Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Gestao de Pessoas Num Processo de Aquisicao - Mudancas Culturais PDF
Gestao de Pessoas Num Processo de Aquisicao - Mudancas Culturais PDF
RESUMO
O artigo discute as mudanças culturais e na forma de gestão de pessoas a partir do
processo de aquisição de uma empresa familiar por uma empresa multinacional e como os
trabalhadores remanescentes percebem tais mudanças. É um estudo de caso com 23 sujeitos,
sendo três da área de gestão de pessoas e vinte de cargos diversos. A coleta de dados deu-se
por meio de entrevistas individuais semi-estruturadas e em fontes documentais. A análise
dos dados ocorreu com o uso da análise do conteúdo. Os resultados indicam que a área de
gestão de pessoas, com suas políticas e programas, atua como uma ferramenta que busca
amenizar o impacto cultural, tentando normalizar e normatizar comportamentos, numa
tentativa de seduzir os trabalhadores para o projeto da nova empresa. Os novos modos de
trabalhar demandam um sujeito que necessita mobilizar-se em todos os seus espaços de
vida, não lhes possibilitando dar conta de exigências da empresa, como a educação formal,
por exemplo. A área de gestão de pessoas tenta garantir a adesão e a participação com o uso
de recompensas materiais e simbólicas e pela proximidade controlada das chefias. Percebe-
se uma cultura diferente da realidade vivida e subjetiva dos trabalhadores da realidade da
organização uma vez que a empresa M influencia suas orientações particulares. A empresa
busca, desse modo, pela inserção da nova cultura, a fusão de identidades, ou ainda, a
perda da cidadania civil para a cidadania empresarial (SCHIRATO, 2000).
1
Professora e pesquisadora da Faculdade de Ciências Econômicas Administrativas e Contábeis da Universidade de Passo
Fundo. Membro do Grupo Interdisciplinar de Estudos Sobre o Trabalho – Giest da Universidade de Passo Fundo e mem-
bro do Grupo Interdisciplinar de Estudos da Inovação e do Trabalho (PPGA/UFRGS). Doutoranda em Administração pela
EA/PPGA/UFRGS.
2
Professora e pesquisadora da Faculdade de Ciências Econômicas Administrativas e Contábeis da Universidade de Passo
Fundo. Membro do Grupo Interdisciplinar de Estudos Sobre o Trabalho – Giest da Universidade de Passo Fundo e mem-
bro do Grupo Interdisciplinar de Estudos da Inovação e do Trabalho (PPGA/UFRGS). Doutoranda em Administração pela
EA/PPGA/UFRGS.
3
Bolsista pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic) da Universidade de Passo Fundo. Gra-
duanda em Administração.
1 INTRODUÇÃO
O termo “globalização”, em especial nas últimas décadas, vem se tornando algo
corriqueiro nos estudos em geral e, mais especificamente, nos estudos organizacionais.
Tal termo tem sido utilizado para designar uma multiplicidade de fenômenos que vêm
configurando uma redefinição nas relações internacionais em diferentes aspectos da
vida social, como a economia, as finanças, a tecnologia, as comunicações e, em especial,
o mundo organizacional, como um todo.
As organizações, nesse mercado globalizado, ficam à mercê não mais somente de
influências internas ao próprio país e do contexto econômico local e políticas locais,
mas também das influências externas, como o contexto econômico mundial e também
uma concorrência que passa a ser global, não mais local. Tal como Ianni refere (1997),
a “fábrica global” sugere uma transformação quantitativa e qualitativa do capitalismo
além de todas as fronteiras, na qual toda a economia nacional, seja qual for, torna-se
província da economia global.
Nesse contexto, as organizações necessitam buscar, cada vez mais, estratégias para
aumentar suas forças competitivas, as quais passam, via de regra, pelas mudanças
nos processos de gestão. Mudanças na gestão de empresas sempre existiram, mas
atualmente se caracterizam pela rapidez e pela intensidade com que acontecem e
também pela abrangência de afetação para os trabalhadores empregados nessas
organizações.
