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ENCONTRO DE ESTUDOS

TERRORISMO
Presidente da República
Luiz Inácio Lula da Silva

Vice-Presidente da República
José Alencar Gomes da Silva

Ministro-Chefe do Gabinete de Segurança Institucional


Jorge Armando Felix

Secretário de Acompanhamento e Estudos Institucionais


José Alberto Cunha Couto
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA
GABINETE DE SEGURANÇA INSTITUCIONAL
SECRETARIA DE ACOMPANHAMENTO E ESTUDOS INSTITUCIONAIS

ENCONTRO DE ESTUDOS
TERRORISMO

Brasília
2006
Edição: Secretaria de Acompanhamento e Estudos Institucionais
Endereço para correspondência:
Praça dos Três Poderes
Palácio do Planalto, 4° andar, sala 130
Brasília - DF
CEP 70150 - 900
Telefone: (61) 3411 1374
Fax: (61) 3411 1297
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Criação e editoração eletrônica: CT Comunicação Ltda


Impressão: Gráfica da Agência Brasileira de Inteligência

A presente publicação expressa a opinião dos autores dos textos e não


reflete, necessariamente, a posição do Gabinete de Segurança Institucional.

Catalogação feita pela Biblioteca da Presidência da República

E56 E n c o n t r o d e E s t u d o s : T e r r o r i s m o ( B r a s í l i a : 2 0 0 5 ) .
Encontro de Estudos:Terrorismo. Brasília: Presidência da República,
Gabinete de Segurança Institucional, Secretaria de Acompanhamento e
Estudos Institucionais, 2006.
180 p.

1.Terrorismo. 2.Faces do Terrorismo. 3. Resposta às Ações Terroristas.


I. Título II. Presidência da República.

CDD –341.26
Sumário
I
Apresentação .................................................................................................... 07

II
Exposição Inicial: Possíveis implicações econômicas de ações terroristas

Embaixador Rubens Ricupero


Fundação Armando Álvares Penteado........................................................ 11

III
As múltiplas faces do terrorismo e a probabilidade de ocorrência de
atentados no Brasil

Professor Francisco Carlos Teixeira Da Silva


Universidade Federal do Rio de Janeiro........................................................ 29
Professor Salvador Raza
Faculdades de Campinas............................................................................... 41

IV
Medidas preventivas e de combate ao terrorismo implementadas nos
fóruns internacionais e possíveis implicações para o Brasil

Professor Anselmo Páschoa


Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro..................................... 65
Professor Leonardo Nemer Caldeira Brant
Universidade Federal de Minas Gerais........................................................... 74

V
Terrorismo no Brasil: prevenção e combate

Dr. Carlos Augusto Canêdo Gonçalves da Silva


Procuradoria-Geral de Minas Gerais.............................................................. 91
General-de-Brigada Marco Aurélio Costa Vieira
Comando do Exército...................................................................................... 108
Delegado Daniel Lorenz de Azevedo
Polícia Federal................................................................................................... 120
Capitão-de-Mar-e-Guerra Waltercio José de Queiroz Seixas
Comando da Marinha..................................................................................... 127

VI
Artigo: O Terrorismo de Massas na Nova Ordem Mundial
Professor Francisco Carlos Teixeira Da Silva
Universidade Federal do Rio de Janeiro........................................................ 141
APRESENTAÇÃO
Terrorismo

O Encontro de Estudos Terrorismo, promovido pela Secretaria


de Acompanhamento e Estudos Institucionais do Gabinete de
Segurança Institucional da Presidência da República, foi realizado
no dia 28 de setembro de 2005, no Auditório de Videodifusão do
Palácio do Planalto.
O Encontro teve como objetivo principal discutir questões
relacionadas à segurança no que se refere às possíveis ações terroristas
no Brasil. Além da exposição inicial, feita pelo Embaixador Rubens
Ricupero, foram apresentados três painéis que trataram de subtemas
relacionados ao tema Terrorismo.
Os palestrantes foram: Embaixador Rubens Ricupero, da
Faculdade de Economia da Fundação Armando Álvares Penteado;
Professor Francisco Carlos Teixeira Da Silva, da Universidade
Federal do Rio de Janeiro; Professor Salvador Raza, da Faculdades
de Campinas; Professor Anselmo Páschoa, da Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro; Professor Leonardo Nemer Caldeira
Brant, da Universidade Federal de Minas Gerais; Doutor Carlos
Augusto Canêdo Gonçalves da Silva, da Procuradoria-Geral de
Minas Gerais; General-de-Brigada Marco Aurélio Costa Vieira,
do Comando do Exército; Delegado Daniel Lorenz de Azevedo,
da Polícia Federal; e Capitão-de-Mar-e-Guerra Waltercio José de
Queiroz Seixas, do Comando da Marinha. Participaram, ainda,
do Encontro representantes de diversos órgãos governamentais,
acadêmicos e instituições não-governamentais.
O General Felix proferiu as palavras de abertura do Encontro.
Iniciou tecendo comentários acerca da preocupação com segurança
nacional, o que justifica o tema do Encontro. Dentre os subtemas
discutidos no Encontro, ele destacou as possíveis ações de contra-
terrorismo.


Terrorismo

O General Felix mencionou o fato de a Câmara de Relações


Exteriores e Defesa Nacional ter proposto, para a chamada biodefesa,
a criação de um laboratório de biossegurança de nível quatro, que
será o primeiro da América do Sul. Ele destacou a presença de
representantes de diversos órgãos que se preocupam com o tema
Terrorismo, tais como Ministério das Relações Exteriores, Polícia
Federal, a Agência Brasileira de Inteligência e Gabinete de Segurança
Institucional, dentre outros.
O General Felix encerrou sua apresentação mencionando a
questão da idéia da prospectiva, segundo a qual, se não podemos,
exatamente, prever o futuro, pelo menos temos a obrigação de
caracterizar os chamados fatos portadores de futuro, e tentar moldá-
los, de modo que o futuro seja aquele que mais nos interessa.

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Exposição Inicial: Possíveis implicações
econômicas de ações terroristas

Embaixador Rubens Ricupero

Fundação Armando Álvares Penteado


Terrorismo

O Embaixador Ricupero iniciou sua fala ressaltando que a


escolha do tema do Encontro não poderia ter sido mais oportuna,
dada a importância que tem sido atribuída à questão do terrorismo
internacional, que é, praticamente, o tema central da agenda
internacional. O recente Encontro de Cúpula, que ocorreu em Nova
York e reuniu mais de 150 Chefes de Estado, teve como questão crucial
o combate ao terrorismo internacional. Este tema e a preocupação
com a questão da não-proliferação de armas de destruição em massa,
que também constitui outro assunto apresentado por potências como
os Estados Unidos e Grã-Bretanha, são temas que parecem constituir
as duas grandes novas ameaças globais. Entretanto, mesmo a matéria
da não-proliferação é vista sob o ângulo do perigo de que uma arma
de destruição em massa possa cair em mãos de grupos terroristas e
venha a ser utilizada como instrumento de ações do campo.
Este tema já não é mais tratado como em 1967, quando se
assinou o Tratado de Não-Proliferação Nuclear e que a ótica era,
sobretudo, o perigo para os Estados. Atualmente, o perigo maior
parece ser o de que isso venha, algum dia, se constituir uma arma
no arsenal terrorista, com conseqüências incalculáveis, pois como
se sabe, a grande limitação que o terrorismo sempre teve é o fato de
que, embora o impacto dos ataques no momento seja muito grande,
ele nunca dominou armas suficientemente destrutivas para fazer
com o que este impacto fosse decisivo. E, justamente, pelo fato de o
terrorismo não ser capaz de aniquilar o adversário, é que ele sempre
foi definido como um tipo de ação que provoca uma contra-reação
muito mais forte. Porém, este quadro poderia mudar caso, um dia, o
terrorismo mudasse de qualidade, passando a ter o domínio de armas
de um poder destrutivo que, atualmente, ainda não comporta.
Para mostrar como esta é, de fato, uma preocupação central
das Nações Unidas, o Embaixador Rubens Ricupero mencionou

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Terrorismo

que ocupou, durante nove anos, o cargo de Secretário-Geral da


Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento,
e, também, Representante Permanente das Nações Unidas em
Genebra, ocasião em que pode observar como este tema passou a
dominar a agenda de discussões.
Segundo o Embaixador, o Secretário-Geral das Nações Unidas,
Kofi Annan, afirma, em um artigo publicado no dia 19 de setembro
de 2005 que, de fato, o Encontro das Nações Unidas não chegou
a um consenso sobre uma definição jurídica de Terrorismo, como
ele desejava, e que havia proposto em seu relatório. Entretanto, o
Secretário destacou que este documento, chamado de Documento
de Resultados, acordado por todos os Estados-membros, contém,
pela primeira vez na história das Nações Unidas, uma condenação
ao Terrorismo, em todas as suas formas e manifestações, cometido
por quem quer que seja, onde quer que seja e por qualquer propósito
que seja. Uma condenação absoluta e sem exceções, portanto.
Segundo o Embaixador, além dessa condenação clara, que não
chega a ser propriamente a definição jurídica, houve um acordo para
que, nos próximos 12 meses, se conclua uma Convenção abrangente
sobre o Terrorismo. Trata-se de uma Convenção internacional com
força de lei e que se tornará parte da legislação interna dos Estados,
inclusive da própria legislação do Brasil.
Mencionou, ainda, que neste Encontro da Organização
das Nações Unidas (ONU) houve um acordo para forjar uma
estratégia global contra o terrorismo, abrangendo, portanto, toda a
comunidade internacional e que, cada país, deveria contribuir para
o desenvolvimento desta estratégia.
O Embaixador afirmou ter citado as palavras do Secretário
da ONU pelo fato de não saber se os brasileiros estão conscientes

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Terrorismo

de que o Brasil está às vésperas de concluir uma negociação e de


iniciar a elaboração de uma estratégia que certamente envolverá,
mais especificamente, um órgão que possa coordenar estes esforços.
Segundo ele, caso o Brasil não queira participar desta negociação de
uma forma passiva e, simplesmente, opte por importar o que outros
países apresentem como contribuição, de acordo com a perspectiva
destes, que embora legítima, pode não coincidir com a nossa, se o
país não quiser agir desta maneira, terá de preparar suas próprias
propostas. O Embaixador questiona se o país já tem clareza desta
questão, visto que ela extrapola o âmbito apenas da chancelaria.
No que tange ao tema Terrorismo, três perguntas devem ser
consideradas: qual é a definição do terrorismo? Qual é a Convenção
que gostaríamos de ter? E qual é a estratégia global antiterrorista que
gostaríamos que o Brasil ajudasse a criar? Segundo o Embaixador,
a dificuldade da definição é que há países, sobretudo ligados à área
do Oriente Médio, que relutam em condenar toda a forma de luta
armada, pelo fato de ser interesse deles a exclusão dos chamados
combatentes pela liberdade, bem como as guerrilhas em países como
a Palestina, além do uso do terrorismo pelos grupos mais débeis, os
quais não são levados a sério dentro de um processo institucionalizado
de mudança do status quo.
Apesar desta relutância, a definição de terrorismo está ganhando
corpo, visto que ela já estava presente no relatório do Secretário-Geral,
datado de março do corrente ano, e cujo título é “Uma liberdade mais
ampla em direção ao desenvolvimento, segurança e direitos humanos
para todos”. Este relatório, que foi a base do Encontro de Cúpula, foi
inspirado na Comissão de Alto Nível que o Secretário-Geral nomeou e
que tinha como membro o Embaixador Baena Soares, representante do
Brasil. Esta Comissão tratava de assuntos relativos aos novos desafios,
ameaças globais e mudança.

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Terrorismo

O palestrante leu a sugestão de definição de terrorismo, feita neste


documento da Comissão: “qualquer ato que vise causar a morte ou
danos corporais graves a civis ou não combatentes, com o objetivo de
intimidar uma população ou obrigar um governo ou uma organização
internacional a praticar ou abster-se de praticar um ato, constitui
uma forma de terrorismo”. Esta, portanto, é a definição proposta para
terrorismo e que serviria como base da Convenção que se quer negociar.
O palestrante reiterou que ainda não há consenso quanto a esta definição,
tendo em vista as situações como as que se encontram nos países do
Oriente Médio, sobretudo a falta de uma solução negociada entre Israel
e os Palestinos.
No que tange aos possíveis impactos em termos econômicos,
segundo o Embaixador Rubens Ricupero, o impacto econômico, no
passado, não era uma motivação muito relevante dos atos terroristas, pois
ao se considerar, por exemplo, o que foi no Ocidente, tanto na Europa como
nos Estados Unidos, no fim do século XVIII e no começo do século XX,
a ofensiva do Anarquismo e do Niilismo, fica claro que, naquela época,
estas ações visavam, sobretudo, o efeito do grande impacto psicológico,
do grande choque. Uma das teorias que estava por trás do terror era a
idéia de que através do terror e do contra-terror era possível mobilizar
as massas oprimidas contra a opressão, e uma das armas preferidas era o
assassinato de chefes de Estado. Houve um período em que os anarquistas
lograram realizar, em um curto espaço de tempo, grandes atentados. Um
exemplo é o assassinato da Imperatriz Elizabeth da Áustria, o assassinato
do Presidente Carnot da França, o assassinato do rei da Iugoslávia, do
rei da Itália, dentre outros. Houve, portanto, diversos atentados que se
concentraram em um curto espaço de tempo e que chegaram a criar, na
mentalidade ocidental, um terror ao anarquismo, semelhantemente ao que
hoje existe em relação à Al Quaeda. Na ocasião, havia uma tendência de
se verem anarquistas e comunistas por todos os lados.

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Terrorismo

Apesar da atuação do Anarquismo, naquela época não havia uma


preocupação motivada pela economia. Entretanto, o atentado de 11 de
setembro de 2001 não foi, exclusivamente, motivado por considerações
econômicas, tendo em vista que ele atingiu o Pentágono, e havia, talvez,
planos de atingir o Congresso e a Casa Branca. Porém, o mais espetacular
deste atentado foi que ele atingiu o quarteirão da Bolsa de Nova York,
atingiu, intencionalmente, o coração do capitalismo global, pois eles
escolheram o World Trade Center com a intenção de desfechar um
golpe simbólico que fosse direto ao coração do capitalismo global. Não
há duvidas de que, naquele momento, eles quase conseguiram balançar
a economia global, pelo menos por uns dias, pois após os atentados,
as autoridades financeiras americanas fecharam os mercados durante
vários dias e, neste espaço de tempo, foi montada uma das operações
mais eficientes da história da coordenação econômica em nível mundial.
Até hoje resta por contar a história dessa coordenação que pouco foi
revelada, mas durante estes poucos dias em que as Bolsas ficaram
fechadas, o Federal Reserve e o seu presidente, Allan Greenspan,
discretamente, e sem nenhuma publicação nos jornais, coordenaram
uma ação coletiva, simultânea, de todos os Bancos Centrais dos países
mais importantes do mundo, de uma baixa significativa das taxas de
juros e, ao mesmo tempo, de uma injeção de recursos na economia de
trilhões de dólares. Não se sabe, até hoje, qual foi a quantia injetada
na economia ocidental, sabe-se apenas que foi uma quantia colossal
nos primeiros dias, pois a idéia era não permitir que, no momento da
reabertura da bolsa, houvesse uma escassez de finanças que pudesse
levar a um colapso das cotações, visto se saber que, na abertura, haveria
um movimento de baixa, mas era preciso irrigar o mercado financeiro
de tal forma que qualquer tentativa de baixa fosse afogada em um mar
de dinheiro. E foi exatamente o que aconteceu, visto que, em poucos
dias, a Bolsa se pôs em marcha, novamente.

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Terrorismo

Esta coordenação continuou nas semanas seguintes ao atentado


de 11 de setembro, já que, logo depois, foi realizado um excelente
trabalho a fim de apertar os controles da circulação de recursos
financeiros. Aqui no Brasil, montou-se uma escala planetária com
um sistema para tentar chegar, tão longe quanto possível, à origem
dos recursos financeiros que estão na raiz do custeio das operações
terroristas. Somente não se chegou aos extremos porque houve um
momento em que a própria comunidade financeira e bancária, nos
Estados Unidos e na Inglaterra, começou a reagir com medo de
que isso pudesse abalar os mercados, e que criasse teias excessivas
na liberdade das operações financeiras. Por isso é que os paraísos
fiscais, por exemplo, não foram inteiramente domesticados como
se esperava. Houve um momento em que, no fundo, os próprios
tesouros da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos preferiram limitar
esses movimentos.
No que se refere ao balanço desse impacto econômico, o
Embaixador Rubens Ricupero afirmou que, embora não se possa
negar que, a despeito dos outros atentados que sucederam o 11 de
setembro, como o atentado em Madri, por exemplo, e das críticas de
que estamos vivendo um período chamado por alguns de economia
de guerra, visto que não faltaram as comparações de que a luta contra
o terrorismo é como uma terceira guerra mundial, a despeito disso,
tivemos alguns dos melhores anos na economia mundial. No ano do
atentado terrorista, 2001, os Estados Unidos conheceram, no final do
ano, depois do atentado, uma pequena recessão de curta duração, e
está provado que esta recessão já havia começado em março, portanto,
seis meses antes do atentado e que ela teve origem na política de juros
e na reação ao pânico do ano 2000, quando se esperava que houvesse
um grande problema com os computadores e não houve, e ela teve
origem ainda no primeiro aumento do petróleo. Portanto, todos

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Terrorismo

estes fatos eram anteriores aos atentados terroristas. Os atentados,


evidentemente, tiveram um impacto no desencadeamento da recessão.
Embora não se possa quantificar, precisamente, de quanto foi este
impacto, seguramente ele ocorreu.
A verdade é que este impacto não foi duradouro, e isso se
deu, em parte, pela atuação do Federal Reserve, que vem tendo
um desempenho magistral desde que o Allan Greenspan assumiu a
presidência. Ainda na época do Presidente Reagan, nos anos 80, o
Federal Reserve já tinha um desempenho extraordinário em conciliar
os objetivos que fazem parte do seu mandato, como a estabilidade de
preço, portanto, o combate à inflação com crescimento econômico e
com a geração de empregos. Eles têm obtido um êxito extraordinário,
enquanto nenhum outro Banco Central no mundo tem tido resultados
comparáveis.Temerosos do impacto do atentado de 11 de setembro,
eles se esmeraram ainda mais no ano de 2002, que é considerado
um ano de recuperação; em 2003, a recuperação se consolidou; e o
ano de 2004 foi um dos melhores da economia mundial em 30 anos.
No último ano, para se ter uma idéia de escala de grandeza, somente
os Estados Unidos, que é a maior economia do mundo, tiveram um
crescimento equivalente ao tamanho da economia brasileira.
A economia mundial está crescendo a mais de 4%, de modo que
o terrorismo não teve a capacidade de retê-la, o que leva a maioria
dos estudiosos do assunto à conclusão de que o impacto maior, do
ponto de vista do terrorismo, não é macroeconômico, mas setorial,
isto é, certos setores da economia sofrem este impacto de uma maneira
mais direta. O transporte aéreo, por exemplo, entrou em crise no
mundo inteiro, assim como a indústria de turismo e a indústria de
seguros, dentre outros. Dessa maneira, observa-se que, setorialmente,
há áreas da economia que respondem, quase de maneira imediata,
ao impacto das ações terroristas. Porém, em uma grande economia

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Terrorismo

como a americana, que tem essa capacidade de resposta revelada


pelo Federal Reserve, o impacto se dilui, não porque, teoricamente,
ele não tivesse o potencial de criar, mas porque ele encontrou, do
outro lado, o que estamos querendo desenvolver aqui no Brasil,
uma capacidade de gerir, de reagir a isso, pois o real problema do
desenvolvimento se resume à capacidade de gerir sociedades cada
vez mais concretas. Um país plenamente desenvolvido não é só o país
mais rico, mais próspero, mas é, sobretudo, um país capaz de gerir
bem, tanto uma ameaça terrorista quanto uma ameaça ambiental, ou
um problema de direitos humanos; é, portanto, a capacidade de gerir
sociedades onde tudo se entrelaça, e a sociedade americana provou,
neste episódio do impacto de 2001, que ela foi capaz, graças à ação
do Federal Reserve, de gerir a economia, de forma que neutralizou
aquilo que se buscava alcançar com o ataque terrorista.
De acordo com o Embaixador, em termos macro, não é muito
fácil medir, com precisão, qual é o impacto do terrorismo, visto
que há muitas variáveis que são afetadas pelo terrorismo, as quais
nem sempre se consegue distinguir perfeitamente, de uma forma
desagregada, nas estatísticas. Por exemplo, é obvio que, de todos os
impactos que o terrorismo tem tido, um dos mais apreciáveis é o caso
do petróleo. Ele disse não estar afirmando que o enorme aumento do
petróleo se deva, exclusivamente, ou principalmente, á ação terrorista,
entretanto, há certo consenso entre os especialistas de energia de
que a razão principal para este aumento é o descolamento entre a
demanda e a oferta. A demanda está chegando a 83 milhões de barris
diários de consumo, principalmente devido à explosão de consumo
na China, e no futuro na Índia, que tem potencial de crescer, em
termos de demanda de petróleo, mais do que a China. Dessa maneira,
a demanda é muito grande e a oferta não cresceu pelo fato de que
os preços baixos do petróleo, nos últimos cinco anos, fizeram com o

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Terrorismo

que houvesse relativamente pouco investimento. Porém, a situação


tem se invertido, visto que, atualmente, 95% das sondas de petróleo
estão plenamente ocupadas e não há nenhum geólogo de petróleo
que não seja empregado antes de terminar o curso.
Não obstante a este fato, não escapa a ninguém que um
dos fatores que vêm afetando o aumento do barril do petróleo é a
presença do risco terrorista. Isso ficou bastante claro, por exemplo,
no caso da invasão do Iraque, em 2003, ocasião em que houve um
aumento do preço do petróleo; fica claro, também, a cada grande
atentado na Arábia Saudita, e a Al Quaeda sabe disso, uma vez que
eles estão se concentrando nestas áreas. Portanto, embora seja difícil
saber, exatamente, quando será aumentado o preço do petróleo,
não há dúvida de que alguma coisa se deve ao terrorismo, fato que
sugere uma vulnerabilidade brasileira, pois estamos conscientes da
característica da exploração de petróleo no Brasil.
O palestrante destacou que, ao se falar em impacto
macroeconômico do terrorismo, é preciso ter em mente que alguns
destes impactos são de difícil quantificação. Um exemplo deste
fato, embora poucos tenham conhecimento, pois quase não tem
sido comentado na literatura que trata de terrorismo mundial, é que
a grande fronteira do consumo de energia limpa é o gás natural e o
grande mercado de gás natural são os Estados Unidos. Entretanto, o
maior problema do gás, ao contrário do petróleo, é a dificuldade de
transporte. O petróleo, em qualquer lugar que se encontre, pode ser
posto em um barril e ser transportado. O gás, por sua vez, exige ou
gasodutos muito longos, como o que a Rússia está fazendo, orçado
em US$ 5,7 bilhões e que, para evitar a Polônia, passará pelo Báltico,
ou o GNL (Gás Natural Liquefeito), sistema pelo qual se comprime
o gás em temperaturas baixíssimas; o gás se liquidifica e passa a
ser transportado em navios tanques, cuja chave da operação são os

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Terrorismo

terminais portuários para gaseificar, novamente, a substância que


está sob forma líquida e que tem de ser aquecida em uma operação
simples: com calor se aquece o que volta a ser gás e só então ele
entra nos gasodutos.
Atualmente, o grande fator limitativo do gás é o número reduzido
de terminais de GNL. Nos Estados Unidos, há somente quatro terminais,
todos já bastante antigos, que estão localizados no Golfo do México,
em Maryland, em Massachussets e na Geórgia. Existe um processo de
licenciamento de 50 terminais nos Estados Unidos, mas já se sabe que
desses 50, apenas poucos serão construídos, pelo fato de a população
temer um ataque terrorista, embora seja muito difícil destruir um terminal
de um porto industrializado. A resistência das populações é tanta que na
Califórnia, o grande mercado consumidor, nem se cogita a hipótese de se
construir um terminal de GNL. Pode-se observar, portanto, que é muito
difícil quantificar o dano econômico desta atitude da população, pois se
trata de uma oportunidade que se perde e que poderia tornar a economia
americana muito mais eficiente. É impossível, entretanto, negar que esta
atitude e estes danos estejam ligados ao terrorismo, estejam vinculados
ao impacto econômico do terrorismo.
O palestrante mencionou o fato de ter havido muito receio,
quando ocorreu o primeiro impacto do terrorismo, de que talvez a maior
vítima econômica, e até mesmo a política do terrorismo, fosse a idéia da
globalização. Esta preocupação se justifica pelo fato de a globalização,
um fenômeno que possui 50 ou 60 definições diferentes, não ser apenas
um processo econômico, antes, ela tem um componente econômico muito
importante, que é a unificação dos mercados em escala planetária. Com a
globalização, os mercados deixam de ser nacionais e o ideal é que algum
dia haja um só mercado, onde não haja barreira para o intercâmbio de
mercadorias, de serviços, para o livre fluxo de crédito, de empréstimos,
de investimentos, enfim, que tudo fluísse livremente. É evidente que os

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Terrorismo

maiores advogados desse tipo de mercado livre nunca incluem, no mesmo,


o livre fluxo de trabalhadores, nem o livre fluxo de tecnologia, questões
estas que representam exceções sérias neste conceito. O sonho, portanto,
dos globalistas ou globalizantes é um mercado totalmente unificado.
Entretanto, esta idéia de um mercado sem barreira implica o conceito
de que as fronteiras continuam mas passam a ser irrelevantes. É por isso
que muitos dos teóricos da globalização afirmam que a globalização
não é definida pelo aumento enorme das transações a crossborder, de
um lado a outro, cruzando a fronteira, mas o over transborder, isto é,
pulando a fronteira como se ela não existisse. Um exemplo mais claro
deste tipo de operação é o uso da internet para o e-commerce. Nos dias
atuais, é perfeitamente possível a uma pessoa que esteja no Brasil, com
um computador, concluir todas as operações básicas que subdividem
uma transação comercial. Por exemplo, é possível importar da Índia um
serviço ou um bem intangível, como seria um programa de software,
por exemplo, ou um programa arquitetônico para construir um hospital,
ou um estudo de consultoria, enfim, tudo o que é intangível, que não
é mercadoria sólida. A pessoa interessada pode combinar, na Índia,
as características do projeto, além do preço, e pode ainda concluir a
negociação, assinar um contrato com uma assinatura secreta e receber o
download do programa todo no computador, sem que a Receita Federal
seja ouvida. É possível, ainda, mandar pagar o serviço em um paraíso
fiscal, é comum se fazer este tipo de operação não só no Brasil, mas no
mundo inteiro. Dessa maneira, todas as operações que antes caíam sob a
vigilância das autoridades territoriais, hoje, tornam-se de fácil conclusão,
como se as fronteiras não existissem.
Era esta a idéia vigente até 2001, quando passou a ocorrer uma
das grandes transformações mentais, segundo a qual esta ausência de
barreiras não é tão boa, pois pode, tanto levar a objetivos pacíficos, como
a uma operação terrorista. Aquele tipo de mentalidade, predominante

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Terrorismo

antes de 2001 e cuja tendência era a de que cada vez mais as fronteiras
fossem abolidas, sofreu, se não um retrocesso, pelo menos uma paralisia
temporária. Este fato pode ser comprovado, claramente, nos riscos e
nas dificuldades que é ir aos Estados Unidos, atualmente. Sendo assim,
embora a globalização não tenha acabado e nem tão pouco acabe, já que
temos a revolução tecnológica das telecomunicações, dos computadores,
dentre outras, atualmente, estas preocupações de segurança começam a
“jogar areia na engrenagem”, quer dizer, estas coisas são grãos de areia
que estão sendo colocados na engrenagem, e um destes grãos de areia é
a questão dos custos de transação. Um exemplo destas dificuldades que
estão sendo impostas é o fato de os americanos estarem, gradualmente,
se movendo em direção a uma decisão de que, no futuro, eles só
permitirão a entrada livre da mercadoria importada que tenha sido
inspecionada por inspetores de alfândega americanos antes de sair do
porto de exportação. Os americanos já credenciaram 20 megaportos,
porém, nenhum na América Latina, pelo menos não América do Sul.
Atualmente, nos portos europeus como Roterdã e Cingapura, um dos
maiores portos do mundo, já há fiscais americanos que inspecionam
os contêineres antes destes saírem do porto de origem e, segundo eles,
os países que não aceitarem esta condição terão que se submeter a
um processo muito mais complicado. Embora esses países não sejam
impedidos de exportar, terão de fazê-lo de uma maneira tão complicada e
tão cara que haverá um diferencial de competitividade. Este é, portanto,
um dos problemas que estão sendo discutidos - os custos de transação,
em razão do próprio comércio mundial.
O Embaixador Rubens Ricupero finalizou sua fala destacando
que esta questão não é só complexa, mas iminente, e não se trata de
uma questão para debates acadêmicos, antes, segundo ele, estamos
vendo que se não despertarmos para isso, teremos problemas concretos
no futuro, independentemente da chance de o Brasil mesmo ser alvo,

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Terrorismo

em razão do petróleo, por exemplo, já que o país está em vias de se


tornar um exportador líquido de petróleo, pois a Petrobrás tem planos
para, talvez em sete anos, exportar um milhão de barris por dia, sendo
500 mil do Brasil e 500 mil de fora, como do Golfo do México, por
exemplo. Caso esta previsão seja confirmada, o Brasil se tornará um
país importante no mapa do petróleo mundial. E não escapa a ninguém
que esta situação abre uma vulnerabilidade, visto que o nosso petróleo é
quase todo offshore. Ele disse ainda que, ao longo de sua apresentação,
procurou mostrar o caráter imediato dessa preocupação e que deseja que
este Encontro seja seguido de outros para que, assim, se possa enfocar
três importantes objetivos: a definição de terrorismo, a Convenção e
uma grande estratégia global.

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Terrorismo

As múltiplas faces do terrorismo e a


probabilidade de ocorrência de
atentados no Brasil

Professor Francisco Carlos Teixeira Da Silva


Universidade Federal do Rio de Janeiro

Professor Salvador Raza


Faculdades de Campinas

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Terrorismo

Professor Francisco Carlos Teixeira da Silva

O professor Francisco apresentou algumas preocupações acerca


do tema discutido no Encontro e uma possibilidade de enquadramento
da discussão sobre terrorismo em uma moldura de escala planetária.
A idéia central, apresentada em seu discurso, é de que a geopolítica,
decorrente da vitória aliada em 1945, foi superada. A Guerra Fria, ou
o sistema de bipolaridade que existia, para uns até 1985 e para outros
até 1991, foi, claramente, superada e com ela superada a inversão
dialética da máxima clausewitziana de que conhecemos a guerra e a
continuidade da política por outros meios. Na Guerra Fria, porém, a
política é a continuidade da guerra, já que a guerra, em si, é impossível.
Seguindo ainda uma máxima de Clausewitz, a guerra se caracteriza
por obrigar o adversário a aceitar as condições do outro, e ninguém
aceitaria condições de ninguém após uma guerra nuclear total.
Essa máxima clausewitziniana, que manteve uma paralisia
estratégica entre as duas grandes potências, é superada, em 1985
ou, apenas, em 1991. Neste período, figurava no centro do sistema
um modelo de aguda rivalidade, mas não guerra aberta, desde as
Olimpíadas até a corrida espacial. A guerra aberta figurava na periferia,
onde isso poderia ser feito inclusive por forças interpostas. Esta
geopolítica morreu e não adianta voltar a ela, visto que, agora, ela se
constitui um debate para história.
Neste contexto, temos uma nova ordem mundial. É famoso o
discurso, já em 1991, do ex-presidente Bush, pai do atual presidente
dos Estados Unidos, anunciando que a Guerra Fria havia acabado e
que os Estados Unidos tinham vencido. Com certeza, foi uma vitória
planetária do capitalismo, uma universalização das formas liberais
representativas como modelo básico de organização política das

29
Terrorismo

sociedades, e uma crise dos modelos desenvolvimentistas em suas


mais amplas variações, do estatismo, do Estado de bem-estar social.
Em se tratando deste último ponto, é interessante destacar que, no
ocidente também desmorona um modelo político e social importante,
o Estado de bem-estar social, que fica sob crise a partir do momento
em que a justificativa dele desaparece, quando desaparece também a
Guerra Fria. Além disso, há a imposição de um conceito de democracia
e de direitos humanos, gerado no coração do ocidente, nas revoluções
americana e francesa, que acabam se tornando, pelo menos para o
ocidente, um paradigma a ser perseguido em escala planetária.
Há uma nova ordem mundial, um modelo de globalização,
informatização de todos os setores de atividades, globalização
generalizada com novas tecnologias de alcance planetário, isto é,
tecnologias de trocas materiais e imateriais, em larga escala, além de
novos conceitos sobre o Estado-Nação, mais especificamente a questão
da manutenção da soberania, das fronteiras do território, a idéia de
uma representação popular, por fim, um choque, com critérios que
começam a surgir dentro do próprio ocidente. Noções onde carisma,
ações populistas e mesmo messianistas começam a se desenvolver,
claramente, no interior desse ocidente.
Ainda neste cenário, anuncia-se o fim dos grandes conflitos
armados, isto é, democracias não fazem guerra entre si. Surge também
um novo ordenamento jurídico mundial, no qual a Organização das
Nações Unidas, juntamente com os tratados multilaterais de Kyoto, o
tribunal penal, o banimento de determinados tipos de armas, o controle,
por exemplo, da criminalidade, do trabalho infantil, ou mesmo do
uso militar de crianças e adolescentes, procura criar um ordenamento
jurídico que daria forma a algo que se aproxime de uma governança
mundial. Esta situação se aplica mais especificamente ao Governo de
Bush pai e aos dois Governos Clinton.

