas
ZIP de Itaguaí, Suape e Vila do Conde e a construção de complexos industriais
litorâneos fora dos grandes centros (Pecém, Porto do Açu, Porto Sul) fazem emergir
uma nova geração de portos-indústria inseridos nas cadeias de valor de atores
econômicos cujas escalas de ação ignoram o nível local (MONIÉ, 2011).
26 A combinação destas dinâmicas foi decisiva para aprofundar a crise dos portos

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urbanos. Os cais que não proporcionavam soluções logísticas ajustadas às novas


exigências operacionais e tarifárias dos atores econômicos foram parcialmente ou
totalmente abandonados, confirmando o divórcio físico, gerencial, social e cultural
da cidade e do porto (HOYLE, 1989).

As áreas urbano-portuárias no espaço


mundial dos fluxos
27 A degradação dos espaços urbano-portuários foi apreendida como um
fenômeno indesejável imposto pela decadência do modelo econômico. Num primeiro
momento, os chamados friches acolheram infraestruturas de transporte e
estacionamentos destinados a resolverem problemas de mobilidade comuns aos
grandes centros urbanos (CHALINE, 1994; HARVEY, 2003). Mas, nos anos 1960,
algumas metrópoles avistaram na “remodelação da frente marítima” (HOYLE,
1989) a possibilidade de pensar usos destinados à melhorar a qualidade de vida da
população. As primeiras iniciativas foram voltadas para a criação de espaços verdes e
recreativos - como passeios, esplanadas e pequenos parques a beira do espelho
d´água que revalorizavam o elemento aquático no imaginário coletivo. São exemplos
os projetos que aconteceram em New Orleans, Boston, Toronto ou Montreal
(CHALINE, 1988, p. 700).
28 Na década seguinte, a crise econômica estimulou as autoridades públicas a
buscarem soluções inovadoras diante do aumento do desemprego e da diminuição
das receitas fiscais.Os friches receberam comércios e equipamentos de lazer e,
aproveitando-se de sua localização estratégica entre a frente d’água e o Central
Business District constituíram-se como fronteiras de acumulação para o capital
imobiliário. A partir dos exemplos pioneiros de Baltimore, Boston e São Francisco, a
refuncionalização dos espaços tradicionalmente dedicados à atividade portuária
ofereceu às autoridades locais oportunidades para construir um modelo de cidade
pós-industrial (HOYLE, 1989; HARVEY, 1989; CHALINE, 1994). Os níveis de
lucratividade obtidos com os empreendimentos iniciais e a aceitação da população,
que constrói uma nova representação dos bairros portuários, facilitaram o processo
de difusão dos projetos de waterfront dos Estados Unidos para a Europa e daí para o
resto do mundo. As estratégias de intervenção se tornam mais ambiciosas no que diz
respeito às superfícies de solo urbano a ser refuncionalizado e ao leque das atividades
chamadas a reerguer a economia local.
29 Nos anos 1980 e 1990, diversos autores - dentre os quais se destacam Jordi Borja e
Manuel Castells - teorizam a metrópole internacional administrada como uma
empresa e reestruturada segundo princípios de competitividade territorial num
contexto marcado pela competição entre territórios infranacionais para atrair
investimentos produtivos, capital financeiro, turistas nacionais e internacionais,
executivos, convenções ou grandes eventos (CASTELLS, 1999; BORJA; CASTELLS,
1992). Nesta perspectiva, planejamento estratégico e city marketing constituem
instrumentos privilegiados do empresariamento da cidade na era neoliberal
(VAINER, 2002; HARVEY, 1996; SMITH, 2002; SANCHEZ, 2001). A retórica e as
estratégias discursivas que acompanham a produção e a execução dos projetos são
destacadas como elementos centrais da “engenharia de consenso” que legitima os
empreendimentos na perspectiva da “cidade modelo”, eliminando leituras
alternativas e conflitos (SANCHEZ, 2001 p. 37). A literatura crítica destaca ainda o
surgimento de novas formas de segregação sócio-espacial no acesso aos espaços de
consumo e residenciais de áreas portuárias “gentrificadas” (SMITH, 2002).
30 Concluindo, a dupla perspectiva dos operadores globais da logística e dos
promotores das operações de waterfronts submeteu as cidades portuárias ao
imperativo da fluidez. A capacidade de atrair fluxos de mercadorias, de capital,