Em última instância, as mudanças organizacionais podem acontecer no sentido de
associações e uniões de empresas. Geralmente, nesses casos, as mudanças pelas quais
o quadro funcional necessita passar são no sentido de enfrentar uma nova forma de
gestão e uma cultura diferenciada daquela à qual estavam habituados, quando não
enfrentam processos de demissão, nos quais as empresas buscam redução de custos via
redução do número de funcionários.
Em decorrência da globalização, multiplicam-se os processos de fusões ou
aquisições. Fusão caracteriza-se como “casos de combinação de duas organizações, de
modo a preservar uma e eliminar a outra” (REED e LAJOUX, 1995, apud BECKER,
2004, p.193), e aquisição “pode ser definida como a obtenção por uma empresa da
propriedade controladora de outra empresa (a adquirida), com a intenção de conservá-
la e operá-la” (NADLER e LIMPERT, 1994, apud BECKER, 2004, p.193). Quando se dá
a aquisição, a compradora pode operar a adquirida de forma totalmente independente,
significando a possibilidade de implantar nessa empresa uma cultura e estilo gerencial
totalmente diferenciados da empresa anterior, se esta for a necessidade e/ou vontade
da compradora.
A gestão de pessoas ocupa nesses processos um espaço importante na medida em
que a capacidade de adaptação das organizações aos processos mutativos depende,
em grande parte, de que os seus integrantes internalizem essas novas estratégias. A
gestão de pessoas exerce papel importante, uma vez que as pessoas que fazem parte
9 Gestão de pessoas em um processo de aquisição: mudanças culturais 193
2 CONTEXTUALIZAÇÃO TEÓRICA
Motta (1995, p. 199) salienta que “a cultura é antes de mais nada linguagem,
código. Cultura é um sistema de símbolos e significados compartilhados, que serve como
mecanismo de controle. A ação simbólica necessita ser interpretada, lida ou decifrada
para que seja entendida”. É como se o sujeito tivesse de, permanentemente, estar
desvendando o oculto e percebendo-o no seu meio múltiplas camadas de significação
para poder ser um atuante no sentido de permitir que a cultura mude e, sobretudo,
ajudar seus pares a perceber também os acontecimentos. Ainda Motta diz que “a idéia
198 Teoria e Evidência Econômica, Passo Fundo, v. 14, Ed. Especial 2006
e a sua vida. Ela pode então se oferecer como objeto a ser interiorizado e a dar vida. Ela
começa suas exigências e leva cada um a se orgulhar do trabalho a realizar, verdadeira
missão de vocação salvadora”.
Aktouf (1994) salienta que a cultura é algo muito vasto, muito importante, inscrita
muito profundamente nas estruturas sociais, na história, no inconsciente, na experiência
vivida e no vir a ser coletivo humano, para ser tratada de maneira tão trivial, como
uma variável dependente cujos fatores e componentes podem ser isolados, medidos,
tratados e construídos. Desse modo, estudos sobre cultura mostram que, acima de
tudo, deve-se respeitar o ambiente vivido pelos sujeitos que fazem parte desse espaço,
quer seja organizacional, quer não. Mudanças culturais não devem ser impostas, mas,
sobretudo, respeitadas e construídas coletivamente.
chamadas pelo fato de, apesar de possuírem um país de origem (geralmente onde se
localiza a matriz ou a sede dessas empresas), expandirem suas atividades para vários
países, procurando melhores condições de lucros ou de mão-de-obra. Singer (1999)
compartilha com essa idéia, introduzindo um conceito de mobilidade do capital não
financeiro, industrial propriamente dito, e citando que as empresas que se instalam em
países ou estados que lhes proporcionam melhores benefícios financeiros continuam
sempre em busca de novos locais mais rentáveis.
A mundialização das empresas é uma das estratégias de inovação utilizadas por
grandes e bem estruturadas corporações. Conforme Kovács (2002, p.44), “o crescente
interesse pela inovação organizacional nas últimas décadas deve-se à inadequação
do modelo dominante de organização às profundas mudanças tecnológicas,
econômicas e socioculturais”. Assim, a discussão acerca da inovação aparece ligada
à questão da produtividade, qualidade, flexibilidade, ou seja, aos aspectos críticos da
competitividade.