30
Terrorismo

Entretanto, se olharmos o mapa, veremos que as coisas não


ocorreram exatamente assim, pois mesmo a partir de 1991, com o
anúncio do fim da história e do fim dos grandes conflitos, um mapa
consegue mostrar a manutenção, ou pelo menos a persistência dos
grandes conflitos armados, tanto interestatais quanto intra-estatais
e, muito possivelmente, com grandes violências e brutalidades de
massa, como genocídios na Iugoslávia, em Ruanda, ou, atualmente,
em Dafur, no Sudão. Há, portanto, “alguma coisa fora de ordem na
nova ordem mundial”, como queria dizer Caetano Veloso.
O próprio pensamento estratégico americano anuncia,
claramente, esta falta de ordem na nova ordem mundial, quando o
Assessor de Segurança Nacional do Governo Carter, enuncia a tese
do Ato das Crises, mostrando que o recuo da União Soviética havia
causado um vazio de poder que ameaçava, largamente, a estabilidade
mundial. Fica claro, portanto, que a nova ordem mundial, por mais
que se queira que ela seja baseada em um ordenamento harmônico
cooperativo, continua sendo um sistema de poder e um sistema de
poder instável entre potências. Por se tratar de um sistema de poder, a
força, ou pelo menos o emprego da força, é um dado que tem que ser
considerado, mesmo que seja apenas para efeito de demonstração, além
disso, trata-se de um sistema de poder instável entre potências.
Ainda em se tratando da ordem mundial, nela vige um Estado
de natureza, retornando a Hobbes, em imposição ao Estado de direito,
pois embora órgãos como a Liga das Nações e a ONU existam desde
1919 e 1945, respectivamente, é claro que não têm sido suficientes
para colocar nações mais fracas a resguardo de ações violentas, como
ocorreu entre os anos de 1919 e 1939, com a China frente ao Japão,
a Etiópia frente à Itália e a Polônia frente à Alemanha nazista. Após
1945, continuaram a ocorrer ataques graves à soberania e à defesa
dos países, seja no nosso hemisfério, seja em outro. Além disso,

31
Terrorismo

populações continuaram sendo massacradas no Camboja, em Ruanda,


em Kosovo, na Bósnia, dentre outros lugares.
Uma nova ordem mundial também procura o equilíbrio, porém,
este equilíbrio é procurado pelo diretório de potências dominantes e o
equilíbrio de interesse desse diretório de potências dominantes poderia
ser o interesse do conjunto das nações, mas não necessariamente o
será. Além disso, uma ordem mundial é baseada no ato da força,
visto que mesmo grandes projetos como a Liga das Nações e a ONU
tenham surgido a partir de destruições maciças, quando as propostas
de governança mundial e segurança coletiva vieram no bojo de
guerras globais violentíssimas. A diplomacia e o Direito Internacional
procuram legitimar e dar consistência e condições de convivência a
um ato de força que já se deu nas relações internacionais.
O desequilíbrio, também, é um elemento permanente na
ordem mundial e gera crises. É uma polêmica, também, em relações
internacionais, os fatos que fazem de uma nação uma potência, um
Estado dominante: território, economia, recursos naturais, educação,
capacidade de inovação ou estabilidade das suas instituições.
Entretanto, sabemos que, retirando um ou outro destes aspectos, uma
nação pode desabar, o que abre um período fortíssimo de instabilidade
no sistema internacional, como ocorreu com a União Soviética. No
caso deste país, para alguns, o que deu errado foi a economia, enquanto
que para outros foram as instituições, e para outros a constelação
de todos esses fenômenos. Porém, o certo é que todos os impérios
acabarão. Não existe nação eterna e é exatamente por causa deste
fato que o sistema é instável. É evidente que quem se encontra no top
tentará evitar que outros cheguem ali; a idéia de que estão chegando
os second commerce e que estes desafiam os first commerce que
já estão no top é um elemento fundamental explicativo das crises
internacionais de grande relevância. É nesse sentido que vemos, em

32
Terrorismo

1990, o Tratado de Paris, que põe fim, juridicamente, à Segunda Guerra


mundial, com reconhecimento da soberania alemã, pelo chamado “4 +
2 + 1” (as quatro potências vitoriosas, as duas Alemanhas e a Polônia,
o país que primeiro foi atacado). Este Tratado e a dissolução da União
Soviética, em 1991, marcam o começo desta nova ordem.
Segundo o palestrante, por mais que se deseje afirmar que o fato
ocorrido em 11 de setembro de 2001 seja um fato que marcou a origem
de uma época, não é bem verdade, visto que os elementos da ordem
mundial estão embutidos não em 2001, este ano representa apenas o
ápice de um processo, mas está descrito no primeiro ataque de 1993,
no ataque às embaixadas americanas na África, no ataque ao USS
Code, etc. É, portanto, um elemento, não é um raio em céu azul.
O palestrante destacou que as idéias marcantes nessa ordem
pós 1991 é, em primeiro lugar, uma subversão do próprio Estado de
natureza, que já não era o que gostaríamos que fosse, ou seja, a força
tendo um papel central nas relações internacionais. A partir de 1991,
com a desaparição do terrível equilíbrio entre as duas potências, a
chamada Condição Medessa, mútua destruição assegurada, o que
nós temos é uma hiper-potência, cuja capacidade, o poderio, a força,
a tecnologia e os recursos podem atingir qualquer outra nação, em
escala planetária, sem temer uma represália, nas mesmas condições,
por parte de outras potências. Dessa maneira, o Estado de natureza
não era bem-vindo, não era o que gostaríamos. Entretanto, agora
vivemos um Estado de natureza subvertido pela existência de uma
única hiper-potência, expressão do Chanceler Hubert Védrine, em
escala planetária.
Como reação a este excesso de poder, nações e grupos buscam
equalizadores de poder, criando formas dissuasórias de agir perante
a hiper-potência, com o desenvolvimento de capacidade nuclear,

33
Terrorismo

por exemplo, pela Coréia do Norte ou, pretensamente, o Irã; o


desenvolvimento de ferrões específicos, muito particularmente hoje
a balística, como forma de tentar, minimamente, garantir segurança
perante o enunciado de limitação da soberania de outros países. É
evidente que estas ações, também, serão extrapoladas para grupos,
pois os grupos que consideram seu Estado, nação, ou pelo menos sua
comunidade, incapazes de fazer frente a essa situação de insegurança,
procurarão substituir o Estado-nação com ações diretas contra o que
consideram uma ameaça. Essa situação possui um grau de ineditismo
muito grande, visto que, desde a batalha de Kadesh, em 1275 antes de
Cristo, entre hititas e o Egito faraônico, sempre existiu um sistema de
equilíbrio. No século XIX, a Inglaterra foi muito poderosa, mas uma
aliança entre a Rússia, a França e o Império Alemão seria ameaçador
para a Inglaterra. Atualmente, o problema da completa autonomia
estratégica, recuperada após a Guerra Fria, cria uma situação de
insegurança em larga escala. Esta ordem mundial é, sobretudo,
marcada por uma larga insegurança.
Novos temas foram trazidos para o interior dessa ordem mundial.
Temas como a internacionalização do narcotráfico, as ameaças maciças
aos direitos humanos, as ameaças ecológicas, o novo terrorismo
internacional e o direito de ingerência contra a soberania nacional,
em escalas e valores bastante diferenciados, são elementos básicos
de uma pauta, a partir de 1991. Esse elemento da insegurança se
torna cada vez mais claro a partir de um dos itens, que é o terrorismo
internacional, tema deste Encontro.
O terrorismo ataca, simultaneamente, alvos humanos e infra-
estruturas econômicas, em larga escala. Sendo assim, dada as
características da exploração petrolífera brasileira, há que se tomar
cuidado, visto ser esta uma situação concreta e sobre a qual teremos
de repensar os conceitos de segurança e defesa. Segundo o palestrante,

34
Terrorismo

de fato trata-se de segurança e não adianta criar eufemismos e dizer


que estamos falando de defesa, pois defesa é outra coisa. Estamos
falando de defesa e segurança e não podemos ter medo das palavras,
caso contrário, ficaremos paralisados perante esta situação. Há uma
questão mundial e uma questão nacional de defesa e de segurança
que têm de ser postas com muita clareza.
Em se tratando da emergência do novo terrorismo, esta é uma
temática básica, mas há Estados fora da lei, Estados canalhas que
desobedecem, sistematicamente, o quadro jurídico internacional. Aqui
já começam os grandes problemas: a Coréia do Norte assina acordos
internacionais com grande facilidade; o Marrocos, por exemplo, não
cumpre, há anos, decisões da ONU a respeito da situação do Saara
Ocidental; ou, então Israel, em relação à Palestina. Sendo assim, o
conceito de emergência do novo terrorismo é complicado e pode ter
valor para um grupo de nações, mas pode ser recebido por um outro
grupo com extremo espanto.
Outro problema é a aparição de Estados falidos, Estados que
entraram numa situação de colapso institucional tamanha que não
conseguem mais dar conta das condições mínimas, das prerrogativas
do Estado-nação, como por exemplo, o controle territorial. Hoje,
a Somália, o Iêmen, o Sudão e o Congo estão numa situação de
descontrole real de território, o que abre espaço para que máfias
internacionais e redes transnacionais de vários tipos se instalem no
interior de seus territórios e os usem.
Em se tratando do novo conceito de fronteira, o palestrante
destacou que, na criação do Departamento de Segurança Doméstica
dos Estados Unidos (Homeland Security Department), o então
deputado, depois primeiro Secretário Tom Ridge, enuncia um
conceito de fronteira que é fundamental para nós e o qual devemos

35
Terrorismo

compreender, claramente, a fim de que seja possível trabalharmos.


Ridge afirma que fronteira não é mais um ponto geográfico no
mapa, mas uma rede de trocas materiais e imateriais. Nesse sentido,
fazendo ainda um paralelo com a Inglaterra no século XIX, quando
se dizia que todos os países que possuem um litoral são vizinhos da
Inglaterra, nós poderíamos dizer que todos os países que possuem céu
são vizinhos dos Estados Unidos. Este não é um pensamento absurdo
por parte dos Estados Unidos, mas é um dado concreto. Sendo assim,
a tríplice fronteira é uma preocupação legítima dos Estados Unidos,
se não for uma preocupação legítima dos países, geograficamente,
confrontantes.
Um novo terrorismo aparece nessas proporções espetaculares, e a
palavra espetacular empregada aqui possui um sentido polissêmico muito
grande. Este novo terrorismo aparece como uma quarta onda. Trata-se
de exorcizar o terrorismo, visando, principalmente, não colocar tudo
dentro do mesmo pacote. Por exemplo, a lista americana de organizações
terroristas talvez não seja a melhor direção a ser seguida, ou ainda, a
pretensão de Sharon de colocar tudo em um bloco e usar o mesmo método,
normalmente o emprego da força, contra todas as organizações. Estes
fatos podem aumentar o alistamento do terrorismo. Seria interessante
saber se estamos dispostos, por exemplo, a assinar uma Convenção
global anti-terrorismo, na qual uma doutrina da resistência não possa
ser praticada. Imaginemos, por exemplo, a situação hipotética em que
parte do território nacional é ocupada e 15 dias depois se instale aqui uma
empresa estrangeira para exploração de recursos naturais. Esta empresa
seria, ou não, um alvo militar? E um ataque a uma empresa estrangeira
para exploração de bens naturais do território ocupado nacional seria um
ato de terrorismo ou um ato de resistência nacional? Estas questões nos
levam a reconhecer a importância de não amarrarmos nossas próprias
mãos, previamente.

36
Terrorismo

O palestrante mencionou rapidamente a primeira, segunda e terceira


ondas do terrorismo e destacou que a quarta onda é a que se inicia a partir
do terrorismo dos afegãos e que vem crescendo, desde 1993, até os atos
espetaculares de Bali à Casa Branca, mostrando que não existe mais um
local, um alvo do terrorismo, o terrorismo, hoje, é planetário.
No que diz respeito à construção do terrorismo como palco
internacional, é interessante mencionar que, de 1993 a 2001, embora
estivesse presente, ele não foi um dado dominante e as questões sobre
ecologia, meio ambiente, direitos humanos etc., eram mais visíveis que as
questões imediatas de terrorismo. A partir daí, ele se torna uma ação direta.
E nesse sentido há uma abordagem, ou pelo menos uma metodologia,
muito diferenciada entre Europa e Estados Unidos, principalmente quanto
à forma de abordar a questão do terrorismo, que na Europa é muito mais
uma questão policial e uma inteligência mais de tipo policial do que
uma inteligência militar. O Brasil assumiu uma postura clara de que
não era favorável à transformação da agenda mundial em uma agenda
sobre terrorismo, antes, preferia pensar esta agenda de uma forma mais
ampla. A resposta americana se deu em vários níveis, no Afeganistão
em 2001 e no Iraque em 2003. Não adianta discutir se as informações
foram manipuladas ou não, mas havia uma acusação de vinculação com
o terrorismo e uma acusação de produção de armas de destruição em
massa.
Quanto à pressão sobre Irã e Síria, formou-se a idéia também de
eixo do mal. Fala-se muito, e às vezes muito mal, da política Bush, mas
ela teve um ganho significativo no caso da Líbia, e mesmo o Sudão está
recuando. Dessa maneira, fica claro que o efeito força possui um lado
que funciona.
No que se refere à inteligência, continuamos a assistir, e não
somente no caso dos Estados Unidos, a um caso geral de uso político

37
Terrorismo

da inteligência; este é um problema de grandes proporções. Pensar


a questão da inteligência é complicado, mas não se pode continuar
a ter uma inteligência que fala somente o que gostamos de ouvir. O
exemplo de como o governo do Partido Popular da Espanha tentou
manipular a Comisión Nacional de Investigaciones da Espanha, e
esta acabou saindo na frente, desmentindo o próprio governo; de
como o CNI italiano e a DST francesa agem e das relações entre
Estado, agência, partido e governo, são escalas muito diferentes. Se
as agências misturam, no seu trabalho, fiscalizar deputado corrupto,
juiz ladrão, máfia de desvio de carga, ao mesmo tempo em que querem
fazer inteligência de tipo internacional, é necessário reformar o que
está sendo feito. Não podemos levar as agências a um uso político
e não podemos começar escândalos políticos partidários a partir das
agências, pois isso é assassinar a inteligência de um país; foi o caso
da Espanha no imediato pós-atentado. Só que na Espanha, o CNI saiu
na frente e desmentiu o Ministro da Justiça, pois enquanto o Ministro
afirmava na televisão que se tratava de um atentado basco, o CNI
afirmava no El Pais, on-line, no mesmo horário, que o atentado era
de origem islâmica.
Quanto à deficiência das ações policiais, segundo o palestrante,
é evidente que estamos com problemas sérios nesta área. É necessário
que as ações policiais sejam feitas no âmbito de departamentos
específicos para isso, começando com o problema de idioma. Não é
possível haver ações policiais se não houver domínio do idioma, além
de conhecimento de geografia e história e cooperação internacional.
Outro tema abordado pelo palestrante diz respeito ao que ele
chamou de “o outro lado”. Segundo ele, temos que entender o outro
lado, e entender “o outro lado” não é justificá-lo, é saber como ele se
organiza: a questão palestina, uma ferida aberta que enquanto existir
causará problemas; a idéia de que há excluídos que estão chegando

38
Terrorismo

á mesa de banquete; a equalização de poder; a presença da cultura


americana como destruidora das culturas locais, vista como o grande
satã; e a defesa da casa, ou seja, eu estou dentro de casa, quem está
fora é quem está chegando.
O palestrante destacou ainda questões como o etnocentrismo
e a ofensa a valores, as quais provocam uma reação brutal em
cadeia junto a povos que se sentem profundamente ofendidos pelo
etnocentrismo; a idéia de que as democracias não têm uma tolerância
maciça para mortes, salvo se seu destino estiver em jogo, pois caso
contrário, os objetivos podem acabar dando o contrário, isto é, vai-se
defender a liberdade e acaba-se tendo a sua imagem colada a ações
que não agradam a comunidade internacional; destacou ainda o fato
de que a maioria dos analistas não acreditava que se poderia, em vez
de combater o terrorismo, gerar mais terrorismo, como efetivamente
aconteceu no Iraque.
O palestrante concluiu sua fala fazendo uma série de indagações,
como por exemplo, se estamos preparados e se pensamos as fronteiras
enquanto redes de fluxo materiais e imateriais para além do espaço
físico. Segundo ele, como espaço físico e como linha geográfica,
não estamos preparados. Citou casos de regiões de fronteira dentro
do Brasil que não possuem nenhum preparo. Na maioria das OMs,
se os carros todos forem postos nas ruas, cerca de 70% vão parar
por falta de peças. Além disso, não há célula de inteligência atuante
dentro dos batalhões principais, o que se chama de inteligência é, no
máximo, logística.
Em se tratando da expansão da ação corporativa brasileira, ele
afirmou que nossas empresas estão no mundo inteiro, e indagou se
estamos nos preocupando em prepará-las para evitar que passem por
desastres que possam atingir o Estado brasileiro. Segundo ele, as

39
Terrorismo

cidades brasileiras são cidades turísticas de convenções e de eventos,


são, portanto, alvos potenciais. As grandes conferências internacionais
estão aqui.
No que se refere à presença do narcotráfico, o palestrante
afirmou que cerca de 70% do dinheiro usado para financiar o ataque de
11 de março, em Madri, teve origem no tráfico de raxixe e maconha,
entre Marrocos e as estações balneárias da Espanha. A junção entre
narcotráfico e terrorismo é muito possível.
De acordo com o professor Francisco Carlos Teixeira Da Silva,
as possíveis conseqüências destes fatos seriam, principalmente, perda
de vidas humanas, danos materiais e fuga de capitais, declaração,
por outros, de incompetência no controle do território e imenso ônus
com segurança pós-fato. Ele citou ações terroristas como as que
ocorreram nas Olimpíadas de Munique e de Atlanta, além de ataques
a uma discoteca, em Bali, Casablanca, no aeroporto em Israel e no
Marrocos. Estes são, portanto, elementos reais que fazem parte da
situação brasileira hoje.

40
Terrorismo

Professor Salvador Raza

O palestrante iniciou sua apresentação contextualizando alguns


dados que apresentou durante sua fala. Afirmou que, acerca de oito
meses, 19 analistas internacionais foram convidados a juntar esforços
para tentar responder algumas questões relacionadas a terrorismo,
grupo do qual faz parte o professor Raza. O propósito do grupo
era identificar e recomendar políticas aos Estados Unidos, à União
Européia e a alguns países da Europa Central e da Ásia. Estes países
fizeram um caldeirão de dinheiro, juntaram 19 analistas do mundo
todo: a primeira rodada de reuniões foi realizada nos Estados Unidos,
a segunda na Alemanha, em setembro do corrente ano. A terceira
rodada deve acontecer em janeiro ou fevereiro de 2006.
O professor Raza destacou que apresentaria um produto em
desenvolvimento, pois, segundo ele, ainda está aprendendo sobre o
tema; trata-se de um esforço global e que muda, muito, a perspectiva.
Compartilhou sua experiência pessoal de participação neste grupo
de analistas. Ele afirmou que chegou ao grupo com uma perspectiva
mais limitada. Sua responsabilidade é a América Latina. O grupo dos
19 especialistas é também denominado grupo central, sendo que há
outro grupo em torno deste. Na realidade, trata-se de três círculos, que
fazem o fluxo de informações, porém, as discussões se desenvolvem
com esses 19 elementos centrais. O professor Raza disse ser um desses
elementos, e o é como pessoa, não como representante do Brasil; ele
está referendando a idéia do Embaixador, de que a gente precisa muito
de estudos estratégicos no Brasil.
A primeira característica do terrorismo é o que está sendo
chamado de conversibilidade. Esse terror tem duas faces, a primeira
é a tradicional: estratégia e tática orientada para definição de novos

41
Terrorismo

sistemas, organizados segundo uma ideologia particular, para dar conta


da injustiça de um sistema político reconhecido. O problema está na
segunda parte, que trata terrorismo como uma ideologia orientada
para inspirar a vanguarda insurgente, ou seja, o público alvo amplia
e modifica, ele passa a ser o público alvo interno e muito expressivo.
Não é só um terrorismo usual, visto com um movimento contra
uma repressão política, porque os atos terroristas também têm um
componente para impressionar e mobilizar os futuros correligionários.
Essa é uma preocupação que não tínhamos, mas agora temos de incluí-
la na definição deste fenômeno.
A segunda característica é a chamada resiliência, que altera
a forma, dinamicamente. A tentativa de fragilizar, no tempo, uma
determinada forma do terror, é fadada ao insucesso no combate,
pois no momento seguinte ele tem uma nova forma, é uma chamada
estrutura tipo vírus. Observamos, portanto, que não se trata de
pessoas amadoras, ao contrário, são pessoas extremamente inteligentes,
muito bem preparadas; nem tão pouco este é um negócio intuitivo.
Temos uma série de documentos que evidenciam que este processo
foi pensado, não é intuitivo.
A terceira característica é a adaptabilidade. Consoante o
palestrante, não temos um nome adequado para este característica, mas
o que estamos dizendo é que o terrorismo tem estrutura tipo IPTP. Ele
funciona, não como a rede que nós apresentamos em imagens gráficas,
ligando os pontos, essa imagem está equivocada. O terrorismo tem
uma estrutura IPTP, uma determinada estrutura de comando, uma
ordem que não dá continuidade como um conjunto coerente e unitário
de informação, antes, é subdividida em strings de informações, flui por
diversos caminhos e só ganha sentido em diferentes pontos. A idéia
de utilizar inteligência, nos sentidos convencionais, para dar conta
desse terrorismo, é simplesmente jogar dinheiro fora, pois eles estão

42
Terrorismo

muito mais sofisticados. Ou a inteligência se adapta a essa demanda,


ou não vai inteligenciar nada, exceto o que eles querem.
No que se refere à harmonização, esta tem se mostrado
uma característica muito interessante e complicada. O termo
racionalização, aqui empregado, refere-se à racionalidade aplicada
na conciliação dos riscos com a causa, ou seja, é a desumanização
da justificativa, ou desumanização da justificativa da ação violenta e
construção de uma identidade cognitiva de autoridade sábia. Parece
complicada a definição, mas basicamente significa dizer que é uma
proposta de validar a violência noutros termos.
De acordo com o professor Raza, nem o Brasil, nem a América
Latina estão preparados para isto. Ele disse ter entrevistado mais de
200 pessoas na América Latina, e constatou um desconhecimento
tanto do empresário, quanto do estudante e do político. Disse ainda
ousar afirmar que, em se tratando da idéia de utilização instrumental
e da violência, na forma como o novo terrorismo está fazendo, nós
estamos, de certa forma, despreparados para compreendê-la.
Outro ponto apresentado pelo palestrante é, segundo ele,
interessantíssimo como processo de gestão do terrorismo. A idéia
de célula como modelo leninista de terrorismo, caiu pela borda. A
tentativa de compreendermos o terrorismo nacional através de célula
é uma tentativa, bem sucedida, de impor ao fenômeno novo uma
moldura conceitual que vem do passado. É a tentativa de reduzir o
fenômeno à ferramenta analítica de que dispomos, o Hezbollah, por
exemplo, já trabalha assim. Eles possuem um conselho supremo, um
conselho construtivo e um politburo, que conduz a uma especialização,
visto que antes se tratava de uma compartimentalização, porém, hoje,
o terrorismo está caminhando para uma especialização, e forçando,
consequentemente, uma profissionalização de determinadas formas.

43
Terrorismo

Além disso, esta nova maneira de agir do terrorismo modifica a


estrutura de gestão e complica, terrivelmente, não só os jogos de
inteligência, mas, também, aqueles que darão ação repressiva ou
preventiva contra esse novo fenômeno. Com a nova idéia de terrorismo
internacional, esse é o primeiro esforço de tentar enquadrar alguns
veios marcantes do que é esse novo fenômeno.
No que se refere ao hospedeiro deste novo terrorismo,
diferentemente daquele que conhecíamos nas décadas de 70 e 80, este
se hospeda no que chamamos caldo de culturas. Inicialmente, ele
não está buscando hospedagem em ambientes universitários, como
por exemplo, na classe média intelectualizada, antes, está se alojando
como hospedeiro, mas como hospedeiro pernicioso, semelhantemente
à linguagem usada para se referir a vírus, visto que ele se hospeda,
inicialmente no caldo de cultura. A idéia de que Estados falidos seriam
os melhores hospedeiros está equivocada, pois o terrorismo atual se
hospeda melhor em Estados enfraquecidos do que em Estados falidos.
Dessa maneira, a idéia de que os próprios países amigos africanos,
ou países Latino-americanos seriam melhores hospedeiros não é mais
considerada. Eles se hospedam melhor em Estados enfraquecidos
devido à necessidade de uma estrutura muito mais sofisticada e que
somente um hospedeiro melhor preparado ofereceria.
O palestrante mencionou que antes de tentar definir o
fenômeno, estava tentando enquadrá-lo e descrevê-lo. Esta é uma
tentativa de identificar quais são os meios fenomenológicos. Existem
outras maneiras de se abordar o fenômeno, porém, essas são as
principais, as que têm sido debatidas e sobre as quais já existe algum
grau de consenso a nível global.
Outro fator interessante e muito discutido no que se refere a
este novo terrorismo, embora pareça trivial, e uma das discussões mais

44
Terrorismo

relevantes, atualmente, é que, dado este fenômeno, como poderíamos


enquadrá-lo em tipologias, visto que ele não se apresenta como um
bloco homogêneo em todas as partes do mundo, em todos os contextos
temporais. Sendo assim, a pergunta é se é possível estabelecer
algum tipo de tipologia; na realidade, seria quase uma tentativa de
se estabelecer uma taxonomia. Esta situação tem desdobramentos
importantes, na medida em que isso apontará para o tipo de política,
contra quem e em que momento, e ainda, que tipo de público alvo
está fazendo o quê, e em que situação. Tudo isso com a finalidade
de não se jogar dinheiro no alvo errado, ou não se criar uma política
equivocada e para um público equivocado.
A má notícia é que não temos uma taxonomia. Após as três
reuniões dos 19 especialistas e muita discussão, conseguimos chegar
a três taxonomias. A proposta inicial era chegar a uma e meia, ou
uma e outra alternativa. O professor Raza afirmou acreditar que
esta tentativa será muito difícil, pois os componentes islâmicos que
compõem o grupo dos 19 especialistas, professores da Universidade
de Cingapura, da Bulgária e Honolulu, mostram que esta taxonomia
que seria proposta não tem capacidade de capturar a manifestação
em determinadas regiões do globo, onde o terrorismo está se
mostrando mais virulento em uma projeção de curto prazo. Eles
estão preocupados, pois de nada adianta montar uma taxonomia que
não atenda a todas as necessidades. A partir desta conclusão, eles
apresentaram uma taxonomia alternativa.
O professor Raza apresentou, rapidamente, as três tipologias
propostas pelos 19 especialistas. Da primeira tipologia, fazem parte
grupos como o dos fundamentalistas, cujas características principais
são: história incorporada à ideologia; motivações do passado
transportas para o sistema de valores sem considerações com contextos
de circunstância, ou seja, o que foi bom no passado deve ser bom hoje,

45
Terrorismo

e o código ético é derivado de práticas; este grupo está divido em dois


tipos: os radicais, que rejeitam a modernidade e desejam destruí-la,
como é o caso do Talibã, e os extremistas, os quais usam a tecnologia
como instrumento de destruição, como a Al Qaeda, por exemplo.
Cabe assinalar que neste ponto começa a primeira distinção
importante, para não corrermos o risco de juntar, no mesmo grupo,
Talibã, Al Qaeda e outros tipos de manifestações, em outras partes
do mundo, pois trata-se de modelos diferentes, combates diferentes,
procedimentos de inteligência diferentes, procedimentos de captação
de recursos e de lavagem de recurso de dinheiro diferentes.
Um segundo grupo é o dos tradicionalistas, os quais aceitam
práticas desenvolvidas dentro de etnias específicas e se acomodam à
modernidade, são, portanto, menos radicais. Entretanto, apresentam
um problema, eles não possuem apelo aos jovens, principalmente
ao universitário, que em alguns países da Europa Oriental, Europa
Central e na Indonésia, não se identifica com o terrorismo deste grupo.
Pode-se apresentar como exemplos de movimentos que fazem parte
deste grupo o Pancacila, na Indonésia, e o Kemalistas, na Turquia
Outro grupo que faz parte desta primeira tipologia é o dos
secularistas, que acreditam no papel do Estado, mas vêem uma
deformação em sua função de acomodar a demanda religiosa. Os
adeptos deste grupo compreendem a necessidade do Estado, mas
alegam que o Estado falha no que se refere ao problema de religião.
Porém, eles não ofereceram alternativa à sociedade. Embora eles
sejam mais moderados, também falharam em seu discurso. Exemplos
de movimentos que fazem parte deste grupo são os Batistas e os
Nacionalistas árabes.
Por fim, os Modernistas, que reconhecem a obsolescência
de práticas radicais e costumes étnicos, religiosos e advogam uma

46
Terrorismo

reinterpretação dos códigos éticos. Cabe destacar que o interessante


neste caso é que são movimentos modernistas fora do mundo árabe;
são os terroristas que emergiram, principalmente, na Malásia e
Europa Central. Novamente, é válido reiterar que o terrorismo - que
se manifesta no mundo árabe e na Malásia, embora em ambos os
casos os países sejam mulçumanos e não se trate de tipos distintos
de muçulmanos, visto que a fé é a mesma -, tem sua manifestação
fenomenológica e combate diferentes. Este fato apresenta implicações
de formação política brutal.
A segunda tipologia, que é a mais almejada pelos países
que estão enfrentando, efetivamente, o desafio de uma emergência
do terrorismo mais virulento, apresenta a seguinte disposição: os
Nominalistas, que não observam práticas religiosas, e, embora façam
referência ao terrorismo utilizando um argumento de fé, não são
praticantes. É interessante notar que eles são bastante ecléticos, pois
muitas vezes utilizam a doutrina muçulmana e alguns elementos da
doutrina da fé cristã.
Outro grupo é o dos os Liberais. Eles observam regras sociais
e éticas de fundo religioso e aceitam uma distinção entre o sagrado e o
secular. Neste último ponto, é importante mencionar que eles aceitam a
compatibilidade entre fundamentalismo religioso e democracia liberal.
Eles não são contrários, não têm este radicalismo polarizado, porém,
exigem que a acomodação seja feita mediante a liderança deles.
Ainda dentro desta segunda tipologia encontram-se os Sarafis.
Este é o grupo alvo, o mais importante e o mais disputado por todas
as ações contra o terror e contra os terroristas. São devotos, advogam
a progressiva islamização da sociedade, mas não aceitam partidos
políticos islamizados. É como se fosse uma “classe média” disputada
pelos dois lados, aonde os sarafistas forem, eles definem o horizonte

47
Terrorismo

de violência ou não violência do mundo pelos próximos 15 anos. A


discussão gira, portanto, em torno das maneiras de se alcançar este
público alvo, visto que a população, somente em áreas de definição de
alvo de políticas, é estimada em torno de 300 milhões de pessoas.
Outro grupo que também se enquadra nesta segunda tipologia
é o dos Islamistas, que advogam uma rápida e legítima islamização
do mundo, por influência, por exercício direto do poder do Estado
e caracterizam-se por serem mais radicais. Este grupo se divide nos
Jihadistas Nacionalistas, como o Hezbollah, e os Jihads Globalistas,
como por exemplo, o Hamas, que é um desdobramento, uma herança
do Hezbollah.
Cabe destacar que, na tipologia tipo 1, a idéia é começar
do extremista para o nível de baixa tensão, ao passo que o outro
lado da moeda procura fazer exatamente o contrário. Esta forma de
classificação não é trivial, visto que, dependendo por onde se inicia,
definem-se, por exemplo, posturas políticas, definições estratégicas
e tipologia de uso da força.
A terceira e última tipologia é mais simples e, por outro lado,
parece ser mais bem aceita; no Brasil, por exemplo, ela se encaixa bem.
Ela está divida em, basicamente, dois tipos: o terrorismo oposicionista,
muito comum nas décadas de 70 e 80 e que ainda se vê em algumas
cidades brasileiras. É um modelo oposicionista que prega a derrubada
do governo e caracteriza-se por ser leninista-marxista. Dessa maneira,
a idéia de que o terrorismo antigo está acabado não é real, pois ele
está no Brasil, assim como está no Cazaquistão e no Kirguistão. Estes
três países, África do Sul, Cazaquistão e Kirguistão estão sofrendo o
terror na versão dos anos 70 e 80.
Esta seria, então, as três tentativas atuais de se enquadrar o
fenômeno a fim de que possamos oferecer um tratamento analítico e só

48
Terrorismo

então dar reposta política. A idéia não é ficar na ruminação acadêmica,


mas apresentar propostas práticas aos países contratantes dos 19
especialistas. Os tomadores de decisão política destes países querem
sugestões de ações. Este é, pois, um esforço acadêmico que está tendo
desdobramentos. Vamos tentar oferecer algumas recomendações de
formulação de política.
Segundo o palestrante, se estas são as três faces no espelho,
como ele tem denominado as três tipologias descritas acima, há, pois,
um fato que se apresenta como o contrário. Este fato entrou com muita
força nos últimos 6 meses de discussão e é para onde muitos estão
tentando ir, do ponto de vista intelectual, embora seja difícil admitir
e todo mundo está com medo de reconhecer. Este fato consiste em
reconhecer que o que tem sido discutido até agora não faz sentido, pois
simplesmente tem-se tentado reenquadrar o velho. De acordo com o
professor Raza, de fato, o que estamos enfrentando é uma outra coisa
que é chamada violência; a manifestação fenomenológica pertinente
ao ambiente emerge da redefinição da técnica de sociedade; por outro
lado, terrorismo não é disfunção, mas parte integrante das formas de
ação política. Este é um fato complicador, pois, caso aceitemos esta
visão, teremos de parar de tratar o terror como uma disfunção, um caso
de polícia, ou um caso de violência instrumental, ou seja, ele passa
a ser parte do ambiente. Porém, o pessoal do Líbano afirma que não
é bem assim, pois Hezbollah já é partido político, ele se integrou à
sociedade e é um dos partidos com mais apoio popular na promoção de
políticas sociais, embora seja um partido reconhecido como terrorista.
Isso muda muita coisa, pois passa pelo reconhecimento de que o terror
não é uma disfunção párea.
No que se refere à possibilidade de ocorrência de atentados no
Brasil, se o que foi exposto até aqui foi uma tentativa de enquadrar o
fenômeno, a questão que se coloca é como isso poderia se desdobrar

49
Terrorismo

no Brasil, como essas preocupações poderiam se manifestar no


Brasil. O palestrante apresentou algumas observações que podem
ser úteis ao país. Em primeiro lugar, segundo ele, há que se discutir
sobre o estado atual das coisas. A principal atividade terrorista no
Brasil não está diretamente relacionada a sociedades locais, e sim
a uma titulada rede de crime organizado e terrorismo internacional.
O Brasil é utilizado, apenas, como centro de apoio e levantamento
de recurso financeiro para essa atividade; os relacionamentos com
os terroristas, quando percebidos, são de curta duração. Este fato
é importante, principalmente para o pessoal de contra-ação ou de
inteligência. O tempo de ação deles é mais rápido que o tempo de
resposta do seu sistema de inteligência; antes que o pessoal acorde, eles
já apareceram, fizeram e foram embora. Outro fato a ser mencionado
é que eles não caracterizam uma fusão, com objetivos e ideologias
externas á região; o recrutamento não tem sensibilizado o sistema
de informação, porém, isso não significa que ele não tenha ocorrido;
e por fim, o fundamentalismo não encontra ambiente cognitivo que
sustente transmutação ideológica, ou seja, a idéia de radicalismo no
Brasil está bastante contida. Esta seria, portanto, uma tentativa de
sumarizar o problema e a situação atual do Brasil. Este é um esforço
de um ano de pesquisa, entrevistas, não só com pessoas, mas com
órgãos de inteligência, sempre trabalhando com dados abertos, não
tem nada secreto nos dados, senão não seria acadêmico.
Em se tratando dos fatores inercializadores da emergência do
terrorismo no Brasil, primeiramente há que se destacar a existência
de uma modelagem da percepção do terror como um fato distante,
exógeno à realidade. Não parece que este fato seja resultado de uma
política de governo, antes, parece que se trata de uma cultura, uma
situação de país que se transforma em modus operandi, mais que uma
política instrumentalizada no nível de governo no Brasil.

