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VI Encontro Nacional sobre o Ensino de Sociologia na Educação Básica

06 a 08 de julho de 2019

GT02 - Ensino de sociologia e as questões de gênero e sexualidade na educação


básica: práticas, reflexões e estratégias

Aborto e diversidade sexual no debate legislativo sobre Direitos Humanos no


Congresso Nacional

Thaynara de Lima Alves (UFRRJ)


Aborto e diversidade sexual no debate legislativo sobre Direitos Humanos no
Congresso Nacional

Thaynara Lima Alves

Graduanda em Ciências Sociais pela Universidade Federal Rural do Rio de


Janeiro (UFRRJ). E-mail: thaylimaalves@gmail.com.

Resumo

O presente trabalho consiste em uma breve análise acerca de um levantamento de


dados realizado sobre as temáticas do aborto e da diversidade sexual na Câmara dos
Deputados no primeiro semestre de 2018. A análise será orientada pelas principais
argumentações alavancadas durante o debate legislativo para justificar os
posicionamentos, bem como a caracterização social dos autores de destaque e as
articulações partidárias.

Palavras-chave: Aborto; Diversidade Sexual; Câmara dos Deputados; Ideologia de


Gênero.

Abstract

The present work consists of a brief analysis about a survey of data on the issues of
abortion and sexual diversity in the Chamber of Deputies in the first half of 2018. The
analysis will be guided by the main arguments levered during the legislative debate to
justify the positions, as well as the social characterization of the prominent authors and
party articulations.

Keywords: Refugee; Eugenics; National Security; Economic Utilitarianism.

Introdução

O presente trabalho objetiva evidenciar os resultados decorrentes do levantamento de


dados realizado em torno do debate político acerca do aborto e da diversidade sexual.
Este debate integra o projeto “Aborto e Diversidade Sexual: Estatuto do Nascituro,
Homofobia, Individualismo e Conservadorismo no Debate Público Sobre Direitos
Humanos no Brasil” coordenado pela Profª Drª Naara Lúcia de Albuquerque Luna
(DCS e PPGCS/UFRRJ).

A principal atividade de pesquisa empírica se deu através do levantamento de


proposições legislativas e discursos referentes às temáticas do aborto e da
diversidade sexual proferidos por parlamentares na Câmara dos Deputados no
primeiro semestre de 2018. O levantamento de dados foi empreendido através de um
mecanismo de busca pertencente ao portal eletrônico da Câmara dos Deputados
(http://www2.camara.leg.br/), no menu intitulado “Atividade Legislativa”, selecionando
a aba de “Projetos de lei e outras proposições”. As proposições legislativas
encontradas se dividem em Projetos de Lei (PL), Requerimentos (REQ), Projetos de
Decreto Legislativo (PDC) Projetos de Resolução (PRC) e Indicações (INC). A busca
dos discursos foi empreendida através do mesmo Portal, no menu intitulado
“Deputados”, selecionando a aba de “Discursos”.

Foram apurados discursos e proposições legislativas utilizando palavras-chave


que são empregadas, com frequência, durante as discussões a serem analisadas.
Para a temática do aborto, cabe citar as seguintes palavras-chave: embrião, nascituro,
fertilização in vitro, reprodução assistida e aborto. Para a de diversidade sexual foram
consideradas: LGBT, orientação sexual, homossexual, homossexuais,
homossexualidade, homossexualismo, gay, gays, homofobia, bissexual, bissexuais,
bifobia, lésbica, lésbicas, lesbofobia, transgênero, transgêneros, transexual,
transexuais, travesti, travestis, transfobia, união homoafetiva, opção sexual e ideologia
de gênero (direcionada enquanto categoria de acusação).

