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GESTÃO DE PESSOAS NUM PROCESSO DE

AQUISIÇÃO: MUDANÇAS CULTURAIS


Vânia Gisele Bessi1
Andrea Poleto Oltramari2
Mayara Bervian Bispo3

RESUMO
O artigo discute as mudanças culturais e na forma de gestão de pessoas a partir do
processo de aquisição de uma empresa familiar por uma empresa multinacional e como os
trabalhadores remanescentes percebem tais mudanças. É um estudo de caso com 23 sujeitos,
sendo três da área de gestão de pessoas e vinte de cargos diversos. A coleta de dados deu-se
por meio de entrevistas individuais semi-estruturadas e em fontes documentais. A análise
dos dados ocorreu com o uso da análise do conteúdo. Os resultados indicam que a área de
gestão de pessoas, com suas políticas e programas, atua como uma ferramenta que busca
amenizar o impacto cultural, tentando normalizar e normatizar comportamentos, numa
tentativa de seduzir os trabalhadores para o projeto da nova empresa. Os novos modos de
trabalhar demandam um sujeito que necessita mobilizar-se em todos os seus espaços de
vida, não lhes possibilitando dar conta de exigências da empresa, como a educação formal,
por exemplo. A área de gestão de pessoas tenta garantir a adesão e a participação com o uso
de recompensas materiais e simbólicas e pela proximidade controlada das chefias. Percebe-
se uma cultura diferente da realidade vivida e subjetiva dos trabalhadores da realidade da
organização uma vez que a empresa M influencia suas orientações particulares. A empresa
busca, desse modo, pela inserção da nova cultura, a fusão de identidades, ou ainda, a
perda da cidadania civil para a cidadania empresarial (SCHIRATO, 2000).

Palavras-chave: gestão de pessoas, processos de aquisição, mudanças culturais.

1
Professora e pesquisadora da Faculdade de Ciências Econômicas Administrativas e Contábeis da Universidade de Passo
Fundo. Membro do Grupo Interdisciplinar de Estudos Sobre o Trabalho – Giest da Universidade de Passo Fundo e mem-
bro do Grupo Interdisciplinar de Estudos da Inovação e do Trabalho (PPGA/UFRGS). Doutoranda em Administração pela
EA/PPGA/UFRGS.
2
Professora e pesquisadora da Faculdade de Ciências Econômicas Administrativas e Contábeis da Universidade de Passo
Fundo. Membro do Grupo Interdisciplinar de Estudos Sobre o Trabalho – Giest da Universidade de Passo Fundo e mem-
bro do Grupo Interdisciplinar de Estudos da Inovação e do Trabalho (PPGA/UFRGS). Doutoranda em Administração pela
EA/PPGA/UFRGS.
3
Bolsista pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic) da Universidade de Passo Fundo. Gra-
duanda em Administração.

Teor. e Evid. Econ. Passo Fundo v. 14 Ed. Especial p. 191-219 2006


192 Teoria e Evidência Econômica, Passo Fundo, v. 14, Ed. Especial 2006

1 INTRODUÇÃO
O termo “globalização”, em especial nas últimas décadas, vem se tornando algo
corriqueiro nos estudos em geral e, mais especificamente, nos estudos organizacionais.
Tal termo tem sido utilizado para designar uma multiplicidade de fenômenos que vêm
configurando uma redefinição nas relações internacionais em diferentes aspectos da
vida social, como a economia, as finanças, a tecnologia, as comunicações e, em especial,
o mundo organizacional, como um todo.
As organizações, nesse mercado globalizado, ficam à mercê não mais somente de
influências internas ao próprio país e do contexto econômico local e políticas locais,
mas também das influências externas, como o contexto econômico mundial e também
uma concorrência que passa a ser global, não mais local. Tal como Ianni refere (1997),
a “fábrica global” sugere uma transformação quantitativa e qualitativa do capitalismo
além de todas as fronteiras, na qual toda a economia nacional, seja qual for, torna-se
província da economia global.
Nesse contexto, as organizações necessitam buscar, cada vez mais, estratégias para
aumentar suas forças competitivas, as quais passam, via de regra, pelas mudanças
nos processos de gestão. Mudanças na gestão de empresas sempre existiram, mas
atualmente se caracterizam pela rapidez e pela intensidade com que acontecem e
também pela abrangência de afetação para os trabalhadores empregados nessas
organizações.
Em última instância, as mudanças organizacionais podem acontecer no sentido de
associações e uniões de empresas. Geralmente, nesses casos, as mudanças pelas quais
o quadro funcional necessita passar são no sentido de enfrentar uma nova forma de
gestão e uma cultura diferenciada daquela à qual estavam habituados, quando não
enfrentam processos de demissão, nos quais as empresas buscam redução de custos via
redução do número de funcionários.
Em decorrência da globalização, multiplicam-se os processos de fusões ou
aquisições. Fusão caracteriza-se como “casos de combinação de duas organizações, de
modo a preservar uma e eliminar a outra” (REED e LAJOUX, 1995, apud BECKER,
2004, p.193), e aquisição “pode ser definida como a obtenção por uma empresa da
propriedade controladora de outra empresa (a adquirida), com a intenção de conservá-
la e operá-la” (NADLER e LIMPERT, 1994, apud BECKER, 2004, p.193). Quando se dá
a aquisição, a compradora pode operar a adquirida de forma totalmente independente,
significando a possibilidade de implantar nessa empresa uma cultura e estilo gerencial
totalmente diferenciados da empresa anterior, se esta for a necessidade e/ou vontade
da compradora.
A gestão de pessoas ocupa nesses processos um espaço importante na medida em
que a capacidade de adaptação das organizações aos processos mutativos depende,
em grande parte, de que os seus integrantes internalizem essas novas estratégias. A
gestão de pessoas exerce papel importante, uma vez que as pessoas que fazem parte
9 Gestão de pessoas em um processo de aquisição: mudanças culturais 193

da organização são chamadas a uma readaptação a outra cultura organizacional,


necessitam assimilar novas formas de trabalho e as mudanças tecnológicas advindas
desses processos, enfim, precisam assumir como seus os projetos da empresa que está
em processo de mutação. Tal adaptação para os funcionários ocorre, em muitos casos, de
forma dolorosa, pois necessitam criar para si novos modos de ser e de trabalhar, perante
o novo contexto organizacional. Assim, estudos sobre cultura tentam chamar a atenção
para o fato de se respeitar a cultura local e de evitar prevalecer a uniformidade. Assim,
Morgan (1996) chama a atenção para o fato de que programas de mudança devem dar
atenção ao tipo de costumes corporativos requeridos na nova situação e descobrir como
isso pode ser desenvolvido. A cultura não deve ser algo imposto sobre uma situação, ao
contrário, deve se desenvolver durante o curso da interação social (MORGAN, 1996).
Desse modo, Motta (2002, p. 197) salienta que a cultura não pode ser nada diferente
da realidade vivida, espontânea e subjetiva dos indivíduos, uma vez que é e só pode ser
a relação desses indivíduos com suas condições de existência. Para o autor, “não é algo
que se possa decretar e mudar à vontade a exemplo de alguém que espere reconstruir
um cérebro depois de submetê-lo a uma lobotomia” (2002, p. 197).
Assim, a gestão de pessoas necessita, por meio de seus procedimentos, executar
aquilo que a empresa se propõe, mas, também, dar conta dos anseios e da inserção
dos indivíduos aos objetivos da nova organização. Conforme Becker (2004, p.194),
“elementos culturais podem emergir como obstáculos à fusão. Valores e crenças, muitas
vezes antagônicos, são confrontados no processo de consolidação das formas de atuar,
sentir e pensar dos indivíduos com relação ao ambiente externo e interno”.
Nesse contexto, a pesquisa tem como pano de fundo o processo de arrendamento e
aquisição das instalações e operações da empresa F na sua unidade de fabricação de óleo
de soja em Passo Fundo/RS pela empresa M. O arrendamento permitiu que a empresa
M operasse todos os processos da empresa F por um prazo de um ano e, passado esse
período, teria prioridade de compra, se assim lhe interessasse. No momento atual, as
tentativas de compra já foram efetivadas. Salienta-se que as empresas tiveram seus
nomes preservados.
A empresa F caracteriza-se por ser uma empresa familiar, que mantém, atualmente,
na cidade de Passo Fundo uma outra unidade, destinada à fabricação de latas, sendo
líder nesse segmento. Essa unidade, no entanto, não mantém mais ligação com a
empresa em questão. A empresa M caracteriza-se como uma empresa multinacional, de
grande porte e atuando em várias linhas de produção de alimentos, tendo desenvolvido
em seu decurso vários processos estratégicos, entre os quais, processos de aquisição e
fusão, joint venture, buscando uma maior abrangência global de mercado.
Na perspectiva de verificar e analisar as técnicas cabíveis para a gestão de pessoas,
referentes aos processos de mudança desenvolvidos nessa organização, formulou-
se a problemática do estudo: como os trabalhadores da empresa M, que pertenciam
ao quadro funcional da empresa F, percebem as mudanças culturais ocorridas após
194 Teoria e Evidência Econômica, Passo Fundo, v. 14, Ed. Especial 2006

a iniciação das atividades da empresa M? Como os trabalhadores remanescentes


percebem e reagem às mudanças de gestão e às mudanças culturais ocorridas após a
transição das empresas?

