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Alteridade radical e os limites da razão no século XVIII

Fabiano Lemos (UERJ)


Ulysses Pinheiro (UFRJ)

1. Identificação geral da proposta:

O objetivo da pesquisa é determinar o modo como, na filosofia do século XVIII, o


tema dos limites da razão depende da instituição de uma perspectiva externa ao próprio
campo da racionalidade humana. Nesse contexto, a alteridade não será mais pensada,
como ocorria no Seiscentos, a partir da ideia de um limiar a ser alcançado percorrendo-
se imanentemente o domínio da própria razão até seus limites internos, sem nunca
ultrapassá-los, e sim a partir da ideia de um deslocamento até um ponto de vista externo
à própria razão, que deve ser habitado – e eventualmente conjurado – para que a razão,
possa ser avaliada. A dubiedade das diversas figuras da alteridade nesse período da
história da filosofia indica ao mesmo tempo a confiança e a suspeita nos poderes da
razão. Três exemplos de alteridade deverão ser examinados na pesquisa: os cegos, os
monstros e os moribundos. Ao retratar o modo como essas representações da alteridade
articulam-se com conceitos filosóficos centrais da modernidade, pretende-se elucidar
essa nova função da ideia de um Outro radical no discurso filosófico.

2. Circunscrição das questões:

Um lugar-comum, difundido, sobretudo, nos manuais de história da filosofia,


nos informa que o século XVIII explorou, com uma insistência sem precedentes, os
limites da razão humana que o século anterior havia formulado. 1 Evidentemente restrita
– como toda tese demasiado genérica –, essa ideia passa voluntariamente desatenta pela
amplitude das consequências epistemológicas que podem ser deduzidas das obras de
John Locke ou Robert Boyle, por exemplo 2; mas, por outro lado, ela apresenta uma
1
É essa a posição defendida, por exemplo, por Kuno Fischer em sua Geschichte der neueren Philosophie
(vol. 3, p. 613), onde a reflexão herdada do século XVIII é caracterizada como “uma ciência dos limites
[Grenzen] da razão humana”. Heinrich Ritter retoma essa ideia quase identicamente a respeito de
Rousseau (Geschichte der Philosophie, vol. 12, pp. 612 e ss.). Mais recentemente, Maria Rosa Antognazza
identificou as complexidades do tema dos limites no século XVIII e seus tensionamentos políticos com a
teologia cristã do período (ANTOGNAZZA, M. R., “Revealed Religion: The Continental European Debate”
In.: HAANKOSSEN, K. (ed.), The Cambridge History of Eighteenth-Century Philosophy, vol. 2, pp. 666-682).
2
Sobre esse ponto, cf. SHANKULA, H. A. S., John Locke : Ideas, Knowledge, and the Limits of Science: A
Historico-philosophical Examination of Some Aspects of An Essay Concerning Human Understanding, e
imagem que, articulando uma antropologia e uma metodologia filosóficas, a própria
modernidade procurou constituir para si. Essa visão retrospectiva, se abandonarmos
qualquer pretensão positivista da história, tem, em si mesma, um valor: ela assinala
como, desde os primeiros anos do século XIX, a reflexão filosófica procurou
reconhecer, nos pensadores da geração que lhe antecedera, o anúncio de uma nova
tarefa, de um novo projeto de sistema. Isso é particularmente notável em função de uma
herança ao mesmo tempo teórica e simbólica: na Prússia, a Afklärung de Kant e Jacobi
havia imprimido sua marca nos pré-românticos e nos românticos do século seguinte,
enquanto, na França, as Lumières dos enciclopedistas e philosophes se esforçavam para
garantir a consolidação de um ethos cujo legado a Revolução Francesa não deixaria a
Europa esquecer. Se o momento kantiano é esse que, para utilizar uma expressão de
Michel Foucault, constitui um ponto de junção3, é na medida em que uma inflexão
incontornável é instaurada a partir daí por seus leitores. A Crítica da razão pura, bem
como a Enciclopédia, constituiriam, assim, os signos luminosos de uma antropologia
filosófica emergente, capaz agora de fundar a emancipação no escrutínio dos limites do
pensamento.
É o próprio horizonte filosófico do século XVIII que autoriza essa instauração.
O leitor do Tratado da natureza humana, de Hume, sabe, desde as primeiras linhas de
sua Introdução, que se trata aí de deslocar os problemas da metafísica para “dentro do
alcance da capacidade humana”.4 Por outro lado, em uma passagem mais sugestiva que
analítica, o verbete Philosophe da Enciclopédia denuncia o excesso de orgulho do
filósofo em que “a liberdade de pensar substitui o raciocício” precisamente enquanto ele
pretende “reverter os limites sagrados impostos pela religião”, como se tivesse
“rompido o entrave onde a fé introduzia suas razões” 5. Do outro lado do Reno, sabemos
o quanto o texto de Kant está comprometido com essa ideia. Todo o parágrafo 59 dos
Prolegômenos pode ser lido como a chave heurística de seu idealismo transcendental,
justamente na medida em que circunscreve o conhecimento na “limitação [Begrenzung]
do campo da experiência”.6 Em todos esses casos, o tema da fronteira interna da razão
surge como divisa metodológica. A antropologia que eles fazem emergir depende,
WOJCIK, J. W., Robert Boyle and the Limits of Reason, especialmente pp. 151-187.
3
Cf. FOUCAULT, M., Les mots et les choses, p. 339: “Le moment kantien fait charnière (…)”.
4
HUME, D., A Treatise of Human Nature, Introdução, § 4 (doravante citado como T, seguido dos
números do livro, parte, seção e parágrafo).
5
Verbete PHILOSOPHE da Encyclopédie, ou Dictionnaire raisonné des sciences, des arts et des métiers,
vol. 25. O autor provável do texto é o gramático César Chesneau Dumarsais, mas o verbete foi
selecionado e edito por Diderot. Sobre esse ponto, cf. o estudo clássico de Herbert Dieckman, Le
philosophe; texts and interpretation.
assim, desse exercício – experimental ou sistemático – que o pensamento exige de si
mesmo: a construção de uma intimidade autorefletida, sem o auxílio do transcendente. É
assim que encontramos o philosophe e o Gelerhte medindo cuidadosamente os passos
até o limiar onde, entrando em uma zona opaca, mas constitutiva do mundo, eles
deixariam de ser eles mesmos, resvalando para o terreno da especulação sem freios, da
metafísica de castelos no ar que Hume e Kant souberam desprezar (ou temer).
Vê-se, portanto, o quanto a alteridade tem de figurar duplamente nesse universo:
como o avesso insondável da razão, mas também como seu viznho mais próximo,
através do qual ela, distinguindo-se negativamente, garante sua identidade. Essa
axiomática dupla do Outro no século XVIII permite ao procedimento filosófico dois
tipos gerais de análise. Em primeiro lugar, aquela onde o sujeito se depara com suas
fronteiras desde o solo seguro da luminosidade, do cognoscível. Não são essas as lições
mais imediatas da Crítica da razão pura? Não é esse o princípio, não da filosofia de
Newton, mas do newtonianismo, cuja versão vulgata circulou entre os eruditos às
vésperas da Revolução Francesa? Um elogio enfático da observação, da clareza, da
visualidade plena reverbera ao fundo dos inúmeros projetos de uma ciência
experimental – algo que encontramos mesmo em Hume, em alguma medida. 7 Mas o sol
do Iluminismo também tem suas sombras. E é essa figuração do Outro como aquele que
também olha, de fora, para a razão humana, que inaugurará uma segunda abordagem
filosófica: a que teve de pensar a alteridade não apenas como a fronteira longínqua e
opaca do que se pode saber, mas como um ponto de vista radical desde o desconhecido.
O projeto de pensar a alteridade radical sob essa perspectiva assinala, assim,
uma reflexão disposta a considerar o fundamento da antropologia desde fora. Figuras
como o selvagem, o louco, o bêbado, o ateu, o libertino – enfim, todos os duplos do
grande Outro elencados a partir daí nos romances e tratados filosóficos – são investidas
de um novo poder. Já não mais empurradas para a escuridão silenciosa pelo poder de
uma razão homogênea, linear, elas ganham voz. É por isso que, mesmo que essas
figuras do Outro anunciassem sua presença bem antes do século XVIII – como é o caso
dos habitantes do Novo Mundo e toda reconfiguração do pensamento europeu que eles