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pessoas e eventos constitui um indicador maior da produtividade dos terminais


portuários e da “performance” da cidade pós-industrial. A nova associação entre
espaço portuário e território urbano estrutura-se em função de interesses e objetivos
que produzem paralelamente dinâmicas de fragmentação do porto, redefinido em
termos de nós inseridos em sistemas circulatórios globais e processos de
reaproximação entre a cidade e os antigos cais, através da invenção de novos usos.

Indo além do imperativo de fluidez e


construindo uma nova relação
cidade/porto

Logística, território e desenvolvimento local


31 Para além das dinâmicas homogeneizadoras, os sítios geográficos, o jogo dos
atores, a conjuntura socioeconômica, a capacidade de inovar em termos de
governança e/ou a própria relevância da atividade portuária para a cidade
diferenciam as trajetórias das metrópoles marítimas, as quais assumem inserções
diferenciadas nos circuitos produtivos, logísticos e comerciais mundiais (LAVAUD-
LETILLEUL, 2005; COMTOIS, SLACK, 2003; COLLIN, 2003). A combinação de
dinâmicas que atravessam o espaço econômico global, com a evolução do comércio
internacional, junto às estratégias dos operadores do sistema marítimo portuário e às
demandas das populações podem contribuir para fazer do porto em simples nó de
trânsito. Contudo, algumas cidades portuárias logram desenvolver lógicas de fixação
local/regional de valor agregado aos fluxos de mercadorias no cruzamento de redes
multilocalizadas do transporte e do sistema produtivo (BAUDOUIN, 1999; COCCO;
SILVA, 1999; MONIÉ, 2011). Em Antuérpia, Rotterdam, Hamburgo, Barcelona ou
Valência, distritos de serviços logísticos permitem superar as funções tradicionais da
economia dos transportes gerando, “sinergias entre fluxos de origem e de destino
diferentes (efeitos de redes), entre as etapas de elaboração de um produto (efeitos
de cadeias) ou a mercantilização deste produto (efeitos de mercado)”
(GUILLAUME, 2008, p. 16). A despeito das lacunas metodológicas permitindo
avaliar de forma precisa e numa perspectiva comparativa sua contribuição ao PIB
local, os “portos-logística” comprovam que a mobilização das competências de um
denso tecido de atividades comerciais e de serviços consolida trajetórias
desenvolvimentistas específicas em contextos de reaproximação funcional e gerencial
do território urbano e do espaço portuário (BAUDOIN, 1999; COLLIN, 2003).
32 Nas cidades marítimas brasileiras as políticas públicas são essencialmente voltadas
para a modernização dos nós portuários mediante seu equipamento em tecnologias
modernas de manuseio, adoção de padrões de gestão empresariais e investimentos
na acessibilidade terrestre e náutica. A qualidade dos serviços prestados, a fluidez das
operações de transbordo e o nível das tarifas definem a competitividade do porto
empenhado em captar volumes crescentes de mercadorias (COCCO; SILVA, 1999;
MONIÉ, 2011). As inovações no campo da governança se limitam a algumas
experiências isoladas. Em Santos/SP, por onde transita 25% do comércio exterior, a
criação da Secretaria de Assuntos Portuários e Marítimos promove interações
crescentes entre atividade portuária, indústria e serviços logísticos (Gonçalves,
Nunes, 2008). Em Itajaí/SC, a mobilização em prol da municipalização do porto
(1995/97) redefiniu as formas de articulação entre espaço portuário, território
urbano e hinterlândia regional. Se, por um lado, o aumento da produtividade
garantiu a expansão regular da atividade graças a uma inserção competitiva nos
circuitos mundiais da circulação; por outro, lógicas de fixação local de valor aos