Hymer (1983), ao analisar os efeitos que as empresas multinacionais trazem para
as economias dos países onde se instalam, aponta aspectos positivos e negativos. Como
aspecto positivo, o autor cita que esse tipo de empresa, “ao difundir a técnica mais
avançada através de sua exportação de um país para todos os territórios em que opera,
atua como um substituto de mercados imperfeitos, repartindo de maneira eficaz os
produtos e fatores no mundo” (HYMER, 1983, p.12). Assim, dentro da lógica exposta
pelo autor, as empresas multinacionais proporcionariam aos países onde se instalam
avanços tecnológicos e de gestão, contribuindo, assim, com a economia desses países.
Exemplo disso pode ser encontrado com a entrada das empresas multinacionais do
setor automotivo no Brasil, em especial a partir da década de 1950, quando trouxeram
significativos avanços de relações trabalhistas e, também, de qualificação do corpo
funcional (BRESCIANI, 1997).
No entanto, Hymer (1983) aponta que há um lado negativo na expansão das
empresas multinacionais, que seria, segundo ele, a criação de grandes monopólios,
ou, mesmo, a concentração de poder financeiro e político nas mãos dessas grandes
corporações: “Os investimentos são freqüentemente realizados por intermédio de um
pequeno número de firmas estabelecidas em setores oligopolistas. Nestes setores, o
investimento direto cria um perigo: pode provocar sérios problemas econômicos, pela
eliminação da concorrência, e colocar graves problemas políticos, ao concentrar o poder
de decisão e a potência financeira” (HYMER, 1983, p.12).
Assim, da mesma forma que proporcionam avanços, tais empresas podem, em
última análise, atuar como um concorrente com o qual as empresas nacionais de
pequeno e médio porte não têm condições de competir, em razão dos aportes financeiros e
tecnológicos de que não dispõem. Mesmo nessas condições, as empresas multinacionais
têm a acrescentar no sentido de que propiciam às pequenas e médias empresas novas
visões de gerenciamento e estratégias mais arrojadas de enfrentamento do mercado.
9 Gestão de pessoas em um processo de aquisição: mudanças culturais 201
A empresa em estudo pode ser caracterizada como uma empresa multinacional, com
atuação em vários países, característica que lhe proporciona o conhecimento de várias
realidades culturais e especificidades de vários países.
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
3.1 Método
O presente estudo tem como objetivo verificar e analisar as mudanças na gestão
de pessoas e o modo como os trabalhadores da empresa M, que pertenciam ao quadro
funcional da empresa F, percebem tais mudanças a partir da transição de uma empresa
familiar para uma multinacional.
Por se tratar de um estudo cujo objetivo é avaliar um determinado processo
dentro de uma única empresa, bem como os sujeitos envolvidos nesse processo, a
presente pesquisa caracteriza-se como um estudo de caso, de caráter qualitativo e
exploratória. De acordo com Yin (2001, p.27), o estudo de caso é a estratégia ideal
quando se apresentam como questões de pesquisa perguntas do tipo “como” ou “por
quê”. Para Roesch (1999), o estudo de caso é uma estratégia de pesquisa que possibilita
o conhecimento, em profundidade, de uma realidade ou de um fenômeno social, sendo
conduzido em detalhes e, com freqüência, baseado em várias fontes de dados.
3.2 Sujeitos
Os sujeitos que constituem essa pesquisa são aqueles trabalhadores em cargos
diversos e em cargos de chefia que vivenciaram o processo de transição entre as duas
empresas e que ainda pertencem ao quadro funcional da empresa M. Também fazem
parte da pesquisa, na condição de sujeitos, pessoas ligadas à área de recursos humanos
(é assim que a área de gestão de pessoas é denominada na empresa). Cabe salientar
que somente permaneceram na empresa, após a aquisição, funcionários da área
operacional. Aqueles que trabalhavam nas áreas administrativas foram substituídos,
com exceção de um funcionário da área de recursos humanos. Os sujeitos da pesquisa
estão detalhados no Quadro 1.