6
KANT, I., Prolegomena, In. Gesammelte Schriften, vol. 5, p. 361 (edição doravante citada como Ak,
seguida do número do volume e da página).
7
Cf. STEWART, L., “The Trouble with Newton in the Eighteenth Century” In.: FORCE, J. & HUTTON, S.
(ed.), Newton and Newtonianism – New Studies, pp. 221-238; especificamente sobre o newtonianismo
de Hume, cf. FORCE, J., “Hume’s Interest in Newton and Science” In.: Hume Studies, vol. XIII, n. 2, pp.
166-216.
promoveram nos séculos XVI e XVII8 – a crença irredutível na fonte luminosa da razão
teológica as apresentava com contornos suficientemente nítidos. No século das Luzes,
elas, paradoxalmente, assumem a dimensão positiva de sua informidade. O
renascimento do cinismo entre os intelectuais9, a insistência nos momentos de verdade
do discurso da loucura ou a emergência da libertinagem indicam à filosofia que ela tem
algo a aprender com o informe. Algo sobre si mesma.
O conjunto de estudos propostos neste projeto constitui uma leitura dessa escrita
da razão desde a perspectiva da alteridade radical no século XVIII, uma análise sobre a
compreensão de seus limites e da antropologia que eles fundam a partir da voz do
Outro. Trata-se, assim, em primeiro lugar, de reconstituir o horizonte teórico, político,
mas também simbólico em que a alteridade radical se inscreveu no século XVIII,
funcionando como um outro olhar sobre os limites da razão. Mas esse esforço analítico
deve ser complementado pela investigação de casos particulares, segundo um modelo
experimental perseguido nesse período. Trabalhos importantes já foram empreendidos
na direção de certas figurações dessa alteridade: o sobrinho de Rameau, os perversos de
Sade ou o ateísmo dos philosophes tiveram suas perspectivas discutidas em obras
recentes.10 Três figuras permanecem, no entanto, ao menos sob importantes aspectos,
relativamente pouco exploradas. A primeira é a do é a do cego. Embora ela, dentre as
três, seja a que tenha recebido maior atenção, uma dimensão importante permanece
pouco abordada: se, por um lado, é geralmente reconhecido que o discurso sobre a
cegueira, aproximando-a de modo aparentemente paradoxal da ciência ótica cartesiana,
introduz um elogio às belas aparências “supérfluas” da visão, esse mesmo discurso, por
outro lado, reconhece na cegueira um modelo para a linguagem em geral. Uma
radicalização do “perspectivismo” de Diderot nos permitirá não só compreender esse
movimento de contínua desestabilização das posições, mas também uma nova
concepção da unidade da razão aí articulada. A Carta sobre os cegos, de Diderot, se
apresenta como o conjunto discursivo onde essas questões podem ser reconhecidas. A
segunda figura é a do moribundo. Sua presença é constante nas memorabilia
iluministas.11 Como indivíduo limítrofe, ele permite avaliar o sistema moral da
perspectiva mesma de seu aniquilamento. A morte estóica de Hume, retratada
8
Cf. BORNHEIM, G., “O bom selvagem como philosophe e a invenção do mundo sensível” In.: NOVAES, A.
(org.), Libertinos libertários, pp. 59 e ss.
9
Cf. SHEA, L., The cynic enlightenment : Diogenes in the salon, especialmente pp. 23-44.
10
Cf. WERNER, S., Socratic Satire: An Essay on Diderot and Le Neveu De Rameau; ALLISON, D. ROBERTS,
M. S. (ed.), Sade and the narrative of transgression; NEMO, Ph., La belle mort de l’atheisme moderne.
11
O Dialogue entre um prêtre et um moribond de Sade seria apenas seu exemplo mais evidente.
primeiramente por Adam Smith, e depois repetida à exaustão, ampliada ou desmentida
nas décadas seguintes, forneceriam, assim, um estudo de caso importante. Por fim, uma
terceira formulação do problema da alteridade se encontra no tratamento dado por Kant
ao Ungeheuer, ao monstruoso e à monstruosidade. Atravessando toda a filosofia crítica,
ela se transforma, gradualmente, na voz próxima da razão, o lugar para onde ela
tenderia a se deslocar em função de sua própria e excessiva natureza. O gesto com que
Kant afasta o Monstro não traduz mais o desdém cartesiano pelo erro, mas uma espécie
de assombro da razão que reconhece a si mesma também pela ameaça de seu
aniquilamento.
O moribundo, o cego, o monstro: essas três figuras da alteridade desenham uma
espécie de triângulo em cujo centro podemos identificar a antropologia com que se
ocuparam os filósofos modernos. As hipóteses de trabalho desse projeto se reunem,
portanto, a partir desses três estudos de caso, que devem ser precedidos por uma análise
mais geral sobre o problema da alteridade radical no século XVIII. A Carta sobre os
cegos para o uso dos que vêem, de Diderot, será usada como o meio para expor, de um
ponto de vista suscinto, tal análise geral.
De fato, a Carta de Diderot pode ser lida como um catálogo contendo as figuras
que, no século XVIII, são usadas para pensar a alteridade radical: os cegos, as mulheres,
os estrangeiros, os monstros, os moribundos. Não que essas figuras tenham surgido pela
primeira vez no século XVIII como forma de pensar a alteridade; ao contrário, todas
elas são retomadas de uma tradição muito longa, que não raro remete à Antiguidade
clássica. Entretanto, cada uma dessas figuras é investida de um novo significado,
repercutindo, com isso, as modernas concepções de racionalidade e, consequentemente,
de desvio que nasciam nessa época. É significativo notar que Diderot escreveu a Carta
pouco antes da exata metade do século XVIII, em 1749: tendo aparecido no meio do
século, ela ao mesmo tempo faz um ajuste de contas com a tradição filosófica que lhe
precedeu e anuncia as mudanças então em curso.
Um primeiro exemplo da importância da figuração da alteridade para a
compreensão da estrutura conceitual da Carta encontra-se desde o ponto de partida, na
escolha do gênero epistolar. Quando um homem do século XVIII lesse a Carta, ao ser
informado, já em sua primeira frase (“Je me doutais bien, madame...”), que deveria
fazer sua leitura através dos olhos imaginários de uma mulher – e devemos nos lembrar
que as mulheres constituiam ainda, no século XVIII, uma parcela minoritária, embora
crescente, do público leitor (cf. SONNET, 2002, pp. 131-168 e LYONS, 2001, pp. 395-
406) –, um duplo descentramento ocorria. Primeiramente, um deslocamento de gênero,
pois os leitores masculinos teriam, ainda que apenas ficcionalmente, de se colocar no
lugar de uma mulher, ou, pelo menos, de imaginar-se lendo com olhos femininos;
simultaneamente, é proposta também uma aproximação do ato de leitura a um ato de
voyeurismo, experimentado pela violação (ainda que ficcional) da privacidade de uma
correspondência que não deixava de revelar aspectos íntimos, na medida em que o
remetente, de certa forma, corteja a mulher ao fazer filosofia.
Na verdade, a Carta tem por “objeto” – se fosse legítimo empregar essa palavra
–, não propriamente a cegueira, mas, antes, os vários deslocamentos pelos quais o
narrador ao mesmo tempo progride em seu discurso e adia uma posição definitiva
acerca da questão principal, desenvolvendo inúmeras digressões e interrupções que têm
como “fim” (mas o fim nunca chega 12) mostrar a natureza própria da reflexão filosófica.
Mais do que sustentar uma “tese” (provavelmente a defesa do ateísmo materialista, tal
como esse texto de Diderot é usualmente interpretado por seus comentadores desde o
século XVIII, seguindo assim uma linhagem crítica inaugurada pelos censores que, dois
meses após sua publicação anônima, encarceraram o autor em Vincennes), trata-se aí de
encenar um constante deslocamento de “pontos de vista” – por mais inadequada que
essa expressão seja em um texto “sobre” a cegueira. Devemos nos deixar guiar a partir
deste momento por Kate Tunstall, no ensaio que precede sua tradução para o inglês
recentemente publicada da Carta, quando ela propõe que vejamos de forma positiva as
infinitas hesitações e deslocamentos do texto, sem explicá-las por uma interpretação
psicológica que nos remeteria às disposições internas do autor (nem, eu acrescentaria,
por uma “hermenêutica da suspeita”, tal como ela é proposta, por exemplo, por Leo
Strauss, segundo a qual deveríamos, em uma obra escrita em tempos de perseguição
política, ler “entre as linhas”, procurando ultrapassar os despistamentos lançados
propositalmente pelo autor ao longo do texto). “Eu proponho, ao contrário”, escreve ela,
“que a Carta se engaja no que poderíamos pensar como um certo número de jogos
interpretativos deliberadamente desestabilizadores”13. O que podemos denominar aqui,
12
Quando ele chega, é apenas para assinalar que o que não começou não pode, tampouco, terminar: “...il
y a deux heures que j’ai l’honneur de vous entretenir”, escreve em suas últimas linhas o narrador para
madame, “sans m’ennuyer et sans vous rien dire” (DIDEROT, p. 891). Devemos ler literalmente este
final: nada é dito na Carta, pois seu “objeto” próprio são apenas as infinitas passagens de perspectivas; o
“fim” da Carta reduplica, assim, suas linhas iniciais, que, desde o começo, exprimiam uma dúvida (“Je
me doutais bien, madame...” (idem, p. 841)). Mais do que uma falsa modéstia usada com o propósito de
fazer um galanteio final, a suspensão do fim e do começo revelam muito francamente o jogo proposto,
suas regras, seu ponto de partida e sua “finalidade”.
13
TUNSTALL, p. 21. A tradução é minha; o original diz: “I argue instead that the Letter engages in what
we might think of as a number of deliberately destabilizing interpretive games”.
não sem um certo risco calculado, e de modo ainda provisório, o “perspectivismo” de
Diderot abriga as diversas posições apresentadas na Carta: o culto cego aos “fatos”
observáveis, representado pela figura de Réaumur, o teísmo de Holmes, o idealismo
berkeleyano (que é também o de Condillac), adotado afinal por Saunderson, dentre
outras posições. Isso não significa que devamos ou mesmo possamos escolher uma das
personagens (o narrador, Madame, a plateia muda constituída pelos philosophes que
acompanham o narrador a Puiseaux, o próprio cego de Puiseaux, o menino cego
operado por Cheselden, etc.) como representante única do “ponto de vista” de Diderot.
Se a tese de que o próprio “eu” é dividido em muitos no interior de si mesmo constitui
um dos elementos centrais do pensamento de Diderot, não há por que supor que
qualquer dessas personagens seja ela mesma unificada, perfeitamente idêntica a si
mesma. Tomemos, por exemplo, seus dois personagens principais: eles são, quase
certamente, o cego de Puiseaux, nunca apresentado através de seu nome próprio, e
Saunderson, o geômetra cego de Cambridge, explicitamente nomeado a partir de um
documento (as Memoirs, escritas por seu filho, que serviam de introdução a seus
Elementos de álgebra14). Nessa oposição inicial, reconheceremos, talvez, no cego de
Puiseaux, a figura do homem ilustrado, nem um trabalhador braçal nem um nobre
membro da côrte, mas sim um anônimo leitor burguês da Enciclopédia, que encontrava,
em seu anonimato, o estatuto próprio dessa nova “nobreza” da vida familiar e do
progresso das Luzes – enquanto Saunderson, apesar de suas origens humildes,
encarnava a figura dos colaboradores da Enciclopédia, duplo de filósofo e cientista.
Mais significativo do que essa diferença na nomeação, porém, é o fato de que ambos
são dotados de uma linhagem dignificante – embora a do cego de Puiseaux seja
apresentada a partir de uma descrição que, como a que substitui seu nome, também
preserva o anonimato de sua origem, a saber: como tendo “um pai que professou com
aplausos a filosofia na universidade de Paris”, enquanto Sauderson é caracterizado
através de outro nome próprio: ele é “sucessor da cadeira de Newton em Cambridge”. É
em torno de Saunderson, não por acaso, que gravitarão outros nomes (Berkeley,
Condillac, Molyneux, Locke); será ele, e não sua contraparte anônima, o cego de
Puiseaux, quem enunciará, ao menos à primeira vista – e ainda que indiretamente –, a
solução diderotiana para o problema de Molyneux.