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fluxos de mercadorias transformaram o porto em ator fundamental do


desenvolvimento local e regional (GOULARTI FILHO, 2008; GRAND Jr, 2009).
33 A promoção de políticas inovadoras se depara, no entanto, com graves
entraves estruturais. As modalidades da inserção histórica do Brasil na divisão
internacional do trabalho, regras do comércio mundial favorecendo o processamento
de determinados produtos primários (grãos de café, cacau etc.) nos países centrais,
vantagens competitivas na mercantilização das cargas gerais historicamente
construídas por praças portuárias europeias e as próprias orientações
macroeconômicas nacionais incentivando as exportações de bens primários, limitam
as estratégias de beneficiamento das mercadorias nos espaços retroportuários.
Entraves de ordem institucional prejudicam ainda mais a transformação das cidades
portuárias em “regiões ganhadoras” cuja chave de sucesso reside na mobilização dos
atores locais para definição de trajetórias produtivas territorializadas (BENKO;
LIPIETZ, 1994; PECQUEUR; GUMUCHIAN, 2007). A baixa densidade institucional
e a precariedade dos mecanismos de cooperação penalizam a construção de
estratégias de governança articulando transversalmente as escalas de ação do espaço
portuário, do tecido econômico local e da sociedade urbana (MONIÉ, 2011). A
constituição de laços produtivos entre porto e cidade em consonância com as
demandas da “economia industrial de serviços” (VELTZ, 2002) continua sendo um
desafio maior para as cidades marítimas brasileiras.

Projetos de waterfronts: um potencial


de desenvolvimento para a cidade?
34 As intervenções urbanísticas que acompanham o “recuo da frente marítima”
levantam questionamentos semelhantes. A problemática da reconstrução de laços
produtivos entre o porto e a cidade aplica-se também aos projetos de
refuncionalização dos friches portuários. As primeiras iniciativas norte-americanas
foram pautadas em objetivos modestos num contexto marcado por mudanças nas
práticas espaciais e temporais do lazer, sugerindo a disponibilização de espaços
recreativos permanentes para as populações urbanas. No entanto, nos anos 1970, a
crise estimulou as autoridades locais a lançarem projetos mais ambiciosos no intuito
de gerarem receitas fiscais, criarem emprego e abrirem fronteiras de acumulação
suficientemente rentáveis para atrair investimentos para os centros urbano-
portuários.
35 Apesar do predomínio do terciário comercial, as novas intervenções
adquirem uma feição polifuncional. Além dos centros comerciais, surgem alguns
objetos urbanísticos e arquitetônicos chamados a difundirem-se nos “cais em crise”
das metrópoles do mundo: museus, aquários, marinas ou centros de convenção
(CHALINE, 1994; FERREIRA, 2011). Porém, apesar da reprodução de métodos e
artefatos urbanísticos, não há linearidade nas operações de waterfronts e o mix de
atividades e equipamentos adquire com o tempo uma feição mais complexa e diversa
(COLLIN, 2003; LEMARCHAND, 2011).
36 Para além das tendências à homogeneização, a diversidade dos contextos
urbanos produziu formas específicas de articulação do local e do global. A ambiciosa
operação Docklands foi assim concebida para marcar a saída definitiva de Londres
da era industrial e o ingresso da metrópole na era do capitalismo neoliberal centrado
nas atividades financeiras e nos serviços superiores (CHALINE, 1994; COLLIN). A
refuncionalização das áreas portuárias de Barcelona e Cape Town foi, por sua parte,
associada à organização de grandes eventos. Ambas participaram de projetos de
transformação urbanística por parte de cidades em busca de visibilidade global em
contextos geopolíticos nacionais muito peculiares (redemocratização na Espanha e
fim do regime do apartheid na África do Sul).

