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Decisão: Trata-se de mandado de segurança com pedido liminar,

impetrado em face de ato do Tribunal de Contas da União que julgou


ilegal e negou registro ao ato concessivo de aposentadoria do impetrante,
por entender não aplicável aos juízes classistas a contagem ficta de tempo
de serviço prestado em condições insalubres, em acórdão assim
ementado:
“Pedido de reexame. Aposentadoria. Juiz classista.
Conhecimento. Impossibilidade de averbação de tempo ficto de
serviço, mesmo que devidamente certificado pelo INSS, para
efeito de aposentadoria no serviço público. Aplicação da
Súmula nº 245, no sentido de que ‘não pode ser aplicada, para
efeito de aposentadoria estatutária, na Administração Pública
Federal, a contagem ficta de tempo de atividades consideradas
insalubres, penosas ou perigosas, com o acréscimo previsto
para as aposentadorias previdenciárias, segundo legislação
própria, nem a contagem ponderada, para efeito de
aposentadoria ordinária, do tempo relativo a atividades que
permitiriam aposentadoria especial com tempo reduzido’. Não
atendimento do requisito temporal mínimo de serviço para
inativação. Alegações insuficientes para retificar a deliberação
recorrida. Desprovimento. Ciência do interessado”.

Narra o impetrante ter sido aposentado como juiz classista de 1º


grau pelo Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região, de forma
voluntária e com proventos integrais, após 6 anos e 27 dias de exercício
da magistratura, de acordo com as regras previstas na Lei 6.903/81.
Relata que, para contagem de tempo para aposentadoria, somou-se o
período no qual trabalhou junto à iniciativa privada, sob o regime
celetista, com acréscimo de 40% sobre os períodos em que exerceu
atividade insalubre. Com o referido acréscimo, o impetrante teria
totalizado 35 anos, 3 meses e 5 dias de trabalho, aposentado-se com base
nos arts. 1º; 2º, III; 3º, I, “a”; e 4º da Lei 6.903/81.
Menciona que, ao analisar seu ato de aposentação, nos autos do
Processo TC 011.802/1999-5, a 1ª Câmara do Tribunal de Contas da União
negou-lhe registro, por entender não aplicável aos juízes classistas a
contagem ficta de tempo de serviço prestado em condições insalubres. A
partir desse entendimento, o impetrante não teria reunido o requisito do
tempo mínimo para a aposentadoria voluntária, previsto no art. 2º, III, da
Lei 6.903/81.
Inconformado com a referida decisão, o impetrante maneja mandado
de segurança contra o Acórdão 2.507/2003 do Tribunal de Contas, no qual
alega, em suas razões, que a Lei 9.711/98 e o Decreto 3.048/99 preservam o
direito dos segurados à conversão de tempo de serviço prestado em
condições especiais em comum. Afirma, ademais, que o art. 5º, item I, da
Lei 6.903/81, ao vedar a contagem de tempo de serviço prestado em
condições especiais aos juízes classistas, não alcança situações pretéritas,
acobertadas pelo direito adquirido.
Sustenta, ainda, que deve ser suprido o período de acréscimo de 40%
pelo tempo transcorrido desde o ato de aposentadoria, até a data da
decisão impugnada, de modo à convalidação da aposentadoria
considerada ilegal, nos termos do art. 103, § 1º, da Lei 8.112/90 e da
Súmula 74 do TCU.
O Ministro Cezar Peluso indeferiu o pedido liminar (fls. 338-339).
As informações solicitadas à autoridade coatora foram juntadas aos
autos, às fls. 345-378.
A Procuradoria-Geral da República manifestou-se pela denegação
da segurança, em parecer assim ementado:
“Mandado de segurança. Ato do TCU. Acórdão nº
2.507/2003-TCU-1ª Câmara. Juiz classista aposentado. Pedido de
cômputo de período ficto (acréscimo de 40%) por prestação de
serviço em atividade insalubre. De forma sucessiva, pedido de
cômputo do período em inatividade irregular. Impossibilidade
de atendimento ao primeiro pleito por vedação expressa na lei à
época regente (Lei nº 6.903/81). Quanto ao segundo pleito,
interpretação não permitida do artigo 103, § 1º, da Lei nº
8.112/90 e do verbete nº 74 da Súmula do TCU. Parecer pela
denegação da ordem”.