14
Sabemos bem que um segundo “documento” é usado pelo narrador para dar conta dos momentos finais
de Saunderson em seu leito de morte – mas esse peculiar documento é, provavelmente uma ficção forjada
por Diderot (ver TUNSTALL, p. 111).
Sintetizando em si diversas formas de alteridade (em uma lista que,
necessariamente, permanece aberta), a figura do cego na Carta aponta, portanto, para
um traço comum a todas elas: a tematização dos limtes da razão feita do ponto de vista
de uma alteridade radical. Um cego em particular contém em si, na Carta, duas outras
dessas formas, além da cegueira: Saunderson, o matemático cego, sucessor de Newton
na Universidade de Cambridge. Em primeiro lugar, na caracterização de sua cegueira,
Diderot convoca alguns traços que indicam um certo parentesco com a monstruosidade.
Isso ocorre não apenas no momento em que, diante do pastor que o visita, ele evoca,
seguindo Lucrécio, o estado inicial do mundo, habitado talvez por monstros “sem
cabeça, e outros sem pés” – mas na própria descrição de seu aspecto físico: Saunderson
era cego por causa da ausência congênita dos globos oculares 15. Em segundo lugar, boa
parte da narrativa sobre Saunderson na Carta se passa em seu leito de morte, no qual se
depede da família e conversa com seu pastor. Nesse ponto, a narrativa clássica em torno
das últimas palavras do filósofo moribundo é apresentada em tons melodramáticos que
quase antecipam um dos tableaux de O filho natural.
Entretanto, a síntese, na personagem de Saunderson, das figuras do cego, do
moribundo e do monstro não esgota as peculiaridades de cada uma delas nem o modo
como todas foram diferentemente apropriadas por diversos filósofos e correntes de
pensamento. A pesquisa pretende associar a cada uma dessas três figuras um nome
distinto, de modo a explorar essa diversidade: a cegueira em Diderot, a morte em Hume
e a monstruosidade em Kant. Passamos a expor brevemente as hipóteses desses três
momentos a serem abordados no desenvolvimento do estudo.