Foi compreendido o primeiro semestre de 2018 para a busca, selecionando o


período de 1° de janeiro à 14 de julho 2018, o mesmo sendo considerado para as
proposições legislativas. Para ambos, foram utilizadas as palavras-chave
supracitadas e feita uma análise para verificar se as buscam se enquadravam no
escopo desta pesquisa, eliminando as proposições e os discursos que se repetiam e
transpondo os mesmos para as categorias que tinham maior correspondência. A
análise do conteúdo das proposições legislativas e dos discursos referentes ao aborto
deu origem à classificação dos posicionamentos em antiaborto, pró-escolha e
indefinido. Para a questão da diversidade sexual, os posicionamentos foram
classificados em antidiversidade sexual, pró-diversidade e indefinidos.
A caracterização social dos (as) parlamentares foi realizada através do registro
de suas trajetórias profissionais e de seu pertencimento religioso a partir da busca dos
perfis dos mesmos no Portal da Câmara dos Deputados e de informações pelas suas
páginas oficiais, entrevistas e perfil nos sites dos partidos, das igrejas e grupos
religiosos a que pertencem.

Este trabalho está dividido em duas seções iniciais, buscando sintetizar a


quantificação de proposições legislativas e debates acerca das temáticas do aborto e
da diversidade sexual. A terceira seção é constituída pela análise e correlação dos
posicionamentos das proposições e debates com a caracterização social dos
principais autores e as articulações partidárias, seguida das considerações finais.

Proposições legislativas e discursos referentes ao aborto

No primeiro semestre de 2018, foram encontradas 14 (quatorze) proposições


legislativas referentes ao tema do aborto, aqui compreendidas como Projeto de Lei
(PL), Requerimento (REQ), Projeto de Decreto Legislativo (PDC) Projeto de
Resolução (PRC) e Indicação (INC). A palavra-chave “aborto” apresentou 11 (onze)
resultados de busca dentro do escopo desta pesquisa, enquanto “nascituro”
apresentou 4 (quatro) resultados e “reprodução assistida” apenas 1 (um). Não foram
encontradas proposições legislativas dentro do escopo desta pesquisa com as
palavras-chave “embrião” e “fertilização in vitro”. Destas, 10 (dez) tinham posição
antiaborto, 3 (três) indefinidos e apenas 1 (uma) pró-escolha. Cabe ressaltar que há
proposições que contém mais de uma palavra-chave no corpo de seu texto e palavras-
chave que se repetem em várias proposições. Portanto, foram eliminadas as
proposições repetidas e transpostas para a categoria que possui maior
correspondência, chegando a 11 (onze) resultados de busca. O mesmo foi realizado
para os discursos.

Totalizando as proposições e os discursos relativos à temática do aborto,


encontram-se 38 (trinta e oito) resultados, sendo 26 (vinte e seis) posições antiaborto,
8 (oito) indefinidas e apenas 4 (quatro) pró-escolha. Nesta última categoria,
encontram-se integrantes dos partidos PT, PSB, PSOL e PR, enquanto os de posição
antiaborto estão divididos entre os partidos PODE, PSC, DEM, PRB, PSDB, PROS,
AVANTE, SD, PSL, PR e MDB. Com isso, pode-se concluir que há um predomínio de
posicionamentos antiaborto, com destaque de partidos de cunho conservador,
enquanto a minoria reside em pró-escolha e partidos de cunho libertário ou menos
conservador.

Gráfico 1: Quantidade de posições relativas ao aborto de acordo com a soma de


proposições e discursos

4 8
Indefinidos
Antiaborto
Pró-escolha
26

Fonte: elaborado pela autora.

Considerando os (as) 38 (trinta e oito) parlamentares que se manifestaram


através de proposições legislativas ou discursos referentes à temática do aborto,
apenas 6 (seis) são mulheres. Dentre estas, estão as deputadas evangélica Geovania
de Sá (PSDB-SC) e Rosinha da Adefal (AVANTE-AL), e a católica Keiko Ota (PSB-
SP), que se posicionam antiaborto; as deputadas Luizianne Lins (PT-CE) e a Jô
Moraes (PCdoB-MG), cujas religiões não foram identificadas e possuem
posicionamento indefinido; e a deputada evangélica Janete Capiberibe (PSB-AP), cuja
religião também não foi identificada e é a única que se coloca, explicitamente, pró-
escolha.