50
Terrorismo

Uma segunda observação que deve ser feita, em se tratando de


Brasil, é, primeiramente, a elevação política no plano universitário.
O palestrante afirmou ter conversado com um grande número de
estudantes de universidades do Brasil, Argentina, Chile, Paraguai,
Uruguai, e em suas conversas perguntava-lhes quem é Abimael
Gusmán e a grande maioria deles não sabia de quem se tratava,
a identificação de Abimael Gusmán com o Sendero luminoso é
remota. A idéia do terrorismo como atividade, como preocupação
intelectual na universidade está morna, está quase dormente, exceto
em alguns centros de estudo, mas na universidade como um todo,
o desconhecimento é algo absurdo, não passa pelo horizonte de
preocupação do universitário. É esta despreocupação que tem
dificultado o arrebanhamento para uma postura mais ideologizada. Isso
implica uma despolitização, uma apatia política do jovem brasileiro,
muito diferente da situação vista na Europa, Ásia e Estados Unidos.
Outro ponto a ser considerado é o tratamento do problema como
um problema policial. Apesar de sabermos que temos mecanismos
de ação, o tratamento do problema na forma de policial tem servido
como inercializador do terrorismo. Em nível de política, devemos
considerar, cuidadosamente, se queremos mudar esta realidade ou
não, se queremos modificá-la e passar a tratá-la como função de força
armada. Este fato é muito complicado e tem algumas implicações,
como por exemplo, estar tratando como um problema de polícia
permite uma reação mais rápida, um tratamento jurídico mais simples
e menos cumplicizado, ou seja, minimiza e reforça a modelagem do
terror como algo distante.
Por fim, uma terceira e mais complicada consideração diz
respeito ao fato de que a estabilidade do processo político é que estaria
segurando a emergência de terrorismo no Brasil, pois se aceitarmos a
taxonomia mais simples, a oposicionista-estratégica, aceitamos que as

51
Terrorismo

redes de ações terroristas no Brasil estão dormentes, que são as redes


de contatos, apoio logístico e transmissão de informação em células
dos anos 70 e 80; elas foram desbaratadas pelos movimentos dos anos
80 e ficaram dormentes. Quem mantém essas células dormentes, já que
o conhecimento necessário para fazê-las emergir não foi destruído,
mas apenas a capacidade de operar é que foi destruída, quem mantém
estas células vivas, portanto, e que detém este conhecimento são
pessoas que hoje entraram no processo político, onde inercializam
os mecanismos que os levaram a esse processo político. Ou seja, os
políticos, no exercício da política, neutralizam, através de contatos
de redes, a emergência ou a possibilidade desta estrutura de apoio vir
a ser utilizada de forma instrumental pelo terrorismo estratégico.
Na tentativa de trazer uma visão do mundo e fazer uma projeção
para a realidade brasileira, dentre as considerações apresentadas acima,
o palestrante afirmou, ainda, que o grande risco do Brasil é uma
esquerda fraca, desacreditada, desmotivada e no ostracismo.
No que diz respeito ao fluxo que tem sido mapeado no
mundo em termos de erupção do terrorismo, cabe destacar,
primeiramente, uma modificação do ambiente cognitivo, que é o que
estamos conseguindo evitar. Se isso romper, vem a transmutação
de movimentos já organizados, por exemplo, se um grupo como o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) passasse a
se mover por radicalização. Não é uma função somente política se
não existir antes a modificação do ambiente cognitivo, que é a idéia
de que o terror ganha.
O próximo passo mapeado são os cyber-ataques, não bio-
ataques, que ocorrerão posteriormente. Neste ponto, começa a
conexão com a rede global; o ensaio de força contra infra-estrutura;
a integração na insurgência global; o terror manifesto, e entra o

52
Terrorismo

transiente de resposta. Este é, portanto, o mapeamento em mais de


duzentos casos de países como o nosso, com a situação tranqüila, em
termos de terrorismo, e de repente tem-se uma situação de terror. A
questão que se coloca é de como é que esta situação evolui. Como
qualquer generalização é imprecisa, há casos de países que pulam
fases, enquanto outros condensam fases. Porém, parece interessante
perceber esta imprecisão, mesmo para políticas do Brasil, pois uma
das coisas que está freando esse processo de escalada é exatamente
a manutenção do ambiente cognitivo, o ambiente de isolamento
promovido por aqueles fatores, e a estabilidade política.
O palestrante finalizou sua fala apresentando algumas
conclusões acerca do tema abordado. Segundo ele, toda a discussão de
terrorismo, do ponto de vista operacional, é uma discussão posterior
a uma definição de política de Estado. Até o momento, parece que o
Brasil tem tido sorte neste sentido, embora pareça que, em um dado
momento, o país terá de acordar para um processo mais rigoroso de
análise.
Em se tratando da definição de terrorismo, o palestrante
afirmou que uma definição operacional do terrorismo é suficiente.
Como não é possível homogeneizar mais de 150 definições, faz-se
uma definição rigorosa que represente o fenômeno. No que se refere
à idéia de que a prospectiva, sozinha, dá conta do terrorismo, há mais
de 10 anos, já se sabe que não é possível tratar terrorismo só com
prospectiva.
Enfoques operacionais mecanicistas, com tarefa primária, são
absolutamente necessários, pois têm uma função preventiva, e sem
eles nada acontece: são as brigadas, as forças especiais e as forças de
ação rápida. Embora sejam absolutamente fundamentais, estas são
insuficientes pelo fato de não conseguirem dar conta da mensagem

53
Terrorismo

terrorista. Forças especiais não estão desenhadas para dar conta de uma
discussão da história do terrorismo. Outra solução seria desenvolver
novas medidas de eficácia de terceira geração. No Brasil, ainda se
trabalha com algumas medidas de primeira e segunda geração, mas
não com medidas de terceira geração.
Por fim, duas premissas devem ser consideradas. A primeira é
a de que nossos valores ideais são melhores que os dos terroristas.
Esta premissa é complicada, pois envolve a idéia de que precisamos
compreender o adversário. A segunda premissa se refere à de que
uma tríplice fronteira é um santuário de terrorismo. Pode até ser,
porém, é irrelevante, pois África do Sul e Indonésia o são. Dessa
maneira, a idéia de que tríplice fronteira ou determinadas regiões
do mundo oferecem critério analítico para estruturar um combate é,
absolutamente, irrelevante.
O último ponto apresentado pelo palestrante, e deixado em
aberto por ele, é polêmico e diz respeito ao fato de uma das grandes
recomendações apontar para não se fazer aliança regional. Todo
movimento atual e intuitivo leva à formulação de alianças regionais de
segurança e defesa. Intuitivamente, parece que esse seria o caminho:
integração econômica leva à integração de segurança. Porém, o
processo analítico parece recomendar exatamente o contrário, não
fazer aliança de segurança, por dois motivos: evitar a transitividade e
evitar a difusão de percepção. Se esse é o jogo, vale a pena cooperar,
mas uma aliança formal de segurança pode ser um tremendo erro
político. Este é um movimento que envolve muito dinheiro e interesses
políticos. No Brasil e na América Latina isso ainda é morno, mas em
outras regiões do mundo esta é uma discussão trivial.

54
Terrorismo

Participação da plenária

Dando seguimento às discussões, o Comandante Nelson


Bezerra Júnior, do Ministério da Defesa, abriu a seção de perguntas
dirigidas aos palestrantes. Ele fez um breve comentário acerca da
nova política de defesa nacional. Segundo o Comandante Bezerra
Júnior, em 1° de julho foi lançada uma nova política de defesa
nacional que traz uma orientação bem específica sobre a questão
do terrorismo. Esta nova política considera o terrorismo como um
problema de Estado, reconhece que se trata de uma situação que
deve ser combatida com elementos de inteligência, considera, ainda,
questões referentes ao controle de fluxo de capitais e à lavagem de
dinheiro, além dos instrumentos jurídicos para não afetar os direitos
humanos e os elementos policiais. Esta nova política prevê também,
em alguns momentos, a participação de forças armadas localizadas
quando se tiver descoberto uma base terrorista, pois o terrorismo
em rede não se combate em força, senão os Estados Unidos, com
suas armas nucleares, já teria acabado com o terrorismo. Todo esse
aspecto da rede difícil de ser combatida é questão de acomodação da
inteligência e esses novos aspectos.
Segundo o Comandante Bezerra Júnior, o terrorismo possui
reflexos diferentes no mundo. Em cada país ele possui uma forma de
ser vista e de ser refletida. Em se tratando do Brasil, nas informações
levantadas e divulgadas em seminários, até o momento, não ficou
comprovado se há uma base terrorista no país. Os americanos
chegaram a ampliar, muito, todo o pessoal ligado ao MRE, ampliaram-
se também as atividades de inteligência, a Polícia Federal inaugurou
uma grande agência de delegacia na área da tríplice fronteira, enfim,
diversas operações foram realizadas, mas até hoje não se conseguiu

55
Terrorismo

confirmar nenhum indício real de ação terrorista. Entretanto, talvez


por sua índole, o Brasil seja um país que não percebe ameaças, porém
devemos ter estas percepções. O Estado está se adaptando ao novo
mundo e as Forças Armadas têm de existir como instrumento do
Estado.
O recente Relatório da ONU aborda o fato de que no mundo,
os ricos estão ficando mais ricos, e os pobres mais pobres. O esforço
do apartheid tecnológico-econômico está aumentando. Em todos os
nossos estudos no Ministério da Defesa, apontamos para o fato de que,
à medida que as massas pobres ficam no desespero, seja pela fome, pelo
desemprego, pela indiferença, etc, elas estão prontas para qualquer ato
de vida ou morte, seja terrorismo, seja violência, em todas as formas,
graças a esta brutal diferença do mundo. A questão que se coloca é se
não teríamos que ter outra coisa em função do homem, ou seja, contra o
ganho desmedido, o avanço em certas estruturas-empresas, que torna a
ganância do homem algo sem medida. O capitalismo está de uma forma
tal, que criará um mundo violento, o qual será a vazão pelo terror. O
terrorismo é, portanto, a continuação da política por outros meios, pois,
já que não há mais possibilidade de confrontação pelas armas, há que ser
pela morte, pela vida, pela sobrevivência. Sendo assim, caso esta estrutura
filosófica e econômica do mundo não mude, e não percebamos as questões
ambientais e de sobrevivência do planeta, e como este modelo capitalista
está tornando ricos mais ricos e pobres mais pobres, o terrorismo e outras
formas de violências virão, apenas com outros nomes.
Um dos participantes dirigiu uma pergunta ao professor Raza,
com referência a sua afirmação de que alianças regionais devem ser
evitadas. O participante perguntou de que tipo seriam estas alianças, se
regionais militares ou somente de combate ao terror explícito, visto que
ambos os casos têm implicações políticas imediatas para a América do
Sul.

56
Terrorismo

Segundo o professor Raza, ele se referia a alianças específicas


contra o terror. Disse ainda que o problema está em se determinar onde
termina uma e começa a outra. O problema não é ter a política em si,
mas ter a definição de políticas de defesa e de política de segurança.
O professor afirmou, ainda, ter dúvidas quanto à capacidade da nossa
política de defesa de instrumentalizar qualquer tipo de aliança, caso ela
tenha de fazer uma aliança contra o terror, pois ela parece muito mais
uma política de segurança, como os meios de defesa, que não consegue
instrumentalizar decisões políticas que devem ser tomadas. É necessário
retomar a discussão sobre o que é uma política de defesa ou de segurança;
o tema segurança terá de ser reincorporado a fim de seja possível discutir
e propor soluções sobre o tema.
Outro participante da plenária fez uma interferência, onde ele
levantou dois pontos acerca do conceito de terrorismo. Primeiramente,
afirmou que este conceito lhe parece um conceito extremamente
elástico, da mesma forma que o comunismo foi durante a Guerra Fria
e justificou muitas atrocidades, por parte de governos, seja no Vietnã,
seja na Guatemala, seja na Nicarágua e El Salvador, etc. Outro aspecto
referente ao conceito de terrorismo se refere à tênue fronteira entre a
tentativa de definir terrorismo e documentos que estão sendo produzidos
nos países centrais, como um texto de Robert Cooper, que fala de Estados
pós-modernos, modernos e pré-modernos, dentre outros. O participante
afirmou lhe parecer que, por trás dessa definição de terrorismo, há também
novas formas de redisciplinamento da periferia e de classificação e criação
de taxonomias que possam vir a ser um pretexto para novas intervenções
em Estados periféricos falidos, ou pré-modernos, como são denominados
por alguns.
De acordo com o professor Francisco Carlos Teixeira Da Silva,
uma das coisas que se tem discutido atualmente, e se assiste quando
se sai do ambiente brasileiro, é a idéia de que o terrorismo pode ser

57
Terrorismo

um elemento de aglutinação dos excluídos, trata-se, portanto, de uma


fala para quem não fala. Este fato constitui um problema sério e tem
um efeito pedagógico desde os terroristas anarquistas. O fato de se
atingir o rico muito poderoso, satisfaz o pobre frustrado e humilhado;
o risco que se corre, portanto, é muito grande.
O professor Francisco Teixeira, aproveitando o enriquecedor
clima de discussão proporcionado no Encontro, apresentou uma
concordância plena e também uma discordância plena com o professor
Raza. A discordância diz respeito ao fato de o professor Francisco
Teixeira defender que a metodologia desenvolvida se aplica bem,
se estivermos pensando, por exemplo, no Egito (as Madrasas e a
Universidade do Cairo), pois trazer a discussão da esquerda brasileira
para dentro desse conceito e pensar em redes adormecidas de esquerda,
parece desviar o foco central de atenção. Este foco diz respeito ao fato
de que o Brasil será alvo do terrorismo se o núcleo duro se blindar cada
vez mais, na medida em que será mais fácil atingí-lo pela periferia
mole. É mais fácil atingir uma empresa americana numa convenção
internacional de chefes de Estado, ou desportistas na periferia mole
do que o terrorismo tupiniquim a essa altura produzido no Brasil.
O professor Raza comentou rapidamente a discussão de foco
de definição do terrorismo. Segundo ele, inicialmente, se compreende
o fenômeno, para em seguida se dar a definição operacional, caso
contrário, ficaremos anos tentando concordar com a definição. A
definição operacional rigorosa da academia é útil para um determinado
propósito. Toda taxonomia embute uma axiologia, ou seja, sempre
que se moldam as categorias, valores são embutindo e é impossível
não se fazer isso, logo, toda taxonomia embute uma ideologia. Neste
caso, o problema está em como se usa uma ideologia para estruturar
outras ideologias. Dessa maneira, embutem-se erros que nós, do ponto
de vista do rigor do método, temos de estar atentos para não cometê-

58
Terrorismo

los. Em trabalhos como estes, é preciso ter professores que ficam de


fora do trabalho, apenas monitorando o que se está fazendo do ponto
de vista metodológico, visto que a preocupação metodológica com
relação à transitividade das conclusões é extremamente pertinente.
Do ponto de vista de estruturas domésticas de terror na
América Latina, como um todo, não há dúvidas de que elas existem,
porém, quando se olha para o Brasil, as informações disponíveis
apontam para a existência de alguma coisa ainda dormente.
O Embaixador Rubens Ricupero fez uma interferência, na
qual lembrou que há um problema premente que teremos de enfrentar
como brasileiros. Nos próximos 12 meses, se tudo sair bem, será
concluída a negociação de uma convenção global contra o terrorismo.
Há, portanto, uma esperança de que haja uma convenção, onde será
embutida uma definição de terrorismo. Paralelamente a esta questão,
outra decisão da cúpula de agora é que, nos próximos 12 meses, será
definida uma estratégia global contra o terrorismo. Considerando que
o Brasil não é um país irrelevante em termos internacionais, visto que
ele está pleiteando uma vaga de membro permanente do Conselho de
Segurança, espera-se que ele dê uma contribuição nesta decisão a ser
tomada. Diante desta situação, há duas alternativas para o Brasil: ou
ele toma uma atitude de passividade, adota a atitude implícita de que o
problema não lhe concerne e deixa a discussão para os países que estão
mais envolvidos, ou ele procura dar uma contribuição diferenciada,
tanto à Convenção quanto à estratégia. Entretanto, para se ter uma
estratégia a oferecer, é necessário que se tenha, primeiramente, uma
estratégia nacional, pois a contribuição do Brasil não será, obviamente,
em relação ao Iraque, mas relacionada à nossa área. Devemos ter em
mente, portanto, qual contribuição o Brasil terá a oferecer quando
esta lhe for exigida.

59
Terrorismo

O Coronel Valdomiro indagou aos palestrantes, se nos debates


e reuniões, em nível internacional, dos quais eles têm participado,
chegou a ser objeto de preocupação o tema de Estados falidos,
nos quais a utilização de armas não convencionais, dinamite, por
exemplo, seja considerada como instrumento de trabalho, em que há
uma total falta de coesão nacional, dado o apartheid entre etnias que
são majoritárias e que não estão incluídas no processo decisório de
formação do corpo do Estado e da estrutura do Estado, como é o caso
de países andinos. Parece existir um cálculo de situações que poderia
ser alvo de uma estrutura organizada.
De acordo com o professor Raza, tem havido nas discussões
internacionais, uma preocupação com a possibilidade de ocorrências
de terrorismo em situações como esta em que se encontram os
Estados falidos, dado esse caldo de cultura e a essa soma destes
fatores. Segundo ele, o problema de caldo de cultura que se observa
nas fronteiras entre Brasil e Bolívia, por exemplo, não aponta para o
sentido de que as pessoas que ali estão sejam ruins e sem caráter, antes
são cidadãs, pessoas que lutam pelo seu ganha pão, nada há contra
elas, enquanto pessoas; este é, portanto, um problema de Estado.
A idéia não é que estas pessoas possam se transformar em
terroristas. Análises e evidências não apontam para este sentido,
apontam sim, para um fenômeno novo, que em inglês chama-se
emergency, ou seja, dado um determinado caldo de cultura, de repente
não se tem exatamente a noção do que dispara o processo, mas há
possibilidade da emergência dentro daquele fluxo de ação de uma
modificação de percepção que a violência pode ser instrumental e
daí o processo é desencadeado. A Bolívia é um excelente estudo de
caso, pois ela, assim como uma região do Peru, outra da Colômbia
e alguma parte da Argentina e do Brasil, servem como referência de
análise.

60
Terrorismo

Segundo o professor Raza, sua proposta não tem função de


inteligência, de identificar se aparecerá terrorismo num ou noutro
lugar, antes, seu trabalho possui mais uma perspectiva analítica, quais
são as características do fenômeno que podem ajudar, posteriormente,
um decisor político a tomar as decisões. Sua preocupação é oferecer
um reconhecimento e uma análise do fenômeno e os desdobramentos
disso para a política. E apresentar, inclusive, quais são as fragilidades
de suas conclusões, visto que suas conclusões possuem fragilidades,
pois são um primeiro esforço de síntese, que se junta a um esforço
global que está sendo feito.
Algumas regiões da fronteira do Brasil, como as regiões que
ligam este país à Bolívia, ao Uruguai e ao Paraguai, se abstrairmos
aspectos de língua e cultura, encontram-se na mesma situação que
vemos na fronteira da Turquia, do Cazaquistão, e em alguns locais
da Arábia Saudita. Abstraindo-se, portanto, os aspectos analíticos do
problema, verificam-se os mesmos problemas, como a miscigenação
cultural, transfronteirização por falta de controle e ação estatal,
corrupção, fluxo financeiro externo, escolas miscigenadas sem
estruturas pedagógicas definidas e ambiente cognitivo formado pela
mídia e não por instrumentos efetivamente caseiros e por célula. O
terror emergiu em regiões que apresentam essas características.
Quanto à possibilidade do terrorismo aparecer no Brasil,
verificamos que, do ponto de vista analítico, o país possui todos os
ingredientes, mas há algo freando, pois caso não houvesse, o terrorismo
já teria eclodido. Os dois grandes freios são estabilidade política e
freio cognitivo, pois a população brasileira não percebe o terrorismo
como parte integrante do nosso programa atual, enquanto que nas
regiões citadas acima, a população percebe isso muito nitidamente.
Além destes dois elementos de freios, há ainda a ação policial, da qual
as forças militares proveêm backup, suporte e inteligência logística

61
Terrorismo

e, quando exigido, a força necessária para maximizar ações de força.


Essa postura de uso da força, juntamente com as posturas política e
cognitiva, parecem ser os elementos de freio.

62
Terrorismo

Medidas preventivas e de combate ao


terrorismo implementadas nos fóruns
internacionais e possíveis implicações
para o Brasil

Professor Anselmo Páschoa


Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

Professor Leonardo Nemer Caldeira Brant


Universidade Federal de Minas Gerais

63
Terrorismo

Professor Anselmo Páschoa

O palestrante iniciou sua apresentação discorrendo acerca dos


motivos de se discutir o terror nuclear. Segundo ele, não está claro se
um atentado a uma instalação nuclear pode causar liberações nucleares
significativas. A exacerbação do medo da radiação é o fator importante.
Para cada dólar que foi usado por terroristas em 11 de setembro de
2001, U$ 100 de destruição foram causados. O impacto sobre o público
após o acidente nuclear em Chernobyl foi considerável. No passado, os
ataques eram amadores, contra reatores e transporte de combustível, ao
passo que, no presente, os ataques são bem planejados tecnicamente,
ou suicidas, principalmente a partir de 11 de setembro de 2001.
Tem-se informação da existência de algumas células adormecidas,
em vários países, o número delas varia entre 1000 e 14000. No Brasil,
não é possível afirmar a veracidade desta informação. Um caso clássico
de célula adormecida ocorreu antes de 2001, e foi a primeira tentativa de
explosão do World Trade Center com um caminhão. Cabe destacar que
os ataques são de vários tipos, mas os que utilizaram aviões comerciais
foram os de grande sucesso na Al Qaeda.
Em se tratando das motivações e capacidades para ataques
terroristas em reatores nucleares ou transporte de artefatos nucleares,
verificamos que elas são muito comuns, dada a facilidade com que
os transportes podem ser atingidos. O risco de coisas como estas
acontecerem é um produto de probabilidade versus conseqüências. Em
geral, com pequena probabilidade de um ataque de altas conseqüências,
mas deve-se dizer também, que a probabilidade é uma dependência,
uma função da motivação e da capacidade de alguma coisa desse
tipo ocorrer; não basta ter motivação, é necessário ter a capacidade e
competência.

65
Terrorismo

No que se refere às conseqüências desses ataques, estas são amplas


e complexas e os danos podem ser físicos, imediatos, econômicos,
financeiros, psicológicos, políticos etc. Já as modalidades de ataques
podem ser de diversos tipos: artefato ou dispositivo nuclear, material
nuclear, instalações nucleares que podem se transformar, elas mesmas,
no grande objeto. Há ainda os dispositivos de dispersão radiológica ou
DDR, também chamado de bomba suja. Os dispositivos ou artefatos
podem ser derivados de roubo dos materiais nucleares para fabricação de
uma bomba, ataque nuclear ao reator, ao transporte ou a uma instalação
importante, e também a bomba suja, o artefato mais provável, porém,
com conseqüências menos danosas.
No que se refere à definição de terrorismo, os atos de violência e
destruição com uso ou ameaça de dispositivos nucleares, ou de ataques
a instalações nucleares foram usados como definição de terror em 1990,
e depois como equivalente de um crime de guerra em tempo de paz.
Entretanto, é possível acrescentar mais umas 50 definições e/ou criar
outras.
Entre 1989 e 1999, ocorreram 235 ameaças, falsos alarmes
e pequenas sabotagens em instalações nucleares americanas. Estas
ocorrências estão bem registradas. Se houvesse alguma liberação de
radioatividade, os efeitos agudos ocorreriam apenas na direção da
pluma radioativa, essencialmente com efeito local. Dependendo dos
meios de dispersão e padrões de posições, pessoas que vivessem nas
imediações sofreriam dois tipos de efeito de longo prazo, os estocásticos
ou os imediatos.
Quanto aos alcances destes efeitos, a primeira idéia que deve ser
esclarecida é a de que eles ocorrem em três raios de ação. O primeiro
deles representa os efeitos agudos, o segundo os chamados de longo
prazo e o terceiro, representa os efeitos psicológicos. Estes últimos

66
Terrorismo

podem ser bastante aumentados, e um exemplo foi que, após o fato


ocorrido em Goiânia, os efeitos psicológicos chegaram ao Rio de
Janeiro, quando impediram que produtos de Goiânia fossem dispostos
na feira da Providência, no Rio Centro. Os temores em potencial, os
impactos psicológicos, podem ser tão ou mais importantes que os
danos físicos. Se o risco é a probabilidade e as conseqüências – esta é
uma visão técnica - a percepção de risco é um conceito extremamente
subjetivo. Em geral, as pessoas que falam em risco estão falando em
percepção de risco, ao invés de risco, e percepção é algo quase que
pessoal. A ameaça não pode ser definida como risco, antes, deve refletir
não apenas a probabilidade de algo que possa ocorrer, mas também
uma preocupação com perigo em potencial.
Efeitos e impactos têm alcances espaciais e temporais, sendo
que, às vezes, são um pico, isto é, embora abranjam numa grande área,
são apenas um pico, logo, não representam um problema muito sério.
Podem também são ser bem pontuais e atingirem um número grande
de pessoas, numa área muito grande, porém, com pouco resultado.
O publico, em geral, vê os perigos associados à radiação como se
fossem maiores do que a visão dos técnicos, enquanto estes tendem
a dizer que o efeito é pequeno.
Em se tratando dos impactos econômicos e políticos do terror,
estes são danos nacionais. E internacionais, em alguns casos. Um
ataque bem sucedido tem a capacidade de enfraquecer a indústria
nuclear de uma forma global. Segundo a Agência Internacional de
Energia Atômica, existem cerca de 440 usinas nucleares, 671 reatores
de pesquisa, e 284 em nível operacional. Todas essas instalações são
alvos potenciais de ataques de terror nuclear, além dos transportes de
um lado para outro e, principalmente, dos combustíveis usados. Após
o 11 de setembro, houve um grande número de petições solicitando o
fechamento de reatores nucleares próximos às áreas de alta intensidade

67
Terrorismo

populacional. Os efeitos do acidente em Goiânia são bem conhecidos


e difíceis de serem contabilizados. Antes do acidente, Goiás era o
Estado que mais crescia no Brasil, porém, após o ocorrido, ele passou
14 anos sem crescer, embora o acidente tenha sido pequeno.
No que se refere à percepção de vulnerabilidade, o 11 de setembro
mudou a percepção do fenômeno do futuro. Dezenove terroristas foram
capazes de mudar a percepção completa dessa idéia de vulnerabilidade.
Percepções diferentes existem através do Atlântico e entre os dois
hemisférios. Terrorismo em solo europeu é um fenômeno comum e
antigo. A Al Qaeda mostrou que não existe segurança contra o terrorismo
no planeta Terra. Onze de março de 2004, o ataque ao metrô de Paris
reforçou esta idéia e provou que é possível matar centenas de pessoas e
ferir milhares com investimento muito baixo. Não é conveniente apontar
culpados antes de reunir dados confiáveis sobre os responsáveis pelo
atentado. E este levantamento, dependendo de quanto é realizado, pode
mudar o resultado de uma eleição. Toda a Europa passou a se sentir
ameaçada, o que foi reforçado pelo ataque ocorrido em Londres, em
2005, ataque este que confirmou a vulnerabilidade da Europa.
O papel da mídia, quando se trata de terrorismo, é muito
interessante, visto que, os eventos são sempre manchetes em certos
jornais e revistas. A televisão e o rádio os consideram prioritários
na sua pauta. E não raro, as autoridades constituídas são os inimigos
identificados dos terroristas. Em se tratando do público, algumas
questões se colocam, como por exemplo, qual é a audiência de uma
organização terrorista específica? Quais são as estratégias, os meios do
ponto de vista do terror? Existe organização, equipamento e know how
para usar as chamadas armas de destruição em massa?
Os grupos por ideologia podem ser de esquerda, direita, raciais
e separatistas e até mesmo indivíduos isolados. No que se refere à

68
Terrorismo

avaliação de ameaças, os métodos operacionais têm uma fase conceitual,


seguida de uma de coleta de informações, uma fase de implementação,
obtenção de armas e explosivos, sendo que às vezes, pode ser necessário,
apenas, aprender como trabalhar no software dos computadores da
usina. Estes grupos contam, ainda com comunicação, cooperação
interna e financiamento. Em se tratando deste último, cabe destacar que
o financiamento da violência ou da ameaça pode ser feito por países e
por grandes organizações.
Segundo o palestrante, o problema das democracias é complicado
pelo fato de haver completa e total liberdade da União e ninguém pode
pedir certificado de não terrorista a alguém que vai participar de uma
reunião, por exemplo.
O professor Anselmo falou, rapidamente, sobre alguns tipos de
acidentes. O primeiro deles é o DBA (Design Basis Accident), que por
definição é um acidente postulado com base no qual uma instalação
nuclear deve ser projetada e construída para resistir, sem perda de
sistemas, estruturas e componentes necessários para assegurar a
manutenção da segurança e da saúde pública. O DBP (Design Basis
Phenomena), por sua vez, diz respeito a fenômenos naturais, tais como
terremotos, tufões, furacões, vendavais, enchentes, dentre outros, com
base nos quais uma instalação nuclear deve ser projetada e construída
para resistir, sem perda de sistemas, estruturas e componentes necessários
para assegurar a manutenção da segurança e da saúde pública. Portanto,
verifica-se que o princípio sobre a instalação nuclear deve ser construído
de modo a resistir a todas as possíveis intempéries.
Os Estados Unidos vêm discutindo, há algum tempo, o chamado
DBT (Design Basis Threat), ou ameaça de base de projetos aplicada à
segurança de materiais nucleares e outros materiais sensíveis. Embora
seja crescente o número de países que estão adotando DBTs, ou os

69
Terrorismo

AmBPs (Ameaça de Base de Projetos), como parte integrante do


esforço para manter sobre controle materiais nucleares e fontes
radioativas em seus territórios, outros países estão experimentando
dificuldades em implementar DBTs que não foram criados com
a capacidade necessária. Por este motivo, recentemente, foram
sugeridos três níveis de DBTs: o primeiro é o nível 1, que se refere
ao sistema de proteção física e é considerado o nível ótimo. O nível
2 diz respeito aos sistemas de proteção física em nível intermediário,
com base em um conceito que faz uma analogia ao princípio usado
em proteção radiológica. Por fim, o nível 3, nível mínimo de SPP,
restrito, apenas, à proteção contra uma ameaça mais provável. Isso
significa que, quando se tem uma ameaça e se sabe que aquela
é única, ela deve ser tratada como tal. O nível 1 corresponde,
tipicamente, à transferência de DBT de países industrializados para
países em desenvolvimento, e esta operação é muito cara. O nível
2, por sua vez, pode ser adequado para países em desenvolvimento,
com um número significativo de instalações nucleares, porém, com
capacidade econômica limitada. O nível três seria, portanto, aplicado
em países com pouquíssimas instalações nucleares, mas sujeitos a
ameaças de terror nuclear, como é o caso da Geórgia, por exemplo.
No caso do Brasil, pode não ser viável também operações com base
em padrões internacionais e o nível 2 seria um bom nível.
Em termos das contribuições de uma discussão mais técnica,
pode-se afirmar que os passos a serem seguidos para a implementação
de AmBPs, em nível I, para o Brasil são, basicamente, identificar as
autoridades legais e o contexto; desenvolver hipóteses operacionais
para serem usadas em conformidade com as ameaças de base de
projetos; identificar faixas de ameaças, listas de ameaças e identificar,
ainda, fontes de informações relacionadas com ameaças; analisar e
organizar informações; desenvolver avaliações das ameaças e obter

70
Terrorismo

consenso, criar um banco das ameaças de base de projeto e uma


estrutura legal para tratar delas; e, por fim, formar e compor uma
comissão permanente de gerenciamento de crise, o CoPeGeC.
No caso nuclear, segundo o palestrante, a autoridade nacional
competente é a Comissão Nacional de Energia Nuclear – CNEN, e
dentro da CNEN, a Diretoria de Radioproteção, Segurança Nuclear
e Salvaguardas detém a responsabilidade de fiscalizar as atividades
que envolvam materiais nucleares. À Comissão Nacional de Energia
Nuclear (CNEN) também cabe a responsabilidade de controlar a
entrada e saída de material nuclear em todo o território nacional.
O desenvolvimento de postos operacionais seria fundamentado nas
condições reais, existentes ou permanentes, nas diversas regiões
do país. Podemos exemplificar este fato quando verificamos que
as condições do Nordeste sugerem um desenvolvimento de portos
operacionais que diferem completamente da região da tríplice
fronteira. A região da Cabeça do Cachorro deve ser objeto de
hipóteses bem específicas para aquele local, e assim por diante. Dessa
maneira, esta Comissão deve estar, permanentemente, discutindo
estas questões, pois não pode ser surpreendida por algo no qual não
havia pensado antes.
No que se refere às faixas de ameaças, atores internos e
externos, como narcotraficantes, por exemplo, podem ameaçar,
potencialmente, instalações nucleares; e, atores internos podem ser
sabotadores, terroristas, criminosos com ligações internacionais
ou ainda indivíduos mentalmente perturbados, como o que queria
jogar um avião no Palácio do Planalto, há alguns anos. No grupo dos
atores internos podem ser incluídos trabalhadores desempregados e
empregados demitidos e inconformados, ou membros de movimentos
políticos radicais.

71
Terrorismo

A lista de ameaças é muito difícil de ser elaborada, mas é


possível fazê-lo. Deve ser feita uma lista para cada instalação
dizendo como ela pode ser protegida. Grande parte das instalações
nucleares brasileiras é quase indefensável, pois elas deveriam
ter sido construídas já dentro de um conceito, mas não o foram.
No atual momento, é muito difícil e caro fazer as modificações
necessárias, mas é possível, ao menos, melhorar a situação. A
estrutura organizacional, as atividades específicas, as armas e as
informações e a comunicabilidade podem facilitar o ataque e,
também, a defesa. Outros fatores que também facilitam muito o
ataque são o apoio internacional ou infiltração de elementos na
instalação; a identificação de fontes de informações relacionadas com
ameaças; uma ampla faixa de informação, que pode ter relevância
para potenciais terrorismos nucleares e também para defesa. Além
disso, exames de tentativas de ataques realizados no passado, com
ou sem sucesso, podem ter especial relevância. Deve-se analisar e
organizar informações relacionadas às ameaças, estabelecendo um
conjunto de cenários e as informações devem ser organizadas de
forma matricial.
Outro tema abordado pelo palestrante foi a dificuldade de se
obter consenso sobre ameaças genéricas. Segundo ele, é necessário
que este Comitê ou Comissão trabalhe incessantemente, mantendo
reuniões de trabalho, seminários, debates. E, caso sejam aceitos os
cenários, o próximo passo seria obter das autoridades legalmente
constituídas, uma autorização para se preparar para evitá-las, ou caso
venham a se tornar realidade, ou estejam iminente a se tornarem
realidade, para combatê-las. Porém, é muito comum que ocorram
resistências por parte de diferentes segmentos da sociedade, que
preferem ignorar ou minimizar ameaças potenciais, até que elas se
transformem em realidade.

72
Terrorismo

Deve-se ainda criar um banco de dados interativo, com


avaliações espaciais e temporais. O Brasil possui diversos bancos de
dados isolados que, entretanto, não se comunicam. É fundamental
que haja uma coordenação para facilitar esta comunicação.
Em se tratando da estrutura legal, deve ser entendido que esta
estrutura deve ter aprovação do Congresso Nacional. Isso é um
pressuposto para que uma comissão dessa possa funcionar com o
trabalho realizado na ameaça de paz do Brasil.
O professor Anselmo finalizou sua apresentação fazendo uma
proposta para a Comissão, que, segundo o próprio professor, não
é uma proposta definitiva, trata-se apenas de uma idéia lançada
para discussão. Devem participar dessa Comissão, representantes
da CNEN, do Gabinete de Segurança Institucional, do Ministério
da Defesa, dentre outros. É necessário que a composição de uma
CoPeGeC seja definida por órgãos envolvidos, de modo a viabilizar o
seu funcionamento, e, ao menos o presidente da CoPeGeC deve ser
argüido e ter seu nome e currículo aprovados pelo Senado Federal,
antes de assumir as responsabilidades inerentes ao cargo.