2.1. O cego: a instabilidade das perspectivas em Diderot:

No que diz reswpeito aos dois cegos mais importantes mencionados na Carta,
uma série de oposições, refletindo-se uma na outra como as imagens invertidas em um
espelho, vão se suceder ao longo do texto, seguindo a oposição inicial e fundante do
nome e da linhagem. A Carta opõe, assim, um a outro, o original à cópia (embora esses
papéis se alternem até o ponto da indiscernibilidade), como se um cego fosse o espelho
do outro. O cego de Puiseaux é a figura de um libertino convertido à vida familiar, mais
por falta de recursos do que por opção deliberada. Mas a vida em família tampouco o
15
A conexão entre esses dois pontos foi notada por Tunstall (2011, 117).
desagrada, muito pelo contrário: ele se casou “para ter olhos que lhe pertencessem” 16 e
educa seus filhos na leitura com o auxílio de palavras em relevo. Ele vive à noite,
ocupado em seus afazeres domésticos, enquanto Saunderson, apesar de igualmente
cego, permanecer acordado durante o dia, fazendo companhia assim aos homens que
vêem, pois ele não é o dono de seu tempo, submetido que está ao Sol que ilumina os
olhos de seus alunos. Saunderson deve ministrar aulas na universidade para garantir seu
sustento (o cego de Puiseaux, apesar de dono de uma fortuna modesta parcialmente
dissipada na boemia parisiense, ainda dispõe de meios para se sustentar como um
homem livre do trabalho). A Carta a informa Madame que Saunderson também tem
uma esposa e filhos (um menino e uma menina), mas sua vida privada ou afetiva não
tem por cenário um feliz ambiente familiar, tal como o do cego de Puiseaux, que se
dedica a tarefas cotidianas de manutenção de seu lar e faz uma viagem anual a Paris,
para onde leva os licores que ele mesmo destila em sua pequena propriedade rural. Ao
contrário, a cena familar de Saunderson ocorre apenas como o quadro de seu leito de
morte. Nessa ocasião, suas palavras finais para sua família são ao mesmo tempo
consoladoras e portadoras de conselhos sobre a educação das crianças, formuladas como
uma lição de vida, enunciados no limiar da morte. Essas palavras carinhosas são
imediatamente seguidas por um lamento sobre a infelicidade constante de sua vida,
devido à cegueira: enquanto o cego de Puiseaux não sente falta da visão, preferindo
antes, se lhe fosse dado escolher, que lhe fosse concedido um tato mais refinado, o cego
de Cambridge testemunha renunciar sem dor “a uma vida que foi para mim apenas um
longo desejo e uma privação contínua”17. Mais importante ainda, a moral e a metafísica
do cego de Puiseaux revelam-se como materialistas e ateístas, chegando mesmo até o
ponto da libertinagem e da insubordinação, enquanto Saunderson tem uma vida
perfeitamente de acordo com as leis e costumes da sociedade visual e, mesmo resistindo
aos argumentos de seu pastor para aceitar a existência de Deus antes de sua morte,
baseados na ordem e na harmonia de um universo que só poderia ser acessível pela
visão, ele morre, como bom teísta racionalista, exclamando suas últimas palavras, após
um longo delírio (e essa ironia de Diderot não precisa retirar a seriedade dessa
16
“Il s’est marié pour avoir des yeux qui lui appartinssent” (DIDEROT, p. 848). O caráter pouco
convencional, meramente utilitário da instituição do casamento para o cego é enfatizado pela frase
seguinte: “Auparavant, il avait eu dessein de s’associer un sourd qui lui prêterait des yeux, et à qui il
apporterait en échange des oreilles”. Pouco antes, Diderot sugere que os casamentos em uma sociedade
composta apenas por cegos oscilaria entre ser ou bem poligâmico ou bem dotado de regras rígidas de
controle da monogamia a mais estrita.
17
Grifo meu. O original diz: “Je renonce sans peine à une vie qui ná été pour moi qu’un long désir et
qu’une privation continuelle” (DIDEROT, p. 873).
conversão final): “Ó Deus de Clarke e de Newton, tende piedade de mim!”. Além disso,
o fato de que a aquisição tátil das ideias de figuras pelo cego geômetra o leva a um alto
grau de abstração, superior ao alcançado pelos homens dotados de visão, o conduz, pelo
mesmo passo, a uma metafísica “extravagante” – o idealismo de Berkeley –, que parece
só dever sua existência a cegos, mas que, devido a sua abstração, é o sistema “mais
difícil de combater”18. Já o cego de Puiseaux é um materialista que, também devido a
sua capacidade superior de abstração, mas sem misturá-la ao racionalismo individualista
do leibniziano, pode facilmente conceber que o corpo pensa – para ele, a excessiva
individuação visual do corpo, que aparece passivamente como uma coisa dada e
puramente material não tem lugar: ao invés disso, os corpos que o cercam se apresentam
dispersos e descontínuos, unificados unicamente pela atividade conjunta de sua
memória e de seu tatear em busca de uma completude que não é dada de uma só vez.
Ao fazer de um cego o espelho do outro, Diderot não precisa mais optar por um
deles como seu porta-voz único: o cego de Puiseaux formula, em imagem invertida,
certas posições centrais da Carta, negadas por Sauderson, embora só esse último possa,
como mostraremos ao longo da pesquisa, determinar a resposta positiva ao problema de
Molyneux, que é o “assunto” inicial da correspondência com Madame. Na imagem
refletida desses dois cegos, invisíveis um para o outro, a Carta encontra sua linha
estruturante e, ao mesmo tempo, sua força desestabilizadora, sendo a passagem entre o
primeiro e o segundo o (não) lugar próprio de uma “posição” que só pode ser ocupada
pelo narrador de seu desencontro. Essa última manifesta-se claramente em seu
parágrafo final, onde, sob a aparência de defender um ceticismo moderado 19, a narrativa
propõe um lance muito mais radical, qual seja: o de que nada foi dito ao longo da
Carta. Um certo tédio (“ennui”) diante de todos os escritos do mundo (“... combien
d’écrits dont les auteurs ont tous prétendu savoir quelque chose!” 20) insinua-se como
consequência desse ceticismo, mas o ato de leitura é redimido logo em seguida através
de uma disposição afetiva contrária, desta vez alegre; após confessar não entender a
razão que motiva os homens a lerem tanto para, ao fim21, nada saberem, o narrador
lança uma suspeita (note-se, não uma afirmação categórica): “... à moins que ce soit par
18
DIDEROT, pp. 865-866.
19
“Hélas! Madame, quand on a mis les connaissances humaines dans la balance de Montaigne, on n’est
pas éloigné de prendre sa devise. Car, que savons-nous?” (DIDEROT, p. 890).
20
DIDEROT, p.891.
21
Deve-se observar que essa consideração sobre o fim ocorre, não por acaso, no momento final da Carta.
Trat-se de tentar encontrar uma maneira de terminar um texto que é, por natureza, interminável – o que só
pode ser feito lançando ao leitor uma última questão, que prolongará o escxrito para além da folha de
papel que o limita: uma questão sobre a própria finalização.
la même raison qu’il y a deux heures que j’ai l’honneur de vous entretenir, sans
m’ennuyer et sans vous rien dire”22. Mais do que um galanteio que faz a filosofia ser
perpassada por uma espécie de erotismo difuso (um discurso para conquistar Madame),
devemos ler essa frase final literalmente. Nada foi dito (ou, o que é o mesmo, “o nada”
foi dito) porque o discurso filosófico genuíno encontra-se nos interstícios da escrita, em
suas intermináveis digressões – encontra-se, em uma palavra, entre o cego de Puiseaux
e Saunderson (“... il faut que vous ayez la bonté, madame, de me passer toutes ces
digressions: je vous ai promis un entretien, et je ne puis vous tenir parole sans cette
indulgence”23). E é justamente do ponto de vista desse espaço intermediário que, na
parte final da Carta, o narrador responde a questão inicialmente proposta 24, formulando-
a sob a forma clássica do problema de Molyneux 25. Como, porém, um ponto de vista
pode partir de um espaço entre dois indivíduos? A não ser, como sugerimos acima, que,
tomando o problema formulado por Locke como mero pretexto, a “conclusão” da Carta
verse sobre outra coisa – sobre a passagem mesma entre perspectivas.