2 CONTEXTUALIZAÇÃO TEÓRICA

2.1 Gestão de pessoas


A gestão das organizações, de uma forma geral, utiliza-se dos procedimentos e
técnicas da área de gestão de pessoas para organizar os homens e o trabalho e assegurar
que os trabalhadores façam cumprir o planejamento e os objetivos da empresa. Por
isso, a área de gestão de pessoas ou de recursos humanos, como ainda é comumente
conhecida, exerce grande influência sobre a vida e a saúde daqueles que trabalham.
Gestão de pessoas, segundo Davel e Vergara (2001, p.47), é “uma construção social
baseada em uma visão particularizada de organização e de pessoa, variando no tempo
e no espaço”. Desse modo, a forma como as pessoas são geridas sofre influência das
diretrizes da empresa, além de estar também fortemente presente a questão pessoal
dos gestores.
Os autores classificam a ARH em três modelos: a abordagem funcionalista, a
abordagem estratégica e a abordagem política de recursos humanos. A abordagem
funcionalista construiu-se em torno de técnicas, procedimentos e ferramentas. Esse
tipo de abordagem parte do pressuposto de que existe uma convergência de interesses
e de finalidades das pessoas, das empresas e da sociedade. Nesse sentido, aproxima-se
daquilo que era apregoado, a partir de 1930, pela Escola de Relações Humanas. Nessa
abordagem, “a ARH tem por princípio aumentar a produtividade e favorecer a busca
pela vantagem competitiva da empresa” (DAVEL e VERGARA, 2001, p.34).
A abordagem estratégica alinha as funções tradicionais da ARH aos objetivos
estratégicos das organizações, “com a finalidade de favorecer a flexibilidade e a
adaptabilidade das pessoas às mudanças organizacionais e ambientais” (DAVEL
e VERGARA, 2001, p.36). Algumas características dessa abordagem: a gestão das
pessoas sai da área de RH e passa para os gestores; desprezam-se a coletividade e
a relação com sindicatos, passando-se a um tratamento totalmente individualizado e
o comprometimento é solicitado de forma integral aos gestores e trabalhadores em
geral.
A abordagem política considera as dimensões políticas, levando em consideração
que há divergências de interesses entre indivíduos e organização: “Ela considera as
questões sociais, organizacionais e individuais como potencialmente conflituosas,
devendo a ARH arbitrar e integrar os interesses desses níveis diferentes” (DAVEL e
VERGARA, 2001, p.38).
9 Gestão de pessoas em um processo de aquisição: mudanças culturais 195

Para os autores, essas visões, apesar de apresentarem progressos uma em relação


à outra, ainda deixam a desejar no sentido de que não levam em conta a pessoa humana
em sua totalidade. Nessa perspectiva, torna-se de extrema relevância para as empresas,
além de traçar seus objetivos estratégicos, visando ao progresso organizacional, também
levar em consideração aspectos subjetivos do trabalhador.
Em relação aos aspectos do trabalhador enquanto ser integral (CHANLAT, 1996),
a gestão, não raro, tenta conseguir dele a sua mobilização total para o projeto da
organização, invadindo sua vida de modo a se tornar lugar central em sua existência.
Algumas estratégias são utilizadas deliberadamente ou naturalmente concebidas,
de modo a fazer com que os trabalhadores se sintam como membros de uma grande
família, filhos de uma mãe caridosa, tal como mostra Pagès et al. (1993), acerca do
poder que as organizações exercem sobre os trabalhadores.
De acordo com Pagès et al. (1993), ao se mobilizar psiquicamente com algo maior,
mais poderoso e mais duradouro do que ele, o indivíduo isolaria ou atenuaria o pavor
que tem de sua própria morte. Segundo os autores (PAGÈS et al., 1993), tal fusão seria
possível na medida em que a organização hipermoderna promove o que eles chamam
de “desterritorialização” do indivíduo. O território é definido pelos autores como o
espaço no qual se enraíza a identidade, o lugar dos prazeres, dos temores, das relações
importantes, a superfície de inscrição da história pessoal, enfim, o conjunto do sistema
de referência.
A desterritorialização, ao contrário, é o conjunto dos mecanismos que
consistem em separar o indivíduo de suas origens sociais e culturais
e destituí-lo de sua história pessoal para reescrevê-la no código da
organização, em desenraizá-lo de sua terra originária para melhor
enraizá-lo no solo empresarial, em apagar suas referências originais
para substituí-las por outras mais conformes aos interesses da empresa
(PAGÈS et al., 1993, p. 119).

Nesse sentido, para Pagès et al. (1993), a organização hipermoderna promove um


sistema de dominação e dependência psicológica. O trabalhador, por sua vez, deixa-se
controlar pela organização, que passa a deter o domínio sobre sua esfera psíquica. Em
última análise, o trabalhador passa a depender dessa ligação, pois a partir daí é que
constitui sua vida.
Lima (1995) analisa as novas políticas de recursos humanos (RH) como estratégias
organizacionais no sentido de aumentar a dependência dos trabalhadores em relação
à empresa, configurando aquilo que denomina como “formas de sedução na empresa”.
A autora elenca algumas características das novas políticas de RH: recompensas
econômicas conjugadas com recompensas simbólicas; possibilidades de carreira;
competição acentuada entre empresas e entre colegas; adoção de medidas para aumentar
o fluxo de informações; intelectualização das tarefas; mudança e renovação constantes,
o que leva a uma grande exigência de flexibilidade e capacidade de adaptação; controle
pela adesão e interiorização de regras, entre outros pontos.
196 Teoria e Evidência Econômica, Passo Fundo, v. 14, Ed. Especial 2006

Tais características das políticas de RH acabam-se configurando num ambiente


atraente e sedutor que as empresas disponibilizam aos seus supertrabalhadores,
aqueles que conseguirem passar pelos rigorosos processos seletivos. Uma vez admitido
como membro da família, o trabalhador deverá direcionar a sua psique para os objetivos
organizacionais. Em estudo realizado por Enriquez (2002) acerca da vida psíquica nas
organizações, são analisadas as táticas utilizadas pelas organizações para mobilizar o
trabalhador a fim de que assuma como seu o projeto organizacional, em outras palavras,
táticas que visam à construção de uma subjetividade totalmente integrada ao projeto
da empresa.
Para Enriquez (2002, p.12), “a gestão pelo afetivo, a gestão da paixão estão na ordem
do dia das organizações, que não querem ser percebidas unicamente como sistemas de
produção ou sistemas sociais”. Nesse sentido, as organizações têm, de maneira geral e
historicamente, levado em conta a mobilização da subjetividade do trabalhador visando
ao alcance de seus objetivos. O autor traz à tona alguns modelos organizacionais, dos
quais um é a “concepção estratégica atual”, modelo em que o estrategista é aquele que
se encontra inteiramente tomado pelo imaginário organizacional da performance e da
excelência, tendo toda a sua afetividade canalizada para a empresa. Nesse modelo,
todos são chamados a se mobilizar pela organização, não somente a elite diretiva. “A
capacidade estratégica não é mais reservada [...]; ao contrário, é destinada a ‘qualquer
um’. Todos estrategistas, todos lutadores, todos ‘matadores suaves’” (ENRIQUEZ, 2002,
p.18).
Com base nas análises de Pagès et al. (1993) e Enriquez (2002), pode-se perceber
que a questão da subjetividade é algo que, de uma maneira ou de outra, sempre esteve
na pauta do dia das ações organizacionais, que buscam, de formas diferenciadas e mais
ou menos intensas, mobilizar o trabalhador integralmente para o projeto organizacional.
Lazzarato e Negri (2001, p.25) endossam essa percepção dizendo que, “como prescreve
o novo management, hoje, ‘é a alma do operário que deve descer da oficina’. É a sua
personalidade, a sua subjetividade, que deve ser organizada e comandada”.

2.2 Cultura organizacional e mudança


Uma vez que se pretende estudar as mudanças culturais ocorridas depois
da aquisição da empresa, torna-se pertinente conceituar cultura organizacional
e, sobretudo, deixar claro que os mais diferentes conceitos sobre cultura buscam,
sobretudo, articular as mais diferentes abordagens (CAVENDON, 2004). Os teóricos
que se dedicam à questão da cultura organizacional não são unânimes em relação a um
conceito sobre o tema (CAVEDON, 2004).
Considerando as questões culturais relacionadas à imaterialidade e à materialidade,
Aktouf (1994, p. 51) diz que “a cultura é um complexo coletivo feito de representações
mentais que ligam o imaterial e o material”. O autor ressalta que a imaterialidade
simbólica se inscreve nas estruturas, nas vivências do cotidiano e que “a cultura implica
9 Gestão de pessoas em um processo de aquisição: mudanças culturais 197

uma interdependência entre história, estrutura social, condições de vida e experiências


subjetivas das pessoas”. Para Laplantine (1994, p. 120), “a cultura é o conjunto dos
comportamentos, saberes e saber-fazer característicos de um grupo humano ou de
uma sociedade dada, sendo essas atividades adquiridas através de um processo de
aprendizagem e transmitidas ao conjunto de seus membros”.
Para Barbosa, (1996, p.7), “a cultura de uma empresa é uma variável importante,
podendo funcionar como um complicador ou um aliado na implementação e adoção
de novas políticas administrativas, relacionando-se também ao seu desempenho
econômico”. Ainda para a autora: “O funcionário de uma empresa, qualquer que seja
sua função ou posição na hierarquia, é alguém com memória, sentimentos e valores
que o vinculam a um contexto social mais amplo, do qual a empresa faz parte”. Assim,
pode-se dizer que o entendimento da cultura perpassa pela compreensão das memórias
do sujeito, não podendo ser algo imposto.
Em relação à imutabilidade ou não da cultura, segundo Morgan (1996), os
administradores devem ser cientes que podem influenciar a cultura organizacional,
mas jamais poderão mudá-la. Cavedon (2004) salienta que dentre os autores que
defendem a cultura organizacional como algo imutável, ou, pelo menos, não de forma
mecanicista, está Morgan (1996). Para o autor, ao desvendar a cultura organizacional,
deve-se prestar atenção no seu caráter essencialmente humano, não utilizar as
descobertas para controlar, manipular. Assim, a mudança aconteceria essencialmente
pela percepção do indivíduo sobre o ambiente em que está envolvido. Ainda Morgan, ao
se referir à rejeição da cultura corporativa uniforme diz que “nas organizações existem
freqüentemente sistemas de valores diferentes que competem entre si e que criam um
mosaico de realidades organizacionais em lugar de uma cultura corporativa uniforme”.
(p. 131).
Analisando a contribuição que a metáfora cultural pode trazer a compreensão da
mudança organizacional, Morgan (1996, p. 142) afirma:
Tradicionalmente, o processo de mudança tem sido conceituado como
um problema de mudança das tecnologias, estruturas, habilidades
e motivações dos empregados. Embora isso seja correto em parte, a
mudança efetiva também depende das mudanças de imagens e valores
que devem guiar as ações.... portanto, programas de mudanças devem
dar atenção ao tipo de costumes corporativos requeridos na nova situação
e descobrir como isto pode ser desenvolvido.