Decido.
A pretensão vertida nos autos não merece prosperar.
No julgamento do MS 25.064, Rel. Min. Ayres Britto, DJ 2.6.2006, o
Plenário desta Corte consignou que, na vigência da Lei 6.903/81, era
reconhecido aos juízes classistas o direito à aposentadoria estatutária,
caso preenchessem os requisitos para a inatividade.
Sublinhou-se que a referida Lei, embora anterior à Constituição, foi
recebida pela nova ordem, nos termos do julgamento da ADI 1.878, Rel.
Min. Ilmar Galvão, Dj 7.11.2003, assim ementado, no que interessa:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART.
5º, CAPUT E § 1º DA LEI Nº 9.528, DE 10.12.97.
APOSENTADORIA DE MAGISTRADOS CLASSISTAS
TEMPORÁRIOS DA JUSTIÇA DO TRABALHO.
INAPLICABILIDADE DO REGIME PREVISTO NO ART. 93
DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. (…) 3. A aposentadoria dos
juízes temporários, assim como os demais benefícios e
vantagens que a estes tenham sido outorgados, devem estar
expressamente previstos em legislação específica. Precedentes:
MS nº 21.466, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 06.05.94 e MS nº
22.498, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 03.04.98. 4. Por este motivo é
que a aposentadoria dos magistrados classistas já se encontrava
disciplinada por Diploma legal especial, a saber, a Lei nº 6.903,
de 30.04.81, recebida pela ordem constitucional vigente e
revogada pelos dispositivos ora impugnados. 5. Ação direta de
inconstitucionalidade julgada improcedente por decisão
majoritária”.

Nesse contexto, ressaltou-se que o regime jurídico relativo à


aposentadoria dos magistrados classistas, previsto na Lei 6.903/81,
impedia, em seu art. 5º, I, a contagem em dobro ou outras condições
especiais de tempo de serviço para a concessão da aposentadoria
voluntária aos servidores temporários, conforme se extrai da sua redação:

“Art. 5º. Para os efeitos desta Lei, o tempo de serviço ou de


atividade será computado, conforme o caso, de acordo com a
legislação relativa aos servidores públicos civis da União ou
com a dos segurados da Previdência Social Urbana, observadas
as seguintes normas:
I – não será admitida a contagem de tempo de serviço em
dobro ou em outras condições especiais, ressalvados os casos
previstos na Constituição”.

A lógica da mencionada proibição decorria do tratamento


diferenciado conferido àqueles servidores, cujo vínculo com a
Administração Pública, embora temporário, permitia a aposentação sob o
regime estatutário.
Essa situação só veio a ser alterada pela MP 1.523/96, convertida na
Lei 9.528/97, a qual determinou a filiação obrigatória dos juízes classistas
ao Regime Geral de Previdência Social – RGPS.
Eis a ementa do julgado formalizado no MS 25.064, acima referido:

“MANDADO DE SEGURANÇA. APOSENTADORIA.


JUIZ CLASSISTA. CONTAGEM DE TEMPO FICTO QUANTO
A PERÍODO TRABALHADO EM ATIVIDADE INSALUBRE.
LEI Nº 6.903/81. INADMISSIBILIDADE. A aposentadoria de
juiz classista em 1995 rege-se pela Lei nº 6.903/81, que não
admite a contagem de serviço em dobro ou em outras condições
especiais. Excluído o período de tempo acrescido de modo ficto,
o impetrante não completaria os necessários 30 anos de serviço
para aposentar-se voluntariamente. Mandado de segurança
indeferido”.