2.2. O moribundo: paroxismos ascéticos em Hume:

As divisas éticas prescritas por Hume em relação à morte encontram-se


exemplarmente formuladas em seu ensaio Of the immortality of the soul. O texto havia
sido escrito em 1755 com o propósito de integrar a coletânea Four Dissertations, mas,
dois anos depois, o livro surge sem que ele tenha sido incluído aí. É Hume mesmo quem
retira o ensaio já quando o texto se encontra em sua revisão final para publicação,
temendo, ao que tudo indica, a repercussão negativa de suas hipóteses relacionadas mais
diretamente à religião.26 Mais especificamente, no entanto, o ensaio apresenta duas teses
22
DIDEROT, p. 891; grifo meu. Esse final reduplica, em uma reticência quanto a dar a última palavra
que não tem nada a ver com a “suspensão” do juízo do cético, o início hesitante da Carta: “”.
23
DIDEROT, p. 866. O verbo farncês “entretenir”, presente nessa passagem, exprime a localização dessa
ação em um espaço essencialmente intermediário.
24
Devemos nos lembrar de que o narrador escreve sua carta como um substituto do “espetáculo”
oferecido por M. de Réaumur, o da operação de uma menina cega afetada por uma catarata congênita,
para o qual ele não foi convidado. Ao invés desse espetáculo de grand guignol, o narrador reproduz uma
das conversas (“entretiens”) com seus amigos philosophes. Eis aqui mais um dos inúmeros
intermediários presentes no texto: uma carta representa indiretamente, por escrito, para uma pessoa
distante, um diálogo travado a viva voz, a que o destinatário não teve aceso, e que era, sugere o narrador,
apenas um dentre outros que versaram sobre o mesmo tópico. “Que je serais heureux”, escreve o narrador,
após apresentar as circunstâncias que o levaram a escrever, “si le récit d’un de nos entretiens pouvait me
tenir lieu, auprès de vous, du spectacle que je vous avais trop légèrement promis” (DIDEROT, p. 841).
25
Sobre a história do problema de Molyneux, cf. DEGENAAR, Molyneux’ Problem. Three Centuries of
Discussion on the Perception of Forms.
26
Sobre a história do texto, cf. MILLICAN, P., Reading Hume on Human Understanding, pp. 34 e ss.;
GASKIN, J. C. A., “Hume on Religion” In.: NORTON, D. F. (ed.), The Cambridge Companion to Hume,
que confirmam e justificam o tratamento estóico dado ao tema da morte já em seu
Tratado, vinte anos antes. A primeira delas retoma o paradigma cético:

“Raciocinando com o curso comum da natureza, e sem supor


nenhuma nova interposição da causa suprema, que deve sempre ser
excluída da filosofia, o que é incorruptível deve ser também
irreprodutível [ingenerable]. A alma, portanto, se imortal, existia
antes de nosso nascimento: e se o primeiro estado de existência não
nos concernia, também o último não nos concernirá” (Essays, p.
592).

Essa incognoscibilidade incontornável, na medida em que nos torna alheios ao


desconhecido, se desdobra, em seguida, sob a forma de um ethos ciceroniano que Hume
perseguiu em todos os seus escritos morais: “No fim, a morte é inevitável” (Idem, p.
598). Que essa innevitabilidade seja descrita nos termos de uma ciência natural das
paixões humanas e não da perspectiva da providência divina é o que une a atitude diante
da morte ao projeto geral humeano.27 A imperturbabilidade do indivíduo diante da morte
se revela, assim, como índice da coerência necessária entre uma posição filosófica e um
projeto de vida. As agonias experimentadas ao final do livro I do Tratado, quando Hume
reconhece que “as profundezas imensas” da filosofia que ele havia erguido para si
haviam-no levado ao “desespero” (T 1.4.7.1) da inércia, precisam, de algum modo, se
resolver no resto do livro, caso contrário, tornariam seu projeto inconsistente. A
hesitação intermitantemente entre a reflexão, que desestrutura rigorosamente as certezas
metafísicas, e a trivialidade cega de um jantar ou de um jogo de gamão cede lugar a uma
certeza negativa – certeza que é derivada do deslocamento da questão da justificação
universal para a constatação da inevitabilidade da inconsistência das paixões: o
incognoscível não deve despertar o temor, mas a imperturbabilidade estóica.
É nesse sentido que a figura do moribundo exerce uma função simbólica
importante no pensamento ético de Hume. Limítrofe, ela apresenta, numa espécie de
momento paroxístico, o grau de coerência entre teoria do conhecimento e filosofia
moral sustentado por um indivíduo. Na fronteira última da vida, a alteridade da morte
nos permite avaliar o caráter do homem – é como moribundo que o filósofo se realiza.
pp. 316-318 e MOSSNER, E. C., The Life of David Hume, p. 331. Hume se manteve constantemente
preocupado com a possibilidade de uma publicação não autorizada do ensaio. Uma cópia de revisão das
Four Dissertations contendo o texto acabou indo parar nas mãos de um colecionador e, assim que soube
de sua morte, Hume solicitou ao seu sobrinho que fizesse a gentileza de lhe devolvê-la (cf. The Letters of
David Hume, vol. 2, p. 253).
27
Cf. T, App., 17: “A aniquilação que algumas pessoas supõem seguir à morte e que destói inteiramente
essa pessoa [self], não é nada senão a extinção de todas as percepções particulares (...)”.
É extremamente significativo que Hume tenha incluído, na História da
Inglaterra, ao final de cada conjunto de capítulos referentes a um reinado, uma seção
intitulada Death and character of the king.28 Mais do que um resumo, como supõe
Annete Baier (BAIER, 2008, p. VII), cada uma dessas passagens funciona como o
momento onde as narrativas históricas, dispersas na incoerência das paixões, são
reconduzidas à unidade do caráter. A partir daí é que o historiador poderá avaliar
moralmente o cenário político que tem por objeto. É assim que a austeridade da
administração do rei William deriva de seu espírito “forte e empreendedor” (HE I, p.
225). É assim, também, que a personalidade instável de Charles II se reflete não apenas
no comportamento francófilo que orientou suas estratégias de defesa durante as guerras
de seu reinado (HE VI, p. 448), mas, igualmente, no estado de incerteza derivado de
suas decisões enquanto moribundo: ao receber, no leito de morte, o sacramento da Igreja
Católica Romana, ele perpetuava um conflito com a Igreja Protestante da Inglaterra que
não seria sem consequências no reinado subsequente de James II (HE VI, p. 446).
Além do problema da relação entre o moribundo e a filosofia explorado de modo
mais implícito no Tratado, na História da Inglaterra ou nos Ensaios, uma outra
dimensão da questão deve ainda ser analisada: aquela que está envolvida na morte do
próprio Hume. É como moribundo que Hume imprimirá, no nível simbólico, uma
herança persistente na recepção de sua obra.29 Por um lado, mais conhecido, sua atitude
nos últimos dias de sua vida é descrita, segundo relatos que se apoiam sobretudo na
carta de Adam Smith ao editor da História da Inglaterra, William Straham, como sendo
altiva, lúcida e mesmo plena de “vivacidade [cheerfulness]” (Adam Smith In. FIESER,
2005, vol. 9, p. 300). É no “mais baixo estado de sua sorte” que a “extrema gentileza de
sua natureza” se reune com o rigor de suas reflexões, de modo que é aí que se revela o
que Adam Smith considerou como o mais próximo de “um homem perfeitamente sábio
e virtuoso” (Idem, p. 302). O estoicismo de Hume é reforçado ainda pelo fato de que ele
é capaz de sintetizar em um único discurso as provações do moribundo e a solidez do
filósofo: seu texto My Own Life, redigido em seu leito de morte, é o exemplar mais
acabado dessa ligação, e, reverberado na carta de Adam Smith, com a qual é publicado
pouco tempo depois de sua morte, esse discurso ao mesmo tempo sobre a morte e sobre
a vida, produzido no espaço onde as duas se confundem, abre caminho para uma
28
Annette Baier chama a atenção para esse fato e o tomo como ponto de partida para seu livro Death and
Character – Further reflections on Hume.
29
Os volumes 9 e 10 da coletânia Early Responses to Hume, organizada por James Fieser, reunem os
comentários em torno da vida e da reputação de Hume escritos entre 1742 e 1888. Eles são uma fonte
inestimável para o tratamento da questão abordada nesse ponto da pesquisa.
compreensão do Outro da filósofo, que é, na verdade, sua aniquilação, como um
próximo. O estoicismo de Hume no leito de morte é o legado simbólico mais imediato
de sua obra e o filtro com o qual ela será lida retrospectivamente. Que o século XIX
tenha discutido a validade dessas narrativas heróicas, que o testemunho de uma
empregada de Hume descreva um moribundo agoniado e cheio de remorsos e medos
(citado em FIESER, 2005, vol. 9, p. 326), apenas ressalta a importância desse legado. É
preciso reconstituir esse horizonte simbólico e tensioná-lo com o texto de Hume, o que
significa, em outras palavras, investigar a alteridade ética instaurada na conjunção de
sua representação do moribundo e como moribundo.
A investigação desse tópico na vida e obra de Hume nos permitirá, portanto,
vincular a figura do moribundo e a da alteridade de uma forma mais geral, vinculando-o
a um contexto intelectual importante desde o final do século XVII, e presente em todo o
Setecentos. De fato, as narrativas conflitantes em torno da morte de Hume espelham as
narrativas igualmente antagônicas sobre a morte de Spinoza, o “líder” dos ateus, deístas
e esprits forts, segundo a expressão de um teólogo alemão do início do século XVIII 30.
O ascetismo e a tranquiladade com que Spinoza enfrentara a morte passou a ser um
campo de disputa entre seus partidários e opositores; esses últimos passaram a divulgar
versões de seus momentos finais, supostamente testemunhados por vizinhos e
conhecidos, nos quais ele teria mostrado profundo arrependimento por ter professado o
ateísmo, renegando seus escritos e suplicando o perdão de Deus. Essa conversão final
seria objeto de duas estratégias narrativas distintas: ou bem ela seria usada para mostrar
que é impossível ser verdadeiramente ateu e libertino, resistindo no interior de cada
coração a ideia inata de Deus, ou bem que mesmo o ateu verdadeiro encontra na morte o
limite de sua teoria 31. Nos dois casos, é a situação-limite da morte que mostra a farsa
irracional (primeira estratégia) ou a fragilidade (segunda estratégia) da posição do ateu.
Em ambos, portanto, é a força ou a coerência da razão que encontra, no limite da morte,
uma prova definitiva.