Motta (1995, p. 199) salienta que “a cultura é antes de mais nada linguagem,
código. Cultura é um sistema de símbolos e significados compartilhados, que serve como
mecanismo de controle. A ação simbólica necessita ser interpretada, lida ou decifrada
para que seja entendida”. É como se o sujeito tivesse de, permanentemente, estar
desvendando o oculto e percebendo-o no seu meio múltiplas camadas de significação
para poder ser um atuante no sentido de permitir que a cultura mude e, sobretudo,
ajudar seus pares a perceber também os acontecimentos. Ainda Motta diz que “a idéia
198 Teoria e Evidência Econômica, Passo Fundo, v. 14, Ed. Especial 2006

de cultura organizacional em si é uma idéia rica, que traz consigo a possibilidade de


uma organização do trabalho mais humana, detentora de melhor qualidade de vida
e, como conseqüência de se esperar, de maior produtividade e rentabilidade” (p. 197).
Segundo o autor, “o que a cultura faz é influenciar as orientações particulares que
assumem os jogos estratégicos pelos quais cada um defende seus interesses e suas
convicções, no interior de cada conjunto social” (MOTTA, 2002, p. 189).
Para Morgan (1996, p. 142), “programas de mudança devem dar atenção ao tipo
de costumes corporativos requeridos na nova situação e descobrir como isto pode
ser desenvolvido”. Ainda, para o autor, “como a estrutura organizacional, a cultura
é freqüentemente vista como um conjunto de variáveis distintas, tais como crenças,
histórias, normas e rituais que, de certo modo, formam um todo cultural” (p. 143).
Enriquez (1997) esclarece que toda a organização possui ritos, mitos, lendas,
símbolos, isso porque as sociedades precisam de uma ordem que defina as regras a
serem seguidas pelos seus membros. Para o autor, há que se estar atento aos ritos, pois
não se constituem como tendo uma existência em si, mas mostram-se essencialmente
por metáforas e símbolos existentes no dia-a-dia das organizações. Por isso, Enriquez
(1997) salienta a importância da vinculação entre a realidade psíquica e a realidade
histórica, uma vez que muito da realidade histórica pode estar revelada pelo nível dos
artefatos e das criações e a realidade psíquica pode estar no nível dos pressupostos
inconscientes (SCHEIN, 1985). Ou como Enriquez (1997) diz esse imaginário que modela
a sociedade é impulsionado pelas pulsões e desejos dos indivíduos e dos grupos.
Ao conceituar valores, mito, rito, rituais e saga, Motta (2002, p.195) registra,
primeiramente, que “os valores são as grandes definições a propósito das coisas
importantes para o sucesso da organização. Os valores fazem parte das crenças maiores
a respeito do como pensar, sentir e agir”. Por sua vez mito é conceituado como um
conjunto de atividades relativamente elaboradas, reunindo num único evento mensagens
de conteúdo simbólicos voltadas para uma determinada audiência e rito de passagem
significando as mudanças de expectativas e responsabilidades atribuídas e assumidas
por um determinado sujeito. Nesse caso, Schirato (2000) relata os ritos de passagem ou
os programas de integração destinados aos novos funcionários da organização. Conforme
relata a autora, esse momento deve atentar para a sensibilização do indivíduo a querer
fazer parte da organização, ou seja, o discurso da integração deve “passar todo um
manancial de alimento para o imaginário do trabalhador” (p. 91), tudo isso objetivando
a integração pessoal naquele novo mundo onde o sujeito estará totalmente envolvido.
Segundo Motta (2002, p. 195), “rituais são conjuntos detalhados e padronizados de
técnicas e comportamentos que tratam com ansiedades, mas produzem resultados de
conseqüências práticas”.
Nas palavras de Enriquez (1992, apud Motta, 2002, p. 195), “mitos, ritos, heróis,
tendo por função sedimentar a ação dos membros da organização, de lhe servir de
sistema de legitimação e de dar assim uma significação preestabelecida a suas práticas
9 Gestão de pessoas em um processo de aquisição: mudanças culturais 199

e a sua vida. Ela pode então se oferecer como objeto a ser interiorizado e a dar vida. Ela
começa suas exigências e leva cada um a se orgulhar do trabalho a realizar, verdadeira
missão de vocação salvadora”.
Aktouf (1994) salienta que a cultura é algo muito vasto, muito importante, inscrita
muito profundamente nas estruturas sociais, na história, no inconsciente, na experiência
vivida e no vir a ser coletivo humano, para ser tratada de maneira tão trivial, como
uma variável dependente cujos fatores e componentes podem ser isolados, medidos,
tratados e construídos. Desse modo, estudos sobre cultura mostram que, acima de
tudo, deve-se respeitar o ambiente vivido pelos sujeitos que fazem parte desse espaço,
quer seja organizacional, quer não. Mudanças culturais não devem ser impostas, mas,
sobretudo, respeitadas e construídas coletivamente.

2.3 Globalização e empresas multinacionais


Pensar acerca da globalização remete a uma idéia de que esse é um processo
contemporâneo, que tem seu início marcado no século XX. No entanto, a integração
entre os países, característica marcante deste processo, ocorre desde as grandes
expedições que visavam desbravar terras desconhecidas (SHERER, 1997). Ainda
assim, aquilo que se presencia hoje como globalização é, em grande parte, propiciado
pela internacionalização das finanças e da tecnologia. Assim, a globalização, tal como
se configura na contemporaneidade, propicia um redesenho das relações internacionais
em diferentes aspectos da vida social, quer seja em aspectos culturais, quer seja em
aspectos financeiros.
Ianni (1997, p. 46), ao se referir ao poder das transnacionais, expõe que “com a
nova divisão internacional do trabalho, a flexibilização dos processos produtivos e
outras manifestações do capitalismo em escala mundial, as empresas, corporações e
conglomerados transnacionais adquirem preeminência sobre as economias nacionais.
Elas se constituem em agentes e produtos da internacionalização do capital“.
Essa redefinição tem acontecido de forma mais acentuada nas últimas décadas
do século XX, pois, apesar de o modo capitalista de produção ser caracterizado por
sua expansão contínua, buscando superar limites de tempo e espaço, foi a partir desse
período que a economia mundial conseguiu tornar-se global, “com base na nova infra-
estrutura, propiciada pelas tecnologias de informação e comunicação” (CASTELLS,
2000, p.111). Essa nova configuração do capitalismo, desencadeada por tais redefinições,
afeta de forma muito particular o mundo do trabalho, pois possibilita que as empresas
se tornem móveis, atravessando fronteiras, instalando-se em outros países e afetando,
dessa forma, o mundo da gestão, através de suas práticas empresariais.
Empresa multinacional ou transnacional, como vem sendo mais comumente
chamada, não é uma concepção nova de organização, assim como o fenômeno da
globalização não tem seu surgimento registrado nos últimos anos do século XX, pois
remonta ao final do século XIX (KUCINSKI, 1985). Empresas multinacionais são assim
200 Teoria e Evidência Econômica, Passo Fundo, v. 14, Ed. Especial 2006

chamadas pelo fato de, apesar de possuírem um país de origem (geralmente onde se
localiza a matriz ou a sede dessas empresas), expandirem suas atividades para vários
países, procurando melhores condições de lucros ou de mão-de-obra. Singer (1999)
compartilha com essa idéia, introduzindo um conceito de mobilidade do capital não
financeiro, industrial propriamente dito, e citando que as empresas que se instalam em
países ou estados que lhes proporcionam melhores benefícios financeiros continuam
sempre em busca de novos locais mais rentáveis.
A mundialização das empresas é uma das estratégias de inovação utilizadas por
grandes e bem estruturadas corporações. Conforme Kovács (2002, p.44), “o crescente
interesse pela inovação organizacional nas últimas décadas deve-se à inadequação
do modelo dominante de organização às profundas mudanças tecnológicas,
econômicas e socioculturais”. Assim, a discussão acerca da inovação aparece ligada
à questão da produtividade, qualidade, flexibilidade, ou seja, aos aspectos críticos da
competitividade.
Hymer (1983), ao analisar os efeitos que as empresas multinacionais trazem para
as economias dos países onde se instalam, aponta aspectos positivos e negativos. Como
aspecto positivo, o autor cita que esse tipo de empresa, “ao difundir a técnica mais
avançada através de sua exportação de um país para todos os territórios em que opera,
atua como um substituto de mercados imperfeitos, repartindo de maneira eficaz os
produtos e fatores no mundo” (HYMER, 1983, p.12). Assim, dentro da lógica exposta
pelo autor, as empresas multinacionais proporcionariam aos países onde se instalam
avanços tecnológicos e de gestão, contribuindo, assim, com a economia desses países.
Exemplo disso pode ser encontrado com a entrada das empresas multinacionais do
setor automotivo no Brasil, em especial a partir da década de 1950, quando trouxeram
significativos avanços de relações trabalhistas e, também, de qualificação do corpo
funcional (BRESCIANI, 1997).
No entanto, Hymer (1983) aponta que há um lado negativo na expansão das
empresas multinacionais, que seria, segundo ele, a criação de grandes monopólios,
ou, mesmo, a concentração de poder financeiro e político nas mãos dessas grandes
corporações: “Os investimentos são freqüentemente realizados por intermédio de um
pequeno número de firmas estabelecidas em setores oligopolistas. Nestes setores, o
investimento direto cria um perigo: pode provocar sérios problemas econômicos, pela
eliminação da concorrência, e colocar graves problemas políticos, ao concentrar o poder
de decisão e a potência financeira” (HYMER, 1983, p.12).
Assim, da mesma forma que proporcionam avanços, tais empresas podem, em
última análise, atuar como um concorrente com o qual as empresas nacionais de
pequeno e médio porte não têm condições de competir, em razão dos aportes financeiros e
tecnológicos de que não dispõem. Mesmo nessas condições, as empresas multinacionais
têm a acrescentar no sentido de que propiciam às pequenas e médias empresas novas
visões de gerenciamento e estratégias mais arrojadas de enfrentamento do mercado.
9 Gestão de pessoas em um processo de aquisição: mudanças culturais 201

A empresa em estudo pode ser caracterizada como uma empresa multinacional, com
atuação em vários países, característica que lhe proporciona o conhecimento de várias
realidades culturais e especificidades de vários países.