Proposições legislativas e discursos referentes à diversidade sexual

Para a temática da diversidade sexual foram encontradas 34 (trinta e quatro)


proposições legislativas, aqui compreendidas como Projeto de Lei (PL), Requerimento
(REQ), Projeto de Decreto Legislativo (PDC) Projeto de Resolução (PRC) e Indicação
(INC). A palavra-chave “LGBT” apresentou 16 (dezesseis) resultados de busca, “gay”
e “gays” 11 (onze), “lésbica” e “lésbicas” 10 (dez) resultados, enquanto “orientação
sexual” apresentou 10 (dez), “bissexual” e “bissexuais” 9 (nove) resultados,
“transgênero” e “transgêneros” 7 (sete) resultados, “travesti” e “travestis” 6 (seis)
resultados, “ideologia de gênero” apresentou 6 (seis) resultados, “transexual” e
“transexuais” 5 (cinco) resultados, “homossexual” e “homossexuais” 3 (três) resultados
e “homossexualidade” apenas 1 (um) resultado. Não foram encontradas proposições
legislativas com as palavras-chave “opção sexual”, “união homoafetiva”, “lesbofobia”,
“bifobia”, “homofobia”, “transfobia” e “homossexualismo”. Destas, 25 (vinte e cinco)
tinham posição pró-diversidade sexual, 7 (sete) antidiversidade sexual e 2 (dois)
indefinidos. Novamente, frisa-se que as proposições que continham mais de uma
palavra-chave no corpo de seu texto e as palavras-chave que se repetem em várias
proposições foram selecionadas e transpostas para a categoria que possui maior
correspondência, chegando a 34 (trinta e quatro) proposições. O mesmo foi realizado
com os discursos.

Ao somar as proposições legislativas e os discursos referentes à diversidade


sexual, constam 109 (cento e nove) resultados, sendo 80 (oitenta) de posição pró-
diversidade sexual, 23 (vinte e três) antidiversidade sexual e 6 (seis) indefinidos.
Dentre os (as) 50 (cinquenta) parlamentares1 que se manifestaram através de
proposições legislativas ou discursos relativos à temática da diversidade sexual,
apenas 13 (treze) são mulheres. Os (as) parlamentares com posição pró-diversidade
sexual estão divididos em maior proporção entre os partidos PT, PSOL, PSB, PCdoB,
de cunho libertário ou menos conservador, e em menor proporção entre os partidos
conservadores PHS, PP, PSL, PDT, PSD, MDB, PSDB, DEM, AVANTE e PODE.
Enquanto isso, os antidiversidade sexual se encontram em partidos de cunho
conservador, em maior proporção entre PRB, PSC, PSD, PODE e em menor
proporção entre DEM, PATRI, PSL, PR e PEN.

Gráfico 2: Quantidade de posições referentes à diversidade sexual de acordo com a


soma de proposições e discursos

1
Não está sendo considerado o Membro do Conselho Consultivo sobre Internet e Eleições do TSE, Thiago
Tavares.
6

Pró-diversidade
23
Antidiversidade
80 Indefinidos

Fonte: elaborado pela autora.

Análise do debate legislativo

Através da reunião uma série de Requerimentos de mesmo texto, dirigidos às diversas


Comissões da Câmara dos Deputados e com autorias conjuntas de deputados (as)
dos partidos conservadores de posição antiaborto supracitados, pode-se verificar a
articulação de alianças em torno da rejeição da ADPF 442, que discute a
descriminalização do aborto até as 12 primeiras semanas. Observou-se também que
os (as) parlamentares envolvidos nos Requerimentos deste caráter estão vinculados,
majoritariamente, a grupos religiosos, destacando-se pastores evangélicos e católicos
na autoria das proposições de posicionamento antiaborto.

