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V.

A LUTA POPULAR
- Ranulfo Peloso -

MÉTODO DE TRABALHO DE BASE


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- ROTEIRO PARA DEBATE -
Nos momentos de crise de horizonte e de projeto, não se
pode cruzar os braços, nem ficar no saudosismo e, muito menos,
repetir intermináveis espaços de lamentação. Nesse tempo de certa
angústia, a missão principal é procurar novos caminhos que
respondam às inquietações do nosso tempo. O desafio e o cuidado
é não cair na tentação das ondas ou becos sem saída que se
apresentam vendendo fáceis soluções.
Entre essas saídas estão: a) a busca desesperada de atrair a
classe oprimida pelo discurso radicalizado; b) o pragmatismo que
vende até os ideais por um prato de lentilhas buscando resultados
imediatos e pregando que o ganho concreto é o que interessa; c) a
promoção de eventos e de campanha após campanha, sem
continuidade; d) o agendamento de múltiplos compromissos que
preenchem com atividades o vazio da qualidade; e) o refúgio na
academia, por um diploma, justificado como conhecimento e
“preparação”; f) a redução da complexidade das respostas a um
método, visto como técnica ou “receita” que aplicada, realiza
milagres.
Seria insensatez: a) negar a necessidade da agitação e da
propaganda; b) não conseguir conquistas econômicas; c) abandonar
a promoção de eventos significativos; d) condenar a busca do estudo
permanente; e) ou desprezar a aplicação de meios que contribuam
na apreensão dos conteúdos e sua aplicação na realidade. Mas,
tudo isso só tem sentido quando inserido em um projeto.
Ainda que muitos processos tenham sido vividos, em outros
contextos e em outros momentos históricos, é possível extrair dessas
experiências, muitas lições que, aplicadas criativamente, podem
servir, na hora atual. Foi do resgate dessa prática social acumulada
que se elaborou o roteiro a seguir, sabendo que a seqüência dos
“passos” varia, se mistura, se completa... sem uma ordem
preestabelecida:
• A luta popular inicia com pessoas – Entrar na luta é uma
iniciativa pessoal porque representa uma opção de vida
baseada na convicção da justeza da luta contra toda forma de
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opressão. Isso exige das pessoas que se disponham, até às últimas


conseqüências. O trabalho popular deve visar a massividade,
mas não é algo que nasce grande. Nasce e cresce a partir de
militantes de uma causa que, sem se anular como gente, cruzam
seu projeto pessoal com o projeto coletivo.
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• Núcleo inicial de vanguarda – Reunir um grupo inicial de
vanguarda deve ser uma preocupação básica da militância,
embora não se possa pré-determinar etapas. Esse grupo é
selecionado por critérios mínimos como clareza de rumo, firmeza
ideológica, ousadia, postura democrática, entusiasmo,
disposição... Por isso, no começo, é preferível ter uma pessoa
de confiança na região, que muita gente na reunião. Essas
“sementes” de vanguarda, escolhidas entre a gente insatisfeita,
disponível, solidária e discreta precisam de qualificação.
• Aproximar -se da classe trabalhadora – O fermento só tem
Aproximar-se
sentido, no meio da massa. A militância tem botar seu corpo
numa realidade concreta, com pessoas metidas na produção.
Sua missão é descobrir, organizar e formar gente que se disponha
a um processo de transformação, pela raiz, das estruturas da
sociedade capitalista. A competência profissional, a formação
acadêmica e o modo de inserção não têm fim em si mesmo –
podem ser instrumentos de criar confiança e permitir o contato,
o diálogo, a caminhada e uma forma de contribuição à luta.
• Convencer o maior número de pessoas que trabalham –
A missão da militância é atrair e mobilizar muita gente porque a
mudança só se faz com o povo em luta. O convencimento se
faz pela agitação (denúncia) em cima de manifestações de
exploração e a partir de sinais sentidos de opressão, através de
panfletos, comícios, protestos... Mas, é feito, sobretudo, pela
propaganda (divulgação) das propostas, das lutas, das
conquistas e dos valores do projeto socialista para a própria
classe oprimida. Isto só se faz com presença, enraizamento e
cumplicidade.
• Organizar Núcleos – Ir para a massa tem como finalidade
contatar, reunir e organizar núcleos da classe trabalhadora. Esses
núcleos precisam conhecer os quatro cantos do território: sua
linguagem, potencial, carências, cultura, economia, formas de
organização, história de resistência... É a condição para atuar lá
onde acontece a exploração e envolver as pessoas interessadas
nesse processo partir da “porta que povo oferece”. Para que as
MÉTODO DE TRABALHO DE BASE

grandes massas oprimidas cheguem a tomar posição política


não é suficiente propaganda e agitação. A massa precisa fazer
enfrentamento, precisam fazer
a experiência política do enfrentamento
ações que resolvam seus problemas concretos.