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

3.1 Método
O presente estudo tem como objetivo verificar e analisar as mudanças na gestão
de pessoas e o modo como os trabalhadores da empresa M, que pertenciam ao quadro
funcional da empresa F, percebem tais mudanças a partir da transição de uma empresa
familiar para uma multinacional.
Por se tratar de um estudo cujo objetivo é avaliar um determinado processo
dentro de uma única empresa, bem como os sujeitos envolvidos nesse processo, a
presente pesquisa caracteriza-se como um estudo de caso, de caráter qualitativo e
exploratória. De acordo com Yin (2001, p.27), o estudo de caso é a estratégia ideal
quando se apresentam como questões de pesquisa perguntas do tipo “como” ou “por
quê”. Para Roesch (1999), o estudo de caso é uma estratégia de pesquisa que possibilita
o conhecimento, em profundidade, de uma realidade ou de um fenômeno social, sendo
conduzido em detalhes e, com freqüência, baseado em várias fontes de dados.

3.2 Sujeitos
Os sujeitos que constituem essa pesquisa são aqueles trabalhadores em cargos
diversos e em cargos de chefia que vivenciaram o processo de transição entre as duas
empresas e que ainda pertencem ao quadro funcional da empresa M. Também fazem
parte da pesquisa, na condição de sujeitos, pessoas ligadas à área de recursos humanos
(é assim que a área de gestão de pessoas é denominada na empresa). Cabe salientar
que somente permaneceram na empresa, após a aquisição, funcionários da área
operacional. Aqueles que trabalhavam nas áreas administrativas foram substituídos,
com exceção de um funcionário da área de recursos humanos. Os sujeitos da pesquisa
estão detalhados no Quadro 1.
202 Teoria e Evidência Econômica, Passo Fundo, v. 14, Ed. Especial 2006

Quadro 1 – Sujeitos da pesquisa


Entrevistado Cargo Escolaridade Sexo
Entrevistado 1 Coordenadora de RH 3º Grau Completo F
Entrevistado 2 Analista de RH 3º Grau Completo F
Entrevistado 3 Analista de RH 3º Grau Completo F
Entrevistado 4 Encarregado de Expedição 2º Grau Completo M
Entrevistado 5 Encarregado de Produção 1º Grau Completo M
Entrevistado 6 Controlador de Manutenção 2º Grau Completo M
Entrevistado 7 Supervisor de Manutenção 1º Grau Completo M
Entrevistado 8 Controlador de Produção 2º Grau Completo M
Entrevistado 9 Controlador de Produção 2º Grau Completo M
Entrevistado 10 Operador 1º Grau Incompleto M
Entrevistado 11 Mecânico de Manutenção 2º Grau Completo M
Entrevistado 12 Operador Industrial 2º Grau Completo M
Entrevistado 13 Operador de Indústria 2º Grau Incompleto M
Entrevistado 14 Mecânico de Manutenção II 1º Grau Incompleto M
Entrevistado 15 Operador de Máquina 1º Grau Incompleto M
Entrevistado 16 Conferente 2º Grau Completo M
Entrevistado 17 Operador de Caldeira 2º Grau Completo M
Entrevistado 18 Operador de Máquina I 1º Grau Incompleto M
Entrevistado 19 Vendedor Jr. 3º Grau Incompleto M
Entrevistado 20 Operador de Máquina II 1º Grau Incompleto M
Entrevistado 21 Torneiro Mecânico 1º Grau Incompleto M
Entrevistado 22 Operador de Máquina III 1º Grau Incompleto M
Entrevistado 23 Mecânico de Manutenção 2º Grau Completo M

Fonte: Dados da pesquisa.

3.3 Coleta de dados


A coleta de dados foi desenvolvida por meio de entrevista semi-estruturada e fontes
documentais fornecidas pela empresa M. Para Yin (2001), é importante que se possam
utilizar várias fontes de dados, uma vez que isso permite o confronto dos dados que
eventualmente venham a se repetir e validá-los. Os instrumentos de coleta de dados
foram utilizados conforme descritos a seguir:

Entrevista semi-estruturada com os funcionários da área de gestão de pessoas,


chefias e colaboradores remanescentes da empresa familiar:
9 Gestão de pessoas em um processo de aquisição: mudanças culturais 203

As entrevistas semi-estruturadas foram realizadas com funcionários da área de


recursos humanos, com chefias remanescentes da empresa anterior e com funcionários
em cargos diversos. Ilustra-se no Quadro 2 cada uma das etapas de entrevista com seu
objetivo. As entrevistas foram realizadas de forma individual, sendo gravadas com a
permissão dos entrevistados para posterior transcrição e análise do seu conteúdo.
Fontes documentais
As fontes documentais foram utilizadas como apoio para a caracterização do campo
de estudo, bem como da gestão de pessoas da empresa M. Fazem parte das fontes
documentais materiais fornecidos pela empresa.

Quadro 2 - Etapas da pesquisa

Etapa Entrevista e Objetivo

Funcionários da área de recursos humanos com o objetivo de caracterizar a atual forma de


Primeira Etapa
gestão e de gestão de pessoas
Chefias remanescentes da empresa anterior com o objetivo de caracterizar as formas e gestão
Segunda Etapa
e de gestão de pessoas da empresa familiar
Colaboradores remanescentes da empresa familiar, com o objetivo de verificar as mudanças
Terceira Etapa
culturais ocorridas e como os trabalhadores reagem e percebem as mudanças

Fonte: Dados da pesquisa.

3.4 Análise de dados


A análise dos dados, segundo Yin (2001, p. 131), “consiste em examinar, categorizar,
classificar em tabelas ou, do contrário, recombinar as evidências, tendo em vista
proposições iniciais de um estudo”. Os dados coletados por meio de entrevista semi-
estruturada e fontes documentais sofreram análise de conteúdo, seguindo as etapas
propostas por Triviños (1995):
• pré-análise – consiste na organização do material. As fontes documentais e
os conteúdos transcritos das entrevistas, bem como toda a leitura realizada
anteriormente, são organizados com vistas à fase seguinte;
• descrição analítica – consiste no estudo aprofundado do material organizado
na fase anterior. Nesta fase, é realizada uma leitura em profundidade do
material, visando a uma categorização que contemple os objetivos definidos na
pesquisa;
• interpretação inferencial – consiste na reflexão com embasamento no material
empírico, estabelecendo relações com a leitura anterior. Nesta fase, é de suma
importância atentar para o conteúdo latente que os documentos possuem, além
do conteúdo expressamente manifesto.
204 Teoria e Evidência Econômica, Passo Fundo, v. 14, Ed. Especial 2006

A análise qualitativa, baseando-se em proposições teóricas, é corroborada por Yin


(2001, p.133), que a entende da seguinte forma:
A primeira, e mais preferida estratégia, é seguir as proposições teóricas
que levaram ao estudo de caso. Os objetivos e o projeto originais de estudo
baseiam-se, presumivelmente, em proposições como essas, que, por sua
vez, refletem o conjunto de questões da pesquisa, as revisões feitas na
literatura sobre o assunto e as novas interpretações que possam surgir.

4 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

4.1 A empresa M
A empresa M iniciou suas atividades em 1818 em Amsterdã, na Holanda,
como comercializadora de grãos e de produtos importados das colônias holandesas;
Atualmente, sua sede está localizada nos Estados Unidos. A empresa possui indústrias
no Brasil, Argentina, Estados Unidos, Canadá, França, Itália, Espanha, Alemanha,
Áustria, Itália, Ucrânia, Hungria, Holanda, Polônia e Romênia. Pode-se perceber
que tal estrutura a caracteriza como uma indústria transnacional, empenhada numa
expansão contínua, buscando superar limites de tempo e espaço, tal como menciona
Castells (2000).
No Brasil, iniciou suas atividades em 1905 em Santos/SP, caracterizando o início de
uma rápida expansão no país. Numa estratégia de diversificação de negócios, em 1923
adquiriu empresas em Recife/PB. Desde então, a empresa M tem acompanhado de perto
a expansão das novas fronteiras agrícolas do Brasil, posicionando-se nos corredores
de exportação, visando aumentar a sua produtividade e manter-se estável no país.
Singer (1999) lembra que uma das características das empresas transnacionais é a
sua mobilidade quando percebe que o país onde está localizada não apresenta maiores
condições de lucratividade. Assim, a presença constante e cada vez maior da empresa
no território nacional demonstra as potencialidades que o agronegócio apresenta em
termos de crescimento e de margens interessantes de lucro.
A empresa M caracteriza-se, atualmente, como uma das maiores empresas do
agronegócio no Brasil, estando presente em 16 estados, com fábricas, moinhos, silos
e terminais portuários. Possui em seu quadro funcional aproximadamente 10.600
funcionários. Pode ser considerada líder no mercado nacional de óleos vegetais,
margarinas, gorduras, farinhas, lecitinas e proteínas de soja. Entre suas unidades
encontra-se a maior unidade processadora de soja do Brasil e a única planta produtora
de proteína isolada de soja do hemisfério sul. Hymer (1983), ao tecer considerações
acerca das empresas transnacionais, aponta o lado negativo existente na expansão
9 Gestão de pessoas em um processo de aquisição: mudanças culturais 205