73
Terrorismo

Professor Leonardo Nemer Caldeira Brant

O professor Leonardo Brant iniciou sua fala esclarecendo


que o terrorismo pode ser analisado de diversas formas, porém, sua
análise estaria inserida, sobretudo, dentro de uma perspectiva jurídica.
Trata-se de ver o terrorismo a partir de um ângulo jurídico, dentro
da perspectiva do Direito Internacional. O palestrante dividiu sua
palestra em duas partes, a fim de facilitar a compreensão da visão
do terrorismo na perspectiva do Direto Internacional. Na primeira
parte, ele discorreu acerca do funcionamento da produção do sistema
normativo internacional, visto ele possuir grandes diferenças do
sistema normativo da produção da norma no direito interno, e este
fato terá conseqüências tanto na aplicação, quanto na efetividade e
eficácia da norma internacional. No segundo momento da palestra,
ele falou sobre o terrorismo em si, e dividiu o tema em três sub-
temas precisos, os quais são: a busca de um conceito, dentro de uma
perspectiva jurídica, as formas internacionais de prevenção e de
cooperação, e finalmente, o combate, com as formas que o Direito
prevê, ao terrorismo no campo internacional.
Analisando, portanto, a comunidade internacional, a fim de
percebermos a maneira como a norma internacional se insere, podemos
partir do conceito de que a sociedade internacional não se situa na
mesma estrutura normativa da sociedade interna, ou seja, não temos,
no sistema internacional, um núcleo de poder, de soberania, no qual
poderia se produzir, legislar, executar e julgar a norma. A sociedade
internacional é uma sociedade descentralizada e basicamente de
coexistência de Estados e de organizações internacionais que são
criadas através de tratados, isto é, são criadas pelos próprios Estados,
a partir de uma delegação de competência na criação do tratado

74
Terrorismo

constitutivo da organização internacional. Assim, em linhas gerais,


a sociedade internacional se caracteriza por ser uma sociedade de
coordenação descentralizada, diferentemente da sociedade interna, que
é centralizada e cujos poderes designados pela Constituição Federal
teriam competência para produzir, executar e julgar a norma.
As conseqüências desse modelo, no que tange à prevenção de
terrorismo, são significativas, na medida em que, dentro do sistema
internacional, o autor da norma é o destinatário da norma, logo, não
há um terceiro autor, que seria um poder legislativo ou judiciário,
que produziria norma para ser dirigida a nós, sociedade civil, seja
ela formada pelo próprio Estado, por indivíduos ou por pessoas
físicas ou jurídicas. No sistema internacional, o autor da norma, o
Estado, é, portanto, destinatário da norma e essa é uma conseqüência
preliminar do conceito de soberania. Isto implica no fato de o Brasil
não poder produzir um direito ainda que seja limitando ou prevenindo
o terrorismo para um país como o Uruguai; a produção da norma,
portanto, é, necessariamente, consensual.
As conseqüências desse fato tornam-se claras quando se
analisa a primeira problemática apresentada pelo o terrorismo, dada a
dificuldade de conceituar o fenômeno do terrorismo. Para que ele tenha
uma tipificação, uma incorporação objetiva, é necessário que passe
pelo crivo do Direito, pois é o Direito que delimita o que é terrorismo.
E somente a partir de uma avaliação jurídica é que podemos avaliar
o fenômeno.
Dito isso, cabe, agora, buscarmos uma definição de terrorismo.
A busca de um conceito do fenômeno passa por diversas situações que
envolvem o terrorismo, como por exemplo, o terrorismo como uma
forma de governo perseguida. Neste caso, o terrorismo se identifica
mais como uma luta no interior de um Estado e possui uma perspectiva

75
Terrorismo

política. Há ainda os movimentos de terrorismo com uma vocação


nacionalista, de criação dos Estados nacionais; terrorismos vinculados
à descolonização e movimentos de terrorismos vinculados ao conflito
leste-oeste. Porém, historicamente, o que é interessante destacar é o
momento preciso, a partir da década de 60, quando, pela primeira
vez, um avião de linha comercial é destruído Nesse momento, o ato
terrorista em si é um ato terrorista internacional. O autor do ato não
correspondia a nacionalidade daquele Estado, internacionaliza-se,
portanto, o fenômeno. A partir da internacionalização do fenômeno
terrorista, o terrorismo passa a corresponder, a ingressar dentro de um
sistema de solução de controvérsias da Carta das Nações Unidas. Esta
Carta prevê, a partir do seu Artigo 2.3 e 2.4, a interdição do recurso
da força. Dessa maneira, num primeiro momento, o terrorismo em si,
enquanto objetivo de ação internacionalizada, passa a estar proibido
pela interdição do recurso da força, provido pelo Artigo 2.3, 2.4 da
Carta das ONU, que imediatamente nos remete à necessidade de
solução pacífica das controvérsias internacionais, previstas no Artigo
33. Este Artigo subdividirá as formas possíveis de solução pacífica
de controvérsias entre formas políticas – como os bons ofícios, a
mediação e a conciliação - e as forma jurisdicionais – onde temos a
arbitragem e a corte internacional de justiça.
Sendo assim, dentro de um primeiro prospecto legal do
que a Carta da ONU nos apresenta, como forma de solução de
controvérsias internacionais, a partir de uma internacionalização do
fenômeno da utilização da força, dentro da moldura do terrorismo,
dentro deste prospecto, as perspectivas estão previstas na Carta das
Nações Unidas. Entretanto, o problema é bem mais abrangente pelo
fato de o terrorismo não ter obtido uma conceitualização ou um
conceito jurídico normativo, antes, há um grande desacordo diante
da comunidade internacional. Este desacordo está próximo de ser

76
Terrorismo

ultrapassado na negociação de uma Convenção geral que tratará da


definição final do terrorismo, mas que ainda não foi obtida.
Ainda em se tratando da busca de um conceito de terrorismo,
cabe assinalar que a primeira busca se deu a partir do documento de
uma Convenção internacional, que reprimia o crime de terrorismo.
Em 1937, no período da Sociedade das Nações, após o assassinato
do Ministro das Relações Exteriores da França e do antigo Rei da
Iugoslávia, a Sociedade das Nações se reuniu com a finalidade de
criar duas convenções: a primeira, para a criação de um tribunal penal
internacional, e a segunda, uma Convenção-quadro de definição e
prevenção do crime de terrorismo. É importante mencionar que ambas
as convenções não obtiveram ratificação, apenas uma delas obteve
uma ratificação da Índia e nenhuma delas entrou em vigor.
Um desacordo dos Estados quanto à criação de uma tipificação
do que vem a ser a noção de terrorismo, levou, portanto, a sociedade
internacional, já no período das Nações Unidas, a quatro formas de
encaminhamento da superação desse quadro de impasse para definição
do conceito de terrorismo. E já se sabe que não existe crime quando
não há lei anterior que o defina. O problema está na politização do
conceito. Pelo fato de o ato de terrorismo ser, necessariamente, um
ato de força e ilegal, os Estados tendem a julgar, enquanto legal no
conceito, aquilo que lhes interessa, e excluir, enquanto ilegal da
utilização da força, o que não lhes interessa. Temos, portanto, na
tentativa de conceituar o termo, todos os conflitos permanentes, a
partir do surgimento da Carta das Nações Unidas.
No que se refere ás formas de superação do problema, a
primeira delas foi obtida através de uma condenação, pura e simples,
pela Assembléia Geral, ao que deveria ser conhecido como terrorismo.
A Assembléia Geral, a partir de uma Convenção importante, em 1970,

77
Terrorismo

passou a condenar o terrorismo, sem necessariamente incriminar, pois


condenar não significa reconhecer enquanto crime. Em 1972, pela
Resolução 3034, da 2114ª Reunião da Plenária, após os atentados
de Munique, a Assembléia Geral decide estabelecer um Comitê ad
hoc sobre terrorismo internacional que funcionou até 1979 e que,
também sem sucesso, teria a finalidade de criar um quadro possível de
conceituação do fenômeno terrorista. Entretanto, também essa mesma
condição não teria sucesso, porque havia dois planos de fundo, o
primeiro dizia respeito à questão da definição dos limites, do alcance e
da abrangência do que ela seria, embora condenando o terrorismo, vis
à vis o conflito palestino. Isso porque os Estados, nessas duas primeiras
resoluções que tendem a condenar o terrorismo internacional, fazem
uma breve referência à não condenação da utilização da força, quando
de movimentos de libertação nacional, ou de autodeterminação dos
povos. Este último constitui um dos pontos centrais do desacordo na
tipificação do terrorismo, já que é difícil distinguir movimentos de
libertação nacional. Todas as outras resoluções, portanto, possuem uma
alta carga dos Estados de terceiro mundo, que condenam o racismo,
o apartheid, a colonização, e retiram da cobertura da condenação do
crime de terrorismo a luta pela auto-determinação dos povos.
Um segundo pano de fundo tem início no final da década de 80
e se caracteriza pela não condenação do terror, mas sim incriminação.
O terrorismo passa a ser considerado crime, e à medida que é tratado
como crime, há uma reviravolta no cenário da Organização das Nações
Unidas, e passa a ser incluído enquanto ato terrorista, ao uso da força,
em caso de luta pela libertação nacional e autodeterminação dos povos.
Diversas resoluções condenam o terrorismo em si, sem defini-lo, mas
condenam dentro de uma perspectiva objetiva, como por exemplo,
seqüestro de uma aeronave. Há uma Resolução nesse sentido. Esta
incriminação do terrorismo internacional dará origem à, inicialmente,

78
Terrorismo

quatro Convenções das Nações Unidas. A primeira delas, de 14 de


dezembro de 1973, é a Convenção sobre prevenção e punição de
crimes contra as pessoas que gozam de uma proteção internacional,
incluindo os agentes diplomáticos. Uma segunda Convenção, datada
de 17 de dezembro, refere-se ao seqüestro de pessoas. Os atentados
terroristas e explosivos são resultado de uma terceira Convenção,
de 1997. Por fim, a quarta e mais importante Convenção, de 9 de
dezembro de 1999, diz respeito ao financiamento do terrorismo. Todas
estas resoluções da Assembléia Geral, do Conselho de Segurança e
Convenções internacionais têm finalidades precisas que é de definir
ou tipificar o fenômeno do terrorismo.
Diante do impasse da definição do fenômeno e de sua
tipificação jurídica, a sociedade internacional julgou conveniente
trabalhar dentro de uma circunstância setorial, por exemplo, no campo
da organização da aviação civil. Cria-se uma convenção que, em
matéria de aviação civil, prevê um artigo incriminando a prática de
terrorismo nessa situação determinada. No campo da Agencia Nacional
de Energia Atômica e da Organização Marítima Internacional também
há artigos na Convenção que incriminam o ato terrorista. No entanto,
nenhuma dessas convenções setoriais, que se valem da terminologia
“terrorismo” e que prevêem a ação terrorista e a incriminação do
ato terrorista, conceitua terrorismo. Temos, portanto, um vácuo de
consentimento.
Há também um avanço no plano regional e o fenômeno do
terrorismo é citado em duas Convenções regionais, a primeira delas
é a Convenção no campo interamericano. Esta se subdivide em duas
Convenções, que prevêem e incriminam igualmente o terrorismo
internacional. A primeira destas é a Convenção de Washington, de 2
de fevereiro de 1971, cujo objetivo é a prevenção e a repressão dos
atos de terrorismo que tomam a forma de delitos contra as pessoas,

79
Terrorismo

bem como a extorsão conexas a estes delitos. A segunda Convenção


Interamericana contra o terrorismo ocorreu em 3 de junho de 2002.
Há também, no âmbito regional, alguns textos que, de uma maneira
geral e abstrata, tratam do terrorismo e tentam, de uma maneira
ainda convencional, definir o terrorismo. Um exemplo de textos é a
Convenção sobre Prevenção e Combate ao Terrorismo da Organização
da Unidade Africana (OUA) dentro do Tratado de Cooperação dos
Estados Membros das Comunidades dos Estados Independentes na
Luta contra o Terrorismo, de 4 de julho de 1999, cujo Artigo 1° dá um
conceito abrangente e abstrato de terrorismo. E, também, a Decisão
CADE, da Comunidade Européia, de 3 de junho de 2002, relativa á
luta contra o terrorismo.
Na impossibilidade de um conceito obtido também dentro do
circuito setorial, tem-se, atualmente, um grande projeto em andamento,
levado com grande empenho pelo Secretário-Geral das Nações Unidas
e cujo objetivo é a criação de uma grande convenção internacional
que tenha como objetivo primário definir e ultrapassar as dificuldades
inerentes ao conceito de terrorismo. A primeira destas dificuldades
diz respeito à questão dos movimentos de libertação nacional ou
de autodeterminação dos povos, na qual se insere, nitidamente, o
conflito Israel e Palestina. A segunda dificuldade é a caracterização
do terrorismo de Estado, já que não há uma definição precisa e clara
de que o terrorismo se estenderia também a atos estatais ou apenas
atos particulados. Neste sentido, cabe a discussão se uma política
de Estado pode ser considerada terrorista ou não. Ainda no que se
refere à última dificuldade, há outro ponto interessante que discute
se o terrorismo abrangeria também bens em geral ou apenas pessoas,
e se abrangeria, igualmente, militares ou civis que foram atingidos
por um ato terrorista, já que ainda não está claro se um atentado
terrorista contra uma base militar seria ou não um atentado terrorista.

80
Terrorismo

A questão é saber se a Convenção de Genebra, relativa ao Protocolo


de Genebra e ao Direito Internacional Humanitário seria aplicada ou
não em circunstâncias como as citadas acima. Qual seria, portanto, o
limite do Artigo 4º, ou do Artigo 33º desta no que se refere ao Direito
Internacional Humanitário, diante da intervenção militar no circuito
de um atentado terrorista, tanto como autor, quanto como destinatário
do atentado.
Neste ponto da discussão já podemos propor uma definição,
que deve ser composta de alguns elementos. O primeiro ponto a ser
considerado, quando se pretende propor uma definição de terrorismo,
é a discussão de alguns elementos que devem ser esclarecidos. Os
primeiros deles são aqueles oriundos das convenções setoriais, que
totalizam 10 Convenções, incluindo a Convenção para Supressão de
Financiamento do Terrorismo, por exemplo, e as Convenções contra
seqüestro de avião, atentados contra segurança da aviação civil,
atentados contra as pessoas internacionalmente protegidas, seqüestro
de pessoas, uso ilícito de materiais nucleares, atos de violência contra
aeroportos, atentados contra a segurança da navegação marítima,
atentado contra segurança de plataformas fixas situadas no planalto
continental e atentados a explosivos. A incriminalização de todos
estes atos de terrorismo está prevista na convenção setorial da
respectiva organização. O último elemento é oriundo da Convenção
para Supressão de Financiamento do Terrorismo, datada de 1999 e
que trata, também, como ato terrorista, todo ato destinado a matar ou
ferir gravemente pessoa ou indivíduo, em tempo de paz, ou que não
esteja participando das hostilidades de um conflito armado.
O segundo ponto na busca de uma definição de terrorismo é
bem mais geral e diz respeito ao fato de que, também no conceito,
podemos admitir a inclusão da idéia de que, normalmente, um ato
de terrorismo visa assassinar, matar ou ferir gravemente uma pessoa

81
Terrorismo

fora de um conflito armado, ou qualquer que seja a qualidade dessa


pessoa, seja ela seja civil ou militar. Essa definição está enquadrada
tanto na Convenção de 1999, no artigo 2º (b), combinado com as
resoluções 368 e 373, do Conselho de Segurança e com o projeto de
Convenção Geral, do seu Artigo 2º, parágrafo 1. Outra possibilidade
de embasamento de tipificação do conceito de terrorismo se insere no
caso de atos que visam danificar bens públicos ou privados, de maneira
grave, ou de maneira que haja perdas econômicas consideráveis. Esse
ponto está ainda em discussão e está previsto, unicamente, no projeto
de convenção, logo, ainda não é ponto pacífico. Em ambos os casos,
o que se pretende em um ato terrorista, é intimidar uma população ou
conduzir um determinado governo ou uma organização a fazer alguma
coisa, ou a ter uma determinada atitude. E dentro dessa lógica, pode-se
citar tanto a Convenção de 1999, quanto o projeto de Convenção.
No que tange à cooperação e à repressão, há uma série de
medidas adotadas pelas Nações Unidas que deveriam ser desenvolvidas
para cooperação: a cooperação mútua, no que diz respeito à troca de
informações relativas à luta contra o terrorismo e a sua prevenção. Há
declarações que visam, neste sentido, eliminar o terrorismo internacional.
Outro elemento que foi adotado pela ONU é a transmissão dos elementos
de prova, conforme as convenções que vinculam os Estados e de acordo
com a Convenção de 1997, Artigo 10. Há ainda o empréstimo de presos,
em função de testemunho; a implementação de métodos de detecção
de explosivos e outras substâncias perigosas; informações relativas
aos métodos de transferência de tecnologia de materiais, conforme a
Resolução 635 de 1989 e a Convenção de 1997, no seu Artigo 15; e, por
fim, o estudo dos meios destinados a supervisionar os organismos de
transferência monetária.
No que se refere, especificamente, à repressão e combate,
seguindo o modelo da Carta das Nações Unidas e das discussões da

82
Terrorismo

Assembléia Geral, podem-se destacar duas formas: a primeira delas é


denominada forma sociológica. Alguns autores e a doutrina tendem a
admitir que deveria ser atacado o terrorismo atacando-se as causas e não
através de um processo de repressão. Deveria, portanto, ser identificado
o caldo de cultura propício para a perpetuação de um ato terrorista e as
causas deveriam ser atacadas mais do que a repressão.
A segunda forma de repressão e combate, disponível na Carta da
ONU, é uma dupla possibilidade. A primeira delas é a possibilidade de
um combate jurisdicional, que possui dois pontos a serem considerados:
a Corte Internacional de Justiça, que é o principal órgão das Nações
Unidas, e um segundo ponto é o Tribunal Penal Internacional. A Corte
Internacional de Justiça teria uma competência material limitada,
apenas, aos Estados, ela não julga indivíduos, qualquer que seja ele, que,
eventualmente, tenha perpetrado um ato de terrorismo. Outra dificuldade
material no encaminhamento da Corte diz respeito à idéia de que a Corte,
trabalhando dentro da lógica de que, no Direito Internacional, o autor
é o destinatário da norma, a Corte Internacional de Justiça só pode ser
solicitada para julgar na medida do consentimento de um Estado, ela
não julga ex-ofício, isto é, ela não pode verificar um determinado ato
terrorista e julgá-lo ex-ofício sem que haja demanda e consentimento das
partes, que são os Estados. Além disso, a Corte tem uma competência
contenciosa e uma competência de dar pareceres, isto é, uma competência
consultiva. Algumas vezes, ela pode ser levada a dar pareceres de natureza
consultiva, como é o caso, por exemplo, do parecer sobre a legalidade do
muro de Israel. Nesse caso específico, a Corte Internacional de Justiça
irá responder, evidentemente, da ilegalidade do muro, mas garantindo
também a segurança de Israel. No que se refere à produção da norma, a
produção do parecer que foi solicitado pela Assembléia Geral, e não por
um determinado Estado, não tem força obrigatória, ou seja, não gera a
responsabilidade do Estado faltoso, é apenas um parecer.

83
Terrorismo

No campo contencioso, a Corte responde, somente, a Estados.


Ela julgou um caso clássico de terrorismo, o atentado de Lockerbie,
Escócia, entre a Líbia e o Reino Unido e entre a Líbia e os Estados
Unidos. Neste caso específico, a Corte não chegou a tratar do mérito
final da questão, que seria solucionado no âmbito político. Há, porém,
uma grande limitação na ação da principal jurisdição internacional
em função, evidentemente, das suas limitações em razão de matéria
e em razão de pessoa. Embora, materialmente, ela possa julgar tudo,
incluindo atos de terrorismo, é necessário que haja consentimento e
dificilmente nós podemos imaginar uma situação no qual o Afeganistão
delegaria à Corte a capacidade de ser julgado pela Corte Internacional
de Justiça pela prática de um ato terrorista, como foi o ato de 2001.
O segundo tribunal é o Tribunal Penal Internacional, criado
a partir do Tratado de Roma, de 1998. Diferentemente da Corte
Internacional de Justiça, ele é a jurisdição clássica competente
para julgar indivíduos que tenham perpetrado crimes no campo do
terrorismo. No entanto, o Tribunal Penal Internacional segue a lógica
do Direito Penal, o que significa que não há lei sem lei anterior
que defina, isto é, não há crime sem lei anterior que o defina. Isso
significa que o terrorismo deveria, necessariamente, estar incluído
no estatuto, ou seja, ele deveria estar tipificado para que, assim, o
Tribunal pudesse julgar o crime de terrorismo, porém, isso ainda não
ocorreu. A dificuldade no conceito na dimensão do crime de terrorismo
é tamanha, que os próprios Estados, visando uma politização do
Tribunal Penal Internacional, excluíram o terrorismo do Artigo 5
ao Artigo 8°, que prevêem a tipificação dos crimes que podem ser
julgados pelo Tribunal Penal Internacional. Isso não significa que
um ato de terrorismo não poderia ser julgado pelo Tribunal, antes,
significa que ele não seria julgado enquanto ato de terrorismo, mas
pode ser julgado, por exemplo, enquanto ato de assassinato ou de

84
Terrorismo

crimes contra a humanidade. Há, portanto, uma tipificação do Artigo


5 ao Artigo 8° do Estatuto que prevê certos crimes, de uma forma
exageradamente precisa, dentre os quais poderiam, em tese, estar
incluídos determinados atos de terrorismo.
Finalmente, uma outra forma de combate é a forma política.
Ela deve ser observada, cuidadosamente, pelo fato de, normalmente,
estar situada no campo do Conselho de Segurança. De acordo com o
Conselho de Segurança, se os Estados estão impedidos de recorrer à
força no campo das relações internacionais e a eles está dirigida uma
arquitetura jurídica na solução pacífica das controvérsias internacionais,
se este fato ocorrer, duas situações se tornam necessárias. A primeira
delas é o Artigo 51, que trata da legítima defesa, e a segunda situação
é uma Resolução do Conselho de Segurança, de natureza obrigatória,
fundada no Capítulo 7, ou seja, no Artigo 25 da Carta, que faz com
o que uma determinada Resolução do Conselho de Segurança possa
abranger, obrigatoriamente, todos os membros das Nações Unidas.
A conseqüência de situações como esta última pode ser
exemplificada com os fatos ocorridos após os atentados de 2001.
Logo após os atentados nos Estados Unidos, o Conselho de Segurança
concluiu duas resoluções importantes, a nº 1368 e a nº 1373, de 2001.
Estas duas resoluções, sobretudo a 1373, no quadro do Capítulo 7 da
Carta das Nações Unidas, foi produzida de forma obrigatória para
outros Estados, inclusive o Brasil. Se, em tese, o autor da norma é
destinatário da norma do Direito Internacional, ao Brasil é estendida
essa Resolução nº 1373, por meio da qual o Conselho de Segurança
obriga todos os Estados a lutarem contra o terrorismo internacional.
Esta é uma Resolução inédita porque o sentido é altamente
abstrato e não sabemos definir o que é terrorismo. Nós estamos
obrigados a combater o terrorismo internacional, somos, portanto,

85
Terrorismo

obrigados a combater o que desconhecemos, a sofrer limitações


jurídicas. Foi criado, a partir da Resolução nº 1373, um Comitê capaz
de estudar e de propor novas resoluções neste sentido. Essa Resolução
trata o terrorismo de forma genérica e abstrata. Quando falamos
em guerra ao terrorismo, há uma indefinição enorme em relação ao
período desta guerra, pois não se sabe qual sua duração. Além disso,
não se sabe o que define o conceito de guerra dentro dessa lógica.
Se estamos em guerra contra o terrorismo, os presos de Guantânamo
deveriam estar cobertos pela Convenção do Direito Humanitário,
pela Convenção de Genebra, o que não é o caso. Temos, portanto, um
ambiente jurídico cinzento que deve ser estudado cuidadosamente.
E o Brasil é destinatário da composição e da produção da norma do
Conselho de Segurança.
No que tange à legítima defesa, esta também autoriza, segundo
o Artigo 51, o Estado a responder a uma agressão utilizando a força. É
uma das exceções à intenção do recurso da força no direito internacional.
O Governo norte-americano atual estabeleceu uma nova compreensão
de legítima defesa, ele redefiniu este conceito, criando a noção de
legítima defesa preventiva. Este novo conceito, unilateralmente, admite
a hipótese de que a legítima defesa é um direito natural, e como tal, é
um costume. Os Estados Unidos interpretam o Artigo 51, na medida
em que este Artigo permitiria à República, neste caso os Estados
Unidos, responder a um iminente ataque terrorista de maneira unilateral.
Esquivou-se de toda a arquitetura normativa internacional na busca da
interdição da utilização da força, e, utilizando o argumento da guerra
contra o terrorismo, expandiu-se o conceito de legítima defesa, que,
diante da indefinição do conceito de terrorismo, pode, de certo modo,
ser bem mais abrangente. Parece que nem mesmo os Estados Unidos
sabem com clareza o campo de ação que permitiria a eles a utilização
da força, e este é um dos argumentos da intervenção ilegal no Iraque.

86
Terrorismo

O palestrante concluiu sua fala, mencionando o problema


do terrorismo vinculado à questão dos direitos humanos. Segundo o
palestrante, esta é uma matéria complexa que deve ser estudada por
nós. Dever-se-ia esclarecer quais as conseqüências de uma política de
segurança no Brasil, as quais não tenham implicações numa política
de respeito à dignidade da pessoa humana.

87
Terrorismo no Brasil:
prevenção e combate

Dr. Carlos Augusto Canêdo Gonçalves da Silva


Procuradoria-Geral de Minas Gerais

General-de-Brigada Marco Aurélio Costa Vieira


Comando do Exército

Delegado Daniel Lorenz de Azevedo


Polícia Federal

Capitão-de-Mar-e-Guerra Waltercio José de Queiroz Seixas


Comando da Marinha
Terrorismo

Dr. Carlos Augusto Canêdo Gonçalves da Silva

Abordagem sob o enfoque jurídico

Em sua palestra, o Dr. Carlos Augusto Canêdo abordou, mais


especificamente, o Direito Interno, o Direito Brasileiro. Segundo
ele, existe um problema de definição de terrorismo na perspectiva do
Direito Internacional, que é muito mais condescendente com a questão
do princípio da legalidade, ou seja, não há crime sem lei anterior que
o defina; no caso de Nuremberg, por exemplo, onde os criminosos de
guerra nazistas foram julgados e em alguns momentos até não havia
tipificação para alguns dos crimes pelos quais eles foram julgados e
condenados. Neste caso, o Direito Internacional Penal teve de lançar
mão de princípios de costumes. Se ao Direito Internacional é lícito
lançar mão, ou flexibilizar, de certo modo, o chamado Princípio da
Legalidade, ou Princípio da Reserva Legal, ao Direito Penal isso é
muito mais complicado. Quando esta questão é levada para o Direito
Penal, para a legislação interna, tem-se um problema complicado de
tipificação.
Sabe-se que o Direito Penal foi todo ele pensado no Direito Penal
Clássico, iluminista, fixado na observância rigorosa do princípio da
reserva legal, exatamente pelo fato de ele ter surgido em combate ao
velho regime, no qual as penas eram absolutamente indeterminadas. A
aplicação destas, a definição de crime, ou a penalização a ser atribuída
a esses crimes, dependiam, de certo modo, da vontade do soberano.
Dessa maneira, o Direito Penal Clássico, iluminista, veio exatamente
para combater esta idéia de tipificações amplas, abertas, na qual não se
tem, exatamente, a certeza da conduta da pessoa, e o crime, para ser
considerado como tal, deveria ser muito bem descrito. Estas exigências

91
Terrorismo

do Direito Penal são muito mais rigorosas e têm uma tradição muito
maior que as do Direito Internacional, até mesmo porque este lida com
uma sociedade anárquica. Ao se observar o Direito Penal, verificamos
uma norma emanada do poder legislativo, aplicada por um juiz, que
exige saber quem é esse juiz, quem tem competência para julgar, qual
o crime exatamente pelo qual se está sendo acusado, onde está descrito
claramente o crime pelo qual se está sendo acusado.
Devido a fatos como estes, verifica-se que há uma série de
absolvições, as quais, muitas vezes, são incompreendidas pela opinião
pública pelo fato de, muitas vezes, o tribunal simplesmente ter se
detido, de maneira excessiva, neste princípio da reserva legal, nesta
idéia de que não passa somente na lei anterior que defina o crime,
mais do que isso, uma lei anterior que defina com certeza e precisão,
pois um tipo penal não pode ser aberto e indeterminado.
O Direito Penal Clássico sempre trabalhou nesses parâmetros e,
para o penalista, é uma dificuldade muito grande lidar com questões,
por exemplo, como terrorismo, cujas definições são trazidas por
campos de estudos que evidentemente não têm compromisso, e nem
precisam ter, com esta reserva legal, com esta idéia de precisão; são,
portanto, campos de estudos ligados a áreas que trabalham com outros
parâmetros. No âmbito do Direito Penal, o penalista é obrigado a
propor uma fórmula, uma tipificação para casos como estes, o que se
mostra bastante problemático.
No que tange ao terrorismo, é um caso clássico a situação
de como se dá o processo de sua tipificação. Em se tratando
especificamente do Brasil, a Constituição afirma que o terrorismo é
um crime assemelhado a crime hediondo. Sabemos que o terrorismo
não admite anistia, indulto, graça ou concessão de fiança para o preso
acusado de tal crime. Além disso, o crime de terrorismo não admite

92
Terrorismo

a concessão de liberdade provisória, e quem for condenado por


este crime cumprirá a sua pena, integralmente, em regime fechado,
embora não saibamos ao certo o que é terrorismo. Sendo assim,
embora saibamos muito sobre o terrorismo, temos o problema de
tipificação, ou seja, não sabemos claramente o que é. O condenado
por terrorismo está sendo condenado por um crime assemelhado ao
crime hediondo e assumirá todas as conseqüências da chamada lei
dos crimes hediondos, de 1972.
Cabe levantar um questionamento referente às questões
discutidas acima. Em uma sociedade, na qual a necessidade de
combate ao terrorismo é vista como premente, que talvez ainda não
seja o caso do Brasil, em uma sociedade como esta é conveniente
que, de certa maneira, possamos abrir mão dessa inflexibilidade de
tipificação que o Direito Penal Clássico exige, ou seja, é o momento
de se colocar o Direito Penal em uma moldura mais flexível, em
nome do combate a determinadas situações de risco, numa sociedade
contemporânea complexa. Flexibilizar essas exigências clássicas de
tipificação a fim de obtermos, em tese, mais eficácia no combate a
determinadas situações de risco.
Embora o assunto tratado aqui seja o terrorismo, poder-se-ia
falar, por exemplo, de crimes ambientais, ou uma série de crimes
contra a ordem econômica e financeira, que, de alguma maneira,
estão ligados à questão do terrorismo, como, por exemplo, lavagem
de dinheiro e crime organizado. Cabe mencionar que, neste último
caso, não há definição exata do que seja crime organizado, embora
este seja um tema diretamente ligado à questão do terrorismo. Parece
que o Direito Penal está se transformando em mais um instrumento
de gestão de risco, ou seja, de ampliação das margens de atuação do
Direito Penal e com isso, sacrificando a reserva legal clássica em
nome da eficácia.

93
Terrorismo

Essa é uma questão que se mostra pertinente, na medida em que,


se em nome do combate aos riscos, o Direito Penal deve surgir como
mais um instrumento desta gestão, e a partir daí usaremos o Direito
Penal também para gerir riscos. Isso significa ampliar margens de
tipo penal, começar a punir, por exemplo, atos preparatórios o que,
do ponto de vista do Direito Penal, é completamente absurdo.
No que se refere ao papel do Direito Penal, talvez este seja o
grande debate contemporâneo dentro da área penal, ou seja, junto
àqueles que advogam um reforço das garantias clássicas. O Direito
Penal tem uma influência muito grande que se denomina dogmática
penal alemã. Grosso modo, este debate é denominado de Escola de
Frankfurt e Escola de Munique. Aquela se caracteriza por representar
quase que uma volta ao Direito Penal Iluminista, onde havia as
garantias, a preocupação, enquanto que a Escola de Munique afirma
não ser mais possível voltar às estas questões, dadas as mudanças
pelas quais havia passado a sociedade e o mundo; os riscos já são
outros e o momento, agora, exige que se comece a pensar no Direito
Penal adequado ao novo milênio.
O que se sabe, portanto, de terrorismo em termos de legislação
é que este é considerado um crime semelhante ao hediondo, a pena
é o regime fechado, integralmente, não cabe liberdade provisória,
fiança, anistia, graça e não cabe indulto. Não é mais um crime contra
a segurança nacional, mas um crime contra a ordem constitucional
do Estado democrático de direito. Logo, é a partir dessa perspectiva
que devemos pensar o terrorismo. Embora a atual legislação, que é de
1983, e, portanto, anterior à Constituição, ainda esteja em vigor, há
o resquício da idéia de segurança nacional dos anos 60, 70. A análise
desse fenômeno, portanto, deve ser feita a partir de uma posição de
1988, que porta no Artigo 4, dentre os objetivos da atuação do Brasil
nas relações internacionais, o combate ao terrorismo. E neste sentido,

94
Terrorismo

o Brasil vem se comprometendo, por meio de uma série de tratados,


a colaborar para o combate e à repressão deste crime.
Acerca do terrorismo, sabe-se ainda que o Supremo Tribunal
Federal também não tem entendido o terrorismo como sendo crime
político, não por uma questão teórica ou doutrinária, mas por uma
questão puramente pragmática. A pessoa acusada da prática de
crime político não pode ser, de acordo com a nossa Constituição,
extraditada, logo, o Supremo Tribunal Federal, para facilitar essa idéia
de cooperação penal internacional, não tem entendido o terrorismo
como crime político, pois se o fizesse estaria obstando um instrumento
de cooperação internacional, que é a extradição.
Segundo o professor Carlos Augusto Canêdo, a prática do ato
terrorista tem uma finalidade política e, dada esta afirmação, outra
problemática se coloca: a definição de crime político. Costuma-se
apresentar 3 critérios explicativos do conceito de crime político. O
primeiro, chamado de objetivo, parte da definição de crime político,
tendo em vista o bem jurídico lesado ou disposto a perigo de lesão.
Assim, são crimes dessa natureza somente aqueles que atentam contra
as condições de existência do Estado como organismo político. O
segundo critério é conhecido como subjetivo e se baseia no móvel
ou em um fim perseguido pelo agente de modo que, se este móvel ou
fim for político, o crime será sempre político, independentemente do
bem jurídico lesado. Aqui, o móvel se constitui um fator decisivo,
pois o comportamento pode ser constituído por um crime comum,
um roubo ou um homicídio, por exemplo, mas o que importa para
sua conceituação como político é que tenha ele tenha sido realizado
por motivação política. Por fim, o terceiro critério, denominado de
critério misto, parte de uma perspectiva objetiva combinando-a com
uma subjetiva. Leva em conta o bem jurídico tutelado e o móvel ou fim
que guia o agente. Os primeiros entendem como políticos os crimes

95
Terrorismo

que atentam contra a organização política ou constitucional do Estado,


ou todos que se realizam com fim ou modo político, ao passo que os
segundos seriam aqueles que, atentando contra a organização política
constitucional do Estado, se realizam também com fim político.
Segundo essa última concepção, não seriam considerados crimes
políticos as ações contra organização política ou constitucional do
Estado, realizada sem fins políticos, e os delitos comuns perpetrados
com móvel político.
Se os critérios e objetivos pecam pela unilateralidade, o misto,
se enfocado como simples combinação dos outros dois, tentará
somar os defeitos de ambos, quando isoladamente considerados. Daí
porque uma tendência radicalmente cética, herdeira do ceticismo de
Carrara ou de Decaria, afirma a impossibilidade e a não necessidade
de se encontrar uma definição de crime político, porque, mais do que
impossível, ela é desnecessária.
O mais importante não é encontrar uma exata definição deste
tipo de delito e sim, focá-lo sobre a perspectiva do Estado democrático
de direito, modelo político expressamente abraçado pela nossa
Constituição Federal Por este motivo, a própria dogmática penal,
operada em consonância com aqueles valores fundamentais do Estado
democrático, onde é necessário se dar livre curso á discordância e à
distensão política-ideológica, se servirá especialmente dos crimes
políticos como barreira, franqueados da política criminal.
Nesta perspectiva, identificamos quatro critérios relacionados ao
princípio da lesividade, o primeiro é a proibição de incriminação de
atitudes internas, ou seja, alguém não pode ser incriminado pelo que
pensa, pelo que quer fazer ou pelo que prepara. O segundo critério
consiste na proibição de incriminação de uma conduta que não exceda
o âmbito do próprio autor, ou seja, que vá além, da responsabilidade

96
Terrorismo

penal objetiva, do dolo ou da culpa do próprio autor. O terceiro


critério diz respeito à proibição de incriminação de simples estados
ou condições existenciais e, por fim, a proibição de incriminação de
condutas desviadas que não afetem qualquer bem jurídico. Este último
critério constitui outra questão fundamental do Direito Clássico, que
é pensado na idéia de que toda ação, para ser considerada crime, ou
ela lesa um bem jurídico, ou pelo menos, o coloca em perigo.
Dessa maneira, para tratar a idéia de crime político e, por
conseqüência o terrorismo, que aqui está sendo colocado como
crime político, nós temos de partir destes princípios constitucionais,
como por exemplo, os princípios da lesividade, da reserva legal, da
probabilidade, dentre outros, todos inserido no Artigo 5, dos Direitos
e Garantias Fundamentais.
Tratando-se, ainda, da questão do Supremo Tribunal Federal,
que não considera, para efeitos de extradição, o terrorismo como crime
político, o Artigo 5, número 52, proíbe a concessão de extradição de
pessoas acusadas da prática de crimes políticos. Entre os motivos que
aconselham a não concessão de extradição para crimes políticos, estão
aqueles relacionados com a sua relatividade no tempo e no espaço, ou
seja, o criminoso político de hoje pode ser o herói de amanhã, com o
problema da legitimidade do Estado requerente, com o perigo de um
Estado excluir-se das disputas políticas de outro e com as duvidosas
garantias de uma justiça imparcial, em se tratando de julgamentos por
perigos dessa natureza.
Verifica-se, hoje, uma tendência restritiva, vale dizer,
desconsidera-se uma determinada ação como crime político, se esta
lesiona a ordem política e o direito comum em caráter simultâneo, que
são os chamados crimes políticos complexos, assim como nas hipóteses
de crimes políticos conexos, ou seja, quando o crime é perpetrado