O caso dos autos adequa-se perfeitamente àquela hipótese: o autor


aposentou-se em período anterior à MP 1.523/96 e, portanto, na vigência
da Lei 6.903/81. Segundo o regime jurídico a ele aplicável no momento de
sua aposentadoria, era inadmissível a contagem de tempo em dobro ou
em outras condições especiais.
Destaco, ademais, que não se pode atribuir benefícios e vantagens
não previstos em lei aos servidores públicos, motivo pelo qual, na
ausência de lei federal a consagrar a contagem ficta de tempo requerida
pelo autor e, ainda, na presença de lei que a veda expressamente, não se
pode obrigar a União à adoção de normas não previstas em seu estatuto.
Nesses termos, incide, sobre a aposentadoria dos juízes classistas, apenas
as vantagens e benefícios previstos na lei de regência.
Confiram-se, a propósito, os seguintes precedentes: ARE 951.611, de
minha relatoria, Dje 13.10.2016; MS 22.498, Rel. Min. Moreira Alves,
Pleno, Dj 3.4.1998; e MS 21.466, Rel. Min. Celso Mello, Pleno, Dje 6.5.1994,
este último assim ementado:
“MANDADO DE SEGURANÇA - TRIBUNAL DE
CONTAS DA UNIÃO - COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL -
APRECIAÇÃO DA LEGALIDADE DE ATO CONCESSIVO DE
APOSENTADORIA - POSSIBILIDADE DE CONVERSÃO DO
JULGAMENTO EM DILIGÊNCIA - CARÁTER
NÃO-VINCULANTE DA DELIBERAÇÃO DO TCU - JUIZ
CLASSISTA - PRERROGATIVAS - À QUESTÃO DA SUA
EQUIPARAÇÃO AOS MAGISTRADOS TOGADOS -
AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO A UM MESMO
REGIME JURÍDICO - WRIT DENEGADO. (...) O juiz classista,
em consequência, apenas faz jus aos benefícios e vantagens que
lhe tenham sido expressamente outorgados em legislação
específica. Assiste-lhe o direito de ver computado, para efeito
de gratificação adicional por tempo de serviço, tão-somente o
período em que desempenhou a representação classista nos
órgãos da Justiça do Trabalho, excluído, portanto, desse
computo, o lapso temporal correspondente a atividade
advocatícia. A interpretação dada pelo Supremo Tribunal
Federal, no julgamento da Rp. nº 1.490-DF, ao art. 65, VIII, da
LOMAN e ao art. 1. do Decreto-lei nº 2.019/79 concerne,
estritamente, aos magistrados togados”.

Pelos motivos acima elencados, deve permanecer incólume o


acórdão recorrido, que aplicou a legislação em vigor à época da
aposentadoria do servidor, tal como disciplina a jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal (Súmula 359/STF).
No que se refere à alegação de incidência ao caso do art. 103, § 1º, da
Lei 8.112/90, com fins à supressão do período ficto contabilizado pelo
tempo transcorrido desde o ato de aposentadoria até a decisão que o
reputou ilegal, resta improcedente o pedido. Eis a redação do referido
dispositivo:
“Art. 103. Contar-se-á apenas para efeito de aposentadoria
e disponibilidade:
(…)
§ 1º O tempo em que o servidor esteve aposentado será
contado apenas para nova aposentadoria”.

Destaco que esta Corte já firmou entendimento no sentido de que a


aposentadoria é ato complexo, que se perfectibiliza após registro pelo
Tribunal de Contas. Nesse sentido: MS 26.132-AgR, Rel. Min. Dias Toffoli,
Segunda Turma, Dje 1º.12.2016; MS 33.561-AgR, Rel. Min. Luiz Fux,
Primeira Turma, Dje 7.11.2016; e MS 27.628-AgR, Rel. Min. Rosa Weber,
Primeira Turma, Dje 6.11.2015.
Assim, negado o registro à inatividade pela Corte de Contas, sequer
se constituiu, perfeitamente, o ato de aposentação, a justificar sua
contagem do tempo para a nova aposentadoria, nos termos do art. 103, §
1º, da Lei 8.112/90.
Ante o exposto, denego a segurança (art. 205 c/c 21, § 1º, do RISTF).

Publique-se.
Brasília, 21 de março de 2017.

Ministro G
​ ilmar Mendes
Relator
Documento assinado digitalmente

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