dessas corporações, que consiste na criação de grandes monopólios, ou, mesmo, na


concentração de poder financeiro e político.
A empresa M mantém uma sede, que está localizada numa cidade no interior do
estado de Santa Catarina, onde hoje está centralizada a administração geral do grupo,
denominada “Corporativo”. Todas as decisões estratégicas da empresa, no que se refere
ao contexto nacional, são tomadas no âmbito do Corporativo, inclusive aquelas que
dizem respeito aos programas de gestão de pessoas desenvolvidos por ela.
Ao Rio Grande do Sul a empresa M chegou em 1929. No interior do estado, onde a
pesquisa foi desenvolvida, a empresa já marcava presença com silos para recebimento
e armazenagem de grãos. A sua presença foi ampliada em outubro de 2002, quando
efetua o arrendamento da empresa F, onde hoje operam as áreas administrativa,
comercial, representações (parcerias) e a fábrica de óleo de soja. O arrendamento foi
feito pelo prazo de um ano, com a opção de compra ao final do prazo; com o prazo de
arrendamento vencido, foi concretizada a compra da unidade, que se deu no início de
2004.
A estrutura administrativa da unidade pesquisada é composta por quatro
gerentes: gerente administrativo, gerente do crush, gerente do refino de óleo e gerente
de originação. A área de Recursos Humanos não possui status de gerência, tendo como
responsável uma coordenadora. Os gerentes da unidade fazem parte de um comitê que
se reúne uma vez por mês e define todas as ações a serem tomadas para a regional (que
inclui a unidade pesquisada e mais uma empresa do grupo localizada em Rio Grande).
A coordenadora de RH participa eventualmente das reuniões do comitê, no entanto não
como um órgão que tenha poder de veto ou de tomada de decisões na empresa, como ela
própria menciona: “... esse comitê é formado pelos gerentes e eu participo das reuniões,
mas como participante somente”. Assim, percebe-se que a área de RH fica fora das
decisões estratégicas da corporação. Sobre tal aspecto Pagès et al (1993, p.50) referem
que “a elaboração das regras leva em conta as sugestões dos que são encarregados de
sua aplicação e para toda nova medida pesquisa-se sua aceitação”. Pode-se perceber que,
na empresa em estudo, a elaboração das regras não tem levado em conta a participação
de todos os gestores envolvidos. Ainda assim, embora não participando ativamente nos
processo de tomada de decisão, cabe à área de RH colocar em prática, junto com o grupo
de funcionários, tais estratégias.
Além da compra da empresa F, a empresa M intensificou, no ano de 2004, a sua
expansão na cidade de Passo Fundo pela compra de uma rede de silos pertencentes
a outro grupo empresarial local, tornando, dessa forma, cada vez mais relevante sua
presença na cidade. Atualmente, a unidade pesquisada totaliza uma população de cerca
de 150 funcionários e mais de 60 terceirizados fixos; o quadro funcional se constitui,
em grande parte, por indivíduos que já pertenciam à empresa anterior. Dos que ainda
permanecem, a sua totalidade encontra-se na área operacional. Houve ocorrência de
demissões e contratação de pessoas especializadas para cargos que foram julgados pela
206 Teoria e Evidência Econômica, Passo Fundo, v. 14, Ed. Especial 2006

nova administração como essenciais e que necessitavam de pessoas mais especializadas


e alinhadas aos novos objetivos organizacionais.

4.1.1 Gestão de pessoas na empresa


Apresentam-se aqui as práticas de gestão de pessoas utilizadas pela empresa M,
visando analisar como as políticas de gestão de pessoas da empresa se apresentam,
junto ao grupo de funcionários. Tal análise tem uma importância ampliada quando
se utiliza disso para entender, tal como Davel e Vergara (2001) mencionam, qual é o
posicionamento da empresa perante as pessoas que nela trabalham.
No que se refere às práticas mais específicas de RH, o recrutamento e a seleção
ocorrem sem uma política clara, com alguns casos de seleção interna por indicação das
chefias Algumas questões remanescentes da empresa F, como familiares trabalhando
na empresa e a escolaridade baixa, permaneceram, mas há a idéia de que, “quando o
quadro for renovado, isso vai se extinguir” (Entrevistado 3). Aqui se pode perceber que
a empresa mantém, a longo prazo, uma indicação de substituição dos funcionários da
empresa anterior.
Em relação ao treinamento, são as chefias que dizem onde treinar e quem treinar,
que organizam o plano anual, incluindo os treinamentos obrigatórios. Os indicadores de
treinamento são usados no programa de participação nos lucros e resultados e a verba
para os programas de treinamento e desenvolvimento são decididas no corporativo,
sem levar em conta as peculiaridades locais. Existe uma quantidade significativa de
treinamentos que são realizados fora do horário de trabalho, para os quais há, por
parte dos funcionários, uma reação inicial negativa, uma vez que interfere em seu
horário de lazer. No entanto, como esse é um indicador necessário para que recebam a
participação nos resultados, aderem ao que lhes é determinado.
A empresa M possui vários benefícios que a empresa F não possuía, como
previdência privada, assistência odontológica, assistência médica, seguro de vida em
grupo, direito a empréstimos pessoais, convênio com farmácia, auxílio à creche, além
da participação nos resultados. Tais benefícios são utilizados, como menciona Lima
(1995), como uma forma de sedução por parte da empresa, o que fica evidente nas falas
dos entrevistados pela ênfase que atribuem ao fato de agora possuírem “inclusive plano
de saúde” (Entrevistado 10).
Mesmo no período de arrendamento, que durou um ano, a empresa M procurou
levar para a nova unidade todos os programas de gestão de pessoas que mantém
em suas outras unidades, tais como programa de segurança no trabalho, plano de
participação nos lucros e resultados, programa de clima organizacional, dentre outros.
A implantação desses programas já sinalizava, por parte da empresa, uma procura por
fixar entre os funcionários a nova cultura organizacional e as diretrizes gerenciais e
estratégicas de atuação da nova organização.
9 Gestão de pessoas em um processo de aquisição: mudanças culturais 207

Os programas funcionam como um dos grandes alicerces na propagação da cultura


da empresa. Os entrevistados da área de RH reclamam da falta de participação dos
funcionários nesses programas, o que segundo eles, se dá, em parte, pela falta de costume
e pela dificuldade de se adaptarem à cultura da empresa: “É uma questão cultural, é
costume se esconder atrás da tarefa, da atividade, enxergar o tamanho da mesa e deu”
(Entrevistado 1). O próprio programa de PLR, com seus indicadores extremamente
abrangentes (número de funcionários, familiares e membros da comunidade que
participam das atividades, número de horas de treinamento, etc., além de indicadores
de produtividade), é uma tentativa de fazer com que as pessoas aceitem e assimilem
a nova cultura: “A cultura assim, neste aspecto não está bem concreta na cabeça das
pessoas, então está agregado aos programas do recompensar” (Entrevistado 2).
Os programas têm, ainda, como função primordial fazer a padronização dos valores
da empresa entre os funcionários. Se os valores cultivados por eles, a partir da sua
família conflitam com os da empresa, há a tentativa de fazer com que prevaleçam os da
empresa, como menciona o Entrevistado 2: “Aprendemos lá com a nossa família muitos
valores e com o passar do tempo as pessoas vão perdendo essa classificação. Então,
justamente os seis valores iriam resgatar e também são valores que a empresa presa, fica
uma espécie de padronização de valores, realmente”. Sobre tal aspecto, Schirato (2000)
refere a passagem de ser cidadão para a condição de ser funcionário, estabelecendo-se
“um contrato imaginário de adequação e complementação ideais” (p.96). Para a autora,
ocorre a fusão de identidades: “o eu organizacional e o eu individual do empregado ou,
a perda da cidadania civil para uma suposta cidadania empresarial, constituindo a
passagem do ser para o estar” (SCHIRATO, 2000, p. 101). Ao se referir à imposição da
cultura, Morgan (1996) lembra que a cultura não deve ser algo imposto, mas deve se
desenvolver durante o curso da interação social.
Pode-se perceber, no caso da empresa M, que há uma tentativa de imposição da
cultura por meio dos valores pregados como aqueles que devem realmente prevalecer,
sem levar em conta valores existentes na empresa anterior ou valores próprios de
cada um, tentando, com isso, adentrar a vida privada dos funcionários na cultura
organizacional. Assim, a organização tenta apagar as referências originais do
trabalhador, substituindo-as por outras consideradas mais adequadas aos interesses
da empresa, destituindo-os de sua história pessoal para reescrevê-la no código da nova
organização. A identidade do indivíduo mistura-se com a da empresa, e ele passa a se
referenciar somente por ela, assume a sua “personalidade”, pois passa a se comportar,
a pensar e se relacionar de acordo com os padrões e as estruturas estabelecidas por ela
(PAGÈS et al., 1993).
A empresa M vive um paradoxo, instalado em virtude da incompatibilidade entre as
exigências de participação dos trabalhadores nos programas da empresa e as exigências
de produtividade. A dificuldade na implementação dos programas, tão comentada pela
área de RH, dá-se, segundo análise de alguns entrevistados, pela pouca participação
208 Teoria e Evidência Econômica, Passo Fundo, v. 14, Ed. Especial 2006

dos trabalhadores em virtude da falta de tempo durante o expediente, pelo excesso de