202 Teoria e Evidência Econômica, Passo Fundo, v. 14, Ed. Especial 2006
4.1 A empresa M
A empresa M iniciou suas atividades em 1818 em Amsterdã, na Holanda,
como comercializadora de grãos e de produtos importados das colônias holandesas;
Atualmente, sua sede está localizada nos Estados Unidos. A empresa possui indústrias
no Brasil, Argentina, Estados Unidos, Canadá, França, Itália, Espanha, Alemanha,
Áustria, Itália, Ucrânia, Hungria, Holanda, Polônia e Romênia. Pode-se perceber
que tal estrutura a caracteriza como uma indústria transnacional, empenhada numa
expansão contínua, buscando superar limites de tempo e espaço, tal como menciona
Castells (2000).
No Brasil, iniciou suas atividades em 1905 em Santos/SP, caracterizando o início de
uma rápida expansão no país. Numa estratégia de diversificação de negócios, em 1923
adquiriu empresas em Recife/PB. Desde então, a empresa M tem acompanhado de perto
a expansão das novas fronteiras agrícolas do Brasil, posicionando-se nos corredores
de exportação, visando aumentar a sua produtividade e manter-se estável no país.
Singer (1999) lembra que uma das características das empresas transnacionais é a
sua mobilidade quando percebe que o país onde está localizada não apresenta maiores
condições de lucratividade. Assim, a presença constante e cada vez maior da empresa
no território nacional demonstra as potencialidades que o agronegócio apresenta em
termos de crescimento e de margens interessantes de lucro.
A empresa M caracteriza-se, atualmente, como uma das maiores empresas do
agronegócio no Brasil, estando presente em 16 estados, com fábricas, moinhos, silos
e terminais portuários. Possui em seu quadro funcional aproximadamente 10.600
funcionários. Pode ser considerada líder no mercado nacional de óleos vegetais,
margarinas, gorduras, farinhas, lecitinas e proteínas de soja. Entre suas unidades
encontra-se a maior unidade processadora de soja do Brasil e a única planta produtora
de proteína isolada de soja do hemisfério sul. Hymer (1983), ao tecer considerações
acerca das empresas transnacionais, aponta o lado negativo existente na expansão
9 Gestão de pessoas em um processo de aquisição: mudanças culturais 205
é sentido pelos remanescentes, que, mesmo exauridos por conta do trabalho pesado
na linha produtiva, em muitos casos retornaram aos bancos escolares. Mesmo sendo
uma exigência da própria empresa, o retorno às aulas é dificultado pela exigência da
presença constante dos funcionários em turno inverso ao seu para participação em
atividades de treinamento.
Na empresa M a comunicação interna, que se dá por meio da área de RH, tem
papel preponderante como ferramenta de padronização de comportamentos e, mesmo,
de pensamentos. Existe uma padronização na comunicação com os funcionários que é
totalmente definida pelo corporativo (administração central): “É padronizado, a forma
de comunicação com os funcionários é igual pra todo mundo. É complicado, tem toda
uma estratégia, a gente fez pra todo mundo igual, inclusive para os silos também.
Está sendo a mesma forma de comunicação, vem das fitas de vídeo dos presidentes,
onde mandam esta fita para cada firma para ser comunicado da mesma forma”
(Entrevistado 1). Assim, verifica-se que a área de RH, mesmo não participando das
decisões estratégicas da empresa, possui papel fundamental na divulgação dessas
estratégias. Tal como Davel e Vergara (2001, p. 36) mencionam, tal papel tem por
finalidade favorecer a “adaptabilidade das pessoas às mudanças organizacionais e
ambientais”, principalmente pela padronização das informações. Ianni (1997, p. 16), ao
tratar da questão da comunicação na empresa globalizada, afirma que “empacotam-se
e vendem-se as informações”, sem levar em conta as especificidades de cada grupo de
pessoas.
A comunicação com os funcionários utilizada pela administração central, por meio
de fitas de vídeo e de vídeoconferências, caracteriza-se como a comunicação informática
descrita por Lévy (1996). Para o autor, esse tipo de comunicação é marcado pela
velocidade e superação dos limites do espaço, mas, também, pela impessoalidade e
distanciamento que mantém com aqueles que estão recebendo esse tipo de mensagem.