A título de exemplo, foi constatado que todos (as) os (as) 21 deputados (as)
com proposições legislativas de posição antiaborto no primeiro semestre de 2018 têm
pertencimento religioso e se identificam como evangélicos ou católicos. Cabe citar o
Requerimento 8.362/2018, de autoria de Diego Garcia (PODE-PR), deputado católico
e um dos protagonistas em proposições de cunho antiaborto, que propõe uma sessão
solene em homenagem à Rede pelo Bem, sendo descrita como um movimento
iniciado pela comunidade católica brasileira a fim de “congregar todas as pessoas,
instituições e lideranças comprometidas com os valores maiores da vida, da família e
da justiça” para combater a corrupção, as tentativas de “legalização do aborto”, a
difusão da “ideologia de gênero” e a “divulgação de qualquer conteúdo de imoralidade
que atinja nossas crianças”, em prol da “restauração da ordem, da justiça e da moral
na sociedade brasileira”.

Essa análise é reafirmada quando são examinados os discursos sobre a


temática do aborto, nos quais são frequentes as expressões e as argumentações de
ordem religiosa. Como exemplo, toma-se o discurso do deputado Ezequiel Teixeira
(PODE-RJ), pastor evangélico que cita os seguintes trechos da crônica assinada por
Ricardo Ribeiro, jornalista cristão da Associação dos Jornalistas do Estado de São
Paulo - AJESP “quando eu vi o Lula apoiar o aborto de inocentes, eu disse a Deus:
Faz justiça, Senhor! Quando eu vi o levantar a bandeira LGBT e apoiar casamento
gay, eu disse a Deus: Faz justiça, Senhor!”.

Com base nas proposições analisadas, percebe-se também que há uma


correlação entre as temáticas do aborto e da diversidade sexual, especificamente com
posicionamentos antiaborto e antidiversidade sexual, tanto a partir do viés religioso
quanto da categoria de acusação “ideologia de gênero”, colocada enquanto uma
forma de doutrinação imoral. Esta correlação é atestada ao analisar os discursos do
deputado Lincoln Portela (PRB-MG), também pastor evangélico e radialista que “alerta
às comunidades cristã e evangélica em relação a candidatos em campanha nas
igrejas”, que “votam a favor do aborto” e “trabalham a ideologia de gênero”, sendo “os
primeiros a massacrarem as igrejas evangélicas”. Afirma também que há uma
tentativa da “implantação do ateísmo, da desconstrução da família monogâmica e
ainda da ideologia de gênero” nas escolas brasileiras.

Seguindo o mesmo viés, um outro exemplo está no Projeto de Lei n.


10577/2018 do deputado e pastor evangélico Cabo Daciolo (PATRI-RJ), que cita
Gênesis 1:27,28 “criou Deus o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou;
homem e mulher os criou”, argumentando que a ideologia de gênero é “um dos
grandes engodos para perverter a família natural e com isso permitir ao Estado um
papel que não lhe cabe: impor a sua filosofia autoritária sobre a população”. Essa
argumentação de cunho religioso e biologizante também será encontrada no PL n.
9.948/2018 do deputado e pastor evangélico Vinicius Carvalho (PRB-SP), que trata
da alteração do Estatuto da Criança e do Adolescente para dispor sobre classificação
de programas com conteúdo que aborde ideologia de gênero, visando evitar que
programas matutinos veiculem uma matéria onde “crianças com 3 e 4 anos de idade
acreditarem terem nascido em um ‘corpo errado’ ou um programa de debates
vespertino onde os pais escolheram um nome ‘neutro’ para a criança”.

As informações descritas acima atestam a ligação entre religiões cristãs e


posição antiaborto, considerando as justificativas puramente religiosas/filosóficas,
mas não só, também verificando as justificativas encobertas por razões jurídicas. O
deputado e pastor evangélico Fábio Sousa (PSDB-GO) discursa, por exemplo, que a
“liberação do aborto fere a ética, fere a bioética, fere a moral, fere a filosofia, fere a
religiosidade do povo brasileiro”, ferindo o que o “brasileiro tem de maior valor, que é
o valor da vida” ao mesmo tempo que argumenta que “valorizar a vida faz parte
inclusive do nosso ordenamento jurídico, faz parte da nossa Constituição Federal”.