atividade: “A dificuldade ela é justamente assim, é que as pessoas elas às vezes não
têm tempo, conforme as atividades exigem, pelos horários de trabalho” (Entrevistado
5). Em alguns casos, a participação não ocorre pela dificuldade de liberação de suas
atividades, o que é justificado pela analista de RH como “medo de pedir para sair do seu
setor para participar”. Assim, percebe-se que ainda não há por parte das chefias um
envolvimento total com os programas de RH, até mesmo porque esses são estanques na
sua formulação e implementação, o que acarreta muitas vezes sobrecarga de atividades
de treinamento para os funcionários, havendo a necessidade de saída destes dos seus
postos de trabalho, acarretando queda de produtividade.
A participação nos programas da empresa torna-se, assim, imposta, não
compartilhada e não desejada pelos trabalhadores: “A gente diz muito pro pessoal que
tem que participar, que tem que dizer, tem que falar, o pessoal não fala, não participa,
o pessoal tem medo de dizer. Então isso aí é uma coisa que a gente sente bastante”
(Entrevistado 1). Percebe-se que há uma preocupação da área de RH em fazer com a
participação seja um comportamento normal, uma norma para todos, tal como refere
Lima (1995). Cabe ainda, questionar onde reside o medo dos trabalhadores que os
impede de participar.
Ainda em relação ao programa de participação nos resultados, um dos indicadores
utilizados é a obrigação de emissão, por parte dos funcionários, de comunicados de
situações inseguras, chamados de “comunique”. A não-emissão de pelo menos um desses
documentos por mês leva a que o grupo perca pontos para o programa de participação
nos resultados: “Se cada um fizer um ‘comunique’ por mês a gente ganha 15% do nosso
salário no final do ano. Então se não fizer tá jogando dinheiro fora, tá deixando de
ganhar 15%” (Entrevistado 3). Novamente, percebe-se a necessidade de mobilização
total por parte dos trabalhadores aos objetivos e desejos da empresa, caso contrário,
a sanção se manifesta na perda monetária no final do exercício. Isso faz com que os
trabalhadores internalizem os controles, pois a omissão de um pode onerar o grupo, o
que leva a que a pressão seja exercida pelo próprio grupo.
Como uma das grandes alterações em relação às políticas da empresa anterior está
a exigência em termos de grau de escolaridade presente na empresa M. Para novas
contratações, a empresa solicita escolaridade em nível de ensino médio concluído.
Quanto aos que ainda permanecem, há uma pressão velada para que voltem a estudar,
que se manifesta na divulgação das exigências para os novos funcionários, e no
constante acompanhamento da situação escolar dos trabalhadores. Como menciona
um dos entrevistados, “já direcionamos para que eles voltem a estudar, porque o
nosso plano de salários exige uma escolaridade mínima, e todos os funcionários, para
serem contratados, teriam que ter essa escolaridade. Como foi um contrato vindo da
empresa familiar, então eles ficaram todos fora dessa classificação” (Entrevistado 2).
Estar “fora da classificação” pode significar a possibilidade de desligamento, o que
9 Gestão de pessoas em um processo de aquisição: mudanças culturais 209

é sentido pelos remanescentes, que, mesmo exauridos por conta do trabalho pesado
na linha produtiva, em muitos casos retornaram aos bancos escolares. Mesmo sendo
uma exigência da própria empresa, o retorno às aulas é dificultado pela exigência da
presença constante dos funcionários em turno inverso ao seu para participação em
atividades de treinamento.
Na empresa M a comunicação interna, que se dá por meio da área de RH, tem
papel preponderante como ferramenta de padronização de comportamentos e, mesmo,
de pensamentos. Existe uma padronização na comunicação com os funcionários que é
totalmente definida pelo corporativo (administração central): “É padronizado, a forma
de comunicação com os funcionários é igual pra todo mundo. É complicado, tem toda
uma estratégia, a gente fez pra todo mundo igual, inclusive para os silos também.
Está sendo a mesma forma de comunicação, vem das fitas de vídeo dos presidentes,
onde mandam esta fita para cada firma para ser comunicado da mesma forma”
(Entrevistado 1). Assim, verifica-se que a área de RH, mesmo não participando das
decisões estratégicas da empresa, possui papel fundamental na divulgação dessas
estratégias. Tal como Davel e Vergara (2001, p. 36) mencionam, tal papel tem por
finalidade favorecer a “adaptabilidade das pessoas às mudanças organizacionais e
ambientais”, principalmente pela padronização das informações. Ianni (1997, p. 16), ao
tratar da questão da comunicação na empresa globalizada, afirma que “empacotam-se
e vendem-se as informações”, sem levar em conta as especificidades de cada grupo de
pessoas.
A comunicação com os funcionários utilizada pela administração central, por meio
de fitas de vídeo e de vídeoconferências, caracteriza-se como a comunicação informática
descrita por Lévy (1996). Para o autor, esse tipo de comunicação é marcado pela
velocidade e superação dos limites do espaço, mas, também, pela impessoalidade e
distanciamento que mantém com aqueles que estão recebendo esse tipo de mensagem.
Na empresa em questão isso é particularmente significativo, pois na empresa F havia
uma aproximação fisica com os donos da empresa, o que tornava as relações mais
pessoais; na atual empresa, o “dono” não é conhecido e seus maiores representantes
são vistos somente no videocassete.
A integração dos novos funcionários também é utilizada para a padronização dos
valores da empresa: “No momento da integração dos funcionários, no momento de
ingresso na empresa, já é feito todo esse trabalho de informação para ele, que existe
os programas e que eles podem fazer parte desse time” (Entrevistado 2). Em relação
à integração como rito de passagem, Schirato (2000, p. 91) refere que “o discurso deve
passar todo um manancial de alimento para o imaginário do trabalhador. Mais do que
adesão aos princípios e valores da empresa, está sendo solicitada a entrega pessoal
àquele novo mundo onde, a partir de então, ele estará total e absolutamente envolvido”.
Os trabalhadores denominam esse momento, acontecido tão logo a empresa M assumiu
210 Teoria e Evidência Econômica, Passo Fundo, v. 14, Ed. Especial 2006

as atividades, como profundamente marcante: “Recebemos a camiseta, o boné da


empresa e, no final, nos vestimos de M” (Entrevistado 7).
Na empresa anterior, a proximidade física com os donos era intensa, o que pode ser
considerada uma característica das gestões familiares. As relações na empresa eram
próximas: “Era mais familiar, se criava muitas raízes” (Entrevistado 7). Na empresa
F, também a proximidade entre os colegas de trabalho era maior: “Na F, a gente tinha
muitas amizades, misturava trabalho com amizade” (Entrevistado 5). Segundo Colbari
(1995, p.204), “esse tipo de gestão familiar tenta promover um clima de camaradagem,
cooperação e solidariedade, próximo às representações do universo familiar, e opera
através de uma troca: um relacionamento direto e próximo dos patrões com os
empregados, o que inclui a distribuição de ajuda e favores e a mediação nas situações
conflitivas, tendo como contrapartida a lealdade e eterna gratidão dos funcionários”.
Na empresa M há indícios de que a proximidade continua, no entanto mais vigiada:
“Eu tenho um relacionamento muito bom, toda a liberdade, liberdade vigiada é claro”
(Entrevistado 4). Os controles de produtividade e do próprio trabalho passaram a ser
parte das atividades diárias, no entanto, como são definidos pelas chefias, muitas vezes
ausentes, todas as regras do exercício da função parecem ser criadas externamente
aos indivíduos (PAGÈS et al., 1993). Assim, para a maioria dos entrevistados, o
controle aumentou, há mais atividades para controlar, monitorar, diariamente. Todas
as atividades são monitoradas também pelo corporativo: “A gente faz aqui e tem que
informar para a matriz, tudo o que tem aqui dentro, eles ficam sabendo” (Entrevistado
9). Tal controle das atividades por meio dos dispositivos que a organização implementa
torna a figura do chefe dispensável (PAGÈS et al., 1993). Pode-se relacionar com o
que Foucault (1982) caracteriza como o efeito panóptico, que permite ver tudo
permanentemente sem ser visto, que deve impregnar quem é vigiado de tal modo que
este adquira de si mesmo a visão de quem o olha.
Em relação ao exposto sobre a gestão de pessoas na empresa M, pode-se relacionar
ao que Chanlat (2000, p. 121) chama de “método de gestão baseado na excelência”,
que “enfatiza o primado do êxito, a supervalorização da ação, a obrigação de ser forte,
a adaptabilidade permanente, a canalização da energia individual nas atividades
coletivas, o desafio permanente. Esse modo de gestão caracteriza-se também por uma
maior autonomia no trabalho, uma forte responsabilização, recompensas materiais e
simbólicas individualizadas, relações hierárquicas mais ‘igualitárias’”.
O método de gestão baseado na excelência introduz, segundo Chanlat (2000), algo
novo: a mobilização total do indivíduo a serviço da organização. O autor vai além: esse
método exige um comprometimento total e uma adesão passional, encarando o ser
humano como uma pessoa consagrada aos desafios e à superação de si mesma.
Embora ignorando aspectos do trabalhador como ser integral (CHANLAT, 1996),
a gestão, não raro, tenta conseguir dele a sua mobilização total para o projeto da
organização, invadindo sua vida de modo a se tornar lugar central em sua existência.
9 Gestão de pessoas em um processo de aquisição: mudanças culturais 211

Algumas estratégias são utilizadas deliberadamente ou naturalmente concebidas,


de modo a fazer com que os trabalhadores se sintam como membros de uma grande
família, filhos de uma mãe caridosa, tal como mostram Pagès et al. (1993) acerca do
poder que as organizações exercem sobre os trabalhadores. Por isso, a área de gestão
de pessoas exerce grande influência sobre a vida daqueles que trabalham na empresa,
funcionando como a área encarregada de implementar a nova cultura, de padronizar os
comportamentos e conseguir a adesão ao novo modo de gestão.