2.3. O monstro: figuração do impensável na filosofia de Kant:


30
O teólogo chamava-se Christian Breihaupt, conforme citado por Jonathan Israel (2001, 298). Israel
descreve diversos casos (os de Koerbagh, Bekker, Radicati, Du Marsais, Tindal, entre outros) que
mostram que, nesse período, “freethinkers’ deathbed scenes [....] were of great significance and generally
bitterly contested” (idem, ibidem). O capítulo do livro de Israel onde encontramos a análise dessas
narrativas, intitulado “The Spread of a Forbidden Movement” trata da disseminação do spinozismo pela
Europa no começo do século XVIII; seu primeiro item é significativamente intitulado “The Death of a
Philosopher” (2001, 295).
31
Sobre essas duas estratégias, cf. Israel (2001, 299-302).
Ao contrário do que as apropriações mais recentes do tema podem sugerir, o
monstro é um problema clássico na história da filosofia. É verdade que os últimos cem
anos não pararam de recriá-lo no horizonte simbólico, político e filosófico,
especialmente a partir da Segunda Guerra. Ainda escutamos, apreensivos, as palavras de
Heidegger em Die Ursprung des Kunstwerkes que, retrospectivamente, parecia
pressagiar, ainda em 1935, os desmandos do Führer: nesse texto, o monstruoso estaria
no fundo do que é insuspeito, à espreita e à espera de uma escuta redentora. É assim que
a afirmação, em uma de suas passagens mais conhecidas, segundo a qual “aquilo que é
familiar [geheuer] é, no fundo, monstruoso [un-geheuer]” se complementa poucas linhas
abaixo quando se revela, enfim, que “a verdade [Wahrheit] é, em sua essência, não-
verdade [Un-Wahrheit]” (HEIDEGGER, 1980, p. 40). As análises mais recentes de
Foucault (1999), Derrida (2008) e Žižek (2009) sublinham os desdobramentos
históricos, políticos e éticos da tese heideggeriana.32 Mas esse corpus monstrorum, que
fez do estranho e do impróprio, o limite próximo e difícil do próprio pensamento, talvez
pertença a uma dinastia mais antiga. Isso não significa afirmar, por outro lado, que entre
nós e a Górgona de Homero ou o incubus e o succubus de São Tomás33 haja uma longa e
contínua linha reta. A hipótese a ser avaliada nesse ponto da pesquisa é a de que a
economia da monstruosidade com a qual estamos ainda lidando – assim como todos os
seus duplos: a Besta, o Estrangeiro, o Anormal – é constitutiva de uma ruptura
epistemológica através da qual, desde o final do século XVIII, a racionalidade teve de se
confrontar com um Outro, ou um Avesso, com o qual mantem relações insólitas.

32
No extremo oposto dessas análises, em geral, as abordagens filosóficas do problema do Monstro
parecem repousar na mesma intuição: a de que nosso fascínio contemporâneo com sua figura, ilustrada
nos produtos da indústria cultural, teria uma origem duplamente articulada – na natureza humana mesma
e em sua historicidade. É nesse sentido que as considerações iniciais e prefácios de obras como as de José
Gil (2006), Roberto Romano (2003), das coletâneas Monster Theory (1996) e Monsters and Philosophy
(2005), editadas, respectivamente, por Jeffrey Cohen e Charles Wolfe, apresentam uma espécie de
antropologia como fundamento da racionalidade dos monstros. De minha parte, gostaria de dispor dessas
duas dimensões horizontalmente, recorrendo a uma reconstrução histórico-conceitual, mesmo que ainda
muito limitada, nos moldes da arqueologia de Foucault.
33
Embora compreensivelmente desatualizada, uma das reconstruções históricas mais utilizadas na
abordagem contemporânea da figura do monstro no pensamento ocidental, é a de Ernest Martin, Histoire
des monstres depuis l’Antiquité jusqu’à nos jours, publicado em 1880. É esse livro a fonte de muitas
observações feitas por Foucault (1999) e Canguilhelm (1993). Sobre as Górgonas na literatura da Grécia
antiga, cf. VERNANT (2007), especialmente pp. 1484-1491; e sobre os incubus e succubus de São
Tomás, cf. VAN DER LUGT (2001), p. 195.
Essa ruptura parece se instaurar, portanto, justamente na obra de Kant, aquela
com a qual a modernidade procurou refletir sobre sua identidade. 34 É toda uma nova
dinâmica de forças, todo um novo mapa de fronteiras conceituais e ideológicas que se
desenha nessa obra. Não mais a visualidade aberrante do Erro, e, portanto, do Mal,
explícita o suficiente para permitir, ainda ao século XVII, que o Monstro pudesse ser
iluminado e reconhecido pelos seus signos. As “formas bizarras e extraordinárias” das
sereias e dos sátiros representados pela imaginação mais febril de um pintor, por mais
confusas que sejam, lembra Descartes na Primeira Meditação, podem sempre
reencontrar sua ordem no quadro da natureza através do exercício da razão. No fundo de
seu hibridismo, resta sempre um resíduo da racionalidade do mundo: afinal, o pintor
depende irremediavelmente das formas, ou ao menos das cores, pertencentes a uma
mathesis cujos rastros o espírito tem de perseguir (cf. DESCARTES, 1996, p. 15). Em
Kant, algo totalmente diferente se impõe. Ao longo de sua obra, o Monstro, o
Ungeheuer, se torna cada vez mais opaco e, ao mesmo tempo, mais próximo. Ele já não
habita o domínio clássico do erro, da confusão e da falta, mas o do dogmatismo, do
inabordável e do excesso.
O século XVI é o século dos monstros. A descoberta do Novo Mundo constituiu
um alargamento não somente dos domínios territoriais da velha Europa, mas, mais
fundamentalmente, de toda uma cosmografia que, forçada a rever os cânones de
Aristóteles e Plínio, se deparava, pela primeira vez em mais de um milênio, com “coisas
sem nome” (cf. FINDLEN, 2006, pp. 448 3 ss.). As fartas ilustrações dos relatos de
viagem da época testemunham algo diverso daquilo que se via nos mapas medievais.
Nesses, as representações de figuras monstruosas, desenhadas sempre no extremo – no
mar do Norte, no leste da África – assinalavam um limite indecifrável, oposto ao centro
cristão: guardavam, portanto, as portas demoníacas do fim do mundo (cf. MITTMAN,
2006, pp. 45-59)35. Os monstros que, a partir do século XVI, povoam os mapas de um
oceano mais vasto, mas mais familiar, bem como de terras insólitas, mas cartografáveis,
habitam, antes, um começo de mundo. Nesse espaço recém-esquadrinhado, o monstro
assume uma característica até então ausente em sua simbologia: a transitividade. Se sua