Na empresa em questão isso é particularmente significativo, pois na empresa F havia
uma aproximação fisica com os donos da empresa, o que tornava as relações mais
pessoais; na atual empresa, o “dono” não é conhecido e seus maiores representantes
são vistos somente no videocassete.
A integração dos novos funcionários também é utilizada para a padronização dos
valores da empresa: “No momento da integração dos funcionários, no momento de
ingresso na empresa, já é feito todo esse trabalho de informação para ele, que existe
os programas e que eles podem fazer parte desse time” (Entrevistado 2). Em relação
à integração como rito de passagem, Schirato (2000, p. 91) refere que “o discurso deve
passar todo um manancial de alimento para o imaginário do trabalhador. Mais do que
adesão aos princípios e valores da empresa, está sendo solicitada a entrega pessoal
àquele novo mundo onde, a partir de então, ele estará total e absolutamente envolvido”.
Os trabalhadores denominam esse momento, acontecido tão logo a empresa M assumiu
210 Teoria e Evidência Econômica, Passo Fundo, v. 14, Ed. Especial 2006
um dono definido, é capital aberto, não tem aquela cobrança familiar, a empresa M tem
o respeito assim por você” (Entrevistado 6).
O trabalho exaustivo, demandante, pressionado e autocontrolado aparece na fala
do entrevistado: “O pessoal tem que administrar o tempo de forma que possa fazer
tudo”. Assim, o entrevistado completa: “Eu sou maleável, conforme a música, eu danço”.
Pagés (1993), ao se referir às organizações hipermodernas, relata que em ambientes
como esses cada um joga com suas próprias cartas.
Os benefícios também são uma forma de encantar: “Eles explicam todos os
benefícios da empresa, falando hoje é uma coisa normal, mas para quem nunca teve
um plano de saúde, um odontoprev, ou qualquer auxílio que ele possa ter, as pessoas
ficam bem encantadas” (Entrevistado 3). Os programas de benefícios adotados pela
empresa parecem mensagens de conteúdo simbólicos propositadamente elaborados
para que os sujeitos se encantem com a nova proposta da empresa. Em relação a
isso, Motta (2002) relata como sendo um mito, ou seja, “conceituado como um conjunto
de atividades relativamente elaboradas, reunindo em um único evento mensagens de
conteúdo simbólicos voltados para uma determinada audiência” (p. 195).
A integração é um instrumento efetivo de encantamento, sedução e de anestesia
do funcionário: “Primeiro passa pela integração, um dia inteiro só sobre a M, o que a M
acredita, o que ela espera de ti [...] ninguém entra sem passar por esse processo [...] o
que ela espera da pessoa, metas a serem atingidas” (Entrevistado 6). Cavendon (2004)
refere que a integração pressupõe que a organização como um todo possua a mesma
cultura. Nesse caso, Schirato relata: “Os valores e comportamentos instituintes de uma
nova ordem organizacional somente serão aceitos à medida que serem diferentes não
signifique de forma nenhuma serem contrários. Por diferente, dentro da organização,
entende-se aqueles outros aspectos do mesmo que ainda não foram percebidos e
considerados, jamais aqueles que ameacem ou neguem os já estabelecidos” (2000, p.
92).
Ao discutir sobre mitos, Rocha (1996, p. 14) afirma que “o mito pode ser efetivo e,
portanto, verdadeiro como estímulo forte para conduzir tanto o pensamento quanto
o comportamento do ser humano ao lidar com realidades existenciais importantes”.
Em relação a rito, Motta (p. 195) diz que “rito de passagem significa as mudanças de
expectativas e responsabilidades atribuídas e assumidas por um determinado sujeito”.