De acordo com as proposições e os discursos analisados durante esta


pesquisa, observou-se também a vinculação da discussão do aborto com a do
Estatuto do Nascituro, afirmando a condição de pessoa do feto e colocando seus
direitos acima do direito da gestante. Além disso, a adoção é apresentada como uma
alternativa ao aborto e a individualização do feto é colocada como forma de acabar
com a “cultura da morte”, termo cunhado em documentos católicos. O deputado
católico Flavinho (PSC-SP), que lidera em números os discursos sobre aborto, e o
deputado evangélico Gilberto Nascimento (PSC-SP), são uns dos que utilizam o
termo, este último citando que “para aquela mãe irresponsável que está indo fazer o
aborto, tanto faz como tanto fez, mas e aquela outra vida?” e que preza por uma
“sociedade que coloque o ser humano em primeiro lugar, a começar pelo feto que está
sendo desenvolvido na barriga de uma mãe”.

A discussão sobre “ideologia de gênero” ainda aparece na seção de discursos


sobre diversidade sexual como uma tentativa de “erotização e sexualização precoce
das crianças”, objetivando a “destruição da família”, segundo o deputado e pastor
evangélico Stefano Aguiar (PSD-MG), sendo a “luta contra a ideologia de gênero” não
apenas de um grupo religiosos, dado que “líder do espiritismo kardecista, Divaldo
Franco, se somou recentemente ao brado de muitos católicos e protestantes”. O
deputado e pastor evangélico Vinicius Carvalho (PRB-SP) segue nesta mesma linha,
acrescentando que “na educação, o intuito é desconstruir valores familiares, morais e
religiosos, colocando a criança em conflito com sua realidade”, enquanto o deputado
e pastor Silas Câmara (PRB-AM) encara como uma “maldição, essa ferramenta do
inferno para desestruturar a mente dos meninos e das meninas e das famílias”.
Dentre as proposições legislativas da seção de diversidade sexual que se
destacam, cabe citar o PRC n. 309/2018, do deputado Diego Garcia, que busca
substituir a expressão “igualdade de gênero” por “igualdade de direitos entre homens
e mulheres”; o PL n. 9.742/2018, de Sóstenes Cavalcante, que objetiva estabelecer
como contravenção penal a utilização de espaços designados para uso exclusivo
masculino ou feminino, por pessoas de sexo diverso; o PRC n. 898/2018 de Victório
Galli, que visa sustar a utilização de nome social de travestis e transexuais nos
registros escolares da Educação Básica do País, para alunos maiores de 18 anos,
alegando que se deve “cessar essa aberração, restabelecendo o status quo anterior”
ao se referir à “ideologia de gênero”.

Os discursos antidiversidade sexual ainda perpassam pela questão da


alteração do nome no registro civil por parte de transexuais e transgêneros sem a
necessidade de realização de cirurgia de mudança de sexo, com a argumentação,
especificamente do Pastor Marco Feliciano (PSC-SP), de que a sociedade “poderá
estar à mercê de pessoas que poderão se declarar transexuais ou transgêneros
apenas para usufruir de uma nova identidade, livre de possíveis máculas
anteriores, em sua conduta social”. O mesmo deputado, dessa vez enquanto
integrante do PODE-SP, aponta que o Brasil está dividido entre “brancos contra
negros, ricos contra pobres, religiosos contra ateus, gays contra heterossexuais - e
criaram, então, aquilo que ensinou Lênin, na sua carta: dividir para governar”.