97
Terrorismo

como medida de preparação para outro, sendo este outro político, para
executá-lo, assegurar seu proveito ou a sua impunidade.
Em se tratando de terrorismo, a tendência atual é não considerá-
lo crime político para efeitos de extradição, menos por razões
doutrinárias ou teóricas, do que por motivos pragmáticos, ligados a
maior necessidade de se estabelecerem mecanismos para sua repressão.
Não sendo ele considerado crime político, permitida estará a concessão
da extradição, aumentando-se as possibilidades de cooperação
internacional entre os Estados. No Brasil, a Lei 6.815, veda no seu
Art. 77, inciso VII, a concessão de extradição em matéria de crime
político. Estabelece, no entanto, no seu § 3°, que o Supremo Tribunal
Federal poderá deixar de considerar crimes políticos, os atentados
contra chefes de Estado ou quaisquer autoridades, bem assim como
os atos de anarquismo, terrorismo, sabotagem, seqüestro de pessoas,
ou que portem propaganda de guerra, ou de processos violentos para
subverter a ordem social e política. Estabelece, o § 1º do referido Art.
77, que a exceção do item VII não impedirá a extradição, quando o fato
constituir, principalmente, infração da lei penal comum, ou quando o
crime comum, conexo ao delito político, constituir o fato principal,
cabendo, exclusivamente, ao Supremo Tribunal Federal apreciar o
caráter de infração. Sendo assim, se a infração é constituída por um
crime comum e um crime político, ou seja, se alguém pratica uma
extorsão mediante seqüestro, teoricamente com objetivos políticos,
o Supremo pode considerar que esta situação, mediante seqüestro,
crime comum, prevalece sobre o crime político, e, portanto, pode-se
haver a extradição. No Brasil, portanto, o terrorismo, pelo menos para
efeito de cooperação penal internacional, não tem sido considerado
crime político.
O palestrante mencionou duas definições de terrorismo da
legislação pós-64. A primeira estava descrita no Decreto-Lei 314/67,

98
Terrorismo

revogado, cujo Art. 25 considerava terrorismo a prática de massacre,


devastação, saque, roubo, seqüestro, homicídio ou depredação,
atentado pessoal, ato de sabotagem, ou terrorismo, ou impedimento
ou tentativa para dificultar o funcionamento dos serviços essenciais
administrados pelo Estado ou por uma concessionária. Essa era,
portanto, a definição que o Decreto-Lei 314/67 dava para terrorismo.
Tratava-se, portanto, de um tipo penal aberto, que punia o terrorismo
sem definir do que se tratava.
O Decreto 898/69, revogado, por sua vez, era mais incisivo,
embora também se referisse ao terrorismo sem defini-lo. Fazia
menção aos atos de devastação, saque, roubo, assalto, seqüestro,
incêndio, depredação, prática de sabotagem ou de terrorismo. Porém,
semelhantemente ao Decreto 314/67, também não tinha definição
do que fosse terrorismo. Após estes Decretos, entrou em vigor a Lei
6.620/78, que também falava de terrorismo em linhas gerais.
Faz-se necessário destacar o tratamento dado ao terrorismo pela
Lei atual, a Lei 7.170/83. Ela também não define terrorismo; ela recebe
o nome de Lei que trata dos crimes contra a segurança nacional, a
ordem política social. E, evidentemente, a leitura dessa Lei, que é a pré-
Constituição de 1988, tem de ser lida na perspectiva de crimes contra
a ordem constitucional democrática, estado de direito democrático,
embora estas expressões não sejam mais usadas. Esta Lei trata de
motivação política, ou seja, ela retoma a idéia de que o terrorismo tem
uma motivação política, e se refere a atentado à integridade territorial
da soberania nacional e à pessoa dos chefes de poderes da União.
Explicitamente, no Art. 20, ela fará referência a atos de devastar,
saquear, extorquir, roubar, seqüestrar, manter em cárcere privado,
incendiar, depredar, provocar explosão, praticar atentado pessoal ou atos
de terrorismo. Portanto, esta Lei não apresenta uma grande evolução,
se comparada com os Decretos-Lei descritos acima, e não mudou

99
Terrorismo

por inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados a


manutenção de organizações políticas subversivas ou clandestinas.
Diante da ausência de uma definição especifica de terrorismo, na
Lei atual, pode-se fazer uma série de criticas, como por exemplo, o fato
de ela misturar o terrorismo com uma série de crimes violentos, que não
são, necessariamente, terrorismo, tais como manter em cárcere privado,
incendiar, depredar, roubar, dentre outros. Coloca-se, portanto, em um
mesmo Artigo, uma série de condutas que não são, necessariamente,
terroristas.
O palestrante concluiu sua fala, apresentando três elementos
que considera importantes para efeito de tipificação da conduta de
terrorismo: em primeiro lugar, a causa de um dano considerável a
pessoas ou coisas; em segundo lugar, a criação real ou potencial de
terror, ou intimidação generalizada, através do uso de instrumentos
capazes de causar perigo comum, como por exemplo, o uso de gases
tóxicos, substâncias bacteriológicas, explosivas etc., admitindo-se,
também, atentados contra indivíduos com a finalidade de criar situação
de pânico generalizado; e por fim, a finalidade política, isto é, uma ação
voltada contra a ordem política e social vigente, no sentido de destruí-la,
transformá-la ou mantê-la pela violência.
A partir dos três elementos apresentados acima, o palestrante
postulou uma definição de terrorismo. Segundo ele, terrorismo seria,
provisoriamente, o ato de praticar atentado contra a vida, a integridade
corporal ou a liberdade, causar destruição e dano através de meios
capazes de provocar perigo comum ou que conduza à difusão de
enfermidades para criação real ou potencial de intimidação generalizada,
com finalidade política e social.
O Projeto de Lei, que está no Congresso Nacional, acrescenta o
Título XII, que trata dos crimes contra o Estado Democrático de direito,

100
Terrorismo

onde no seu Art. 370, define como terrorismo praticar, por motivo de
faccionismo político ou com o objetivo de coagir autoridade, o ato de:
1) devastar, saquear, explodir bombas, seqüestrar, incendiar, depredar,
ou praticar atentado pessoal ou sabotagem, causando perigo efetivo
ou danos a pessoas ou bens; 2) apoderar-se ou exercer o controle,
total ou parcialmente, definitiva ou temporariamente, de meios de
comunicação ao público, ou de transporte, portos e aeroportos, estações
ferroviárias ou rodoviárias, instalações públicas ou estabelecimentos
destinados ao abastecimento de água, luz, combustíveis ou alimentos,
ou à satisfação de necessidades gerais e impreteríveis da população. O
Parágrafo seguinte pune estas mesmas condutas, se praticadas mediante
“acréscimo, supressão ou modificação de dados, ou por qualquer outro
meio, que interfiram em sistemas de informação ou programas de
informática”, estabelecendo, por fim, penalidades mais graves para o
caso em que desses atos resultem lesão corporal grave ou morte.
O professor Carlos Augusto Canêdo finalizou sua palestra,
levantando a questão se o Direito Penal deve surgir como mais um
instrumento de administração e de gestão desses riscos reais ou
perseguidos. Isso abriria uma possibilidade de flexibilização daqueles
princípios clássicos com os quais sempre costumamos trabalhar, em
nome da segurança, e permitiria saber até que ponto nós estaríamos,
como sociedade, dispostos, em nome da segurança, a sacrificar um
desses princípios constitucionais.

101
Terrorismo

Participação da Plenária

O senhor Milton Trindade, da Agência Brasileira de Inteligência


(ABIN), comentou que o governo está implantando, agora, o chamado
programa nacional de integração Estado-empresa na área de bens
sensíveis. São produtos, substâncias químicas e biológicas, que
poderiam ser usadas como Armas de Destruição em Massa (ADM). Há
resoluções da ONU e Convenções que tratam da transferência e da má
utilização destes bens. Ele mencionou um fato ocorrido, segundo ele,
enquanto eram apresentadas ao setor industrial brasileiro as resoluções,
tratados e sanções. Ao se inteirar destas sanções, um industrial químico
brasileiro, produtor de um destes bens, mencionou que, ao observar
a legislação brasileira, verificou que não havia nenhuma lei que lhe
impedisse vender o material que produz e que pode ser utilizado como
arma de destruição em massa. Não há nenhuma legislação no Brasil
que o condene por isso.
Diante do fato, o senhor Milton Trindade perguntou aos
palestrantes se os chamados bens sensíveis, utilizados nas ações
terroristas, já estavam sendo matéria de discussão, assim como as ações
e os agentes terroristas, temas abordados nas palestras anteriores.
O professor Leonardo Brant afirmou que as Convenções
internacionais que tratam de objetos sensíveis que podem vir a ser
utilizados como armas de destruição em massa condenam a utilização,
e não o comércio, que é algo diferente. Neste caso, a condenação não
é do Estado, mas do indivíduo. A possibilidade de que o Estado venha
a intervir, ou extraditar, ou entregar para uma jurisdição internacional,
enfim, para que o Estado venha agir diante de um indivíduo, mas não
do comércio, já que este parte da lei do mercatório, é parte do direito
de comércio internacional, não há nenhuma restrição específica quanto

102
Terrorismo

a isso. Entretanto, no que diz respeito ao terrorismo, a Convenção


vai tipificar, penalizar e incriminar a utilização e não o comércio. Ela
punirá o agente que utiliza este artefato com a finalidade de produzir ou
causar dano contra a população civil, ou com uma finalidade política,
enfim, dentro da dimensão daquilo que podemos considerar enquanto
conceito de terrorismo.
Outra pergunta dirigida aos palestrantes diz respeito à
existência de controle efetivo sobre as fontes de radioatividade,
aquelas que são usadas para fins terapêuticos e industriais e, mais
especificamente, se existe este controle real no Brasil e, caso não
exista ou seja falho, qual seria o estrago de uma bomba suja com as
fontes existentes hoje no Brasil.
De acordo com o professor Anselmo Páschoa, há algum tempo,
principalmente após Goiânia, foi feito um levantamento de todas as
fontes existentes no Brasil. As fontes radiofarmacêuticas, embora
sejam em número muito grande, mais de cem mil, não constituem
um problema significativo. O problema maior são as fontes usadas,
taticamente, em teleterapia, por exemplo, que são fontes de cobalto
e de césio, pois, se usadas em conjunto, pode-se criar um efeito
significativo em termos de danos.
Ainda segundo o professor Anselmo, no que se refere ao controle
destas fontes, há algum tempo atrás, ele realizou, juntamente com
alguns colegas, um levantamento; chegou-se à conclusão de que
havia o controle de, aproximadamente, 98% das fontes que se saiba
existirem. Existem uns 2% muito complicados, como é o caso, por
exemplo, das barcaças da Amazônia que, em uma determinada época,
funcionavam de forma clandestina. Nem os donos sabem que ali há
uma fonte de césio 137 para fazer direcionamento de areia que eles
tiram das margens.

103
Terrorismo

O professor Anselmo Páschoa disse que, há 13 anos, quando foi


diretor da Comissão, propôs e divulgou em vários locais que havia
perdão para aqueles contrabandistas que denunciassem a localização
de barcaças, para que fosse possível retirar a fonte. Mas a operação
teve pouco sucesso. Dessa maneira, o que é mais grave é que existem
algumas dessas barcaças que são fontes potenciais, são várias fontes
de césio 137 e se alguém tomar o cuidado de recolhê-las pode fazer
uma bomba suja com um razoável poder.
No que tange à bomba suja, o problema é que ela não cria
uma destruição tão grande quanto se pensa, pois é de efeito local.
Essencialmente, os maiores efeitos são político e psicológico, mas
o efeito físico é muito pequeno. No documento de junho de 2001, já
mencionado pelo professor Anselmo Páschoa em sua palestra, havia
sido proposto, como um cenário maior de risco, o uso de uma bomba
suja num distrito financeiro de importância mundial, situado na ilha de
Manhattam, onde uma bomba suja seria deixada em uma lixeira para
explodir com um projétil de artilharia. Mas os danos físicos ficariam
limitados a cerca de 5 ou 6 quarteirões naquela região. Para se ter
uma idéia, é possível que pelo menos um dos aviões que bateram
contra as Torres, carregasse material radioativo. Nos Estados Unidos,
existiam dois reatores com radioatividade positiva, sendo que um está
localizado no MIT. Todas as pesquisas médicas e não médicas feitas
no oeste dos Estados Unidos utilizam esse material radioativo que é
irradiado no MIT, e transportado por avião. Embora se tente negar a
existência de contaminação no caso das Torres, foi criado um centro
de descontaminação, pois se sabia da existência de radiação naquele
acidente.
Segundo o professor Anselmo Páschoa, o problema da
capacidade de se produzir a bomba suja é extremamente importante, só
que uma bomba suja, ainda que grosseira, é, consideravelmente, mais

104
Terrorismo

fácil de ser produzida que a bomba nuclear e não se pode descartar


esta possibilidade no Brasil.
Outra pergunta dirigida aos palestrantes foi feita por um
representante do Ministério da Saúde. Ele mencionou o fato de, em
Brasília, haver diversos casos de ameaças de bombas nos Ministérios,
mas, felizmente, são apenas trotes. Considerando o fato mencionado,
ele perguntou se a organização, quer seja pública, quer seja privada,
detém poder de polícia para fazer revista em todas as pessoas que
ingressam nas suas dependências, a fim de evitar, de forma preventiva,
que alguém possa vir a entrar nestas instalações portando este artefato
explosivo.
De acordo com o doutor Carlos Augusto Canêdo, o
entendimento, hoje, é o de que, se houver fundadas suspeitas, pode
haver uma intervenção por parte do órgão ameaçado, porém, o agente
que o fizer, responderá pelas conseqüências do ato se, a posteriori,
ficar provado que estas suspeitas eram infundadas.
O professor Leonardo Brant fez uma interferência na qual
afirmou que, em se tratando da pergunta feita, o problema a ser
discutido é o tipo de terrorismo do qual se está falando, já que este
efeito legal se aplicaria, somente, quando se trata de um terrorismo
convencional, porém, no caso de um terrorismo do tipo suicida, este
aspecto jurídico perderá seu valor. Ele disse ainda que devemos
começar a nos preparar para situações complicadas como estas. Cabe
aqui perguntar como a sociedade reagiria se houvesse um caso, por
exemplo, de um terrorismo suicida. É muito difícil, em um país com
as dimensões do Brasil, com o tamanho das cidades brasileiras, onde é
dificílimo controlar a pobreza, os ataques e ameaças em carro, ocorrer
um processo deste tipo, mas temos de começar a pensar em coibir,
de alguma forma, este tipo de ameaça que, na opinião do professor

105
Terrorismo

Leonardo Brant, ainda existe neste país, embora muitos discordem,


mas não se pode negar que muitos eventos ocorrem no país, e um
possível evento pode até não ser dirigido ao Brasil propriamente dito,
mas ser usado como um alvo de conveniência.
Uma última pergunta dirigida aos palestrantes foi elaborada
pelo senhor Pedro Gentil. Ele perguntou se, determinada uma ação
de investida contra um alvo, isto é, determinada uma investida de
um time tático, na qual haja a morte do terrorista, ou a morte do
seqüestrador, quem estaria na responsabilidade de ser julgado, se o
agente, que entrou pela porta, ou a autoridade que determinou a ação.
Pois temos dificuldade em identificar, em escalão decisório, como
seria definida a hora de entrar ou não entrar, a não ser que houvesse
um fato emergente que detonasse a crise. A pergunta se justifica pelo
fato de haver aqueles que defendem que, em uma situação onde haja
um terrorista e cinco agentes, aquele passa a ser vítima, por estar em
menor número.
De acordo com o doutor Carlos Augusto Canêdo, a ação não
estaria, necessariamente, invalidada, se houvesse um terrorista e cinco
agentes, pois aquele poderia estar bem armado e estes não. No que
se refere, mais especificamente, à atuação policial ou de combate ao
terrorismo, em tese, todos são responsáveis: a cadeia de comando,
quem deu a ordem e quem entrou. Porém, cabe ressaltar que, o fato
de, em tese, todos serem responsáveis não significa que alguém será
condenado, ou seja, a ação policial é absolutamente legítima, ela só não
pode exceder os limites dessa legitimidade. O cenário da ação policial
de repressão é a ação que deve ser dada, uma ação lícita e que somente
será considerada ilícita no momento em que houver excesso.
O professor Leonardo Brant, também respondendo a pergunta
levantada acima, afirmou que o autor do ato terrorista não responde

106
Terrorismo

de forma objetiva. Esta foi a grande evolução, desde os julgamentos


de Nuremberg e do famoso processo Eichman, no qual este tenta,
evidentemente, vincular a sua responsabilidade subjetiva como um
dos autores da solução final, pois, na época do nazismo havia uma
responsabilidade hierárquica superior, e ele era um mero ator, um
agente administrativo daquela máquina. Se alguém tivesse de ser
responsabilizado pela prática do ato terrorista, deveria ser o chefe
do escalão e, neste caso, se chegaria ao chefe do partido como único
culpado e responsável por tudo, Hitler. Esta versão, portanto, foi
eliminada já desde Nuremberg, e o Tratado de Roma, que constitui
o Tratado de Garantia do Direito Penal Internacional, reconhece
a responsabilidade subjetiva. Podemos citar como exemplo, as
responsabilidades admitidas de, por exemplo, militares, sobre o
comando de determinados grupos, inclusive representantes do
Estado, justificando até uma política de segurança nacional, podendo,
eventualmente, virem a ser julgados pelo tribunal de Roma, na medida
em que eles tenham cometido crimes contra a humanidade, crimes
de genocídio etc. O fim, portanto, neste caso, ainda que legal, no
interior de um Estado, não justifica os meios, que incluem o terrorismo
enquanto tipificação, terrorismo enquanto crimes de guerra, ou crime
de genocídio, crimes contra a humanidade etc.

107
Terrorismo

General-de-Brigada Marco Aurélio Costa Vieira

Estrutura de resposta às ações terroristas

A palestra do General-de-Brigada Marco Aurélio Costa Vieira


foi subdividida em introdução, definições, conjunturas, a brigada
propriamente dita, outras organizações que estão em condições de
atuar contra o terrorismo, uma estrutura de contra-terrorismo para
atender aos dois elementos e, conclusão.
Segundo o General, sob o prisma de um soldado, a primeira
regra para combater o inimigo é conhecê-lo, o que não significa
necessariamente respeitá-lo. E, por mais que resistamos à idéia, o
que se conhece como terrorismo internacional faz parte da tradição
militar, tradição esta compreendida como usança, como forma de
combater e, reconhecendo como usança militar, não precisamos,
necessariamente, dignificar os seus agentes, mas sim conhecê-los.
Tratar o terrorista moderno como qualquer outra coisa senão um tipo
distinto de combatente é conceder-lhe muito mais poder, visto que o
terrorismo, atualmente, nada mais é que a configuração de uma guerra,
valendo-se da violência contra os civis.
No que tange ao terrorista, atualmente, ele é o integrante de
unidades paramilitares, é um indivíduo treinado, um soldado que está
atuando nesta situação de combatente disfarçado, e que leva a cabo
campanhas ofensivas, organizadas e orquestradas. Neste sentido,
podemos citar Hitler, mais ligado ao terrorismo de Estado, Lênin,
que jamais rejeitou o terror e Bin Laden, a quem não interessam as
explicações dos secretários de defesa; ele sabe onde, como e de que
maneira atacar e ferir a quem ele deseja. Além disso, o terrorista utiliza
a violência, busca a intimidação difusa da sociedade, atinge vítimas

108
Terrorismo

de maneira indiscriminada, pode ter vários motivos e é amoral. Existe


uma fase preparatória, com todos esses preparativos, existe um ataque,
onde o terrorista se desloca, reúne, monta, executa e em seguida ele
infiltra ou não, até às operações de informações que ele executa.
Em se tratando do Brasil, as contramedidas passam por uma fase
preventiva que, fundamentalmente, coletam a inteligência e treinam
forças capazes de fazer oposição a este terrorista. Na crise, ou ataque
propriamente dito, agimos por meio de ações táticas, negociação,
armas não letais, snipers e assaltos, exatamente nesta ordem, até se
chegar às próprias operações de informação. Na fase de conseqüência,
tem-se um gerenciamento das conseqüências, as respostas de governo
e todas estas demais medidas.
Entendemos como contra-terrorismo, a fase que vai da crise até
a conseqüência, e, como anti-terrorismo, a fase que corre ao longo de
todo o processo. Entendemos também, que a fase preventiva, crise
e conseqüência, são, diretamente, da alçada do governo Federal. O
governo Estadual, talvez um pouco antes da crise, comece a pensar nela
e no local, essencialmente. Portanto, nosso anti-terrorismo é definido
como medida preventiva que inclui esta lista completa: inteligência,
medida de segurança de autoridades, preparação de agentes, dentre
outros; enquanto que o nosso contra-terrorismo é compreendido como
as medidas propriamente repressivas, negociação, resgate etc. O termo
americano atual é contra-terrorismo, pois eles não utilizam mais o
termo anti-terrorismo.
No que se refere ao gerenciamento de conseqüências, trata-se
das medidas usadas para mitigar os efeitos de um ataque terrorista.
As alternativas táticas são as formas de operar; é necessário que se
entendam as alternativas táticas, pois elas se apresentam quando
acontece uma situação de barricada: alguém, encurralado ou não,

109
Terrorismo

como seqüestradores, alto nível de estresse, pequena disponibilidade


de tempo, incerteza, presença principalmente da imprensa, além
da pressão da opinião pública constante, choque de jurisdição e
coordenação e freqüente interferência externa, principalmente de
ONGs, familiares e políticos. Neste caso, as alternativas táticas são
rigorosamente cumpridas. Primeiramente com a utilização de agentes
químicos, depois de snipers e por último, assalto.
Quanto às motivações básicas de atos terroristas, compreendemos
que estas, tanto econômicas, como quando o indivíduo é criminoso
simples, ou psicológicas, quando ele é psicologicamente perturbado,
cabem à esfera policial. Os Estados Unidos possuem a Swat, que, no
Brasil, corresponderia à Polícia Estadual ou Polícia Federal.
As operações especiais são aquelas conduzidas por forças
militares ou paramilitares, visando alcançar objetivos políticos,
econômicos, militares ou psicossociais, sempre de cunho estratégico.
Elas se diferenciam das operações convencionais pelo seu elevado
grau de risco, técnicas, táticas e procedimentos muito específicos,
além do alto grau de independência das ações, da grande dependência
da inteligência e do emprego de um número grande de material de
alta tecnologia.
As forças de operações especiais, por sua vez, mistos das
operações, são destacamentos pequenos, especialmente motivados,
adestrados e equipados, que operam, de maneira ostensiva ou não,
cumprindo missões complexas, a fim de atenuar o significativo de
escalada da crise. Elas possuem um alto valor de combate agregado,
uma tropa pequena, porém, muito poderosa em termos de poder de
fogo; assumem riscos calculados e sabem fazê-los, buscam uma
superioridade relativa, isto é, em um determinado ponto, eles serão
12 ou 15 ou 40, mas, provavelmente, demonstrarão superioridade em

110
Terrorismo

relação ao oponente. As forças de operação representam a ponta de


lança de todas as novas missões dos exércitos e são capazes de gerar
uma vantagem estratégica.
A força de operação especial é normalmente empregada quando
existe um vácuo entre iniciativa diplomática e emprego de tropa
convencional; em situações onde não é possível dizer que se vai
guerrear, mas é necessário que se comece uma guerra. É, exatamente,
neste cenário que surge a força de operações especiais, pois ela
assegurará um amplo e eficiente espectro de respostas militares de
baixo perfil, mas de grande eficiência.
O palestrante destacou as tecnologias de rápido acesso e rápido
emprego. Segundo ele, talvez, atualmente, este seja o maior perigo que
enfrenta quem raciocina com terrorismo. As chamadas seis guerras da
globalização, todas, sem exceção, se valem desta tecnologia e é muito
difícil, pois não são ligadas, geograficamente, desafiam a soberania das
nações, e a democracia promove brechas para a entrada dessas guerras,
a tecnologia e o mercado também o fazem, a Lei permite e incentiva,
a burocracia dos governos é um facilitador e as organizações não
são mais lineares, nem estruturadas. O ambiente Latino-americano,
complexo, apresenta as ameaças não convencionais, carente de
instituições sólidas e governabilidade. Sofre, ainda, com a ausência
do Estado, principalmente na zona fronteiriça, possui baixo nível de
confiança mútua e, diante deste cenário, é necessário que se crie algum
mecanismo de condenação institucional em nível nacional.
No que tange à natureza da ameaça, cabe destacar que,
atualmente, existe uma preocupação em desafiar ou agredir os Estados
Unidos, e isso pode acontecer em qualquer lugar e se traduzir em
terrorismo. Para compreender esta situação, devemos compreender
o que vem a ser conflito assimétrico, que se vale, fundamentalmente,

111
Terrorismo

da guerrilha e do terrorismo. Nós vivemos, portanto, diversos quadros


de conflitos assimétricos no mundo e temos o terrorismo como uma
das formas de combate a estes conflitos assimétricos, inclusive com
a utilização de agentes químicos radiológicos e biológicos.
O princípio fundamental da ameaça e contra-ameaça é a ação
militar, na qual se elimina a ameaça na frente, por antecipação
das ações, ou se neutraliza para reduzir o risco. Para que haja
antecipação e inteligência é importante recolher e processar em
tempo hábil e oportuno a informação de natureza militar, enquanto
que, para a oposição, usam-se forças de operações especiais, pois
elas respondem, exatamente, aos requisitos deste tipo de missão, ou
seja, devem-se projetar, rapidamente, pequenos grupos de força, com
elevado Estado de prontidão e adestramento. As forças de operações
especiais, portanto, têm muito maior capacidade operacional e
muito maior especialização tática, sendo ambas as características,
fundamentalmente, necessárias.
Em se tratando dos cenários montados, a ação do terrorismo
internacional contra cidadãos e organismo brasileiros é pouco
provável, ao passo que, a ação do terrorismo contra alvos tradicionais,
principalmente contra cidadãos ou instalações norte-americanas ou
israelenses, é um cenário muito provável, com possível interferência
externa. Por fim, o cenário de o Brasil atingir, indiretamente, populações
afetadas em outros países, é real, e é o que tem acontecido algumas
vezes. Há ainda outro cenário, que é o Brasil atingido, diretamente,
por ações efetuadas por grupos terroristas, aproveitando-se de um
megaevento realizado no país, com sérias conseqüências políticas e
econômicas. Este, portanto, é o cenário com o qual nós trabalhamos e
é o mais provável de emprego de tropas, forças e operações especiais.
Entretanto, não temos nenhum argumento para organizar e, dessa forma,
nos apoiamos sobre três hipóteses de emprego do exército. A primeira

112
Terrorismo

hipótese diz respeito ao atendimento a compromissos internacionais,


assumidos pelo país, como a missão de Paz no Haiti, por exemplo. A
segunda hipótese de emprego seria a defesa de interesses nacionais,
bens e recursos brasileiros ou sob jurisdição brasileira, fora do território
nacional; é a proteção de embaixadas. Nesse caso, já temos força de
operações especiais protegendo as embaixadas do Brasil, na Colômbia e
na Costa do Marfim. A terceira e última hipótese corresponde à garantia
dos poderes constitucionais da Lei e da Ordem. A Lei Complementar nº
117, de 2 de setembro de 2004, estabelece que cabe ao Exército, e não
à Marinha ou à Força Aérea, realizar operações na fronteira. A terceira
hipótese de emprego constitui, portanto, o apoio aos órgãos de segurança
pública federais e estaduais nas operações ditas especiais: resgate de
reféns, negociação, operações psicológicas e ações em força.
Em se tratando da Brigada, ela trabalha desde 2004 em operações
conjuntas e combinadas. Ela vem desempenhando seu papel desde o
primeiro curso de operações especiais, em 1957. Em 1992, ela começou
a trabalhar com o contra-terror, com o destacamento do Alfa-ômega,
e até este ano era batalhão, pois a Brigada propriamente dita só surgiu
em 2003, e em 2004 ela começou a trabalhar com operações conjuntas.
A Brigada é uma unidade diretamente subordinada ao Comandante da
Força, é sua tropa estratégica; está localizada em Goiânia, tem uma 3ª
Companhia de Forças Especiais, em Manaus, e tem o Centro de Instruções
de Operações Especiais, localizado no Rio de Janeiro. A Brigada possui,
ainda, o Primeiro Batalhão de Forças Especiais Pára-quedista, o Primeiro
Batalhão de Ações de Comandos Pára-quedistas, o Destacamento de
Operações Psicológicas, futuro Batalhão, além da 3ª Companhia de Forças
Especiais em Manaus, o Destacamento de Apoio às Operações Especiais,
já Batalhão, o 1º Pelotão de Defesa Química, Biológica e Nucleares, o 6º
Pelotão de PE, além do Centro de Instrução e a Guarda Administrativa,
que não são unidades consideradas operacionais.

113
Terrorismo

O efetivo da Brigada é de 1698 homens, mas 2050 já foram


aprovados para entrarem em operação a partir de 1° de janeiro de
2006. A Brigada tem, no seu Estado-Maior, 9 sargentos, 15 oficiais
especializados, com o curso de Estado-Maior, e muitas divisões.
Muitas vezes, até um Comando Militar não tem esta estrutura. Em
geral, são destacados dois oficiais superiores e um Capitão para a
ligação, em caso de operação.
O Primeiro Batalhão de Forças Especiais é uma companhia
de apoio, e possui, atualmente, um efetivo de 186 homens, efetivo
este que, no futuro, chegará a 287, todos sargentos e oficiais. Um
destacamento de operações de forças especiais é composto por 12
homens, enquanto que, um destacamento contra o terror possui 73
homens, também todos oficiais e sargentos. O Batalhão de Comando
tem como missão a realização de ações de comando, operações de
resgate, além de operações contra o terror. Ele é organizado por
3 Companhias de Ações de Comando e por um Destacamento de
Reconhecimento de Caçadores. Possui um efetivo de 353 homens,
e terá, em breve, 560.
Um Destacamento de Ações Comando (DAC) possui 42 homens
e também todo o seu efetivo é formado de oficiais e sargentos. A 3ª
Companhia realiza operações de forças especiais, mas na Amazônia.
O Destacamento de Operações Psicológicas realiza operações
psicológicas juntamente com a Brigada, e atua também nas operações
contra o terrorismo, antes, durante e após a crise. Seu efetivo atual
é de 48 homens, mas no futuro, o efetivo será de 185 homens.
O Destacamento de Apoio, que já é um Batalhão, apóia todas as
operações em logística e comunicações. O efetivo atual é de 186,
mas passará a 395, a partir do dia 1° de janeiro. O Pelotão de Defesa
Química, Biológica e Nuclear apóia as ações em força, no emprego das
armas de munições não-letais e atua nas operações contra o terrorismo.

114
Terrorismo

Atualmente, possui um efetivo de 15 homens, mas passará a contar


com 56. Por fim, o Pelotão PE, que também atua nas operações de
controle de tráfego e circulação de pessoal, e conta com um efetivo
atual de 48 homens.
O 1º Batalhão, portanto, em sincronia, realiza a ação tática
principal, enquanto que o 1º Batalhão de Ações de Comando efetua
o cerco aproximado e isola a área; o Destacamento de Operações
Psicológicas desenvolve ações específicas e apóia a negociação; o
Pelotão de Defesa Química detecta se há emprego ou não de agentes
químicos, biológicos e nucleares, orienta e apóia o emprego de armas
não-letais pelo BF Especial e, por fim, o 6º Pelotão de PE controla o
tráfego e o acesso de pessoas nas áreas da crise.
Há ainda o Centro de Instrução de Operações Especiais, uma
unidade única no exército; é a escola de operações contra o terrorismo.
Ela é especializada em formar recursos humanos. Atualmente, possui
um efetivo de 388 homens, e, a partir de janeiro, contará com 568
homens, exclusivamente voltados para a formação de comandos,
forças especiais e operações psicológicas.
No que se refere à Brigada, esta pode conduzir operações de
forças especiais e de ações de comando, desdobrando até 2 postos de
comando. A Brigada pode conduzir operações psicológicas, além de
prover o apoio logístico, bem como comandar e controlar as tropas
de operações especiais das Forças Singulares, integrantes de uma
Força-Tarefa Combinada de Operações Especiais, quando da sua
ativação. A Brigada participa ainda de operações internacionais,
como por exemplo, o destacamento que está fazendo a segurança da
Embaixada do Brasil na Costa do Marfim. A competência essencial
da Brigada de Operações Especiais é a prontidão para emprego
imediato em operações de combate não-convencional, especialmente o

115
Terrorismo

contra-terrorismo. A Brigada tem condições de atuar em repressão ao


terrorismo com um destacamento contra-terror, incluindo duas equipes
de snipers e duas equipes de assalto, podendo, ambas, se infiltrar em
qualquer uma dessas situações. Em operações de força, a Brigada
conta com três Destacamentos de Operações de Forças Especiais e
quatro Destacamentos de Ações de Comando.
No que diz respeito ao futuro da Brigada, o Primeiro Batalhão
de Forças Especiais, pelo projeto, em 2007, terá uma companhia
completa, além da ativação da segunda e de um Destacamento de
Contra-Terror. Enquanto que o Batalhão de Comando contará com
duas Companhias de Ações de Comando completas e mais a 3ª
Companhia e o Destacamento de Conhecimento e Controle sendo
ativados. Em termos de operações psicológicas, a Brigada ativará o
Batalhão, a partir de 2006, com uma Companhia de Ações Psicológicas
e uma Companhia de Disseminação; atualmente, a Brigada trabalha
com um núcleo de duas.
No que se refere à ação conjunta entre a Brigada e outras
organizações militares, aquela trabalha em parceria com estas
organizações e com elas tenta se organizar. Dentre as organizações
com quem a Brigada se organiza, destacam-se o Parasar, com um
efetivo de 23 homens; o Grupo Especial de Retomada e Resgate do
Batalhão de Operações Especiais (GEROPESP) dos Fuzileiros Navais,
cujo efetivo é de 53 homens; o Grupamento dos Mergulhadores de
Combate, o GRUMEC, com um efetivo operacional de 24 homens; no
Departamento da Polícia Federal, o famoso Comando de Operações
Táticas - COT, subordinado aqui à Direx, possui um Serviço de
Estratégias Táticas e um Serviço de Operações Táticas com um efetivo
de 26 homens; e, por fim, as polícias militares estaduais, que possuem
Companhias em diversos Estados brasileiros.

