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CDD: 149.7
Resumo: Este artigo é consagrado ao exame de alguns aspectos do tratamento dado por Leibniz à
relação entre determinismo e necessitarismo nos Essais de Théodicée com o objetivo de identificar a tese
sustentada por Leibniz a esse respeito, bem como algumas das estratégias que utiliza para enfrentar as
objeções a ela dirigidas. A investigação se concentrará em três questões: a) que razões teriam conduzido
Leibniz a defender o determinismo, b) que razões o teriam levado a rejeitar o necessitarismo e, por fim,
c) que razões sustentariam a sua convicção de que o determinismo não implica o necessitarismo ou de
que o primeiro é compatível com a contingência.
Palavras-chave: necessitarismo, determinismo, contingência, causalidade, omnisciência
Abstract: This paper is consecrated to examine some aspects of the treatment Leibniz gives to the
relation between determinism and necessitarianism in his Essais de Théodicée in order to identify his
thesis, as well as some strategies he uses to upholding his thesis against the objections addressed to it.
The investigation shall be concentrated on three issues: a) why has Leibniz endorsed determinism, b)
why has he rejected necessitarianism, and finally c) what reasons could support his conviction that de-
terminism does not imply necessitarianism or that determinism is compatible with contingency.
Keywords: necessitarianism, determinism, contingency, causality, omniscience
1. Introdução
A obra de Leibniz permite muitas leituras. Quer a história das
múltiplas controvérsias em que se viu envolvido, quer a das interpreta-
ções do seu pensamento, dão por vezes a impressão de que Leibniz
autoriza quase tudo e que é possível fundar na análise dos seus textos
interpretações alternativas, cujo balanço final apontaria para um pen-
samento no limite inconsistente ou mesmo nalguns aspectos aporético.
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de”, que afeta todo o gênero humano 1 . Ora, à vista disto, é difícil acei-
tar sem reservas a tese de que a posição leibniziana resulta ou de inad-
vertência ou de uma intenção oculta de mascarar uma identificação ir-
recusável entre determinismo e necessitarismo. A ser assim, a compre-
ensão da obra filosófica de Leibniz obrigaria a construir uma grelha de
interpretação que mostrasse, detrás do que afirmou vezes sem conta, o
que realmente quis dizer mas nunca se atreveu a afirmar, ou a admitir
que a inadvertência durou praticamente toda a vida, foi explorada e-
xaustivamente mas nunca trazida à luz. Com efeito, se se comparam
textos tão centrais como o Discours de Métaphysique ou a correspondência
com Arnauld, a que aquele deu origem, e os Essais de Théodicée, e se ad-
mite a tese da inadvertência e da confusão, teríamos que dizer que essa
inadvertência ou essa confusão duraram pelo menos os 25 anos que
separam estes textos.
Tendo tudo isto em conta, o objetivo das páginas que seguem é
bastante modesto: trata-se de explorar a forma como Leibniz aborda
alguns aspectos da questão do determinismo e do necessitarismo nos
Essais de Théodicée: identificar a tese que sustenta, algumas das objeções
que enfrenta e algumas das estratégias que utiliza para as solucionar.
Como é bem sabido, os Essais de Théodicée não tem apenas um
objetivo, e Leibniz enuncia-os em mais de uma ocasião. O próprio títu-
lo completo da obra apontava já para essa multiplicidade de objetivos
articulados. Por outro lado, o problema da relação entre determinismo
e necessitarismo é abordado nos Essais de Théodicée de forma, por assim
dizer, instrumental: Leibniz pretende abordar as grandes questões da
“bondade divina” da “origem do mal” e da “liberdade humana”. É para
resolver estas questões que é indispensável proceder à análise da relação
entre determinismo e necessitarismo. Assim, o que se pretende é abor-
1Cf. Essais de Théodicée sur la bonté de Dieu, la liberté de l’homme et l’origine du mal,
Die Philosophischen Schriften von Gottfried Wilhelm Leibniz. Herausgegeben von C. I.
Gerhardt, Sechster Band, Berlin, 1885, p. 29. A partir de agora Théodicée, segui-
do do parágrafo e da página. Manteve-se a grafia original.
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2 Cf., entre outros, Théodicée, Preface, pp. 30-33, §§ 168-170, pp. 210-215.
3 Cf. Théodicée, §§ 39-48, pp. 124-129.
4 Cf., por exemplo, Théodicée, §§ 173-174, pp. 217-218; §§ 372-373, pp. 336-338;
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8 Cf. Théodicée, § 349, p. 321: « les loix de la nature qui reglent les mouvements
ne sont ni tout à fait necessaires, ni entierement arbitraires. Le milieu qu’il ya a
à prendere, est qu’elles sont un choix de la plus parfaite sagesse ».