Em relação a isso, na empresa o mito ou rito de integração parece ser essencial na
tentativa de seduzir o funcionário para o projeto da organização. Ainda, os programas
de integração têm a função de formar uma participação padronizada: “As pessoas
participam, todo mundo junto e integra os vários setores” (Entrevistado 6). Ainda,
exemplificando o que foi citado acima, um dos entrevistados comenta: “Eu estou
encantado, [...] a gente assistiu à fita do presidente da M e ele fala que começou na M
como office boy e hoje é o presidente da M, e a gente pensa assim: ‘Bah, será que vai
acontecer comigo?’” (Entrevistado 3).
214 Teoria e Evidência Econômica, Passo Fundo, v. 14, Ed. Especial 2006
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da análise das entrevistas com os gestores e com os funcionários, a
presente pesquisa revelou aspectos importantes sobre as práticas de gestão de pessoas
utilizadas pela empresa M. A área de gestão de pessoas utiliza-se de programas e
procedimentos a fim de assegurar que os trabalhadores façam cumprir os objetivos da
empresa, mas, sobretudo, visa controlá-los a fim de que se submetam e mobilizem todos
os seus espaços de vida para o projeto da organização. Além disso, observou-se que a
área de gestão de pessoas, por meio de suas políticas e programas, atua como a área
encarregada de implementar a nova cultura.
Percebe-se na empresa M um sistema de dominação e dependência psicológica
(PAGÈS et al., 1993), e a implantação da nova cultura é responsável por esse sistema. É
parte da estratégia da empresa M influenciar as orientações particulares dos sujeitos da
pesquisa. No entanto, percebe-se uma cultura diferente da realidade vivida e subjetiva
dos sujeitos (MOTTA, 2002), uma vez que se reserva no discurso dos funcionários uma
mudança no seu projeto de vida após a entrada na empresa M.
A empresa M prega a cultura da homogeneidade, que requer o sacrifício da
subjetividade em prol da coletividade (SCHIRATO, 2000). Dessa forma, a empresa
tem na imaterialidade simbólica (AKTOUF, 1994) e no novo código que a organização
utiliza o dispositivo para o comprometimento do trabalhador.
216 Teoria e Evidência Econômica, Passo Fundo, v. 14, Ed. Especial 2006
6 REFERÊNCIAS
AKTOUF, Omar. O Simbolismo e a cultura de empresas: dos abusos conceituais às
lições empíricas. In: CHANLAT, Jean-François. O indivíduo na organização: dimensões
esquecidas. São Paulo: Atlas, 1994.
BARBOSA, Lívia. Cultura administrativa: uma nova perspectiva das relações entre
antropologia e administração. Revista de Administração de Empresas. São Paulo: v.35.
n.4, p.6-19, out./nov./dez. de 1996.
9 Gestão de pessoas em um processo de aquisição: mudanças culturais 217
CHANLAT, J.F. Modos de gestão, saúde e segurança no trabalho. In: DAVEL, E.;
VASCONCELOS, J.M. (Org.). Recursos humanos e subjetividade. Petrópolis: Vozes,
2000.
CHANLAT, J.F. Por uma antropologia da condição humana nas organizações. In:
CHANLAT, J.F. (Org.). O indivíduo na organização: dimensões esquecidas 3.ed. São
Paulo: Atlas, 1996. v.1.
COLBARI, A.de L. Imagens familiares na cultura das organizações. In: DAVEL, E.;
VASCONCELOS, J. Recursos humanos e subjetividade. Petrópolis, Rio de Janeiro:
Vozes, 1995.
DAVEL, E.; VERGARA, S.C. Gestão com pessoas, subjetividade e objetividade nas
organizações. In: ______. (Org.). Gestão com pessoas e subjetividade. São Paulo: Atlas,
2001.
ENRIQUEZ, E. Vida psíquica e organização. In: MOTTA, F.C.P.; FREITAS, M.E.. Vida
psíquica e organização. Rio de Janeiro: FGV, 2002.
SINGER, P. A crise nas relações de trabalho. In: NABUCO, M.R.; CARVALHO NETO,
A. (Org.). Relações de trabalho contemporâneas. Belo Horizonte: IRT da PUC de MG,
1999.
YIN, R.K. Estudo de caso – planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman, 2001.
9 Gestão de pessoas em um processo de aquisição: mudanças culturais 219
SYNOPSIS
SINOPSIS