Os outros deputados que utilizam o termo “ideologia de gênero” em seus


discursos, tais como os pastores evangélicos Eurico (PEN-PE) e Linconl Portela (PR-
MG), e os deputados evangélicos Arolde de Oliveira (PSC-RJ) e Delegado Éder Mauro
(PSD-PA) se posicionam antidiversidade sexual a partir de argumentos religiosos e
biologizantes. Para além disso, considerando as proposições e os discursos, cabe
ressaltar a coincidência dos seguintes parlamentares com posicionamentos
antidiversidade sexual e antiaborto: Diego Garcia (PODE-PR), Ezequiel Teixeira
(PODE-RJ), Linconl Portela (PR-MG), Pastor Marco Feliciano (PODE-SP/PSC-SP)
Victório Galli (PSL-MT), Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), sendo todos pastores
evangélicos, com exceção do deputado católico Diego Garcia.

Ao considerar as proposições de posição pró-diversidade sexual, cabe citar a


atuação dos deputados do PSOL, Jean Wyllys, Glauber Braga, Luiza Erundina,
Edmilson Rodrigues; em conjunto com os deputados do PT, Angelim, Erika Kokay,
Luiz Couto; com os do PCdoB, Jandira Feghali e Alice Portugal; os do PSB, Danilo
Cabral e Janete Capiberibe; Pompeo Mattos do PDT e Raquel Muniz do PSD em prol
da realização do 15° Seminário LGBT, objetivando o diálogo “entre os diversos
segmentos da sociedade, para a promoção dos direitos de Lésbicas, Gays,
Bissexuais, Travestis e Transexuais, bem como discutir aspectos culturais e modo de
vida dessa população”. Há também proposições que buscam reafirmar a não
discriminação por orientação sexual em vários setores, como na Política Nacional da
Saúde Mental, no Fortalecimento da Rede de Atenção Psicossocial, nas publicações
do magistrado em redes sociais que possam ser interpretadas desta forma.

Dentre os discursos pró-diversidade sexual, o PL n. 9.576/2018 que visa criar


espaços de vivência específicos para travestis e transexuais em estabelecimentos
penais e o Requerimento n. 269/2018 que repudia as declarações do presidente
Donald Trump contra imigrantes, mulheres, comunidade LGBT e outras minorias são
algumas das proposições, ambas do deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), que se
destacam nesse período.

Há de se destacar também a série de manifestações que citam os assassinatos


da vereadora Marielle Franco e de Anderson Pedro Gomes, afirmando a orientação
sexual da deputada enquanto lésbica e evidenciando a homofobia que existe na
sociedade brasileira. Um outro caso de destaque, que aparece especificamente no
discurso de Jandira Feghali (PCdoB-RJ), é o de Matheus Passareli, também
conhecida como Matheusa, ativista LGBT que foi executada em favela da Zona Norte
do Rio de Janeiro. A deputada Erika Kokay (PT-DF), que lidera em números os
discursos sobre diversidade sexual, também se posiciona sobre as questões relativas
à diversidade sexual através de uma série de discursos, destacando a
“desumanização simbólica” que atinge a população LGBT+ e, consequentemente, a
“desumanização literal” que acontece.

Em contraste com as correlações feitas entre posições antiaborto e


pertencimento religioso de parlamentares, foram encontrados os seguintes casos:
deputado católico Edson Moreira (PR-MG) com um discurso pró-escolha, a partir de
uma argumentação jurídica, citando que aborto já é autorizado no Brasil pelo art. 128
do Código Penal, que “autoriza o aborto necessário ou terapêutico, como é conhecido
juridicamente” e também “nos casos de perigo para a vida da mãe ou de estupro”; e
Marcelo Ortiz (PODE-SP), que não teve a religião identificada, mas possui
posicionamento antiaborto em um discurso.