4.1.2 Mudanças culturais ocorridas na empresa


A transição de uma empresa para outra foi rápida. A empresa M chegou e logo
implantou a sua cultura. A princípio, a transição foi difícil e os funcionários resistiram,
mas depois foram se acostumando: “No começo foi difícil, [...] até mudar de ritmo, foi
uma troca de rotina” (Entrevistado 20). Morgan (1996, p. 142) cita que programas
de mudança devem dar atenção ao tipo de costumes corporativos requeridos na nova
situação e descobrir como isto pode ser desenvolvido, não imposto, como ocorreu na
empresa em estudo.
Os programas da empresa, principalmente o “Recompensar”, geram um sentimento
de comprometimento e solidariedade entre todos. Esse programa é uma forma de
incentivar a integração de todos nas estratégias da empresa, conhecendo-se as metas e
resultados pretendidos; todas as pessoas são envolvidas e estimuladas por comissões nas
unidades. O programa recompensar é, sem dúvida, o elemento essencial do dispositivo
do comprometimento. Tal como Aktouf (1994) refere, são os elementos imateriais, ou
seja, a imaterialidade simbólica, que se inscrevem nas estruturas, nas vivências do
cotidiano dos trabalhadores.
O programa de integração de novos funcionários é utilizado como um ritual
de encantamento e de sedução. É também o momento em que o novo funcionário é
convidado a “vestir a camisa da empresa”. Tal como Schirato (2000, p. 119) refere,
“a empresa passa a ocupar o ideal do ego, ela é o ego ideal pela sedução ou fascínio
amoroso, hipnotizam o psiquismo, capitaliza todos os recursos pessoais do indivíduo,
invade seu coração, programa sua vida, determina seu futuro, amortece sua crítica”.
A empresa, no sentido de seduzir o funcionário, oferece jantas, presentes para os
filhos: “do primeiro impacto que você vê é a valorização do funcionário [...] a gente,
no primeiro dia de trabalho ganhou uma janta da empresa, foi dado uma cesta para
cada funcionário, foi dado presente para os filhos [...] Sempre tem uma motivação para
o funcionário [...] tanto que a gente tem plano de saúde, odontológico, convênio com
farmácia” (Entrevistado 8). A empresa, utilizando-se de programas de incentivos e
benefícios, muitas vezes produz no funcionário um sentimento de gratidão e também
comportamentos padronizados. Para Schirato (2000, p. 124), “o comportamento
padronizado garante o ritmo da produção do trabalho: não há desvios, nem diferenças
imprimido pela marca pessoal que fujam do contexto comum. A cultura organizacional
212 Teoria e Evidência Econômica, Passo Fundo, v. 14, Ed. Especial 2006

é fundamentalmente a homogeneidade, adaptação dos diferentes, o sacrifício da


subjetividade em prol da coletividade”.
Com toda a estrutura da empresa fundamentada na padronização e sedução do
funcionário, um dos entrevistados comenta: “Hoje nós somos pessoas melhores, porque
nós entramos na M. Foi uma lavagem, esquece todas as manias que tem e vai completar
aquilo com coisas boas. Eu vou levar para o resto da vida as informações que eu tive
aqui dentro” (Entrevistado 8). Tal como Schirato (2000), ao tratar sobre o imaginário
do sujeito e o da organização, refere, “a organização contemporânea tem realizado a
magia da afirmação narcísica à medida que absorve, como seu, o projeto existencial do
indivíduo, à medida que a subjetividade do indivíduo passa a ser a subjetividade da
empresa, seu imaginário, o imaginário da organização” (p. 80).
A organização satisfaz às necessidades mais profundas do funcionário e de sua
família, as quais a empresa familiar não satisfazia: “Nenhuma se iguala, nunca
trabalhei em uma empresa semelhante” (Entrevistado 6). Além de encantar, formatar
o funcionário, isso tem a função de lançá-lo numa competição desenfreada pela busca
de metas, de resultados. Logo, toda a competição também tem como conseqüência
o individualismo nas relações (PAGÉS, 1993). Na empresa M o controle e a
responsabilidade pelo trabalho são de cada um dos funcionários; a chefia é mais ausente.
Os funcionários percebem isso como positivo, mas estão mais controlados do que antes:
“Hoje tu tem liberdade [...] só que depois tu tem que arcar com as conseqüências, não
que eles vão cobrar, mas tu vai ter que se explicar” (Entrevistado 13). Isso também dá
aos funcionários uma sensação de maior participação, de poder opinar.
A ilusão de que haverá um nivelamento de cargos e pessoas no ambiente de trabalho
passa pelo discurso de quase todos os entrevistados: “Se é um gerente, um encarregado,
as pessoas são iguais, a pessoa que limpa o pátio é a mesma coisa, fica todo mundo
nivelado no ambiente de trabalho” (Entrevistado 6). Observa-se no discurso dessa
chefia em particular uma tentativa de nivelar os funcionários, tal como Motta (1995,
p. 199) refere: “A cultura é antes de mais nada linguagem, código”. O código passado,
nesse caso, parece ser o de compartilhar com todos as responsabilidades, o controle,
porque desse modo todos cobram de todos. Talvez seja uma das estratégias da empresa
criar um ambiente onde se compartilhem significados e símbolos no intuito de poder
controlar melhor os funcionários. Um dos entrevistados refere que há uma tentativa
de integrar os funcionários do nível operacional com os do administrativo, o que antes
não acontecia na empresa F. Há uma certa insistência em referir que não há diferença
entre cargos e funções, que não há nada que lembre símbolo de status como na empresa
F, “com salas separadas e permanentemente fechadas” (Entrevistado 8).
No entanto, há a ilusão de que não há cobrança pelas atividades, fazendo parte das
estratégias de normalização de comportamento (LIMA, 1995) da empresa M: “Tu sai
de casa com a consciência de que está indo para um emprego, primeiro porque não tem
9 Gestão de pessoas em um processo de aquisição: mudanças culturais 213

um dono definido, é capital aberto, não tem aquela cobrança familiar, a empresa M tem
o respeito assim por você” (Entrevistado 6).
O trabalho exaustivo, demandante, pressionado e autocontrolado aparece na fala
do entrevistado: “O pessoal tem que administrar o tempo de forma que possa fazer
tudo”. Assim, o entrevistado completa: “Eu sou maleável, conforme a música, eu danço”.
Pagés (1993), ao se referir às organizações hipermodernas, relata que em ambientes
como esses cada um joga com suas próprias cartas.
Os benefícios também são uma forma de encantar: “Eles explicam todos os
benefícios da empresa, falando hoje é uma coisa normal, mas para quem nunca teve
um plano de saúde, um odontoprev, ou qualquer auxílio que ele possa ter, as pessoas
ficam bem encantadas” (Entrevistado 3). Os programas de benefícios adotados pela
empresa parecem mensagens de conteúdo simbólicos propositadamente elaborados
para que os sujeitos se encantem com a nova proposta da empresa. Em relação a
isso, Motta (2002) relata como sendo um mito, ou seja, “conceituado como um conjunto
de atividades relativamente elaboradas, reunindo em um único evento mensagens de
conteúdo simbólicos voltados para uma determinada audiência” (p. 195).
A integração é um instrumento efetivo de encantamento, sedução e de anestesia
do funcionário: “Primeiro passa pela integração, um dia inteiro só sobre a M, o que a M
acredita, o que ela espera de ti [...] ninguém entra sem passar por esse processo [...] o
que ela espera da pessoa, metas a serem atingidas” (Entrevistado 6). Cavendon (2004)
refere que a integração pressupõe que a organização como um todo possua a mesma
cultura. Nesse caso, Schirato relata: “Os valores e comportamentos instituintes de uma
nova ordem organizacional somente serão aceitos à medida que serem diferentes não
signifique de forma nenhuma serem contrários. Por diferente, dentro da organização,
entende-se aqueles outros aspectos do mesmo que ainda não foram percebidos e
considerados, jamais aqueles que ameacem ou neguem os já estabelecidos” (2000, p.
92).
Ao discutir sobre mitos, Rocha (1996, p. 14) afirma que “o mito pode ser efetivo e,
portanto, verdadeiro como estímulo forte para conduzir tanto o pensamento quanto
o comportamento do ser humano ao lidar com realidades existenciais importantes”.
Em relação a rito, Motta (p. 195) diz que “rito de passagem significa as mudanças de
expectativas e responsabilidades atribuídas e assumidas por um determinado sujeito”.
Em relação a isso, na empresa o mito ou rito de integração parece ser essencial na
tentativa de seduzir o funcionário para o projeto da organização. Ainda, os programas
de integração têm a função de formar uma participação padronizada: “As pessoas
participam, todo mundo junto e integra os vários setores” (Entrevistado 6). Ainda,
exemplificando o que foi citado acima, um dos entrevistados comenta: “Eu estou
encantado, [...] a gente assistiu à fita do presidente da M e ele fala que começou na M
como office boy e hoje é o presidente da M, e a gente pensa assim: ‘Bah, será que vai
acontecer comigo?’” (Entrevistado 3).
214 Teoria e Evidência Econômica, Passo Fundo, v. 14, Ed. Especial 2006