9 Cf., entre outros, Théodicée, § 45, p. 128: « (…) ce seroit un grand defaut ou
plustost une absurdité manifeste (…) s’ils [Deus e os santos] étoient capables
d’agir sans aucune raison inclinante ». Cf. igualmente § 128, p. 182 e § 130, pp.
182-183.
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10 Cf., por exemplo, Théodicée, § 124, p. 178: « il est permis de dire que Dieu peut
faire que la vertu soit dansle monde aucun melange de vice, et même qu’il le
peut faire aisement ».
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3. A verdade do determinismo
12 Cf., por exemplo, Théodicée, § 52, p. 131: « Tout est donc certain et determiné
par avance dans l’homme comme par tout ailleurs ». Cf. também Reflexions sur
l’ouvrage que M. Hobbes a publié… , p. 389 : « Ce qui revient à ce que j’ay dit tant
de fois, que tout arrive par des raisons determinantes, dont la connoissance, si
nous l’avions feroit connoistre en même temps pourquoy la chose est arrivée,
et pourquoy elle n’est pas allée autrement ».
13 Cf., entre outros, Théodicée, § 303, pp. 296-297 : « Mais comme je me suis
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14 Cf. III, Théodicée, § 303, p. 297 : « (…) une liberté d’indifference indefinie, et
qui fût sans aucune raison determinante, seroit aussi nuisible et même
choquante, qu’elle est impracticable et chimerique. (…) Mais il est tres vray
aussi que la chose est impossible, quand on la prend dans la rigueur de la
supposition ».
15 Cf. Théodicée, §§ 44-45, p. 127: Leibniz refere-se ao princípio de razão deter-
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16Cf., por exemplo, § 362, p. 329: “Ceux qui ont confondu cette determination
(dos futuros contingentes) avec la necessité ont forgé des monstres pour les
combattre ».
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17 P. 102 : « il faut remarquer que la liberté est combattue (en apparence) par la
determination ou par la certitude, quelle qu’elle soit, et cependant le dogme
commum de nos philosophes porte, que la verité des futurs contingens est
determinée ».
18 P. 123 : « Ainsi (…) la determination, qu’on appelleroit certitude, si elle étoit
de la verité des futurs contingents, si non que cette determination est connue”;.
20 § 38, p. 124 : « la prescience en elle-même ne rend point la verité plus
determinée : elle est prevue parce qu’elle est determinée, parce qu’elle est
vraye »
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21 Théodicée, § 360, pp. 328-329 : « Maintenant que nous avons asses fait pour
voir que tout se fait par des raisons determinées, il ne sauroit y avoir aucune
difficulté sur ce fondement de la prescience de Dieu: car quoyque ces
determinations ne necessitent point, elles ne laissent pas d’être certaines, et de
faire prevoir ce qui arrivera ».
22 Cf. Théodicée, § 320, p. 306: referindo-se à concepção da liberdade como
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23Cf., entre outros, Théodicée, § 44, p. 127 e Remarques sur le Livre de l’origine du
mal, publié depuis peu en Angleterre, § 14, pp. 413-414.
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24 Neste sentido, reconhece Leibniz, pode dizer-se que há uma certa indiferen-
ça nestas potências, coisa que não pode dizer-se das potências ad unum. É a
inclinação ou a disposição que impede que a indiferença seja de equilíbrio. É ela
que define a faculdade.
25 Cf. Théodicée, § 45, p. 128: « Jamais la volonté n’est portée a agir, que par la
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4. A rejeição do necessitarismo
26 Por isso, como vimos, Leibniz indica que as leis da natureza, que não são
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ção que propõe para ele nos Essais de Théodicée. O diagnóstico e a solu-
ção deste sofisma correspondem, por assim dizer, a uma aproximação
negativa, tendente a mostrar que a determinação dos acontecimentos
não implica a sua necessidade absoluta, ou que podem ser integralmente
determinados comportamentos contingentes. Dito de outro modo, a
consideração do “sofisma da razão preguiçosa” permite afastar um
problema, apresentando-o como um falso problema 29 . O sofisma iden-
tifica-se e o problema resolve-se porque se compreende que é defensá-
vel, ou que é possível admitir, uma certa forma de destino e ainda assim
sustentar que o mundo é contingente e que os homens são capazes de
realizar atos livres.