Já na temática da diversidade sexual, foram encontrados os seguintes casos:


deputado e pastor evangélico Roberto de Lucena (PODE-SP) sendo pró-diversidade
sexual em um Requerimento apresentado para registrar a Frente Parlamentar Mista
em defesa da nova política nacional de saúde mental e da assistência hospitalar
psiquiátrica, sem discriminação quanto à orientação sexual; os (as) parlamentares
evangélicos (as) Cabo Sabino (AVANTE-CE), Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) e
Benedita da Silva (PT-RJ) com discursos pró-diversidade sexual; as (os)
parlamentares católicas (os) Iracema Portela (PP-PI), Luciana Santos (PCdoB), Ivan
Valente (PSOL-SP), Chico Alencar (PSOL-RJ), Luiz Couto (PSOL-SP) e Leonardo
Monteiro (PT-MG) com discursos pró-diversidade sexual; e o deputado judeu Floriano
Pesado (PSDB-SP) com um discurso pró-diversidade sexual.
Considerações finais

Observou-se uma correlação entre as temáticas do aborto e da diversidade sexual,


especificamente com posicionamentos antiaborto e antidiversidade sexual, tanto a
partir do viés religioso quanto da categoria de acusação “ideologia de gênero”,
colocada como uma doutrinação imoral para as crianças, destacando a
desestruturação da “família natural” e associando a prática do aborto com a “cultura
de morte”, enquanto argumento religioso mascarado por uma ordem filosófica e pró-
vida.

As questões de diversidade sexual e aborto se cruzam, principalmente, por


deputados religiosos ao utilizar o termo “ideologia de gênero”. Segundo Miskolci e
Campana (2017, p. 725), o combate à “ideologia de gênero” aumenta sua escala
global, principalmente na Europa e na América Latina, “associando-se a diversas
discussões que giram em torno da saúde reprodutiva das mulheres, da educação
sexual ou do reconhecimento de identidades não heterossexuais”. Transformando-se
em um “encantamento contra qualquer progresso legislativo ou em termos de
igualdade de gênero e respeito às pessoas LGBT”, invocando a “medicina para
justificar a discriminação, o uso uma linguagem que aspira a mudar o significado de
termos-chave na luta pelos direitos sexuais e reprodutivos” (CORNEJO-VALLE;
PICHARDO; 2017).

O processo de produção de publicização das religiões constrói ao mesmo


tempo, a religião como fenômeno público e a arena na qual ela se performatiza –
mídia, rua, tribunal, academia, dentre outras. Dessa forma, quando observamos a
diversidade de práticas advindas de inúmeros atores que se apresentam na arena
pública em nome da religião, notamos que, além dos cultos, elas estão intensamente
relacionadas com agentes governamentais, políticos, intelectuais, personagens
midiáticos e uma diversa gama de profissionais, tais como médicos, advogados,
psicólogos, dentro outros (MONTERO, 2016). Nesse sentido, há o que Montero (2016,
p. 129-130) considera como “religiões públicas”, isto é, as “diferentes formas de
produção de públicos e de publicidade pelos atores religiosos por meio de variadas
tecnologias/artefatos de visibilidade”.

Dessa forma, a utilização de argumentos de ordem religiosa/filosófica por


parlamentares com pertencimento religioso, quando não encobertos por citações
jurídicas ou biologizantes se torna frequente no debate legislativo. No entanto,
verificou-se uma abertura maior em relação à diversidade sexual entre católicos do
que entre evangélicos, principalmente ao considerar os que estão concentrados em
partidos de cunho libertário, enquanto os evangélicos se encontram nos mais
conservadores.
Referências Bibliográficas

CORNEJO-VALLE, M; PICHARDO, J. I. La “ideología de género” frente a los


derechos sexuales y reproductivos. El escenario español. Cad. Pagu [online]. 2017,
n.50. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-
83332017000200501&lng=es&nrm=iso >. Acesso em 10 de setembro de 2018.

MISKOLCI, Richard; CAMPANA, Maximiliano. “Ideologia de gênero”: notas para a


genealogia de um pânico moral contemporâneo. Soc. estado., Brasília, v. 32, n. 3, p.
725-748, 2017. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
69922017000300725&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 10 de agosto de 2018.

MONTERO, Paula. “Religiões Públicas” ou religiões na Esfera Pública? Para uma


crítica ao conceito de campo religioso de Pierre Bourdieu. Relig. soc., Jun 2016,
vol.36, no.1, p.128-150.

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