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37 As operações de refuncionalização dos friches diferenciam-se também quanto ao


grau de incorporação da identidade local nos novos usos. Cidades, como Bilbao,
desenvolveram estratégias de marketing urbano centradas num investimento âncora
sem relação com a história local – o museu Guggenheim –, mas, aos olhos dos seus
promotores, suficientemente espetacular para resolver os problemas de atratividade
de um território em crise e iniciar uma trajetória de renascença urbana
(LEMARCHAND, 2011, p.79). Em nome da “memória marítima”, outras
aglomerações preservam e valorizam um patrimônio industrial e portuário – gruas,
armazéns, silos, etc. – anteriormente rejeitado por razões estéticas e simbólicas. A
interface portuária é assim transformada em lugar pitoresco “cuja paisagem
funcional é transformada em espetáculo cultural” (PRELORENZO, 2011, p.18) pelas
operações urbanísticas pós-modernas. A memória social e cultural do lugar pode, em
certos casos, representar um desafio maior. É o caso do projeto carioca Porto
Maravilha, executado numa região portuária marcada pelo negócio de escravos
africanos. As (re)descobertas do patrimônio relacionado a este comércio e a forte
influência africana na construção dos lugares que margeiam o porto carioca
questionam a capacidade de mobilizar conjuntamente recursos culturais e humanos
à serviço da construção da cidadania e como vetores de desenvolvimento para o
turismo e a “indústria cultural”.
38 A atual intervenção na área portuária do Rio de Janeiro questiona a capacidade das
cidades marítimas de superarem as estratégias de marketing urbano e pensarem em
um “working waterfront”, definidocomo “dispositivo construído para habitar e
transitar, animado por residentes permanentes e temporários, conectado a navios
de todos os tipos e produzindo bens e serviços diversificados e globalizados” (LE
MARCHAND, 2011, p.79). A não exclusão da logística portuária da cidade constitui
um primeiro passo neste sentido. Algumas cidades decidem, por razões estratégicas,
preservar parte da atividade portuária, de pesca e/ou de reparo naval próximos dos
centros urbanos e de waterfronts requalificados. No Brasil, Santos e Itajaí
refuncionalizaram e/ou reabilitaram espaços próximos ao porto sem, no entanto,
prejudicar a função portuária que ainda constitui a espinha dorsal da economia local.
Em Hamburgo, os Bauforuns, centros cidadãos de reflexão, debateram propostas
que desempenharam um papel fundamental no processo de requalificação dos
espaços portuários da área central. Também apostaram na construção de um sistema
porto/cidade associando atividades portuárias tradicionais, serviços soft da logística
moderna, espaços residenciais para classes médias e populares, equipamentos de
consumo e recreativos etc. Nos working waterfronts da metrópole hanseática - como
também em Barcelona, Rotterdam, Amsterdam, Antuérpia ou Cape Town - o porto e
os bairros adjacentes oferecem um amplo leque de atividades e funções que
qualificam uma via de desenvolvimento articulando recursos territoriais locais e
lógicas da circulação global.

Foto 2: Cape Town: um waterfront multifuncional

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Fonte : Fotografia de Frédéric Monié

Conclusões
39 Após um longo período de imbricação física, socioeconômica e humana,
portos e cidades seguiram, a partir do século XX, trajetórias cada vez mais
autônomas. A coerência do tradicional sistema porto-cidade foi progressivamente
questionada pelas transformações produtivas e espaciais do capitalismo, pela
massificação dos fluxos e pela evolução das tecnologias do transporte marítimo.
Estes aspectos, acompanhados dos desenvolvimentos na logística e na manipulação
das cargas, estimularam a relocalização da atividade portuária em direção a lugares
cada vez mais distantes dos centros urbanos. A retirada física do porto deixou áreas
contíguas ao porto abandonadas e degradadas, imagem que ilustra a dinâmica de
distanciamento e divórcio entre porto e cidade.
40 A fase atual da globalização questiona, no entanto, a linearidade deste
processo. Mutações maiores incidem sobre a malha global das mobilidades,
redefinindo a paisagem institucional, as modalidades operacionais e a organização
espacial do sistema portuário mundial.
41 A situação dos portos pelos quais transita o essencial do comércio
internacional de mercadorias é hoje muito complexa e paradoxal. A cidade-porto,
que durante muito tempo foi uma praça de negócios e um lugar obrigatório para
valorização das mercadorias, está submetida à pressões conjuntas dos horizontes
terrestre e marítimo e corre o risco de ser transformada em simples espaço de
trânsito no tabuleiro da circulação mundial organizado por atores logísticos cujas
estratégias funcionais e territoriais frequentemente ignoram a escala local. Neste
contexto, os portos competem pela atração de fluxos de mercadorias que, após
transitarem pelos terminais de contêineres, são redistribuídas para corredores que
interiorizam parte da atividade portuária. A problemática da atratividade preside
também a definição dos projetos de reconversão dos friches portuários; estes são
considerados trunfos estratégicos pelas metrópoles marítimas na competição para
atrair eventos, turistas, executivos e investimentos.
42 Porém, as forças das redes de circulação global e do imperativo de fluidez
não se aplicam de forma homogênea em escala mundial. Regiões e cidades portuárias
desenvolvem estratégias alternativas voltadas para a valorização de sua renda de
situação no bojo dos circuitos mundiais do transporte e da produção. A fixação local
de valor agregado aos fluxos globais torna-se um imperativo nos espaços