34
Não discutirei aqui o tema, tão vasto quanto equívoco, da função de Kant na autoreflexão da
modernidade. Limito-me a enviar aos argumentos de Foucault (1994), pp. 562-578 e 679-688 e a meu
artigo “Ressonâncias de um projeto filosófico: Foucault lê Kant” (2011).
35
Em uma sugestiva passagem, José Gil identifica esse limiar topográfico como um “lugar-limite”
presente tanto nos confins das terras representadas nos mapas quanto na acentralidade recôndita dos
gárgulas das catedrais, das pinturas bestiais nas margens dos livros, nos interstícios entre imagens de
santos (cf. GIL, 2006, p. 58).
paradoxal existência incorpora, na natureza mesma, a contradição de suas leis, essa
confusão da mathesis é capaz de contaminar toda ordem à sua volta. A mera descrição
do monstro já bastaria para despertar o temor de seu ouvinte ou leitor.
Precisamente esse modelo clássico do Monstro é que encontramos ainda, de
passagem, em um dos textos de Kant de seu período pré-crítico, seus Träume eines
Geisterseher, erläutert durch Träume der Metaphysik, de 1766. Na segunda parte do
livro, após condenar as elocubrações místicas de Swendeborg, Kant o repreende,
também, por guardar em seu gabinete de curiosidades naturais não apenas espécimes de
animais com “forma natural [natürlicher Form]”, mas “abortos [Missgeburten]”, fetos
deformados. Isso porque, retomando a prudência exigida por Malebranche, ele teme que
uma mulher grávida possa, diante do monstro, sofrer uma profunda “impressão
{Eindruck]” (Ak II, p. 366)36.
Uma economia mais complexa da luminosidade parece se impor no período da
Crítica. Nesse segundo modelo, o Monstro é algo um pouco mais perigoso que uma
aberração de formas confusas. É nesse sentido que o uso desse substantivo e dos
adjetivos que são derivados dele, desde a década de 1780, já não exprimem mais a não-
conformidade com uma ordem estabelecida qualquer, mas com o próprio fundamento da
ação moral. Uma das primeiras ocorrências nesse sentido parece ter sido apresentada
por Kant em suas Vorlesungen über die philosophische Religionslehre, ministradas,
provavelmente, entre 1783 e 1786. Ali, aquele que se comporta sem se orientar segundo
fins [Zwecke] é identificado como “um animal ou um monstro [Thier, oder ein
Ungeheuer]” (Ak XXVIII, p. 1011). O que está em jogo nessa afirmação, portanto, não
é a ausência de ordem – afinal, os animais e, talvez, por extensão, os monstros, não
parecem prescindir dela – mas, antes, a ausência de lei. A segunda Crítica repetirá essa
compreensão, acrescentando a ela sua consequência lógica: a monstruosidade, cega para
os fins últimos da espécie humana – cega, assim, para o teísmo moral que Kant defende
no livro – no momento mesmo em que é pressentida, anuncia uma contradição interna,
já que ações sem fim estão fora do domínio transcendental da filosofia da natureza. Que
o inapresentável se apresente – mesmo que não completamente, ou que sua figuração
plena seja impossível – é justamente o que caracteriza o Monstro. Sua presença constitui
uma rasura no quadro da Razão. O Monstro e o Místico voltam aqui a se encontrar, mas
36
Kant, no entanto, não divide com Malebranche a opinião de que as impressões visuais são capazes de
produzir no cérebro afecções de tal ordem que resultariam em um alteração física formalmente análoga a
elas. Em uma nota do texto sobre Swedenborg, ele se limita a defender uma teoria dos signos [Zeichen]
em que estes seriam capazes de promover nos nervos uma “agitação [Reizung]” cujo movimento seria
semelhante ao das sensações (Ak II, p. 326).
não mais graças à deformidade que lhes seria própria, como Kant ainda notava em 1766,
mas à informidade, à ameaça, que ambos concretizam, de submergir o sujeito,
“patologicamente”, na “desrazão ou na loucura [Unsinn oder Wahnsinn]” (Ak V, pp.
120-121).
Será preciso avaliar em que medida a emergência desse novo modelo de
monstruosidade em Kant – e de suas relações equívocas com a Razão – se manifestam,
por exemplo, no lugar mesmo onde o informe assume uma função filosófica até então
insuspeita, ou seja, na Analítica do sublime da terceira Crítica. O silêncio a que toda a
reflexão do idealismo transcendental condena o monstro encontra-se aqui em um limite,
pois, em alguma medida, é a violência do informe que serve de condição, ainda que
negativa, para a compreensão da destinação do homem. Com isso, a monstruosidade
revela uma dimensão política que, embora tratada por Kant de modo elíptico, não deixa
de ser importante para a compreensão de seu projeto de Aufklärung.

3. Estrutura e Metodologia:

De acordo com as hipóteses erguidas acima, a pesquisa proposta articula se


articula em dois níveis. Em primeiro lugar, uma investigação de caráter mais horizontal,
onde seriam debatidos os contornos gerais do sistema ao mesmo tempo teórico, político
e simbólico através do qual o século XVIII tensionou a ideia de limite antropológico e a
ideia de alteridade radical. Nesse ponto, as pesquisas de Michel Foucault 37 em torno da
constituição da identidade moderna e os confrontos com seus duplos, desenvolvida
sobretudo em As palavras e as coisas, podem fornecer uma série de procedimentos de
leitura importantes. Considerando, assim, horizontalmente, o recorte historiográfico e
evitando o uso de categorias de análise comprometidas com universais antropológicos –
que, afinal, são objetos dessa mesma análise –, seria possível promover uma
investigação orientada, o menos possível, pelo privilégio do discurso da racionalidade.
Com isso, é a própria razão que se apresenta sob novas perspectivas.
Em segundo lugar, esse trabalho mais amplo se complementa significativamente
pelos estudos de caso apresentados. Nesses, uma leitura exegética conduziria o
horizonte mais amplo do século XVIII às condições de sua realização enquanto
experiência – cultural, mas, mais especificamente, de pensamento. Não se trata aqui,