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• O trabalho de base – Trabalho de base é a ação política de
militantes de uma organização popular que atua sobre um
território. Sua missão é despertar, estimular, organizar,
acompanhar e promover ações que resolvam os problemas do
cotidiano da classe trabalhadora e fazer a ligação dessa luta com
a luta geral contra a opressão. São os núcleos de militantes que
ligam essa luta local à luta geral para conseguir as mudanças
radicais.
• OT rabalho de base e de massa – Se tudo que nasce monstro
Trabalho
morre cedo, toda iniciativa popular que não cresce, também
morre. Por isso, todo trabalho popular precisa ter caráter nacional,
que leva em conta realidades e culturas regionais. A base é o
povo que produz as riquezas e é explorado pelas elites, em todos
os espaços. Mas, é, sobretudo, a parte da classe oprimida que
se dispõe e dar sustentação a um processo de mudança. O
trabalho de base é condição e sustento do trabalho de massa; o
trabalho de massa é a expressão e a conseqüência do trabalho
de base. O objetivo do trabalho de base é acolher e qualificar o
povo nas lutas cotidianas, mas só tem sentido se fizer parte de
um movimento de caráter amplo que vai às ruas para atacar
causa dos problemas que afetam o povo.
• A formação política – Só entusiasmo e força são insuficientes
para vencer a exploração. A classe oprimida precisa juntar sua
força com o pensamento e a esperteza para vencer a dominação.
Tem que saber desmontar o sistema capitalista e apontar soluções
para os problemas do povo. Estudar significa entender o que
está acontecendo consigo e com os outros e estar capacitado
para descobrir respostas para os problemas que afligem o povo,
hoje. É fácil derrotar quem não estuda ou quem não pensa. É
triste ver que muita gente estudada não entre na luta, mas é
imperdoável a militância não estude, não seja intelectual. Estudar
não é fazer cursos, nem encher a cabeça de informações na
academia. Estudar é analisar a própria experiência e conhecer
a experiência histórica da classe trabalhadora, apropriando-se
dos conhecimentos acumulados.
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• Frente de lutas – Os interesses comuns e a força do mesmo


inimigo devem levar os movimentos da classe oprimida a formar
frentes de luta alcançar seus objetivos. A articulação ou aliança
é a descoberta que ninguém pode fazer tudo sozinho; é a crença
no poder da união de esforços para atingir objetivos que estão
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na mesma direção. Essa frente, mais do que pessoas, deve
articular práticas de luta que façam a união entre campo-campo,
cidade-cidade, cidade-campo, a mais ampla possível, no nível
nacional e internacional.
• Fazer o levante da massa – Uma revolução explode quando
existe o agravamento, além do comum, da miséria e desespero
das classes oprimidas – ‘a base não deseja mais’ viver como
antes e ‘o cume já não pode mais’ – e que haja uma
intensificação acentuada da atividade das massas. O indício da
revolução é quando há uma rápida elevação do número de
pessoas preparadas para a luta política, entre a massa
trabalhadora e oprimida que enfraqueça o governo e torne
possível a sua substituição. Só a massa pode realizar uma
transformação radical.
• A direção de um Partido – O objetivo do movimento popular
é pensar projetos para setores da sociedade e produzir militantes
para uma organização política que tenha um projeto estratégico
para todos os setores da sociedade. O partido político tem como
finalidade a constituição de quem trabalha como classe, a
derrubada da supremacia burguesa e a conquista do poder
político pela classe trabalhadora. Sem a direção de um
partido político, a luta popular – a luta econômica e
social – só reforma e reforça o sistema de dominação dominação.
Mas, esse partido tem que ser de novo tipo. Pois, só uma
organização política que conhece, acompanha e estimula
processos de luta de movimentos autônomos, será capaz de
dirigi-los politicamente e avançar na construção da sociedade
socialista.
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