116
Terrorismo

O General Marco Aurélio Costa Vieira, apresentou uma proposta


referente à questão do contra-terrorismo no Brasil. De acordo com o
palestrante, partindo de uma estrutura genérica, pode-se compreender
que esta ação é uma operação militar e como tal, possui um nível
estratégico, um nível operacional e um nível tático. No que se refere ao
nível tático, a Brigada se situa juntamente com o Comando Combinado
de Terra, Ar e Mar. Este é, portanto, o nível tático em que atua uma
Força de Operações Especiais.
Partindo deste princípio, podemos compreender que no nível
político-estratégico está o comando ou o centro de operações do
Comando Supremo, a Presidência da República. Enquanto que
no nível estratégico operacional está o Comandante da Operação,
provavelmente um comandante militar.
As forças componentes ligadas são a força componente do
Exército, da FAB, da Marinha, de segurança pública e a força
componente de operações especiais, Força esta composta por
forças-tarefas. Sendo assim, apesar desta Força ser, provavelmente,
comandada por um oficial nível de General de Brigada, ele está em
um nível quase que estratégico, visto que a decisão de atirar ou não,
em uma situação de terrorismo, passa por esta instância. Esta Força-
Tarefa tem como missão comandar e controlar todas as operações
especiais, as forças singulares, conduzir as operações psicológicas
e prover apoio logístico, além de estabelecer comunicações internas
e externas, destacar as equipes de ligação para os diversos outros
segmentos onde uma operação militar está acontecendo e acessará
autoridades federais e estaduais em assuntos relativos às operações
de contra-terrorismo. Portanto, no nível político-estratégico, haveria
uma equipe de ligação, a força tarefa combinada de operações
especiais, além da assessoria de operações especiais. Há um colegiado
permanente, no qual há representantes do Exército, da Marinha e da

117
Terrorismo

Aeronáutica. Já no nível estratégico-operacional, provavelmente,


estará o Comandante Militar do Comando Combinado da operação.
No Comando Militar da operação que está no nível estratégico, há
uma equipe de ligação da Força-Tarefa Combinada, composta de
forças militares e outras forças policiais. É interessante mencionar
que o nível estratégico das operações contra o terror está no GSI, na
Presidência da República.
Em se tratando da proposta propriamente dita, o General
finalizou sua palestra apresentando uma breve explicação acerca do
que seria uma célula de combate contra-terror, com os meios e com a
lei que temos disponíveis hoje. Consoante o General, precisaríamos
de um comando de controle, um escalão combinado, um escalão de
inteligência, um escalão de negociação, escalão de suporte técnico e um
escalão tático. Aqui estão todos aqueles grupos que foram nomeados
acima, agentes não-letais, grupos de snipers, grupo de assalto, grupo
anti-bomba, além do escalão de isolamento, de operações aéreas e de
apoio logístico. A organização desta célula contaria com o Estado-
Maior, cujo efetivo seria de, aproximadamente, 82 homens; contaria
ainda com uma primeira seção de pessoal, outra de inteligência, uma
terceira de operações, de logística, de comunicação social, dentre
outras. Haveria, ainda, o comando de controle, que estaria ligado à
parte de publicação de ligação; um escalão de negociação, do qual
participaria Exército, Marinha, Polícia Militar e Policia Civil; um
escalão de inteligência, com um efetivo de 41 homens; o escalão de
suporte técnico, com 26 homens; o escalão tático, do qual participariam
grupos de agentes não-letais, da ordem de 33 homens; um escalão
tático e o grupo de snipers, além de todos os grupos já citados aqui; um
escalão tático do grupo anti-bomba, com um efetivo de 68; escalão de
isolamento; escalão de operações aéreas, com as equipagens treinadas
para esse tipo de operação, com um efetivo de 95 homens e, por fim,

118
Terrorismo

um escalão de apoio logístico, com 86 homens. Sendo assim, teríamos


de contar com, no mínimo, um efetivo de cerca de 1000 homens para
trabalhar em um megaevento, como é o Panamericano.
Para este evento ainda seria necessário apresentarmos
um cronograma básico, no qual se solicita uma definição desta
Força Combinada até dezembro de 2005, além das retificações de
planejamento, treinamento final, sem esquecer os reconhecimentos,
até a operação do Panamericano, propriamente dita, de 13 a 29 de
junho de 2006.
Há ainda providências administrativas urgentes que definirão
desde o local do movimento das tropas, até cálculo de consumo de
comida, combustível, munição para treinamento e para a operação
propriamente dita, além do local, instalação e operação do centro de
comando de controle, padronização dos uniformes a fim de que um
agente não atire no outro e, por fim, cálculo de outros gastos muito
importantes.
O General Marco Aurélio Costa Vieira concluiu sua palestra
dizendo da necessidade de se implementar esta política nacional o
quanto antes, mencionando, ainda, a importância de que a atuação
da autoridade nacional se efetive e que se definam, urgentemente, a
estrutura, a organização, o comando e a forma de atuação das operações
especiais do Panamericano. É preciso estabelecer responsabilidades
e atribuições legais de todos os agentes capacitados; é fundamental
iniciar o adestramento do conjunto, para que se obtenham
resultados satisfatórios nas operações e é necessário incrementar o
compartilhamento das informações, principalmente no nível tático.

119
Terrorismo

Delegado Daniel Lorenz de Azevedo

Estrutura de resposta às ações terroristas

O doutor Daniel Lorenz fez uma apresentação na qual abordava


algumas considerações acerca do Departamento de Polícia Federal e
do papel deste Departamento no combate ao terrorismo. De acordo
com o palestrante, este Departamento atua no combate ao terrorismo
em três níveis: o primeiro é a atuação como Polícia Judiciária da
União, com respaldo constitucional; atua, também, dentro do viés da
atividade de inteligência policial e, por fim, conta com a atuação do
comando de operações táticas.
Na atuação de Polícia Judiciária da União, o Departamento tem
como função constitucional apurar as infrações penais contra a Ordem
e Política Social. É, também, sua atribuição constitucional apurar as
infrações cuja prática tenha repercussão internacional e exige uma
repressão uniforme. Existe, dentro da DPF, um setor específico que
trabalha com essa parte de segurança interna.
No que tange ao ramo da atividade de inteligência policial,
o Departamento de Polícia Federal realiza intenso trabalho em
cooperação com a Agência Brasileira de Inteligência e outros órgãos
de inteligência externos, buscando basicamente atender à Resolução nº
1373/01 do Conselho de Segurança da ONU, cuja executoriedade em
território nacional é estabelecida pelo Decreto 3.976, de 18 de outubro
de 2001. No que se refere, especificamente, à Resolução nº 1373/01,
ela propõe um intenso intercâmbio de informações operacionais com
órgãos de inteligência e policiais de vários países e busca a sistemática
de dados sobre a atuação de extremistas. Dentro dessas operações de
inteligência policial, que são conduzidas pela Divisão de Inteligência

120
Terrorismo

Policial, o Departamento tem uma ampla capacidade de busca do dado


negado e possui efetivo compatível com as necessidades nacionais.
Há de se entender que este combate à atividade terrorista dentro do
viés de inteligência policial é uma atividade que deve ser realizada
de forma cooperativa, ou seja, com vários órgãos integrados entre si,
pois, dentro do cenário almejado, faz-se necessária esta integração e
este também é o principal motivador da necessidade desta autoridade
nacional contra o terrorismo, onde vários órgãos se fazem presentes
e nele podemos tratar e disciplinar melhor a busca do dado negado,
e com isso, atender as nossas decisões estratégicas, e em última
instância, o nosso Presidente da República.
Dentro dessas operações de inteligência policial há um viés todo
especial para o seguimento das leis nacionais. Há uma preocupação na
Policia Federal quanto à legalidade destas operações de inteligência,
visto que não adianta nada conduzir provas ilegais e não conseguir
levar às barras da justiça os criminosos. Sendo assim, desde o início,
desde as operações de inteligência, nós buscamos a produção de provas
válidas, que venham a delimitar a autoria desses delitos.
Quanto à atuação do Departamento de Polícia Federal como
unidade tática, há o comando de operações táticas, que foi criado
dentro da Polícia Federal a partir de uma recomendação de uma
Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, em 1983. Não houve a
criação espontânea, apesar das atribuições condicionais, mas houve
uma recomendação desta Comissão. Efetivamente, o Comando
de Operações Táticas (COT) foi criado em 1988 e possui alguns
parâmetros para a sua composição, atuação, missão e como ele
funciona em crises. Há uma preocupação quanto ao recrutamento
das pessoas que compõem o Comando de Operações Táticas. Elas
passam por uma prova física e outra técnica, além disso, existe um
acompanhamento psicológico desses policiais. Cabe ressaltar que

121
Terrorismo

estes policiais têm mais de duzentas operações reais e bem sucedidas,


eles não ficam somente treinando, mas atuam. É necessário realizar
o acompanhamento psicológico desses policiais. Por exemplo, o
esquadrão de snipers já realizou atuações positivas, nas quais foi
obrigado a eliminar bandidos, e, após estas atuações se faz necessário
realizar o acompanhamento destes policiais, dentro da linguagem de
situação da atividade policial, a fim de observar se não existe ou se
não repercutirá um estresse pós-traumático, pós-combate, ou seja, se
esse policial ainda pode continuar com suas atividades.
É importante destacar que os recrutados são todos voluntários e
partem para um treinamento intenso, quando são observados no sentido
de ver se eles se amoldam, se têm o perfil adequado para ficar na unidade.
Devido ao fato do Comando de Operações Táticas também atuar dentro
da atividade de contra-inteligência do Departamento de Polícia Federal,
prendendo policiais corruptos, ele se torna um dos poucos órgãos do
Governo Federal que tem a capacidade de cortar a própria carne com tal
veemência. Por este motivo, estes policiais devem ter uma irrepreensível
conduta funcional, já que serão quase que a polícia da polícia, ao deter
os maus policiais.
O Comando conta com um efetivo de 50 homens, mas há um efeito
de multiplicação, na medida em que se tem mais 250 policiais treinados
com táticas e armas especiais e que estão nos locais onde a Polícia
Federal possui instalações. Estes 250 policiais auxiliam, sempre que
necessário, um contingente maior dentro das missões que são destinadas
ao combate.
No que diz respeito à missão do COT, esta se baseia, principalmente,
em apoiar os órgãos centrais e descentralizados do DPF, no desempenho
de missões de alto risco, cujas características exijam policiais federais
com treinamentos específicos em armas e táticas especiais. Dentro das

122
Terrorismo

200 operações realizadas pelo COT, todas foram bem sucedidas, nenhum
refém foi morto, apenas um foi levemente ferido, não pelos agentes do
COT, mas pelo próprio seqüestrador e nenhum dos integrantes do COT
sofreu um tiro ou ficou incapacitado.
As principais missões do COT se destinam ao apoderamento de
aeronaves, à apreensão de drogas, e à realização de prisões de delinqüentes
tidos como perigosos para a atividade normal da polícia. Em se tratando
deste último ponto, cabe destacar que o último apoderamento ilícito de
aeronave, modalidade dita terrorista e bastante comum entre os grupos
terroristas nos anos 70, o último apoderamento de aeronave ocorrido no
Brasil foi realizado há 17 anos, quando um Boeing 737-200, da Vasp, foi
seqüestrado e o intuito do seqüestrador, cujo nome era Raimundo Nonato,
era lançá-lo sobre o Palácio do Planalto. O seqüestrador foi abatido, vindo
a falecer poucos dias depois, em um hospital de Goiânia. Todos os mais
de noventa passageiros foram salvos, bem como o comandante. O co-
piloto, porém, foi morto em pleno ar pelo seqüestrador.
Dentro da atividade de apreensão de drogas, o COT tem o recorde
de apreensão em uma única operação de drogas, no caso cocaína, são 7
toneladas e 300 quilos, em 1994, no Estado do Tocantins. Já dentro das
missões de prisões de pessoas perigosas, ou pessoas que requeiram o
emprego de homens e táticas especiais, o COT prendeu Darcy e Darly
Alves, ambos assassinos de Chico Mendes; o Major Ferreira, da Polícia
Militar de Pernambuco, que chegou a representar o Brasil em competições
internacionais de tiro; o Deputado Federal Hildebrando Pascoal e todo o
seu grupo; o Coronel Cavalcante, da Polícia Militar de Alagoas, além da
detenção de vários policiais federais envolvidos no crime organizado.
No que se refere à capacitação dos integrantes do COT, estes
são permanentemente treinados e quando ingressam na unidade,
participam, durante 15 semanas, do curso de operações táticas em

123
Terrorismo

regime integral, com caráter eliminatório e carga horária de 770


horas/aula. Durante este curso, eles têm a oportunidade de travar
relações e aprender com outras unidades, também experientes, do
Exército Brasileiro, por exemplo. Entre as técnicas desenvolvidas no
curso de operações táticas, podemos destacar o resgate em edificações,
aeronaves, ônibus e navios. Em cada uma destas situações existem
peculiaridades e circunstâncias extremamente difíceis de atuação.
Foi realizado um intercâmbio com a unidade de operações especiais
da Polícia Federal de Fronteira da Alemanha, em 1992, criada após o
evento das Olimpíadas de Munique, e já naquela época, consideravam
que, para se entrar com eficácia dentro de um avião pequeno, que é
o Boeing 737 300, seria necessário um total de 50 homens, dada a
dificuldade de entrar em uma aeronave.
No que diz respeito ao conceito de intensos combates à curta
distância, já que é esta a grande característica das ações de combate
em áreas restritas, algumas táticas tiveram de ser adaptadas, quando
nestas situações se faz necessário eliminar, rapidamente, o oponente,
pois já se esgotaram as fases de negociação, e foram oferecidas todas
as oportunidades de ele se render. Parece que, atualmente, os terroristas,
diferentemente, dos terroristas das décadas de 70 e 80, querem ser
martirizados, não têm interesse em se defender ou negociar.
Há algum tempo, em situações de combates à curta distância,
usavam-se as chamadas granadas de luz e som, que davam um tempo
de reação de alguns segundos para o agente se locomover em intensos
combates à curta distância e eliminar, rapidamente, o seu oponente que,
momentaneamente, deixava o seu refém, e atordoado pelo som e pelo
impacto da luz, buscava a sua defesa. Era, portanto, o exíguo, o tempo que
o agente tinha para eliminar o inimigo. Atualmente, entretanto, devido à
atuação dos terroristas, já não há mais esta possibilidade, porque a primeira
reação é chamar a mídia, o que torna a situação difícil.

124
Terrorismo

Além da capacitação que o COT recebe dentro do país, há ainda a


capacitação dos integrantes deste Comando junto a unidades no exterior.
Por ser uma unidade policial, o COT busca a capacitação de seus agentes
além das forças militares brasileiras, em unidades policiais fora do
país, que tenham experiência nesse confronto. Entre estes países estão
Alemanha, Estados Unidos da América, Espanha, Colômbia, Chile e
Argentina.
O palestrante apresentou uma análise dos últimos atentados
terroristas. De acordo com o doutor Daniel Lorenz, os últimos atentados,
após o 11 de setembro de 2001, que teriam causado mais impacto no Brasil
teria sido o atentado em Bali, no qual morreram 202 pessoas, dentre as
quais havia brasileiros. Além deste, houve ainda o atentado a um teatro em
Moscou, em 2002, onde morreram em torno de 170 pessoas; o atentando
na escola em Bezlan, na Rússia, cujo número total de mortos foi de 300
pessoas, sendo que 200 eram crianças, e por fim, os mais recentes, que
foram os atentados à estação de metrô e no ônibus em Londres, onde
morreram cerca de 50 pessoas.
Diante destes fatos, percebe-se que todas as ações, nas quais
não houve um martírio imediato, mas houve uma intervenção de
forças especiais, o número de mortos foi maior. Pois, dentre os eventos
assinalados acima, naqueles em que não houve atuação de unidade
tática morreram cerca de 450 pessoas, em torno de 200 em Bali, 50 em
Londres e 200 em Madri. Enquanto que nos eventos que contaram com
a atuação da unidade tática, o número de mortos foi de 470 pessoas, 170
em Moscou e 300 em Bezlan. Cabe, portanto, chamar a atenção para a
dificuldade que é empregar uma unidade tática em condições como as
descritas acima.
O palestrante finalizou sua apresentação discorrendo sobre o
emprego do COT, que, segundo ele, possui mais de 200 missões reais

125
Terrorismo

de alto risco bem-sucedidas, sem baixas fatais em sua unidade. O


COT participou de missão real de apoderamento ilícito de aeronave de
grande porte, há 17 anos. E, por fim, o COT está, permanentemente,
treinado, capacitado, aprestado e mantendo intercâmbio operacional
com as melhores unidades táticas policiais do mundo, pronto para
empregar os conhecimentos adquiridos em missões reais. Um dado
que não costuma ser divulgado é que o COT possui um tempo
de aprestamento dentro do avião da Polícia Federal de apenas 40
minutos. Tem-se, portanto, 50 policiais aprestados, com poder de
desdobramento de mais de 250, para atuar a partir de 40 minutos,
desde o chamamento; neste tempo, eles já estão dentro da aeronave,
equipados e prontos para partir para qualquer lugar do país. Como
qualquer unidade especial, o COT também tem seu lema: “a qualquer
hora, em qualquer lugar, para qualquer missão e dentro do tempo de
30 minutos”.

126
Terrorismo

Capitão-de-Mar-e-Guerra Waltercio José


de Queiroz Seixas

Estrutura de resposta às ações terroristas

O palestrante abordou os fundamentos jurídicos dentro do tema de


estruturas de resposta às ações terroristas, mas voltado para a parte que
cabe à Marinha. Tratou também do sistema de alarme, que é o Código
Internacional de Proteção de Embarcações e Instalações Portuárias (ISPS
Code), da estrutura e da resposta dentro da Marinha para esse sistema de
alarme, apresentou alguns casos ocorridos, encerrando a palestra com a
projeção de um filme sobre a ação dos Mergulhadores de Combate em
um exercício na plataforma.
Em se tratando dos fundamentos jurídicos, a Convenção das Nações
Unidas sobre o Direito do Mar estabelece os espaços marítimos (o mar
territorial, a zona contígua, a zona econômica exclusiva, a plataforma
continental, e alto mar). Além de estabelecer, ainda, os direitos e deveres
dos Estados costeiros e de outros Estados em relação a cada espaço
mencionado. Assim, cabe ressaltar que o Estado costeiro é o primeiro
responsável pela proteção de todos os navios, aeronaves e pessoas que
se encontram, legalmente, dentro de seu território (áreas interiores
e mar territorial). Entretanto, se este Estado for incapaz ou mostrar-
se sem determinação para tomar as medidas cabíveis, ou ainda se as
circunstâncias exigirem uma ação imediata para proteger vidas humanas,
o Direito Internacional reconhece o direito de outro Estado utilizar os seus
navios de guerra ou aeronaves militares. Um exemplo deste caso é o que
vem ocorrendo entre Palestina e Israel, pois pelo fato de a Palestina não
estar conseguindo controlar seus terroristas, Israel vem, prontamente,
atacar e fazer a contra-ofensiva aos terroristas palestinos.

127
Terrorismo

O Estado costeiro é responsável pela proteção de todos os navios,


aeronaves e pessoas que estejam em seu território (águas interiores e
mar territorial) quando da ocorrência de situações de salvaguarda, de
vida humana no mar, ou estabelecidas em acordos internacionais. Com
isso, motivada pelo trágico evento ocorrido nos Estados Unidos, em 11
de setembro de 2001, e diante da possibilidade de emprego de navios
como vetores para ações terroristas, a Organização Marítima Internacional
(IMO) vem estabelecendo uma série de resoluções que têm provocado
mudanças no cenário marítimo internacional, visando, principalmente,
a intensificação da segurança e da proteção marítimas. Essas resoluções
foram inseridas na Convenção Internacional para Salvaguarda de Vida
Humana no Mar, no Capítulo XI, sendo a parte 1 destinada à Segurança
e a parte 2, à Proteção.
No que tange a proteção marítima, esta compreende os navios
empregados em viagens internacionais e as instalações portuárias
que operam os fretes internacionais, como o Porto de Santos, que
na América Latina, e, dentro do ISPS CODE deveria ter um fiscal
americano. Isso não significa que o comércio internacional pare
de fazer suas transações, antes, estas transações serão mais caras,
caso não se obedeça a estas regras. Em relação a isso, a Portaria
Ministerial, 33/04 estabelece os níveis de segurança de navios e
portos e institui a Rede de Alarme e Controle em função de possíveis
atentados terroristas. O Governo Brasileiro estabelece, por meio dessa
Portaria, uma série de instruções e delegações de competência para
diversos órgãos componentes do Poder Executivo, no que diz respeito
à proteção de navios e instalações portuárias, em cumprimento ao
disposto na SOLAS.
Em se tratando da definição de terrorismo, o Comandante
propôs mais uma definição, a qual, segundo ele, é compartilhada por
Marinha, Exército e Aeronáutica. Na ótica destes órgãos, terrorismo

128
Terrorismo

é “a forma de ação que consiste na realização de atos ou ameaças


de atos de violência, destinados a criar um estado de medo, com
o intuído de coagir um governo, uma autoridade, um indivíduo,
um grupo, ou mesmo toda a população a adotar determinado
comportamento”.
O comandante citou um caso recente do que poderia ser
considerado terrorismo, que vem ocorrendo na região do Estreito de
Málaca, onde os mares são compartilhados por Cingapura, Indonésia
e Malásia. Nesta região, têm ocorrido diversos incidentes ligados
à pirataria prejudicando, assim, o comércio marítimo e fazendo
com esta área seja considerada uma área de risco de guerra e como
conseqüência, os seguros e o mercado ficarão mais caros. É, portanto,
a situação na qual o terrorismo internacional, embora não tenha
atingido na totalidade, atingiu alguns pontos focais na economia.
Consta que os piratas são componentes de grupos terroristas de
origem islâmica em operação nos países da região. Entretanto,
nada impede que essas ações visem um ato terrorista de grandes
proporções.
A Estrutura de Resposta a atos terroristas, dentro da Marinha,
é a mesma estrutura do Comando de Operações Navais, envolvendo
os meios navais, aeronavais e de fuzileiros navais subordinados aos
Comandos de Distritos Navais, ao Comandante- Chefe da Esquadra,
e ao Comandante de Fuzileiros da Esquadra.
Segundo o Comandante, para se ter a Estrutura de Resposta,
primeiro é necessário ter a Estrutura de Controle. Sendo assim,
a Marinha do Brasil exerce o controle do tráfego marítimo dos
navios mercantes brasileiros, cuja adesão é obrigatória, e os navios
estrangeiros, adesão opcional, quando em áreas de responsabilidade
do país, por meio de sistema operado pelo Comando de Controle

129
Terrorismo

Naval do Tráfego Marítimo. Cabe mencionar que este Comando de


Controle Naval surgiu durante a Segunda Guerra Mundial, com os
americanos, que possuíam o controle dos comboios para apoio ao
conflito.
A área que é de responsabilidade da Marinha corresponde a
uma vez e meia a do território brasileiro, isto é, a Marinha possui uma
responsabilidade enorme sobre outro país fora do Brasil.
No que se refere ao Sistema de Controle, dentro deste se encontra o
Sistema de Alarme. De acordo com o Comandante Waltercio, o Sistema de
Alarme e Proteção do Navio, o SSAS, estabelecido pela Regra 6, da parte 2
do capítulo XI do SOLAS, está sendo operado utilizando-se uma estrutura
da Marinha do Brasil. Assim, o Salvamar Brasil, situado no Comando de
Operações Navais recebe todos os alarmes de navios de bandeira brasileira.
Atualmente, por determinação do ISPS CODE, os navios que forem para os
Estados Unidos deverão ter este sistema de alarme. Por enquanto, os navios
que estão fazendo a navegação de cabotagem não têm essa obrigação.
Ele apresentou ainda um fluxograma, no qual, quando um sistema
de alarme é acionado, verifica-se uma razoável gama de variáveis: navio
de bandeira brasileira ou não, posição no interior da área SAR, etc. Após
identificado um incidente de proteção, o Comando de Operações Navais
comunica o fato ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI), que, se
necessário, se comunica com a Polícia Federal e com os portos. O GSI
aprecia o caso, obtém decisão quanto à ação de segurança apropriada a
ser tomada. Estas são, portanto, as diversas situações que envolvem a
Marinha brasileira, situações que não ocorrem na área do Brasil, ou que
ocorrem, mas o navio é de bandeira estrangeira, como foi o caso de um
navio venezuelano. Em casos como o último descrito, a Marinha recebe
informação do país interessado e procura fazer o fluxograma, esta é,
portanto, uma decisão política. Durante o corrente ano, 6 navios de bandeira

130
Terrorismo

brasileira já fizeram soar o alarme no Salvamar Brasil, sendo que todos eles
foram falsos. Houve ainda, recentemente, o caso de um navio Venezuelano,
em que foi informado ao Salvamar Brasil o reconhecimento do alarme do
Navio-Tanque Luiza Cárceres, a 16 milhas do litoral. O Salvamar Brasil,
por sua vez, solicitou informações da posição do RCC da Venezuela. No dia
seguinte, o Comandante do 3º Distrito Naval, responsável por aquela área de
jurisdição, enviou um Navio-Patrulha para fazer a interceptação do referido
navio. Ao ser interceptado, o Comandante do Navio-Patrulha recebeu a
informação do Comandante do Navio-Tanque, que o acionamento do
alarme havia sido acidental. Quando este alarme é acionado, só é recebido
pelo Salvamar Brasil. Após avaliação do Comando de Operações navais
e do Comandante do 3º Distrito Naval, foi ordenado o regresso do navio
ao porto sede (Natal). Ainda em se tratando deste caso, cabe mencionar
a atuação da FAe, com uma aeronave que sobrevoou a área nos dias 6 e
7 de fevereiro, confirmando o movimento do navio-tanque, de retorno à
Venezuela. Este, portanto, foi um fato recente, embrionário; a atuação está
ainda em uma fase inicial. Cabe ressaltar que o GSI/PR foi informado das
ações desenvolvidas.
O Comandante destacou ainda um ponto principal na sua fala, que
é a existência de plataformas estrangeiras, principalmente, americanas,
localizadas no litoral brasileiro. De maneira que, nada impede que um
terrorista, que queira fazer uma pequena ação para motivar um problema
político ou econômico, ou qualquer agitação, venha atuar na área.
Ele encerrou sua apresentação destacando que a Marinha do Brasil
já efetuou vários procedimentos em diversos cenários onde existe a
possibilidade de ação de terroristas. Entretanto, é necessário um maior
investimento em adestramento e material, de modo que as medidas
preventivas e reativas às ações terroristas no mar sejam eficientes e estejam à
altura das responsabilidades decorrentes dos compromissos internacionais,
assumidos pelo País.

131
Terrorismo

Participação da Plenária

A seção de debate foi iniciada pelo professor Francisco Carlos


Teixeira Da Silva (Universidade Federal do Rio de Janeiro), que pediu
alguns esclarecimentos ao General Marco Aurélio Costa Vieira, a
respeito do cenário apresentado pelo General, na sua fala. O professor
Francisco Teixeira disse não ter ficado claro a questão do controle de
vias expressas e de abertura de vias expressas para movimentação,
como por exemplo, foi o caso de uma explosão em Toulouse, próxima
à indústria de aviação espacial francesa, em que metade da cidade
correu para o outro lado, impossibilitando o acesso das forças de
defesa civil ao local, devido a um grande engarrafamento na cidade,
com o centro histórico fechado.
O segundo ponto que poderia ser esclarecido, segundo o
professor Francisco Teixeira, é a questão de hospitais e estoques de
medicamentos e vacinas, pois, se estas informações estão em um
banco de dados, parece claro que também deve estar estabelecido
a quem caberia a administração de hospitais e o procedimento de
vacinação. Por fim, um terceiro e último ponto a ser melhor debatido,
diz respeito ao transporte dos estoques de vacinação e também a
retirada da população civil. O professor perguntou ao General, a quem,
dentro deste esquema, caberia a responsabilidade de pensar e iniciar
a retirada da população civil.
O professor Francisco disse que uma das questões mais
preocupantes, em sua visão, é que, em caso de procedimento de
retirada da população de um dado local ameaçado por terroristas, se,
imediatamente após a chegada das tropas, haveria a possibilidade de
chegada das plantas dos prédios, já que são indispensáveis em casos
de ameaça. Ele perguntou se estamos preparados, se temos recursos

132
Terrorismo

e se estamos exigindo que estas plantas sejam reproduzidas, se há


uma central, ao menos de Ministérios, Universidades e Hospitais,
por exemplo.
Além disso, outra coisa que, consoante o professor, parece muito
comum, e que ele também não viu ainda, diz respeito à cooperação de
instituições civis, como a Universidade, por exemplo, em caso de uma
situação de sítio, de embarricamento, ou coisa parecida. Ele perguntou
se haveriam pessoas prontas para interpretar uma interceptação de
rádio em árabe, por exemplo, em um momento como este. Se haveria
a possibilidade de contactar pessoas aptas a ajudar na interceptação,
negociação, ou para ao menos ler que tipo de roupas ou sinais externos
as pessoas estão utilizando.
O professor Francisco Teixeira encerrou sua participação
mencionando um fato que se passou com ele próprio. Ele disse
que saiu do Brasil duas vezes, de carro e retornou de carro; entrou
no país de carro por Corumbá e chegou ao centro de São Paulo,
sem ter sido identificado nenhuma vez. No aeroporto de Corumbá,
havia equipamento e mobília, mas não havia pessoal para fazer a
identificação, enquanto que o aeroporto de Chapecó não contava,
sequer, com mobília ou equipamento. Ele disse ter chegado ao centro
urbano de São Paulo, a bordo de um avião de grande porte, o qual
poderia ter chegado a São Paulo em situações diversas ou poderia ter
sido desviado para Angra. Diante deste relato, o professor Francisco
Teixeira perguntou o que estará acontecendo com alguns dos portos
do Brasil, que estão absolutamente escancarados.
Respondendo às questões levantadas pelo professor Francisco
Teixeira, o General Marco Aurélio Costa Vieira comentou que os
questionamentos feitos eram muito bons, na medida em que davam a
oportunidade de as coisas serem colocadas como elas realmente estão.

133
Terrorismo

Segundo o General, se pegarmos cada um dos efetivos, em termos de


polícia, mostrados por ele em sua palestra e incorporar os efetivos do
Exército, da Aeronáutica, da Marinha, e compararmos com a população
brasileira, será possível dimensionar exatamente a importância que damos
ao assunto. Se não damos importância ao assunto, é muito difícil carrear
importância estratégica e recursos. Ele afirmou que, o estado atual do
Brasil é de total despreparo para qualquer atividade violenta. Supondo
que ocorresse a tomada de uma aeronave no aeroporto de Brasília,
por exemplo, a primeira discussão seria acerca de a quem caberia a
responsabilidade de agir: será que ao Parasar, que treina diariamente a
retomada de aeronave, será que cabe à polícia militar local, que possui
um batalhão de operações especiais preparado para fazer a retomada
de aeronaves, ou será ainda a Policia Federal, que, atualmente é quem,
legalmente, realiza a retomada de aeronave. Supondo ainda que a aeronave
tenha se deslocado para a área do aeroporto militar, a aeronáutica é quem
reivindicará o direito de agir. Dessa maneira, é evidente que, atualmente,
temos uma confusão real, que se constitui o primeiro problema.
O segundo problema com o qual lidamos, segundo o General,
diz respeito à retaguarda desta confusão legal, pois, se de repente,
estabelecemos uma situação qualquer nesta crise, e ela chega a durar
dias, quem será responsável por alimentar os agentes? Quem é que
oferecerá resguardo logístico de combustível, munição etc? Quem
promoverá a substituição da câmera que se danificou durante a
operação, por exemplo? Para todas estas questões ainda não existem
respostas definidas. Se nós não temos respostas para estas questões
básicas, afirmou o General, seguramente nós não estamos preocupados
com a via expressa, nem tão pouco com medicação de hospital. E não
estamos preocupados com a situação.
Consoante o General Marco Aurélio Costa Vieira, temos que
brigar com as armas que temos. Se hoje é desta estrutura que dispomos,

134
Terrorismo

pois bem, a primeira solução proposta por ele, é organizarmos esta


estrutura, a fim de fazer frente a uma emergência de curta duração, e
que sejamos capazes, com nossos meios, de saná-la. E, paulatinamente,
a começar pela legislação, devemos nos organizar, pois o que foi
mencionado acima, referente a atividades terroristas, está em uma
crise anunciada e seguramente acontecerá.
Ele chamou a atenção para os levantamentos feitos pelas equipes
terroristas, que apontam para o fato de que o escape de terroristas
seria para um país como o Brasil, que possui toda a infra-estrutura
possível para se realizar a ação, não tem legislação específica, não
tem controle do porto, do aeroporto, da entrada e da fronteira. Logo,
é um país ideal para que se possa aproveitar tudo que foi falado
neste Encontro, como caldo de cultura e tecnologia, por exemplo, e
aqui desenvolver um ataque local, ou de outro sítio. Sendo assim, é
indispensável que comecemos a estabelecer metas viáveis, factíveis,
primeiro em termos de legislação, e depois em termos de organização,
a fim de que tenhamos a capacidade de fazer frente a uma situação de
emergência, pois, na atual situação em que nos encontramos, a nada
somos capazes de fazer frente, com exceção de pequenas respostas
pontuais e sempre em força, não contamos com nenhuma retaguarda
logística para atender a possíveis ações terroristas.
Ainda no que tange às questões apontadas pelo professor
Francisco Teixeira, o delegado Daniel Lorenz fez algumas
contribuições. Segundo ele, em se tratando do controle de vias
expressas e de uma série de medidas, parece haver algumas respostas
em um curso chamado Curso de Mobilização, na Escola Superior
de Guerra. Quanto aos problemas das fronteiras, delegado Lorenz
disse que a preocupação do professor Francisco Teixeira é absoluta
válida, visto que são 8 mil quilômetros a oeste desguarnecidos, além
de mais 8 mil que temos extrema dificuldade de controlar. Entretanto,

135
Terrorismo

a presente situação não é algo tão desalentador, pois se repete em


diversos outros lugares do mundo, como a Faixa de Gaza, que é
bem menor, ou a Baixa Califórnia, onde parece não haver ninguém
controlando a entrada e saída de pessoas. Este, portanto, não parece
ser um problema exclusivo do Brasil, mas, evidentemente, a polícia
já está atenta, visto ser sua obrigação o controle aeroportuário.
Em relação à interceptação árabe e outro apoio logístico, o
Departamento de Inteligência da Polícia Federal atua em três níveis:
como Polícia Judiciária, normalmente apurando o fato depois de
ocorrido, no nível de unidade tática, que é o Comando de Operações
Táticas, e dentro da atividade de inteligência. O Delegado disse garantir
que, hoje, o Departamento possui todas as condições para fazer este
acompanhamento, e oferecer, inclusive, o suporte de inteligência
para a unidade tática, em casos, por exemplo, de haver uma tarefa de
apoderamento de aeronaves com árabes, muçulmanos, ou a tomada de
alguma instalação diplomática, em Brasília, por exemplo.
O senhor Pedro Schneider, Coronel da Reserva do Exército,
comentou que, no primeiro semestre de 2005 houve um seminário
sobre armas não-letais e terrorismo, em Washington. Dentro do tema
discutido no Encontro, o Coronel Schneider perguntou acerca de que
espécies de armamentos estão sendo previstos, não só em termos de
armas não-letais, mas de uma maneira geral, para enfrentar uma situação
de terrorismo.
Respondendo à pergunta acima, o General Marco Aurélio Costa
Vieira afirmou que, em termos de tecnologia, bem como de material,
armamento, munição, armamento não-letal e munição não-letal, o
Exército acredita que a situação do Brasil é boa. Ele disse, ainda, estar
certo de que se fizermos uma comparação com outro tipo de unidade
tática, o Exército está equiparado, em termos táticos, inclusive na

136
Terrorismo

utilização de armamento não-letal. O que diferenciará a capacidade do


Exército da capacidade dos demais é o que se denomina suporte técnico.
São os suportes técnicos, ou a capacidade de entrar, sem ser visto, com
câmeras, equipamentos de sensores, telefones especiais, escutas, em
determinados lugares, esta tecnologia, que ninguém passa, o Exército
ainda não possui, entretanto, no que se refere a armamento e munição
não-letal, não há muito que inventar, trata-se, por exemplo, do som, da
luz, ou de uma bala de borracha, um escudo protetor, algum tipo de
proteção na cabeça, dentre outros. O que é necessário saber é como usar
este armamento. Os armamentos deste porte que têm sido desenvolvidos
no Brasil estão no mesmo nível dos desenvolvidos em outros países,
em termos de não letal. O que nos falta, portanto, é o suporte técnico, já
que, em termos do emprego ou da maneira de como se trabalha a parte
tática, não só o Exército, mas as demais forças de operações especiais
do país estão perfeitamente igualadas com o restante do mundo.
Outra pergunta dirigida aos palestrantes dizia respeito da
existência ou não de um serviço que dê conta do transporte de material
radioativo, pois, embora seja pequena a probabilidade de ocorrer ataque
a usinas na Europa e nos Estados Unidos, pois são bem guardadas, no
Brasil o mesmo não acontece: a região de Angra, por exemplo, é um
lugar extremamente fácil de ser tomado e ser utilizado para se criar um
grande dano ambiental. Foi perguntado como está o programa que dá
conta de questões relacionadas a materiais radioativos, já que a maneira
de detectar material radioativo não é trivial, pois cada elemento que
pode ser usado como componente de uma bomba suja tem um sistema
de detecção próprio.
O delegado Daniel Lorenz afirmou que a Divisão de Inteligência
da Polícia Federal estava, naquele momento, realizando uma operação
de inteligência, com a colaboração de técnicos da CNEM que estão
oferecendo o suporte técnico para conduzir um trabalho em questões

137
Terrorismo

relacionadas ao transporte de material radioativo. O delegado afirmou,


ainda, que o caminho para se realizar, com sucesso, este tipo de
operação, passa por cooperações como esta. Os técnicos da CNEN
estão auxiliando agentes do Departamento de Inteligência da Polícia
Federal a fim de que estes estejam capacitados para tratar o material
que está sendo apreendido da maneira mais correta.
Segundo o General Marco Aurélio Costa Vieira, o ranqueamento
citado na questão não existe, mas está sendo providenciado pelo grupo
de trabalho da Presidência da República, e está sendo aguardado com
ansiedade, porque nós temos necessidade deste ranqueamento. Na
operação militar, quando não se têm meios, prioriza-se, é regra normal.
Quando se tem uma frente muito grande para defender, selecionamos
a frente. Dessa maneira, trabalha-se sempre com a maior possibilidade
de ocorrência e, atualmente, esta possibilidade de ocorrência de
evento é estimada com dados da própria inteligência do Exército, já
que não existe troca de inteligência entre os órgãos que trabalham
com operações especiais. Esta, inclusive, é uma questão que deve ser
trabalhada, tem de haver, ao menos, uma troca de inteligência tática
entre os diversos órgãos que têm a mesma preocupação.
O General salientou a importância de que, aqueles que vão
trabalhar no nível estratégico, raciocinem, rapidamente, para
resolver este problema, para que não ocorra o mesmo problema
que ocorreu na Rússia, no teatro de Moscou e no Rio de Janeiro, no
ônibus 174, ambos os casos foram marcados pela incapacidade de
gerenciamento local, não foi estratégico, nem tão pouco político,
foi simplesmente local. Foi incompetência colocar a dose de gás
correta, incompetência de antes de tomar ciência da situação, quando
houve a primeira explosão, partir para uma tomada sem decisão
balanceada. Situações como estas são perfeitamente possíveis de
ocorrer no Brasil e as forças de operações táticas podem, facilmente,

138
Terrorismo

cair no descrédito, na medida em que não tiverem uma reação, a


qual é muito fácil, até certo ponto, porque ela vai ser sempre local.
É necessário, portanto, que aqueles que estão reunidos, no nível
político e estratégico, pensem nesta questão, com vista a encontrar
a resolução deste problema tático local.
O Ministro José Carlos de Araújo Leitão, da Saei, finalizou o
Encontro Terrorismo, afirmando que, após as discussões promovidas
pelo Encontro, estamos mais cientes a respeito da importância desse
tema. Lembrou que é a segunda vez, desde dezembro de 2003, que
a Secretaria promove seminário sobre a complicada questão do
terrorismo. O Ministro finalizou agradecendo aos palestrantes, público
presente e a todos os que contribuíram para a realização do Encontro
sobre Terrorismo.