37
Cf. FOUCAULT, M., Les mots et les choses. O capítulo IX do livro, “L’homme et ses doubles”, é, sob esse
aspecto, o mais significativo.
contudo, de uma fenomenologia da alteridade. O que se pretende, antes, é identificar os
nexos de continuidade entre a particularidade e a universalidade do Outro no século das
Luzes, sublinhando as transformações operadas em torno do sentido da racionalidade na
passagem entre esses dois níveis. A experiência é abordada, portanto, não como
condição matriz de inteligibildade do mundo, mas como efeito histórico. Ao
investigarmos os textos de Diderot, procurando assinalar a questão, apenas
aparentemente paradoxal, da cegueira como ponto de vista – assim como no caso dos
textos de Hume (ou sobre ele) e o problema da morte, ou de Kant e a representação do
Ungeheuer – não se pretende afirmar que a experiência do Outro se sobrepõe à do
Mesmo da Razão, mas, de modo mais complexo, que Outro e Mesmo constituem-se
aqui, mutuamente, enquanto experiência historicamente determinada.
Pode-se notar, com isso, a importância do aspecto histórico e historiográfico na
constituição das hipóteses da pesquisa. Se, por um lado, evidentemente, não se trata de
esgotar o problema da historicidade da razão, por outro, um certo número de trabalhos
históricos – capazes de relacionar aspectos conceituais a aspectos materiais e culturais –
nos permite evitar a universalização do sentido da filosofia na modernidade. Os
problemas erguidos por Robert Darnton, Roger Chartier e Jonathan Israel podem ser
citados como exemplos dessa abordagem, embora uma avaliação mais detalhada do
conjunto bibliográfico nesse sentido seja parte da execução do projeto. Esses trabalhos
circunscrevem, assim, um recorte histórico-conceitual que baliza os desenvolvimentos
da pesquisa e, colocados sob o mesmo estatuto epistemológico que o discurso filosófico,
acabam por evidenciar complexidades antes insuspeitas no processo de construção da
identidade da racionalidade modernas.

4. Resultados planejados e cronograma:

O projeto se propõe a executar no prazo de vinte e quatro meses, com previsão


par seu início em janeiro de 2013, os seguintes itens:

a) Organização de dois colóqios , um a cada ano da pesquisa, com a presença de


pesquisadores estrangeiros e brasileiros. O primeiro deverá ocorrer no primeiro
semestre do 2013. Alguns professores já foram contactados e manifestaram interesse em
participar do evento, como os professores Cláudio Costa (UnB), e estão apenas
aguardando a confirmação das datas definitivas. O segundo deverá ocorrer no primeiro
semestre de 2014;

b) Organização de dois mini-cursos, um a cada ano da pesquisa. O primeiro deles já está


agendado, sob condição de aprovação da pesquisa, para o começo de junho de 2013,
quando o professor Charles Ramond, da Universidade Paris VIII, já confirmou a
disponibilidade para um encontro de três dias nesse período. O segundo mini-curso
deverá ocorrer ao final de 2014;

c) Publicação, por parte dos professores envolvidos no projeto, de ao menos um artigo


relacionado ao seu tema a cada ano da pesquisa;

d) Constituição de um grupo de pesquisa junto aos estudantes de graduação e pós


envolvidos no projeto, com encontros mensais e reuniões periódicas de apresentaçao de
resultados;

e) Participação dos alunos envolvidos no projeto em congressos relacionados ao tema.

5. Contribuições científicas da proposta:

A realização dessa pesquisa visa dar os primeiros passos para o estabelecimento


de um grupo permanente de pesquisa sobre a história da filosofia do século XVIII no
Estado do Rio de Janeiro. Atualmente, além de pesquisadores que, de forma individual,
dedicam-se a estudar autores isolados desse período, não há um trabalho conjunto de
pesquisadores voltado para o tema na sua abrangência histórica mais ampla. Essa lacuna
manifesta-se concretamente tanto na baixa produção na área (artigos, livros e
congressos) quanto na ausência de muitos dos autores e temas dos currículos dos cursos
de Graduação e de Pós-Graduação em filosofia no Estado do Rio, ao contrário do que
ocorre em outros lugares (especialmente em São Paulo e em Minas Gerais). Do ponto
de vista dos professores, esse projeto viabilizaria a constituição de uma rede de
pesquisas, ainda que de modo embrionário. Os alunos de graduação teriam
oportunidade, assim, de participar de um projeto de pesquisa envolvendo outros
pesquisadores – o que, normalmente, não é a característica de bolsas como a de
Iniciação Científica. Os alunos da pós, por outro lado, teriam uma oportunidade mais
sistemática de discutir suas pesquisas – vinculadas ao projeto, mas também às suas
dissertações e teses.

6. Membros da pesquisa:

a) Coordenadores:
1. Prof. Fabiano de Lemos Britto (professor Adjunto do Departamento de Filosofia da
UERJ);
2. Prof. Ulysses Pinheiro (professor Associado do Departamento de Filosofia da UFRJ);

b) Alunos:
Carmel da Silva Ramos (aluna da graduação, bolsista de Iniciação Científica, UFRJ)
Charles Antonio Moreira (aluno de graduação em Filosofia, UERJ)
Daniel de Oliveira Netto (aluno de graduação em Filosofia, UFRJ)
Eduardo Eudes Prazeres Lopes Junior (aluno de graduação em Filosofia, UFRJ)
Marcelo Martins Mourão (aluno de graduação em Filosofia, UERJ)
Victor Galdino alves de Souza (aluno do mestrado no PPGLM/ IFCS)

7. Orçamento:

Custeio

Passagens de avião:

2 passagens internacionais, ida e volta, R$ 7.000,00


para convidados internacionais nos mini-
cursos.
(Foi considerado o valor médio de
R$3.500 por bilhete de ida e volta,
fornecido pelo site da empresa aérea Air
France em 18/11/2012 para os trechos
Paris-Rio-Paris).
5 passagens domésticas, ida e volta para R$ 3.500,00
convidados nacionais nos colóquios.
(Foi considerado o valor médio de R$
700,00 por bilhete de ida e volta,
fornecido pelo site da empresa aérea Gol
em 18/11/2012 para os trechos Brasília-
Rio-Brasília).
Diárias:
Para os mini-cursos: 8 diárias R$ 3.380,94
Para os colóquios: 10 diárias
(Foi utilizado o valor de R$ 187,83,
conforme a tabela “Diária de auxílios”
disponibilizada no site do CNPq
Serviços terceirizados
Serviço de tradução simultânea para os R$ 6.000,00
dois mini-cursos, totalizando seis dias,
com dois intérpretes a cada dia.
(Foi utilizado o valor médio informado em
consulta prévia por email à representante
da firma Voice Intérpretes)
Capital
Material Bibliográfico: R$5100,00
Os livros marcados com um asterisco na
bibliografia constituem material a ser
adquirido, totalizando 34 livros.
(Foi considerado o valor médio de R$
150,00 por livro, incluindo despesas com
envio, fornecido, em dólares, pelo site
Amazon.com em 18/11/2012)
2 Tablets para os professores R$ 4.598,00
coordenadores do projeto, com o objetivo
de facilitar o transporte e a comunicação
de daos, textos etc.
(Foi considerado o valor de R$ 2.299,00
por unidade, modelo iPad, 64 GB, tal
como informado pelo site brasileiro da
loja Apple em 18/11/2012)
TOTAL R$ 29.578,94

8. Bibliografia:

ALLISON, D. ROBERTS, M. S. (ed.), Sade and the narrative of transgression,


Cambridge: Cambridge University Press, 1995.(*)
ANTOGNAZZA, M. R., “Revealed Religion: The Continental European Debate” In.:
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