De uma perspectiva complementar, o mesmo problema da ar-
ticulação entre determinismo e necessitarismo – e a mesma solução –
são amplamente desenvolvidos nos Essais de Théodicée a partir da consi-
deração do problema clássico da determinação do valor de verdade dos
enunciados futuros contingentes. Também aqui, como no caso do “so-
fisma da razão preguiçosa”, de que na realidade é inseparável, a resolu-
ção do problema consiste em descobrir como conciliar a contingência e
a omnisciência. Com efeito, o que tem de problemático a questão dos
futuros contingentes é que aparentemente a verdade de um enunciado
futuro é incompatível com a contingência do que nele é estabelecido e,
portanto, ou se afirma a sua verdade e se nega o seu caráter contingente
ou se afirma a sua contingência e se nega a sua verdade. Leibniz aborda
esta questão em vários momentos e de vários pontos de vista. Por um
lado, discute as posições divergentes de predeterministas e defensores
da ciência média a propósito do conhecimento divino do futuro ou da
“verdade da futurição”; por outro lado, detém-se longamente na análise
do conceito de possível, discutindo e criticando a definição diodoriana –
que é também a de Hobbes e de Espinosa – segundo a qual só “é pos-
sível o que é ou será”. A novidade que se encontra na abordagem da
questão dos futuros contingentes relativamente à do “sofisma da razão
29 Cf. Théodicée, Preface, p. 30.
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razão preguiçosa”, encontra-se no §2, pp. 102-103. Embora o sofisma não seja
aludido, é a tese que nele se sustenta que é aqui apresentada também, numa
argumentação em que Leibniz expõe as razões que parecem opor-se à liberda-
de.
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33A causa é uma condição ideal, uma razão inclinante ou determinante, mas
não é sempre uma razão necessitante: cf. Théodicée, § 54, p. 132. Sobre o valor
universal do princípio de causalidade, cf. § 55, pp. 132-133: «l’effect étaint
certain, la cause que le produira l’est aussi; et si l’effect arrive, ce sera par une
cause proportionnée »
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6. A verdade da futurição
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possibilidade dessas causas 48 . Para que uma coisa seja possível não é
necessário que a sua causa seja atual, é apenas necessário que seja tam-
bém possível, isto é, concebível. Assim, o fundamento do ato livre – a
razão inclinante que o determina – é ao mesmo tempo o fundamento
do conhecimento que é possível ter dele: e Deus contempla esses atos
contemplando as razões – inclinantes – que os produziriam se fossem
criados “os sistemas universais” de possíveis de que eles fazem parte 49 .
Em conclusão, Leibniz tenta pensar a compatibilidade do de-
terminismo e da contingência – a afirmação do primeiro e a rejeição do
necessitarismo – procurando à sua maneira uma nova forma de pensar
o conceito aristotélico de possível – “é possível o que não é nem será”.
Admitindo esta tese, é possível evitar o necessitarismo porque ela funda
– como pretendia Aristóteles – a distinção entre o possível e o atual.
Leibniz encontra essa nova forma de pensar o conceito aristotélico de
possível na definição do possível pela ausência de contradição. Assim
definido, o possível é o concebível e são concebíveis possíveis contin-
gentes porque são concebíveis possíveis alternativos. Mas, precisamente
porque se definem pela ausência de contradição – como ideias ou es-
sências concebíveis –, os possíveis não podem pensar-se como inde-
terminados, como incompletos, e a história contingente do mundo a-
presenta-se como uma das infinitas possibilidades de ser que é possível
pensar. Em cada uma dessas “sequências possíveis do universo” a cau-
salidade livre – a razão inclinante – intervêm como o que torna possível
48Leibniz insiste neste ponto. Quando nos perguntamos pela possibilidade de
uma coisa, não nos perguntamos pela existência dos requisitos ou das condi-
ções que a fariam existir, perguntamo-nos pela possibilidade – pela interna não
contradição – dessas condições e desses requisitos. A impossibilidade absoluta
é antes de mais uma impossibilidade lógica, não é primariamente uma impos-
sibilidade efetiva ou real: cf. Théodicée, § 172, p. 216. Cf. também § 235, p. 257:
« (…) quand on parle de la possibilité d’une chose, il ne s’agit pas de les causes
qui peuvent faire ou empecher qu’elle existe actuellement: autrement on
changeroit la nature des termes, et on rendroit inutile la distinction entre le
possible et l’actuel ».
49 Cf. Théodicée, § 225, p. 252.
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o efeito e o produzirá se esse mundo vier a ser criado: como diz Leib-
niz, a previsão da causa inclinante é a causa da previsão do efeito 50 .
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