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retroportuários e nos working waterfronts, onde a diversidade das funções e das


atividades alimenta-se das competências materiais e imateriais do território local.

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Tabela das ilustrações

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Título Figura 1: O modelo Anyport de J. Bird

Créditos Fonte: Rodrigue et al (2009).

URL http://confins.revues.org/docannexe/image/7685/img-1.png

Arquivo image/png, 72k

Título Figura 2: Evolução temporal da cidade portuária industrial


ocidental

Créditos Fonte: Hoyle (1989).

URL http://confins.revues.org/docannexe/image/7685/img-2.jpg

Arquivo image/jpeg, 116k

Título Foto 1 – Zona Industrial-Portuária de Antuérpia

Créditos Fonte: Fotografia de Frédéric Monié

URL http://confins.revues.org/docannexe/image/7685/img-3.jpg

Arquivo image/jpeg, 72k

Título Figura 3. Uma circulação segmentada, interfaces rugosos

Créditos Fonte: Elaborado por Frédéric Monié.

URL http://confins.revues.org/docannexe/image/7685/img-4.jpg

Arquivo image/jpeg, 32k

Título Figura 4 – Integração e fluidificação da circulação,


terminalização dos portos organizados e interiorização das
funções portuárias

Créditos Fonte: Elaborado por Frédéric Monié

URL http://confins.revues.org/docannexe/image/7685/img-5.jpg

Arquivo image/jpeg, 60k

Título Foto 2: Cape Town: um waterfront multifuncional

Créditos Fonte : Fotografia de Frédéric Monié

URL http://confins.revues.org/docannexe/image/7685/img-6.jpg

Arquivo image/jpeg, 242k

Para citar este artigo


Referência electrónica
Frédéric Monié e Flavia Nico Vasconcelos, « Evolução das relações entre cidades e portos:
entre lógicas homogeneizantes e dinâmicas de diferenciação », Confins [Online], 15 | 2012,
posto online em 18 Junho 2012, Consultado o 25 Junho 2012. URL :
http://confins.revues.org/7685 ; DOI : 10.4000/confins.7685

Autores

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Evolução das relações entre cidades e portos: entre lógicas homogenei... http://confins.revues.org/7685

Frédéric Monié
Doutor em Geografia – Professor Adjunto, Departamento de Geografia, Programa de Pós
Graduação em Geografia – PPGG, Universidade Federal do Rio de
Janeirofmonie@uol.com.br

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Portos, cidades e regiões: novas problemáticas, abordagens renovadas [Texto integral]
Publicado em Confins, 15 | 2012
Flavia Nico Vasconcelos
Doutora em Ciências Sociais - Professora Titular, Curso de Graduação em Relações
Internacionais, Universidade Vila Velha – ES, flavia.nico@yahoo.com

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Portos, cidades e regiões: novas problemáticas, abordagens renovadas [Texto integral]
Publicado em Confins, 15 | 2012

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