139
O TERRORISMO DE MASSAS NA
NOVA ORDEM MUNDIAL: em
����������������
busca de uma
nova estratégia de segurança e de defesa

Francisco Carlos Teixeira Da Silva


Professor Titular de História Moderna e Contemporânea
da UFRJ, Coordenador do Laboratório de Estudos do Tempo
Presente/TEMPO e Professor Emérito da Escola de Comando e
Estado-Maior do Exército.
Terrorismo

A expressão “Guerra contra o Terrorismo” surgiu no próprio


dia do ataque de 11 de setembro de 2001, sob a forma de uma tarja
elucidativa nos principais programas de noticiários da TV americana,
acompanhando a onda nacionalista que atingiu a imprensa americana.
Somente alguns dias depois foi assumida, formalmente, pelo governo
americano como denominação de sua política externa.
Na mídia americana a expressão “Guerra contra o Terrorismo”
vinha substituir a primeira tarja, inaugurada pela CNN ainda no
próprio 11/9, a América sob Ataque, e visava, claramente, mostrar
ao povo americano que o país possuía um governo e estava em ação
após o impacto do bárbaro ataque contra Nova York e Washington.
Após os primeiros dias de perplexidade e dor, o governo começa
a se movimentar. Com as primeiras informações apontando para
a organização Al Qaeda - a mesma que já havia atacado o World
Trade Center em 1993, e inúmeros outros atos terroristas como o
ataque simultâneo contra as embaixadas no Quênia e Tanzânia, além
do US Cole, depois de 1998, as atenções dos órgãos de segurança
voltavam-se para o Afeganistão onde estariam as bases e os campos
de treinamento da organização. Por sua vez, o Departamento de
Estado começa a construção de uma ampla frente diplomática - a
expressão aliança seria forte demais - para enfrentar o terrorismo
islâmico, enquanto nova ameaça global. Coube à Inglaterra de
Tony Blair tomar a iniciativa na frente internacional, de certa forma
substituindo com maior habilidade o próprio presidente W. Bush na
costura de uma frente anti-fundamentalista – a referência aqui era
sempre em direção ao Afeganistão, ainda não havendo acusações
sérias contra Saddan Hussein -, num momento em que a América
parecia prescindir, voluntariamente, de qualquer ação diplomática,
optando conscientemente pela resposta militar ao desafio terrorista.
Com rapidez, a Rússia e a China Popular - ambos países também

143
Terrorismo

alvo da ação do fundamentalismo islâmico, um na Chechênia e outro


em Xinjiang - alinham-se com os americanos, enquanto a Europa
invoca, pela primeira vez, os artigos de defesa militar da Otan. A
Índia, cuja abertura para o mundo tornara-se intensa desde 1991,
percebendo uma clara oportunidade para encaixar seu conflito com o
Paquistão sobre a Cachemira na mesma rubrica de “Guerra contra o
Terrorismo”, apóia rapidamente as iniciativas anglo-americanas. E o
Brasil convoca os membros do Tratado do Rio de Janeiro, declarando
o Tiar (Tratado Interamericano de Assistência Recíproca) em vigor.
Mesmo o mundo islâmico manifesta seu apoio aos Estados Unidos,
com declarações de solidariedade de Turquia, Egito, Jordânia etc...
Os tradicionais adversários americanos, Iraque e Irã, lamentam
os atentados e conclamam os Estados Unidos a refletirem sobre
sua política para o mundo islâmico, buscando na ação externa dos
americanos a causa de tanto ódio.
Embora ainda não estivesse formulada enquanto doutrina, a
América pratica claramente uma política externa centrada na resposta
militar. A Administração Bush não cogita de chamar a ONU para
uma resposta universal ao Terrorismo. Toma a si, como país ofendido
e atacado, a responsabilidade pela ação. Mais tarde, em 2002, tal
postura assumirá a feição formal de doutrina, sob a forma de guerra
de preempção. Trata-se de uma modalidade particularmente agressiva
de ação bélica onde uma potência ameaçada – ou com sentimento de
estar ameaçada – dá-se o direito de uma ação militar prévia contra
um risco externo imediato.
Israel e Índia perceberão claramente a relevância da política
externa e de defesa dos Estados Unidos para seu ambiente local
de segurança. Assumem, então, uma postura muito semelhante:
transformam seus próprios conflitos contra resistências armadas
de palestinos e islâmicos da Cachemira, respectivamente, em parte

144
Terrorismo

da Guerra (agora denominada de Internacional ou Global) contra o


Terrorismo. Logo em seguida, a Rússia e a China Popular seguirão
o mesmo caminho, criminalizando os guerrilheiros chechenos, no
caso da Rússia, e uigures muçulmanos, do Xinjiang (Turquemenistão
chinês), no caso da China Popular, como terroristas. Cresce, assim,
rapidamente a frente diplomática antiterror, com a junção oportunística
de todos os países em dificuldades, com oposições armadas.
A formulação mais clara, entretanto, da Guerra contra o
Terrorismo se fará com o discurso do presidente Bush, na noite de
20 de setembro de 2001, ao lançar o Partnership of Nations. Entre
poucos acertos - como a distinção óbvia entre Terrorismo e Islamismo
- o presidente alinhou uma série de lugares comuns e alguns
equívocos; chegou a falar em cruzada, esquecendo-se de que num
passado bastante vivo a denominação recobria uma ação agressiva
e pirata de cristãos contra o Mundo Árabe. Boa parte dos discursos
das autoridades americanas, visando explicar as razões do ataque à
América, estava eivada de crenças fundamentalistas cristãs, beirando
fortemente às teses relativas ao chamado “Choque de Civilizações”.
O grave em todo o procedimento reside no fato de o principal efeito
- tanto em plano doméstico quanto internacional - do atentado de
11 de setembro - cruel e injustificável - ter estreitado todo o espaço
de crítica e dissentimento com os procedimentos da administração
Bush no plano da política internacional, bem como no tocante
aos temas de segurança doméstica. O discurso oficial americano
tornou-se peremptório, recusou os diversos fóruns internacionais
- em especial a ONU - em favor da exigência de um alinhamento
automático de todos os países do mundo com os Estados Unidos,
bem expresso na frase de Bush: “...cada país tem uma decisão a
tomar: ou está do nosso lado ou do lado dos terroristas”. Assim, o
espaço da negociação internacional, da busca de acordos, encolheu

145
Terrorismo

face à ameaça generalizada de confundir discordância (de métodos,


alvos, oportunidades etc...) com apoio ao terrorismo. A este Diktat
em política internacional somar-se-ia a postura interna: o então líder
do partido republicano, Trent Lott, repetiu - logo após o discurso do
presidente - a mesmíssima frase, agora no contexto americano, com
que o Kaiser (Imperador) da Alemanha anunciou a I Grande Guerra
Mundial em 1914: “Não vejo mais partidos de oposição na América”.
Da mesma forma, o ministro da Justiça, John Ashcroft, que gerou
imensa polêmica quando de sua nomeação por causa de suas posturas
ultraconservadoras (contra o aborto médico, a união civil do mesmo
sexo, o controle de armas e favor do controle dos meios de comunicação
e da prece obrigatória nas escolas), anuncia que a América deve buscar
um novo equilíbrio entre “democracia e segurança”, lembrando os
velhos ministros da justiça das ditaduras latino-americanas.
Em pouco tempo o próprio Congresso americano aprovou
o denominado Patriot Act, um conjunto de leis que ampliavam
imensamente a ação do Estado em setores considerados de segurança,
permitindo a limitação das liberdades civis. Juntar-se-ão a estas
medidas, a realização de prisões sumárias, escutas e seqüestros de
suspeitos. Logo depois da Invasão do Afeganistão, em outubro de
2001, surgirão prisões clandestinas, no limbo do Direito Internacional,
como em Guantánamo, em Cuba. Uma série de denúncias permitirão
vislumbrar tratamento cruel e desumano aos prisioneiros, muitos,
simplesmente, suspeitos ou militantes anti-americanos, sem qualquer
laço com ações terroristas. Mais tarde, com a Invasão do Iraque, em
19 de março de 2003, tais sistemas de prisionamento resultarão num
dos maiores escândalos da política americana: as torturas da prisão de
Abu Graib.
No esforço de construir um sólido front interno – para evitar a
repetição do ocorrido durante a Guerra do Vietnã - Bush equivocou-se,

146
Terrorismo

ainda, em esclarecer o povo americano sobre as razoes dos atentados:


de forma ambivalente referiu-se, retoricamente, a duas motivações. De
um lado, são atos de pessoas amorais e doentes, relegando as razões
ao plano do irracional, o inexplicável; de outro, insistiu em que a
América foi atacada por suas virtudes, a liberdade e a democracia. Ora,
nenhum grupo terrorista está interessado na forma com que a América
elege seus governantes, ou se a eleição de Bush foi mais ou menos
produto de uma oligarquia partidária manipuladora do voto popular.
A América foi atacada por ser um poder mundial, com interesses e
objetivos em todo o mundo. Tais interesses levaram os sucessivos
governos americanos a intervirem, apoiarem, derrubarem, armarem
e punirem regimes, partidos e líderes em todos os continentes, como,
por exemplo, a derrubada do primeiro-ministro do Irã, Mohammed
Mossadegh, em 1953, instalando no seu lugar o regime pró-ocidental,
corrupto e opressor do Xá Reza Pahlevi, que será derrubado em 1979
pelo fundamentalismo islâmico. Tudo para defender os interesses dos
acionistas da Anglo-Iranian Oil Company. Aqui, pela primeira vez, os
governos da América despertaram, contra si mesmos, o eterno ódio de
milhares de muçulmanos. Assim, o terrorismo cruel e indesculpável
busca punir a América, seus dirigentes, levando ao coração dos Estados
Unidos a destruição cega. A América foi atacada por aquilo que há de
pior em seus governos: a ingerência generalizada nos negócios de outros
países para a defesa dos interesses corporativos americanos.
Equivocou-se, ainda, o presidente Bush ao estender a outros
países a razão do ataque, afirmando que o terrorismo luta contra os
governos livres da Arábia Saudita ou Egito: na verdade, tais aliados
americanos em nada se aproximam de regimes da “democracia e da
liberdade”, constituindo-se em ditaduras arcaicas, exploradoras do
povo e dos recursos naturais dos seus países e servindo para manter
uma opulenta elite familiar (com estreitos laços econômicos com a

147
Terrorismo

própria família Bush). O presidente, entretanto, estava certo quando


acusava o regime talibã de reacionarismo, intolerância e opressão
(“um homem pode ser preso se sua barba não for grande o suficiente”,
afirmou o presidente); mas, contraditoriamente, guardava silêncio
frente aos países árabes “moderados” que desrespeitam os direitos
humanos, como o aliado, membro da Otan, a Turquia, que exige
prova de virgindade para moças serem matriculadas em escolas. Ou
mesmo o Egito, que tortura gays e permite a circuncisão feminina.
Ou os Emirados Árabes, que punem mulheres por participarem de
provas olímpicas e aceita a escravidão de mulheres filipinas.
Os ataques terroristas de 11/9 fortaleceram a postura fundamentalista
de inúmeras figuras em altos postos em Washington, com a ascensão do
grupo mais conservador em torno de Bush, formado pelo vice-presidente
Dick Cheney, o ministro da defesa, Donald Rumsfeld e o ministro da justiça,
John Ashcroft. Homens pertencentes à direita do Partido Republicano, com
uma visão muito estreita de mundo, e com fortes interesses na indústria
petrolífera e de armamentos, viram nos atentados uma ocasião para resolver,
de uma vez por todas, os problemas pendentes na política externa americana.
Assim, afastando ao máximo o secretário de Estado, Colin Powell, e
atraindo a conselheira de segurança nacional, Condoleeza Rice, aboliram
o multilateralismo enquanto política externa americana e assumiram
uma postura duramente imperial na condução das relações externas da
América. Dessa forma, Bush denuncia o Tratado de Limitação de Mísseis
Intercontinentais, com a Rússia, causando grande mal-estar, em especial
da China Popular. Conduz o ataque e a ocupação do Afeganistão contra
todas as advertências dos aliados, quase levando à implosão do Paquistão,
colocado entre a pressão americana e a opinião pública islâmica, embora
fracassando em pôr as mãos em qualquer figura importante da Al Qaeda.
Em 30 de janeiro de 2002, no discurso sobre o Estado da Nação,
Bush avança o unilateralismo americano, anunciando a próxima punição

148
Terrorismo

das nações do Eixo do Mal, o Iraque, Irã e Coréia do Norte, aos quais se
somaram mais tarde Síria, Somália e Yemen. Ao incluir o Irã - país que
havia prestado sua solidariedade às vítimas do 11/09 – no Eixo do Mal,
a Administração Bush destruiu a argumentação dos setores moderados
iranianos, favoráveis a abertura do diálogo com os Estados Unidos, abrindo
o caminho para os radicais fundamentalistas voltarem ao poder (o que de
fato ocorreu em 2005). Da mesma forma, ao entregar inteiramente a Questão
Palestina aos israelenses, abandonando o papel de mediador exercido nas
últimas três décadas, a Administração Bush isolou a liderança de Yasser
Arafat, erodiu o apoio popular do Partido Al Fatah e abriu caminho para a
vitória eleitoral dos radicais do Hamas.
Por outro lado, a relação entre Al Qaeda e tais países nomeados
no Eixo do Mal não é, de forma alguma, evidenciada, o que obriga os
Estados Unidos a uma nova formulação. No discurso do State of The
Union Bush volta-se, não só contra as nações que não cooperam na luta
contra o terrorismo, como ainda formula uma doutrina militar que prevê
a intervenção armada prévia - quer dizer, preemptiva - contra qualquer
país que procure se dotar de armas capazes de colocar os Estados Unidos
em risco. Tal postura implica em romper com uma tradição secular em
política externa, que remonta ao Tratado de Westphalia de 1648, assumindo,
como provável, o ataque militar convencional, de caráter preventivo.
Tradicionalmente os Estados Unidos sempre entraram em conflitos em
resposta a ataques sofridos ou com mandatos de organismos internacionais,
o que é descartado agora pela nova Doutrina Bush. Na mesma ocasião,
Bush confirma as assertivas de D. Rumsfeld e J. Ashcroft, de que a derrota
do regime talibã, em 2001, não poria fim à Guerra contra o Terrorismo, que
deveria ser longa e continuada.
É neste sentido que Bush anuncia a Operação Balikatan, o desembarque
de tropas americanas nas Filipinas, para combater a organização terrorista
Abu Sayyaf, responsável por inúmeros seqüestros e mortes e suspeito

149
Terrorismo

de atuar em conformidade com a Al Qaeda. Da mesma forma, ele


fortalece o financiamento do governo colombiano e classifica as
Farc como organização terrorista, desconhecendo o caráter nacional
e popular da guerrilha colombiana. A mais dramática mudança,
contudo, dá-se no Oriente Médio, onde o primeiro-ministro de
Israel, Ariel Sharon, dirige uma violenta política de aniquilamento
da Autoridade Nacional Palestina.
Do ponto de vista militar, a Guerra contra o Terror é uma larga
operação que combina os meios mais variados possíveis. Contra o
Afeganistão, desde 2001, travou-se – e ainda se trava uma guerra lá!
- uma guerra nos moldes daquela feita contra o Iraque em 1991, com
abundância de meios tecnológicos e pouca ação de terra. Seguiu-se,
aí, claramente, a chamada Doutrina Powell, visando evitar ao máximo
baixas americanas, através do uso de meios tecnológicos sofisticados.
A parte terrestre do conflito foi realizada pelos guerrilheiros da
Aliança do Norte que, desde 1996, lutavam contra os talibãs. Ao
mesmo tempo, o governo americano desencadeia uma larga operação
de controle dos fluxos monetários que pudessem ser usados pelo
terrorismo, como da instituição somaliana Al Barakaat, acusada de
ser fachada financeira da Al Qaeda. Operações policiais são levadas
a cabo em vários pontos do planeta, com intervenções pontuais
na Tríplice Fronteira (Argentina, Brasil, Paraguai), na Alemanha,
Inglaterra, Bélgica e França, enquanto iniciam-se as conversações
para criar bases permanentes no Tadjiquistão e Turquemenistão,
além de iniciar o treinamento de tropas filipinas envolvidas na luta
contra Abu Sayaff.
A Administração Bush, contudo, não considera a Guerra contra
o Terrorismo circunscrita e, desde os começos de 2002, inicia os
preparativos de ataque ao Iraque, acusado - como parte do Eixo do
Mal - de abrigar terroristas e desenvolver armas de destruição em

150
Terrorismo

massa. Ambos os argumentos resistem, fragilmente, aos dossiês


apresentados em Londres e Washington, enquanto, na verdade, talibãs
e membros da Al Qaeda encontram refúgio em Paquistão, Somália,
Yemen e Sudão. A insistência americana em derrubar o ditador
Saddam Hussein mal encobre, desta forma, os profundos interesses
americanos nas gigantescas reservas petrolíferas iraquianas.
Por fim, a guerra desencadeada contra o Iraque - embora se
constituísse em retumbante sucesso na sua primeira fase (de 19 de
março até 1º de maio de 2003) - resvala, perigosamente, a partir daí
para uma clássica guerra de libertação nacional. Malgrado o horror
que as autoridades americanas - e alguns jornalistas e scholars - votam
a esta comparação, hoje o Iraque lembra, em seus traços mais gerais,
o atoleiro americano no Vietnã, entre 1964 e 1975: forte resistência
guerrilheira; uma ideologia unificadora e dedicada ao martírio; vastas
áreas “libertadas”; enclausuramento do exército americano; um
exército local ineficiente e um governo local títere e corrupto.
Para muitos, depois de quase três mil mortos americanos e 100
mil iraquianos, dos terríveis atentados em Bali, Istambul, Casablanca,
Madri, Moscou, Beslan ou Londres, deve-se considerar que a Guerra
contra o Terrorismo mostrou-se, até o momento, inepta, incapaz de
atingir o inimigo de forma contundente. A maior prova para isso é que:
de um lado, Ossama bin Laden continua livre; de outro, os atentados
crescerão depois de 11/09. Para muitos, a guerra no Iraque, com
seus objetivos corporativos, acabou por desviar esforços e recursos
da luta principal, favorecendo as células terroristas espalhadas pelo
mundo.

151
Terrorismo

Terrorismo e Ordem Mundial

Assim, envolvendo um universo variado de meios, os mais


desiguais possíveis, a Guerra contra o Terrorismo afigura-se nitidamente
como uma guerra assimétrica ou netwar, que já se desenvolveria como
enfrentamento entre os Estados Unidos e o fundamentalismo islâmico.
Superada a Guerra Fria (1947-1991), sua geopolítica e as implicações da
bipolaridade (Estados Unidos versus União Soviética) para a segurança
e a defesa nacional das nações, cabe problematizar as novas condições
vigentes nas relações internacionais depois de 1991 (fim da União
Soviética). Durante o período entre 1991 e 2001 – Administração Bush,
sênior e as duas Administrações Clinton – deu-se uma grande expectativa,
amplamente otimista, num re-ordenamento mais harmonioso das relações
internacionais, com a diminuição da pressão e das exigências sobre
segurança e defesa das nações. Contudo, desde 1993 – com o primeiro
ataque terrorista ao World Trade Center e os subseqüentes ataques às
embaixadas americanas no Quênia e Tanzânia, depois às tropas americanas
na Arábia Saudita e ao USS Cole, culminando no ataque de 11/09/2001
contra Nova York e Washington – tal fase de transição encerrar-se-ia de
forma trágica, inaugurando uma nova fase de pessimismo e de obsedante
preocupação com segurança e defesa nacional .
ação da circulação de idéias, capitais, bens, etc. asseguram
o surgimento de uma rede global de transições de bens materiais e
imateriais, de trocas simbólicas e de alto valor financeiro, criando
pela primeira vez – de forma absoluta – a anunciada aldeia global. O
paradoxo antes afirmado explicita-se nas características mais marcantes
do framework da globalização: um mundo mais unificado, mais inseguro
e mais incerto. Emergem, em especial após 2001 – Administração Bush,

 Ver para esta discussão: KALDOR, Mary. New & old wars. Cambridge, Polity Press, 2001.

152
Terrorismo

Junior e os mega atentados terroristas – uma forte tensão – política, teórica


e econômica – entre unilateralismo versus multilateralismo, com retorno
da guerra inter-estatais (como no Afeganistão, 2001 ou Iraque, 2003) ou
intra-estatais (Congo/Kinshasa, Sudão) e a recorrência dos genocídios
(Iugoslávia, 1999; Sudão, 2005) .
O caráter multilateral das crises e a emergência do unilateralismo
lançam suas bases teóricas e políticas em antigos paradigmas do campo
das Relações Internacionais e promovem compreensões diferenciadas
das novas condições vigentes nas relações internacionais pós-1991.
Tais paradigmas serão, por sua vez, as bases para a formulação
de políticas nacionais de Segurança e Defesa Nacional também
diferenciadas, e muitas vezes concorrentes entre si. Mesmo no
interior de países, o debate entre unilateralismo e multilateralismo,
muitas vezes tingido pela antiga rivalidade teórica entre idealistas
kantianos e realistas hobsenianos, atingira o conjunto das instituições
formuladores de políticas públicas na área de Relações Internacionais,
Segurança e Defesa (RI, S&DN) .
Debates em torno da manutenção de forças armadas ou sua
transformação em milícias cidadãs, com funções de polícia voltadas
exclusivamente para as operações de Garantia da Lei e da Ordem
(GLO); o pragmatismo na formulação da política externa em face
das exigências de ONGs e de setores de classes médias urbanos
em torno de uma política externa ancorada em eixos como defesa
dos direitos humanos e da preservação da natureza; a formulação
de alianças com a potência hegemônica, a constituição de blocos
regionais e a renúncia a prerrogativas clássicas do Estado-Nação
são apenas alguns dos temas em debate em torno da formulação de

 RAMONET, Ignácio. Guerras do século XXI. Petrópolis, Vozes, 2002.

����������������������������������������������������������������������������������
Ver BROWN, Michael ( ed. ). Offense, defense and war. Cambridge, MIT Press, 2004.

153
Terrorismo

políticas de RI, S&DN com grande evidência nos gabinetes e na


mídia especializada.

Terrorismo e seu impacto sobre a Nova Ordem Mundial

O quadro anterior, apenas esboçado, ilumina as novas condições


existentes nas relações internacionais e seu impacto contemporâneo
sobre as suas condições de formulação e de crítica. Hoje, cada
Estado-Nação, em qualquer canto do planeta, vê-se em face a
escolhas decisivas, entre as quais se impõe pensar, criticamente, as
condições hoje existentes na nova ordem mundial. Entre tais decisões
estratégicas, devemos destacar:
• a tendência de dissolução de atributos clássicos do Estado-
Nação – tais como moeda nacional, direito exclusivo, representação
– no interior de blocos regionais ou macro-regionais;
• a tendência a considerar a segurança como fenômeno
coletivo, garantido através de instituições multilaterais, tais como
ONU, OEA, OTAN, etc.;
• a tendência crescente de incorporação ao Global Play,
no antigo Grand Jeu da diplomacia mundial no século XIX, de
novos atores globais, para além do Estado-Nação, tais como as
grandes firmas, as ONGs, as instituições multilaterais (OMC,
G-7, etc.).
Estes novos atores globais – uma realidade cada vez mais
avassaladora em R.I. – apresentam uma multiplicidade de formas
e ações, criando grave impasse nas ações do Estado-Nação, muitas
vezes superados na nova dinâmica da ordem mundial . Entre as
egal da biodiversidade;
 �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������
DAVID, Charles-Philippe. La Guerre et la paix. Approches contemporains de la sécurité et de la stratégie. Paris,
Presses de Sci Pó, 2001.�

154
Terrorismo

• as grandes firmas gestoras de bens materiais e imateriais,


como a mídia e o comércio on-line, a InterNet, os gestores mundiais
de hot money, as consultorias e as administrações de saberes.
Alguns apontam em tal constelação a forte presença de chaves
de leitura impregnadas pelo debate clássico sobre o caráter e a natureza
das relações internacionais, com diagnósticos diversos a partir das
abordagens unilateralistas ou multilateralistas das atuais condições
de evolução das relações internacionais. Em especial, a abordagem
oferecida por Negri&Hardt, ainda sob o impacto das gestões em
torno de uma governança mundial durante as duas Administrações
Bill Clinton (em um contexto onde Tony Blair e, mais modestamente,
Fernando Henrique Cardoso, desempenharam um papel central),
serviu de ponto de partida para algumas interpretações que se
mantiveram por algum tempo hegemônicas. Contudo, o fracasso de
uma “Administração Al Gore”, a vitória de George Bush, em 2001, e
os terríveis impactos causados pelo 11/09 fazem retroceder as idéias
de uma governança mundial, de um Império sem endereço e de uma
multiplicação de agentes multilaterais – OMC, ONU, G-& (ou sua
versão ampliada, com Rússia, Índia, Brasil, etc.) responsáveis pela
gestão mundial. O retorno, em força, do conceito de interesse nacional
– sua assunção pelos Estados Unidos, de forma aberta, e em seguida
por Israel, França, Rússia, Índia, Paquistão – acentuam o ano de 2001
como forte divisor de épocas nas relações internacionais e em suas
implicações para o campo da Segurança e Defesa Nacional.
Assim, podemos destacar uma tendência de duplo sentido e, só
aparentemente, contraditória: a diminuição dos atributos do Estado-
Nação para a maior parte dos países, em especial na periferia atrasada
e em crise de desenvolvimento, enquanto alguns poucos países

 HARDT, M. e NEGRI, A. Império. Rio de Janeiro, Record, 2002.

155
Terrorismo

– Estados Unidos, China Popular, Índia, Israel, etc... – acentuam seus


próprios atributos de poder soberano, incluindo-se aí a expansão do
conceito de soberania nacional por sobre os mesmos atributos de
nações mais fracas. Muitos denominaram, como Hardt&Negri, tal
processo de “Império” ou “soberania imperial”- mesmo sem extrair
daí todas as conseqüências necessárias.
Frente a este amplo quadro, necessariamente incompleto, do
impacto da Globalização e da viragem do ano 2001, o campo das
R.I., S&DN enfrenta novos desafios, decorrentes das características
da própria “Nova Ordem Mundial”, gerada entre 1991 e 2001.
Já de forma clássica poderíamos afirmar que a desaparição da
Bipolaridade, com o fim da Guerra Fria (1985-1991) não transformou
o mundo em um lugar mais seguro e mais previsível. Evidentemente
o fim da condição M.A.D. – simultaneamente o risco de mútua
destruição assegurada e a paralisia estratégica dos dois grandes
contendores da época – foi um dado positivo em si mesmo. Contudo,
a possibilidade acalentada de um fim da história – ou seja, o exercício
tranqüilo e satisfeito da hegemonia ocidental e americana sobre o
mundo – não se efetivou. Em curto espaço de tempo, entre 1991 e
1993, na passagem da Administração Bush, sênior, para Administração
Clinton, imaginou-se que a Nova Ordem Mundial representaria o
fim das guerras – ao menos das guerras inter-estatais, das crises
mundiais e das grandes rivalidades. A diminuição dos orçamentos
militares em todo o mundo – não só desmantelamento do Exército
Vermelho, mas ainda a redução de despesas bélicas nos Estados
Unidos, U.E. e Japão, com o surgimento de saldos orçamentários e
fiscais, principalmente nos Estados Unidos, prenunciavam o caráter
harmônico dos novos tempos. Contudo, desde 1993, com o primeiro

 VESENTINI, José William. Novas geopolíticas. São Paulo, Contexto, 2001.

156
Terrorismo

atentado contra o World Trade Center, os serviços especializados e


os Estados-Maiores em todo o mundo perceberam que as crises não
haviam sido banidas do cenário mundial e os riscos de segurança
estavam bastante presentes .
Neste sentido, aos poucos, entre 1991 e 2001, forjou-se uma
nova pauta de Ameaças Mundiais, que substituiriam, claramente,
a antiga rivalidade Estados Unidos versus União Soviética. As
formulações em torno do conceito de Novas Ameaças são variadas
e apresentam grande diversidade. Contudo, podemos apontar para
os seguintes elementos centrais:
• o narcotráfico e as demais máfias internacionais;
• o novo terrorismo internacional;
• as ameaças ecológicas e de esgotamento do patrimônio
natural;
• as ameaças aos direitos humanos;
• as novas pandemias globais;
• a presença de estados-falidos e estados-párias nas Relações
Internacionais.
Pela primeira vez se formulava uma agenda das relações
internacionais, da segurança e da defesa das nações, amplamente
autônoma, em relação às rivalidades inter-estatais. As questões
capazes de gerar graves crises e impor situações de insegurança para
a comunidade das nações centravam-se, agora, largamente em ações
intra-estatais (ecologia, direitos humanos), transfronteiriços (máfias
variadas) e na imperiosidade de um sistema mundial, capaz de dar
cobertura a uma política de state-building ali onde o antigo Estado-
Nação entrara em colapso (Bósnia, Kossovo, Congo-Kinshasa, Timor

 LEMKE, Douglas. Regions of war and peace. Cambridge, University Press, 2002.

157
Terrorismo

Leste, Haiti, entre outros). Assim, por um momento pareceria ao


observador que as antigas ferramentas de R.I, S&DN, herdadas
da Guerra Fria, não mais davam conta das questões colocadas.
Várias conferências e acordos internacionais avançavam na direção
de um arcabouço do Direito Internacional, visando dar conta dos
novos desafios – Protocolo de Kyoto, TPI, acordos de banimento
de armas e de limitação de combate, etc.
Da mesma forma, a antiga geopolítica gerada ao final do
século XIX e consolidada nas obras de MacKinder (1904) e de
N. Spykman (1944) que servira de sustentação para o clássico
enfrentamento das potências navais (Grã-Bretanha, Estados Unidos,
França) contra as potências continentais (Alemanha, Rússia e
depois URSS) não mais dava conta das relações internacionais.
Assim, os antigos blocos militares ou entraram em colapso – Pacto
de Varsóvia, OTASE, CENTO, etc. – ou buscavam rapidamente um
novo conteúdo definidor, como foi o caso da OTAN ou do Tratado
do Rio de Janeiro.
Questões centrais da ecologia – tais como no binômio
recursos/escassez, como água e terras não-desertificáveis
– tornar-se-iam elementos centrais na emergência de uma nova
geopolítica . Outros recursos, exatamente por seu uso antigo,
tal como o petróleo, tornaram-se, por sua vez, foco de grandes
atenções, gerando a preeminência de novas áreas planetárias, antes
esquecidas (a região caspiana, na Ásia Central ou o Triângulo
de Ouro – Nigéria/Gâmbia/Cabinda – no litoral africano). A
persistência dos genocídios – Bósnia, Kossovo, Ruanda ou Sudão
– ou simplesmente sua ameaça, como no Haiti, impunha ações

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BONIFACE, Pascal. Les guerres de demain. Paris, Seuil, 2001.

158
Terrorismo

rápidas derivadas da pressão da opinião pública.


Em todo este contexto surgiam, ou fortaleciam-se, novos
atores globais, como ONGs especializadas – Greenpeace, Anistia
Internacional, Attac, etc. – ao lado da pressão crescente da opinião
pública, alterando, significativamente, o antigo “secretismo”
vigente na formulação de conceitos em Relações Internacionais.
Entretanto, a junção de fatos novos (Administração Bush
+ 11/09) viriam complicar, ainda mais, a agenda posta das novas
ameaças mundiais. A resposta americana ao desafio e à ameaça,
do 11/09 foi quase que exclusivamente em termos militares,
centrando-se na ameaça representada pelo novo terrorismo
mundial. Assim, os demais itens da pauta gerada nas administrações
anteriores (Bush, sênior + Clinton) e de ampla adesão mundial
(U.E., G-7, emergentes, etc.) foram duramente afetados, com itens
excluídos, desprezados ou minimizados. A Guerra Global contra
o Terrorismo Mundial tomou conta, de forma obsessiva, da nova
agenda mundial.