Na empresa F não existiam ações intensivas de treinamento e, na empresa M, há


uma preocupação excessiva com treinamento: “Tem bastante treinamento e eles não
tinham isso. Então, no início, eles reclamavam porque eles tinham que trabalhar, eles
não queriam treinamento, mas demoraram a entender que o treinamento fazia parte
de todo processo, de todo trabalho deles, para eles se formarem como profissionais”
(Entrevistado 2). O treinamento é outro fator que pode auxiliar como uma forma de
garantir a transparência e ajudar a desenvolver uma linguagem comum, assim como
estimular o diálogo para aliviar as tensões inerentes aos processos de mudança.
Programas de mudança devem dar atenção ao tipo de costumes corporativos requeridos
na nova situação e descobrir como isso pode ser desenvolvido (MORGAN, 1996, p. 142).
Ainda Cavedon (2004, p.446), citando Luppi (1995), diz que “cultura não pode ser
mudada, o que podemos fazer é agir de forma que a cultura mude. Cultura é produto
das interações entre as pessoas, e não posso mudar as pessoas. O que posso fazer é
criar situações, externas a elas, que as motivem a mudar”.
Os programas da empresa são estanques na sua formulação e implementação, o que
acarreta muitas vezes sobrecarga de atividades de treinamento para os funcionários. Os
trabalhos voluntários são realizados pelos funcionários fora do seu horário de trabalho.
Assim, a empresa procura envolver a família e conscientizar todos os seus membros
para que não haja a cobrança da sua presença de trabalhos em casa logo após a sua
saída do trabalho.
Com relação à subjetividade produzida pela empresa, num primeiro momento os
sujeitos se assustam, mas depois acabam “adaptando-se”: “Por ser uma empresa assim
que vive em constante atualização, agora esse presidente que vem para crescer, para
crescer não importa como, vamos empurrando aí para crescer. Então você se adapta a
isso, a empresa vai crescendo, vai crescendo e tu tem que fazer duas coisas ao mesmo
tempo” (Entrevistado 3).
Na empresa F o trabalho limitava-se ao horário de expediente, ao passo que, na
empresa M, ultrapassa os limites de empresa, tendo de muitas vezes levar trabalho
para casa: “A principal diferença é que a empresa F era um ambiente totalmente
tranqüilo, ia embora tranqüilo, não ficava nada pendente. Quando eu vim pra cá, isso
foi um choque, porque aqui, querendo ou não, tu vai pra casa e tu tá pensando no
trabalho, sábado, e no domingo, que tu tem que descansar, tu está pensando nas tuas
pendências que tem que resolver” (Entrevistado 3). Percebe-se, então, que a empresa M
tenta enraizar o sujeito em seu solo empresarial (PAGÈS, 1993). Pode-se dizer que são
os jogos estratégicos que a empresa remonta como mecanismos de controle (MOTTA,
2002).
O setor de RH da empresa M é percebido como um setor “prestativo”, “totalmente
diferente daquele da empresa anterior”. Assim, manter a “união do grupo” e a “equipe
unida” parece ser uma estratégia do setor de RH no sentido de padronizar, normalizar
9 Gestão de pessoas em um processo de aquisição: mudanças culturais 215

e normatizar as relações, além de incentivar a produtividade “volta e meia eles fazem


alguma integração na fábrica, no campo, eles gostam que a gente converse, de idéias,
aqui é diferente. A gente reúne todo mundo e vamos discutir, vamos achar uma
solução” (Entrevistado 5). Percebe-se que a empresa M tem inserido sua nova cultura
paulatinamente, desenvolvendo sua cultura “no curso da interação social” (MORGAN,
1996, p. 131), ou, ainda, por um processo de “reinterpretação social” (MORGAN, 1996,
p. 141).
Alguns funcionários percebem possibilidades de crescimento, mas sabem que
esse crescimento é responsabilidade de cada um: “A perspectiva é tentar crescer, a
oportunidade tem, é só saber aproveitar” (Entrevistado 1X). Há uma transferência
total de responsabilidades da empresa para os indivíduos.
Os funcionários têm autonomia, porém essa autonomia é limitada. Eles dizem que
cada um faz o que tem de fazer: “Aqui é tudo liberado, não tem ninguém pra dizer,
ó faz assim, desse jeito cada um faz o que tem que fazer é tudo livre, tem abertura
para tudo, pode sair lá dos treinamentos, pode ir conversar, nós podemos até deixar
nosso trabalho, cada um sabe das responsabilidades” (Entrevistado 20). Contudo, os
funcionários não percebem que a empresa age desse modo para fazer com que eles se
sintam responsáveis e livres, para que tudo ocorra de acordo com o que ela espera. É
uma das formas de inserir a cultura no cotidiano dos funcionários.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da análise das entrevistas com os gestores e com os funcionários, a
presente pesquisa revelou aspectos importantes sobre as práticas de gestão de pessoas
utilizadas pela empresa M. A área de gestão de pessoas utiliza-se de programas e
procedimentos a fim de assegurar que os trabalhadores façam cumprir os objetivos da
empresa, mas, sobretudo, visa controlá-los a fim de que se submetam e mobilizem todos
os seus espaços de vida para o projeto da organização. Além disso, observou-se que a
área de gestão de pessoas, por meio de suas políticas e programas, atua como a área
encarregada de implementar a nova cultura.
Percebe-se na empresa M um sistema de dominação e dependência psicológica
(PAGÈS et al., 1993), e a implantação da nova cultura é responsável por esse sistema. É
parte da estratégia da empresa M influenciar as orientações particulares dos sujeitos da
pesquisa. No entanto, percebe-se uma cultura diferente da realidade vivida e subjetiva
dos sujeitos (MOTTA, 2002), uma vez que se reserva no discurso dos funcionários uma
mudança no seu projeto de vida após a entrada na empresa M.
A empresa M prega a cultura da homogeneidade, que requer o sacrifício da
subjetividade em prol da coletividade (SCHIRATO, 2000). Dessa forma, a empresa
tem na imaterialidade simbólica (AKTOUF, 1994) e no novo código que a organização
utiliza o dispositivo para o comprometimento do trabalhador.
216 Teoria e Evidência Econômica, Passo Fundo, v. 14, Ed. Especial 2006

Os valores do sujeito são fundidos aos valores da organização, a ponto de alguns


trabalhadores não distinguirem seus valores e de sua família dos da empresa M.
Tudo isso no propósito de que o trabalhador possa desenvolver uma “personalidade
organizacional” tal a fusão de identidades que se tenta concretizar (SCHIRATO, 2000).
Nesse sentido, a empresa passa constantemente enviando mensagens de conteúdos
simbólicos, seja nos treinamentos, seja nos programas de integração e nas reuniões dos
comitês que discutem os programas da organização.
Os integrantes da organização parecem, inicialmente, resistir às novas estratégias,
mas, em um curto espaço de tempo, adaptam-se e aderem aos novos modos de gestão
e de trabalho, inclusive sentindo diariamente a obrigação de proporcionar o retorno
esperado, adaptando-se também aos desafios e cobranças permanentes da empresa
M (CHANLAT, 2000). Tal aceitação se dá, em muitos casos, pela sedução que os novos
benefícios oferecidos pela empresa M exercem junto aos trabalhadores, uma vez que na
anterior não dispunham de benefícios significativos. A sedução ocorre, ainda, em razão
das políticas e programas utilizados pela área de gestão de pessoas, que demandam a
participação constante dos trabalhadores.
Na análise dos sistemas de controle utilizados pela empresa M percebe-se que
foram se aperfeiçoando desde a empresa F, tornando-se cada vez menos visíveis e
mais eficientes, principalmente a partir dos programas da empresa e das recompensas
materiais e simbólicas. Assim, a organização, ao tentar apagar as referências originais
do trabalhador da empresa F, substituindo-as por outras mais conforme os interesses da
empresa, tenta destituí-lo de sua história pessoal para reescrevê-la no código da nova
organização (PAGÈS et al., 1993), promovendo um sistema de dominação e dependência
configura no que Lima (1995) chama de “formas de sedução na empresa”.
Assim, a empresa M, ao superar limites de tempo e espaço, atravessa fronteiras
e enraíza suas referências através de suas práticas empresariais, suas nem sempre o
impacto esperado é positivo, afetando de forma particular a vida das pessoas que nela
trabalham, a organização do trabalho, e estendendo-se para a vida familiar como um
todo.

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9 Gestão de pessoas em um processo de aquisição: mudanças culturais 219

SYNOPSIS

PEOPLE MANAGEMENT AND CULTURAL CHANGE IN A


TAKEOVER PROCESS
The paper discusses the cultural and people management changes as from the process of
a family-owned company’s takeover by a transnational corporation. It is a case study that
consisted of 23 individual semi-structured interviews, including 03 interviews with people
management area workers and 20 interviews with workers of several positions. It was also
based on documental sources about the company to put together the secondary data. The
analysis of the material deriving from the transcriptions of the interviews was carried out
wit the analysis of the content. The results point out that the people management area uses
programs and procedures in order to ensure that workers will take on the new company’s
objectives and culture. Such practices also aim at controlling workers so that they will
submit to and mobilize all their spaces of life towards the organization’s project. One
tries to obtain workers’ participation as from the intensive use of material and symbolic
rewards. Accordingly, the people management area acts as the main responsible party for
the implementation of the new culture. Concerning cultural change, one realizes that the
strategy used by the company is to try to influence workers’ private orientations so that
the new culture be assimilated quickly without, however, taking into account the previous
company’s rooted culture.
Key Words: people management, cultural change, takeover process.

SINOPSIS

GESTIÓN DE PERSONAS Y CAMBIOS CULTURALES EN UN


PROCESO DE AQUISICIÓN
El articulo habla de los câmbios culturales y em la manera de gerenciar las personas a
partir del proceso de aquisición de una empresa familiar, por una empresa multinacional
y como los trabajadores que permanecen perciben tales cambios. Es un estudio de caso con
23 sujetos, donde 03 son de la gestión de personas y 20 trabajadores de cargos diversos. La
colecta de datos se dió a traves de encustas individuales semi – estructuradas y fuentes
documentales. La analisis de los datos acurrió con el uso de la analisis de contenido. Los
resusltados indican que el area de gestión de personas, a través de sus politicas y programas,
actua como una herramienta que busca amenizar el impacto cultural, ententando
normalizar y normatizar comportamientos ententando enamorar los trabajadores para
el proyecto de la nueva empresa. Los nuvos modales de trabajar demandan un sujeto que
necesita mobiolizarse en todos sus espacios de vida, no posibilitandoles dar cuenta de
las exigencias de la empresa, como la educación formal, por ejemplo. El area de gestión
de personas ententa garantizar la adesión y la participación con el uso de recompensas
materiales y simbolicas y también con la proximidad controlada de las jefias. Percibese una
cultura diferente de la realidad vivida y subjetiva de los trabajadores de la realidad de la
organización una vez la empresa M influencia sus orientaciones particulares. La empresa
busca a través de la inseción de la nueva cultura, la fusión de identidades o todavia la
perdida de la ciudadania civil para la ciudadania empresarial. ( SHIRATO,2000).
Palabras llave: gestión de personas, proceso de aquisición, cambios culturales.

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