As Relações Internacionais depois de 11/09

O Estado-Nação foi colocado, em escala planetária, frente a


novas exigências em decorrência do impacto das ações terroristas
de 11/09, algumas destas exigências são tão imperiosas e novas
que produziram resultados surpreendentes, com uma nova ênfase
nos estudos de R.I., S&DN. Algumas potências, como os Estados
Unidos à frente, elaboraram novas doutrinas de segurança nacional
- Estados Unidos, em 2002, Rússia, em 2003, França, Índia e China

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TEIXEIRA DA SILVA, Francisco Carlos. A nova geopolítica do petróleo. In: www.agenciacartamaior.com.br,
Internacional, 2005.�

159
Terrorismo

Popular em 2004 e Venezuela, em 2005 – centradas, em grande


parte, nos seguintes pontos:
• guerra “preemptiva”, inclusive com uso de artefatos
nucleres;
• produção de um gap geracional nos mecanismos de
defesa;
• ênfase em uma nova Revolução dos Assuntos Militares
- R.A.M. altamente tecnificada;
• nova noção de Homeland Security;
• novo conceito de fronteira, enquanto rede;
• generalização da democracia liberal representativa.
O conjunto de tais elementos mantinha 10, contudo, a
ênfase na idéia central de que, em uma época de generalização
da democracia liberal representativa, as guerras inter-estatais
iriam diminuir – em face do axioma de que as democracias não
guerreiam entre si. Assim, a guerra ficaria limitada aos estados-
pária (rogue states) ou estados-falidos, onde as estruturas estatais
seriam apropriadas por máfias ou redes fora da lei. Nestes casos,
a Doutrina do Pavor e Espanto – com o uso maciço de tecnologia
– seria suficiente para impor a vontade das potências da ordem.
Da mesma forma, a noção de fronteira, enquanto uma rede de
fluxos materiais e imateriais, abria espaço para um novo tipo de
ingerência mundial por parte das potências da ordem. A associação
às novas ferramentas da Homeland Security – em especial, em face
de minorias oriundas de áreas de alto risco e de indocumentados
– deveria ser o suficiente para controlar a ameaça terrorista.
Algumas potências seguiram, de imediato, as novas
formulações americanas, como a Federação Russa, Israel e Índia

10 Ver ZORGBIBE, Charles. L’avenir de la sécurité internationale. Paris, Presses de Sciences Po, 2004.

160
Terrorismo

(todos com experiência anterior de ameaças terroristas). Outras


potências, sem os mesmos instrumentos de Segurança & Defesa
Nacional, et pour cause, apegaram-se fortemente às teses idealistas,
passíveis de desenvolvimento no multilateralismo da Era Clinton.
Para tais nações, como Brasil, Japão, Alemanha, Espanha e – numa
outra condição – França, o multilateralismo centrado em um
amplo arcabouço do direito internacional – como as resoluções
do Conselho de Segurança da ONU ou o TPI – e gerido por
organizações internacionais, como a ONU, OTAN, OMC, etc. – é a
única garantia universalmente válida para a manutenção da paz.
O excesso, ou excedente, de poder expresso pelos novos
orçamentos militares bilionários – EUA, Japão, China Popular
– e sua junção a uma política de guerra preemptiva criam uma
situação de insegurança mundial extremamente grave. Assim, a
multipolaridade, em lugar da hegemonia de uma única hiperpotência,
é considerada mais estável e benéfica para o sistema internacional
de nações. Nesta linha de ação, o retorno do concerto das nações
– agora em escala planetária – e da segurança coletiva seria um
elemento buscado com afinco (por exemplo, nas exigências de
reforma das Nações Unidas)11.
É neste sentido, ainda, que algumas nações – como a Índia,
África do Sul, Brasil, e, talvez, Nigéria, Paquistão, Irã e Indonésia
anseiam pelo reconhecimento mundial de um pretendido papel de
atores globais na nova ordem mundial. Para isso podem recorrer
a poderosas panóplias militares, inclusive atômicas – como
Índia, Paquistão ou Irã. Ou, podem exibir seus ricos patrimônios
econômico-naturais, como vasta população, territórios amplíssimos,

11 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������
Para a discussão de guerra preemptiva ver TEIXEIRA DA SILVA, Francisco Carlos. Enciclopédia de guerras e
revoluções do Século XX. Rio de Janeiro, 2004.�

161
Terrorismo

recursos naturais ou plantas industriais extensas, tais como Brasil,


Indonésia, Nigéria, ou ainda, Índia. Outros valem-se de suas condições
estratégicas, sua atuação internacional – mediações, forças de paz,
associações privilegiadas ou ainda como guardiães de zonas geo-
estratégicas – como África do Sul, Egito, Irã, Argentina – para fazer
valer seu papel de global players.
Alguns analistas, por outro lado, e talvez de forma mais
realística, combinam tendências e diagnósticos transversais – para
além dos impactos impressionistas tais como as enrascadas americanas
no Iraque ou os efeitos do furacão Katrina, para apontar para horizontes
mais longos, de 25/30 anos como o ponto de estabilização da Nova
ordem Mundial. Assim, cenários alternativos, e complementares,
podem apontar para a manutenção da hegemonia americana, mitigada
ora pelo corolário da Doutrina Primakov, ora pelas conseqüências do
já famoso Relatório BRICS da Goldman-Sachs. De qualquer forma,
exceto no cenário Todd12, todos apontam para a permanência da
hegemonia americana, temperada e limitada por novas condições, e
harmonizada com o interesse coletivo do sistema internacional.
No mais provável dos cenários – bastante positivo – os países
BRIC, Brasil, Rússia, China e Índia, constituir-se-iam, em escalas
fortemente diferenciadas, em uma constelação desigual de potências
(com uma distribuição também desigual de poder econômico/
tecnológico, poder militar e soft power) que tenderiam a impor o refluxo
da hiperpotência americana – curada de 25 anos de unilateralismo e
espasmos militaristas - ao âmbito do sistema internacional, novamente
de caráter multilateral e multipolar por volta de 2030.
O período de maior instabilidade e de crises sucessivas seria
exatamente os 25/30 de consolidação da Nova Ordem Mundial, nos

12 Ver TODD, Emmanuel. Aprés l´empire. Paris, Gallimard, 2002.

162
Terrorismo

quais os Estados Unidos re-apreenderiam a conviver num sistema de


limitações dos interesses e das ações unilaterais. Evidentemente seria
– e já é assim! – um período de crises sucessivas, cuja intensidade
dependerá largamente do ritmo de ascensão de potências concorrentes
– entre eles, fundamentalmente, a China Popular – e do tipo de
liderança no poder em Washington e, enfim, da capacidade de controle
e segurança em face ao Terrorismo Internacional que mediará a
chegada a 2030. Enquanto isso, neste espaço de tempo de 25/30 anos,
dever-se-á buscar as condições de institucionais de inserção de cada
país no processo irreversível de globalização, definidor de todo o
século XXI. Nesta busca, dois elementos deverão ser norteadores de
uma política externa responsável, pragmática e soberana:
• a manutenção, em tempos de severa crise internacional, de
nossas condições de autonomia, desenvolvimento e segurança;
• a busca das condições de manutenção da qualidade de Global
Player para depois de 2030.
O próprio caráter da Nova Ordem Mundial – a generalização
da insegurança e a dificuldade da previsão nos próximos 25 anos
– parece ainda pouco claro para a maioria dos formuladores políticos,
grande parte presos ao curto prazo, às formulações imediatistas e
fôlego curto. A generalização dos fluxos de capitais, em especial do
hot money, rápido, nervoso e reagente à estímulos elétricos, marca
toda uma geração de formuladores políticos, incapazes de pensar
para além dos ruídos das bolsas de valores e mesmo incapazes de
ver nos sinais largamente “portadores de futuro” – preço do petróleo,
efeito estufa, globalização de novas pandemias, etc. – estruturas
permanentes do “admirável mundo novo”. Grande parte dos nossos
formuladores políticos encontram-se ainda presos a uma velha
geopolítica – MacKinder (1904) ou N. Spykman (1944) – e as “novas

163
Terrorismo

geopolíticas”, de dominância econômica e bio-ecológicas, ainda não


fizeram sentir seu impacto no conjunto das formulações dos interesses
nacionais13. Assim, muitas vezes elementos de arcaísmo irrompem
nas formulações de face ao futuro, turvando a análise e gerando
confusão. Por outro lado, multiplicam-se formulações ingênuas,
acríticas e superficiais, baseadas em entidades ou instituições sem
responsabilidade com território, povo ou complexos conjuntos
econômicos, muitos elaborados a partir de notável voluntarismo.
De qualquer forma, no seu conjunto, a avaliação de um
duradouro período de turbulências, de 25/30 anos de extensão,
até o amadurecimento de uma Nova Ordem Mundial de caráter
renovadamente multilateral e multipolar, implica no reconhecimento
de algumas tendências centrais:
• retorno, em novas condições, ao cenário mundial da questão
da segurança: a implosão dos limites “nacional/internacional”
em razão da globalização e dos avanços tecnológicos, levará em
conseqüência à implosão do conceito de segurança como um território
do “nacional”. O conceito de segurança assumirá a diluição da sua
dimensão territorial, superando a projeção extensiva do espaço
em favor de uma “Quarta Dimensão”, da projeção cibernética de
redes, por onde circularão miríades de bens materiais e imaterais.
As ferramentas conceituais baseadas na idéia de rede deverão ser os
elementos centrais na percepção do novo conceito de segurança;
• a multiplicação dos conteúdos do conceito de segurança:
segurança social, segurança alimentar, segurança institucional,
segurança corporativa, cybersegurança, etc., distinguindo-se de
domínios securitizados ou passíveis de securitização, dos domínios
“moles”, alvo de “oportunidades securitáveis”, transformados em

13 CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo, Paz e Terra, 2002.

164
Terrorismo

alvos privilegiados das redes criminosas;


• a superação do debate entre os conceitos de “defesa” e
“segurança”: as tentativas idealista/liberal de reduzir os atributos do
Estado, em especial seu monopólio da violência, deverá encontrar um
limite e um ponto de retorno, em função das ameaças de segurança
tanto criminosas, quanto ante a ameaça de colapso generalizado
perante as catástrofes naturais – Tsunamis, Furacão Katrina – e as
novas pandemias globais. Em todos estes casos o Estado é a única
instituição capaz de formular respostas e políticas consistentes de
longa duração;
• a re-invenção da guerra: o Estado, suas associações
multilaterais e os organismos de manutenção da ordem global,
deverão desenvolver capacidades de lidar com conflitos para além
da defesa territorial das fronteiras, em função da generalização
da estratégia de “guerras sem limites”, apresentadas desde 1999 e
generalizadas entre 2001 e 2005 enquanto estratégia nacional (EUA,
Federação Russa, Israel, Índia, China Popular).
No plano interno do Estado-Nação – agora responsável, não
apenas perante sua população, pela segurança, mas responsável
também perante a comunidade internacional, numa época de riscos de
segurança globalizados – tais condições deverão informar uma série
de medidas, de caráter urgente, na produção de condições de segurança,
a saber:
• centralidade, flexível, de um sistema nacional de Segurança &
Defesa, evitando a polifonia e, no limite, a balbúrdia de gestão, capaz
de impedir a previsão e a prevenção, abrindo brechas securitárias para
as redes criminosas;
• a constituição de redes transnacionais de segurança – da
mesma forma como são redes transnacionais as novas ameaças

165
Terrorismo

criminosas – ressalvando-se a autonomia de interesses nacionais e


metodologias de ação;
• a capacitação material e intelectual das instituições
responsáveis por S&D, visando superar as deficiências atuais com
saltos de quanta, através de investimentos estratégicos, transformando
carências em excelências seletivas;
• distinguir, claramente, os campos de riscos e ameaças
para o Estado e o Cidadão, relegando o debate sobre os interesses
momentâneos de governo e partidos;
• mobilização do Poder Judiciário para a atuação mais
eficiente no combate do crime em rede e de suas novas ameaças;
• “nacionalizar” – no sentido de sua extensão nacional
– o debate em S&D desconectando-o da exclusiva competência
policial-militar e trazendo para o debate o conjunto de atores sociais
relevantes, incluindo-se aí capacidades já instaladas e não-mobilizadas
(universidades, empresas, ONGs, etc.), “responsabilizando” o
conjunto da sociedade pela formulação conceitual do domínio
S&D;
• “democratizar” – no sentido de sua extensão cidadã
– a formulação de R.I.,S&D, desconcentrando-a do seu aspecto
de Ancien Regime, ampliando debates, referendos e consultas,
transformando o cidadão em co-responsável pela formulação de
nossa política externa;
• definição de áreas estratégicas de investimentos em
Educação, Ciência e Tecnologia – em especial nos campos de
nanotecnologia, biotecnologia, informática, energias, balística – no
sentido de evitar gaps insuperáveis e vazios securitários14.
14 Ver nesse debate: HATMANN, Anja et alii. War, peace and world orders in European history. Londres,
Routledge, 2002 e HEYMANN, Phillip. Terrorism, freedom and security. Cambridge, MIT, 2003.

166
Terrorismo

Os diversos Terrorismos

Apresentamos abaixo uma sinopse das formas históricas,


de sua identificação e caracterização das especificidades com que o
terrorismo fez sua aparição na história. Assim, podemos identificar
“Quatro Vagas” do Terrorismo Internacional, enquanto um esforço
didático de orientação para os estudos sobre terrorismo:
1. Período de 1880-1914: terrorismo de caráter anarquista
e/ou libertário e populista (Norodinics, na Rússia), com grande
incidência na Rússia czarista, Itália, Sérvia, França, Espanha e
Portugal. De cunho “pedagógico” procurava através dos exemplos
espetaculares – atentados contra chefes de Estado e figuras notórias
dos regimes em vigor – “despertar” a opinião pública. Poucas vezes
visou alvos coletivos e lugares de freqüência de um público variado,
sendo claramente cioso em manter a simpatia da opinião pública.
2. Período de 1945-1974: terrorismo de cunho, dominantemente,
anti-colonial, incorporado aos processos de descolonização e
no interior das denominadas “guerras de libertação nacional”.
Grande incidência na Argélia, Indonésia, Malásia, Vietnã, Palestina
(terrorismo judaico anti-britânico) e aparição sob a forma de
terrorismo das formas nacionais de resistência do IRA (oriundo dos
anos ´20) e do ETA (criado em 1959). Após a derrota árabe frente
a Israel em 1967, surgem organizações de resistência palestina que
passarão rapidamente para a ação terrorista. Armênios e curdos
mantém uma ação regular de atentados contra alvos turcos, visando
evitar o “esquecimento” dos genocídios praticados durante a Primeira
Guerra Mundial.
3. Período de 1975-1985: grande ação do terrorismo político,

167
Terrorismo

de vertente extremista de esquerda e de direita, destacando-se o


Baader-Meinhof, na Alemanha Ocidental; as Brigadas Vermelhas,
na Itália, os neofascistas também na Itália e na Alemanha; o
Exército Vermelho no Japão; Carlos, o Chacal e o Grupo Abu
Nidal assumem notoriedade mundial após atentados contra aviões,
transatlânticos e embaixadas. Vários Estados participam, ativamente,
da ação terrorista, oferecendo apoio logístico e financeiro, como a
Coréia do Norte, Líbia, Yemen, Sudão, Bulgária entre outros. O
terrorismo decorrente da ação anti-colonial e nacionalista mantém-se
extremamente ativo na Irlanda do Norte (IRA) e na Espanha (ETA),
com o surgimento de inúmeras organizações palestinas de resistência
à ocupação da Palestina (Al Fatah/Organização Para a Libertação da
Palestina, Frente Popular de Libertação da Palestina, etc...). Desde
1979, com a ocupação do Afeganistão pelos soviéticos surge uma
ampla rede montada pela CIA, Arábia Saudita, Jordânia e Paquistão
de sustentação do terrorismo mujahidin no Afeganistão.
4. Período a partir de 1993: após uma relativa acalmia no
setor do terrorismo internacional – exceto Irlanda do Norte, Espanha
e Israel/Palestina, onde em alguns casos dá-se uma acerbamento das
ações terroristas, com a introdução do terrorista suicida – surge uma
nova categoria de terrorismo, oriundo da reorganização dos diversos
movimentos mujahidin (os chamados “afegãos”), que desmobilizados
da luta contra os russos no Afeganistão (1979-1989) voltam-se para
os “cruzados, os pecadores e os sionistas” (a saber: americanos, os
regimes árabes moderados e o Estado de Israel). O atentado contra
o World Trade Center em 1993, organizado por uma rede terrorista
terceirizada pela Al Qaeda, marca o início de uma nova etapa,
compreendida aqui como uma Guerra Assimétrica contra os Estados
Unidos, quiçá todo o Ocidente.

168
Terrorismo

A Organização Al-Qaeda

A Al-Qaeda foi organizada por Osama Bin Laden a partir do


Afeganistão e responsabilizada por inúmeros atentados terroristas,
inclusive o de 11 de setembro de 2001 contra os Estados Unidos. A
organização Al Qaeda confunde-se com a própria biografia do seu
fundador e principal animador, marcando com clareza a profunda
virada radical operada no mundo islâmico desde 1979. Osama Bin
Laden, como milhares de outros muçulmanos, foi convencido pelos
apelos dos Estados Unidos, das monarquias árabes do Golfo Pérsico
e por inúmeros líderes religiosos a participar, a partir de 1982, da
resistência afegã montada desde o Paquistão pela CIA e seus aliados,
para combater os russos que haviam entrado no Afeganistão visando
salvar um governo marxista pró-soviético. Ao longo dos dez anos
do conflito, entre 1979 e 1989, cerca de 25 mil muçulmanos, os
mujahedins, oriundos de áreas tão diferentes quanto Paris e Jacarta,
compuseram as forças de resistência islâmicas contra os soviéticos.
Ao contrário do ocorrido em inúmeros outros conflitos, na Guerra do
Afeganistão não faltavam fontes de financiamento para os combatentes
da liberdade, com o apoio dos Estados Unidos, das ricas monarquias do
Golfo, além de recursos pessoais de inúmeros magnatas interessados
no conflito, seja por piedade religiosa, seja por interesse em bons
contratos futuros. Este foi o caso de Bin Laden, nascido em 1957,
filho do maior construtor da Arábia Saudita, com uma fortuna familiar
avaliada em 11 bilhões de dólares e uma disponibilidade imediata de
US$ 300 milhões. Bin Laden vive uma biografia bastante sinuosa: de
playboy internacional evolui, sob a influência de Abdullah Azzam,
mestre corânico saudita, à condição de um iluminado islâmico,
dedicado ao combate contra os infiéis. Inicialmente, os infiéis são
os russos e o regime laico instalado no Afeganistão. Durante dez

169
Terrorismo

anos, com armas e apoio logístico americano, informação do Internal


Security Intellegence/ISI, do Paquistão, e financiamento árabe, a
guerrilha islâmica leva os soviéticos a um imenso desastre militar e
político, e cujas consequências não foram estranhas ao surgimento
da Perestroika na URSS. Coube muito particularmente a Zibgniew
Brzezinski, do Conselho de Segurança Nacional de Jimmy Carter, a
decisão de armar e apoiar os fundamentalistas islâmicos, seguindo
a política das agências britânicas de espionagem, como o SAS, na
sua luta, décadas antes, contra o nacionalismo laico de Gamal Abdel
Nasser, e de Israel, na luta contra a OLP. Tal política foi continuada,
e aprofundada, na administração Reagan por homens como William
Carey, da CIA, e Alexander Haig, do Conselho de Segurança Nacional
(este, personagem central do Escândalo Irã-Contras).
Instalado, desde 1982, em Peshawar, no Paquistão, e depois
em Kandahar, no Afeganistão, Bin Laden organiza o acolhimento
dos combatentes árabes, fornece roupas e munição e a estrutura de
comunicações via satélite, recorrendo, fartamente, a sua formação
e experiência de engenheiro. Mais tarde a mídia debaterá se,
verdadeiramente, Bin Laden esteve em combate, como antes
afirmavam fontes americanas e árabes e, hoje, muitos negam. A
partir de 1986 Bin Laden tomou a iniciativa de organizar campos de
treinamento dos combatentes, alistados em praticamente todos os
países islâmicos. Muito especialmente, vinham para Peshawar presos
políticos fundamentalistas oriundos do Egito, Marrocos e Argélia;
jovens desempregados e desiludidos dos subúrbios de Ryad, Jacarta,
Kuala Lumpur ou Manilla; alguns eram alistados nas mesquitas de
Paris, Londres ou Nova York. Tratava-se, para muitos, de provar que
o islamismo sunita não era acomadado e faltara com seus deveres,
como a Revolução islâmica xiita do Irã insistia.
De posse dos mais modernos meios eletrônicos, a partir

170
Terrorismo

de 1988, Bin Laden inicia a organização de um banco de dados,


uma verdadeira rede mundial, com milhares de nomes, funções,
formação, orientação, disponibilidade, etc... de todos interessados na
luta islâmica contra os infiéis. Tal banco de dados foi denominado
A Base, ou em árabe, Al Qaeda. Em 1989, retorna à Arábia Saudita,
onde é recebido como herói, convivendo com o mais elevado círculo
de poder do país, inclusive o próprio rei Fahd.
Com a Guerra do Golfo, em 1991, entre a coligação ocidental
dirigida pelos Estados Unidos e o Iraque de Saddam Hussein, a postura
de Bin Laden transformou-se radicalmente, dando origem a uma dura
crítica ao governo saudita e aos Estados Unidos. A atitude americana
em relação ao mundo islâmico provocou a ira dos fundamentalistas.
Duas questões comprovavam a injustiça americana: de um lado, o
crime do Iraque por invadir e ocupar um país (o Kuwait) deveria ser
duramente punido, enquanto Israel invadira e ocupara a Palestina, e
desobedecia as resoluções da ONU, continuando a merecer o apoio
e admiração dos americanos; de outro lado, para garantir a realização
das operações contra o Iraque, os Estados Unidos estacionaram
milhares de homens e mulheres no solo da Arábia, considerado santo
pelos muçulmanos. Assim, rapidamente, o ódio dos extremistas da
Al Qaeda voltava-se para o Ocidente. Com suas críticas cada vez
mais ácidas sobre a traição da dinastia Saud, da Arábia, Bin Laden
é obrigado a deixar o país, refugiando-se no Sudão, em 1991, onde
reproduz as febris atividades desenvolvidas no Afeganistão. A ação
da Al Qaeda irradia-se, rapidamente, para a Somália, um típico
Estado-vazio em virtude da guerra civil, onde estabelece fortes laços
políticos e econômicos, em especial através da sociedade financeira Al
Barakaat, inicialmente um conglomerado da área de comunicações,
e a sociedade de investimentos Al Taqua. Movimentando cerca de
US$ 25.000.000 anuais em contas espalhadas no Quênia, Tanzânia,

171
Terrorismo

Emirados Árabes, Arábia Saudita, Inglaterra e Estados Unidos, a Al


Qaeda participa, ativamente, de especulações financeiras e grandes
investimentos, multiplicando seus recursos financeiros (fala-se em
ganhos da ordem de três bilhões de dólares, por exemplo, no rastro
dos atentados de 11 de setembro de 2001). Grande parte dos recursos
são utilizados no envio de militantes a diversas partes do mundo ou
sua vinda para o Sudão para informação ou treinamento em campos
armados. Ao lado disso, Bin Laden realiza inúmeras obras sociais em
diversos países do mundo islâmico, constrói mesquitas e madrasas.
Homens de negócio, membros das famílias principescas do Golfo
e empresas também contribuem para o movimento, como o mais
importante banqueiro saudita Khalil bem Mafouz.
A partir daí surgem áreas de grande atuação da Al Qaeda, ainda
considerado pelos serviços americanos de espionagem e informação,
como uma ferramenta útil à diplomacia americana. Assim, batalhões
islâmicos, bem armados e auto-financiados, aparecem na Bósnia, e
mais tarde em Kossovo, para a defesa das cidades muçulmanas contra
os sérvios; a experiência militar, em especial contra os soviéticos, é
fartamente utilizada na Chechênia, em especial na segunda guerra
chechena, em 1999, quando centenas de combatentes islâmicos,
vindos do Oriente Médio, atacam na Chechênia e o Daguestão; por
fim, baseada na firme aliança com o Internal Security Intellegence/ISI
paquistanês, passam a atacar os indianos que ocupam a Caxemira.
Para os Estados Unidos, que denominam os guerrilheiros islâmicos
da Chechênia de combatentes da liberdade, manter tradicionais
adversários, como a Rússia, Sérvia e Índia, ocupados era uma boa
estratégia. Particularmente, a questão da Chechênia e do Daguestão,
no litoral caucasiano do Mar Cáspio, interessava, imensamente,
aos Estados Unidos e a Arábia Saudita, em virtude das gigantescas
jazidas de gás e petróleo da região, o que, somando-se aos percursos

172
Terrorismo

previstos dos oleodutos do Xinjiang (Turquemenistão chinês),


transformaria a crise na Ásia Central e no Cáucaso numa violenta
disputa econômica.

A Guerra da Al-Qaeda

Entre 1993 e 1995, o papel da Al Qaeda tornou-se mais


evidente e complexo, assumindo, decididamente, a opção por
uma guerra desigual, e por isso denominada de guerra assimétrica
- dirigida contra os Estados Unidos. O brutal assassinato de 18
militares americanos de uma força de paz na Somália, em 1993,
e a multiplicação de ataques terroristas contra bases americanas
na Arábia, em 1995, fazem com que os Estados Unidos passem a
considerar a Al Qaeda como uma organização terrorista, embora,
mesmo depois disso, homens no Departamento de Estado, como o
Subsecretário para o Sudeste Asiático e os empresários da companhia
petrolífera UNOCAL, do Texas, interessada no petróleo da Ásia
Central, mantivessem contatos estreitos com a Al Qaeda e, mais tarde,
com seus pupilos talebãs, criando forte tensão entre o FBI – contrário
a tais entendimentos – e a CIA, responsável por um projeto visando
a estabilização do regime talibã.
Fazendo jus ao seu nome, a Al Qaeda torna-se uma imensa rede
de informações, financiamentos e apoio, com ramificações e contatos
extensos – muitos dos quais nitidamente exagerados -, como o Jamiat-i-
Islami, no Paquistão; o Jamiat Ulema-i-Islami, no Afeganistão; o Hamas,
o Hezbollah e a Jihad Islâmica, na Palestina; a Al Ittihaad al-Islamya,
na Somália; o Grupo Islâmico Armado, GIA, na Argélia; os Irmãos
Muçulmanos, no Egito, Síria, Sudão e Arábia Saudita; o Laskar Djihad,
na Indonésia e o movimento Abu Sayyaf, nas Filipinas, além de uma

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Terrorismo

vasta rede de simpatizantes capaz de alistar voluntários em mesquitas,


madrasas e universidades, mesmo na Europa e Estados Unidos.
Partindo para ação direta, embalada pelo “sucesso” do ataque aos
americanos na Somália – Bill Clinton reagiu, retirando os americanos das
forças de paz da ONU -, a Al Qaeda multiplica suas ações terroristas. O
traço da vingança, ou punição, dos americanos se acentua, nitidamente,
com alvos civis distanciados das tropas americanas. É assim que, em
1993, um carro-bomba explode na garagem do World Trade Center em
Nova York, matando seis pessoas e ferindo mais de 1000. Apenas por um
erro técnico dos terroristas a tragédia não foi pior. Os ataques esporádicos
contra americanos na Arábia prosseguem, culminando, em 1996, num
ataque com carro-bomba a um acampamento militar americano, em
Dahran, matando 19 soldados. Já em 1998 carros-bomba explodem
junto às embaixadas americanas no Quênia e na Tanzânia, matando 250
pessoas. Os Estados Unidos reagem identificando, pela primeira vez,
Bin Laden com o autor - ao menos intelectual – dos atentados. Assim,
mísseis de cruzeiro são lançados contra acampamentos da Al Qaeda
no Afeganistão e contra prédios supostos de abrigar suas ramificações
no Sudão. Bin Laden, pressionado pelas autoridades sudanesas, já
havia retornado para o Afeganistão, onde o regime talibã, no poder
desde 1996, o recebe como a um iluminado da velha tradição sunita. É
nesta ocasião que publica o texto “Expulsar os politeístas da península
arábica”, onde acusa os Estados Unidos de profanação da terra santa
islâmica e agressão contra a fé, e proclama uma jihad contra a América.
A fonte básica de Bin Laden é uma parte muito específica do Corão, os
chamados Versos da Espada, onde o profeta conclama os muçulmanos
a libertar Medina da dominação politeísta. Assim, Bin Laden, filia-se às
correntes literatistas do fundamentalismo, realizando uma leitura literal
do livro santo, sem procurar entender tratar-se de um texto do século
VII, em uma conjuntura muito específica, e que em outras passagens o

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Terrorismo

profeta deplora toda violência, em especial contra inocentes.


Numa resposta, tragicamente, irônica ao ataque de mísseis de
cruzeiro a partir de navios americanos no Golfo Pérsico, a Al Qaeda
atinge, em 2000 junto ao Estreito de Áden, o super destróier americano
USS Cole com um barco-bomba: 17 fuzileiros são mortos e a nau é
profundamente avariada. Aos poucos, Bin Laden associa a ocupação
americana da Arábia com a ocupação sionista da Palestina, ligando a
libertação de Meca à libertação de Jerusalém. Assim, sionistas e cruzados
são, intimamente, associados através da política americana de defesa de
Israel, levando à declaração de 1998: Cada muçulmano que seja capaz
tem o dever de matar americanos e seus aliados, civis e militares, em
todo país onde isso seja possível. Mais tarde, a ação ocidental no Iraque,
em especial o bloqueio econômico, é responsabilizado pela morte das
300 mil crianças iraquianas, além dos jovens palestinos engolfados na
Intifada, ou os 17.500 mortos da Guerra do Líbano. As crianças árabes
sacrificadas em conflitos cruéis e sem sentido serviriam de álibi para a
morte de outros civis inocentes, agora ocidentais.
A Al-Qaeda, ao contrário do que transparece nos informes
da CIA e do FBI, não é uma sociedade secreta terrorista, do tipo
Carbonária e tantas outras conhecidas no Ocidente. Trata-se, em
verdade, de uma rede de informações, de financiamento, de logística
e uma espécie de caixa de pensões e salários para militantes e suas
famílias, em especial daqueles que se transformam em mártires
de Alah. Toda a parte de inteligência, quer dizer, planejamento
e a execução das ações é feita por grupos estabelecidos no local
ou assim encarregados, sem que os demais ramos da organização
tenham qualquer conhecimento dos planos; apenas se o projeto de
ação necessita de algum apoio – em homens, recursos, logística – os
grupos dispersos se comunicam através de caixas postais e e-mails,
a maioria despachados através de cybercafés. Todo este recurso ao

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Terrorismo

mais moderno mundo tecnológico não deixa de ser paradoxal à luz


de uma teologia que pretende uma leitura literal do texto corânico,
considerando a necessidade de realizar, racionalmente, o mythos
na história e o meio para tanto, como nos Versos da Espada, é a
violência.
A organização da Al Qaeda é simples e eficiente: Bin Laden é
seu emir, absoluto e iluminado, assessorado por dois fiéis seguidores
(no caso, Ayman al Zawahiri e Mohammed Atef, este responsável
pelas operações militares, morto durante os bombardeios americanos
no Afeganistão, é substituído, em 2002, pelo palestino Abu Zubaydah);
quatro conselhos consultivos preparam e realizam tarefas específicas:
finanças, treinamento militar, orientação religiosa e imprensa. Tal
organização mantém em funcionamento as diversas células da
organização, que são encarregadas das atividades terroristas.
Desde 2000, a Al Qaeda considerou maduras as condições
para uma vasta ação que deveria desencadear um conflito de
proporções mundiais. O alvo era um ataque direto ao coração da
América, atingindo em Nova York e Washington, símbolos do poder
e do prestígio americano como o World Trade Center, o Pentágono
e a Casa Branca. O primeiro passo, contudo, seria consolidar o
poder talibã no interior do Afeganistão, evitando que a única força
oponente em presença, a Aliança do Norte, servisse de ponta de lança
de uma retaliação. Além disso, a Aliança do Norte, liderada pelo
uzbeque Ahmed Shah Massoud (o Leão do Norte, herói da luta anti-
soviética), aliara-se aos russos (receosos da penetração do movimento
talibã nas repúblicas do Uzbequistão, Turquemenistão, Quirguísia e
Tadjiquistão), à Índia (que lutava contra guerrilheiros treinados pela
Al Qaeda na Caxemira) e o Irã xiita. Massoud era a única liderança
afegã capaz de impor-se, moral, militar e politicamente, a Bin Laden
e aos medíocres líderes talibas, constituindo-se assim em alvo do

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Terrorismo

ódio fundamentalista. Com um ataque suicida de dois marroquinos


disfarçados de jornalistas, Massoud foi retirado brutalmente da cena
política, exatamente uma semana antes de 11 de setembro de 2001.
O objetivo verdadeiro, contudo, era exercer uma pressão irresistível
sobre a Ásia Central, ocupando as ex-repúblicas soviéticas - já
convulsionadas internamente por movimentos islâmicos locais, após
a destruição da Aliança do Norte - imediatamente antes do ataque
aos Estados Unidos, obrigando iranianos e russos a uma intervenção
militar de grandes proporções. A Al Qaeda contava, especialmente,
com o papel que o MIL/Movimento Islâmico do Uzbequistão poderia
desempenhar, desestabilizando o governo local e abrindo caminho
para uma nova república islâmica no coração da Ásia. Por outro
lado, o ataque sincronizado aos Estados Unidos deveria, através
de efeito demonstração, detonar uma série de levantes nos países
árabes moderados, como Arábia Saudita, Egito e Argélia. Uma
série de elementos, contudo, prejudicou seriamente a avaliação
otimista da Al Qaeda, de qualquer forma uma geopolítica fantasista.
A Aliança do Norte não se desintegrou com a morte do comandante
Massoud, outras lideranças assumiram rapidamente o controle e
estreitaram seus laços com a Índia e a Rússia, de quem recebiam
armas e financiamento. Por outro lado, na Arábia o príncipe regente
Abdallah construía uma nova política externa saudita, visando
exatamente a saída americana da península. Abdallah, herdeiro do
trono, estreitava os laços com o Irã xiita, entretinha conversações
com Tarek Aziz, o chanceler cristão de Saddan Hussein e articulava
uma aliança com Rifaat Assad, tio e rival de Bacha Assad, presidente
vitalício da Síria. O regente saudita, além disso, estreitava os laços
com Pervez Musharaf, o ditador do Paquistão, e com a Autoridade
Palestina, exercendo uma diplomacia inovadora no Oriente Médio.
Nesse sentido, não só o governo saudita havia se fortalecido em

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Terrorismo

face à crise de 1996 e 1998, como ainda assumia a liderança de um


novo nacionalismo árabe, não fundamentalista, laico e modernizante.
Fechando o cerca a Al Qaeda, em 31 de agosto de 2001, o regente
demite de todas as suas funções o poderoso príncipe Turki al-Fayçal,
chefe da Inteligência saudita e amigo de Bin Laden.
A federação Russa, senhora das melhores informações
sobre a rede, em grande parte interessada em virtude da atuação
dos fundamentalistas na Chechênia e no Daguestão, convence
a China Popular a assinar um convênio de cooperação contra o
terrorismo, em junho de 2001, em Shangai. Pelo Pacto de Shangai,
ambas as potências, mais o Uzbequistão, Quirguízia, Tajquistão e
Casaquistão, comprometiam-se a trocar informações e apoiar as
ações contra o terrorismo e o separatismo. Numa brilhante vitória
diplomática, a Rússia conseguia separar os chineses de seus aliados
afegãos e paquistaneses, isolando o fundamentalismo. O apoio chinês
deveu-se, largamente, ao treinamento fornecido pela Al Qaeda, em
campos no Afeganistão, a rebeldes uigures, da província do Xinjiang
(Turquemenistão chinês), onde o islamismo avança rapidamente.
Fechando um novo mapa geoestratégico, ainda em agosto,
a Rússia sela um largo acordo de fornecimento de armas, troca de
informações e exploração conjunta de petróleo e gás do Cáspio
com a República Islâmica do Irã, completando o cerco ao conjunto
Afeganistão/Paquistão e atrapalhando os planos ocidentais de
exploração petrolífera local. Um último acordo, assinado com a Índia,
reforçará a posição desta na disputa da Caxemira com o Paquistão.
Assim, quando se dá o ataque de 11 de setembro de 2001,
com seus milhares de vítimas e impensável brutalidade, o conjunto
do mundo islâmico mantém-se calmo e discreto, e, ao mesmo tempo,
a ação policial russa, chinesa, iraniana e indu, na Ásia Central e no

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Terrorismo

Cáucaso, impede qualquer rebelião islâmica. Exceto por pequenos


grupos na Palestina e Paquistão, não mais de 15% da população,
todos entendem o tremendo erro estratégico cometido. A reação
americana, organizando uma coalizão mundial contra o terrorismo
irá comprovar que a maior parte do discurso da Al Qaeda e do seu
líder era tão fantasista quanto a leitura que faziam do Corão.

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Terrorismo

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