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Universidade Federal da Integração Latino-Americana

Professor Rafael Otoniel

Experimento de Franck-Hertz

1 Introdução
Um dos grandes problemas da Fı́sica no fim do século XIX era a interpretação correta do modelo
atômico. O modelo mais coerente com aquele aceito atualmente foi proposto por Ernest Rutherford, em
1910, baseado no modelo do sistema solar, no qual propôs que os elétrons (carga negativa e massa pequena)
“orbitavam” em torno de um núcleo (carga positiva e massa grande). Entretanto, como os elétrons possuem
carga e estão em movimento acelerado (movimento circular com aceleração centrı́peta), deveriam perder
energia emitindo radiação e fatalmente colapsar no núcleo. Contudo, Rutherford não conseguiu explicar a
estabilidade do átomo.
Por outro lado, em 1913 Niels Bohr conseguiu resolver esse problema usando os conceitos da então
recente Teoria Quântica, onde propôs que o elétron orbita apenas em algumas órbitas circulares com valores
discretos de energias, em regime estacionário, nos quais não há emissão de radiação e a consequente perda
de energia.
Em 1914, os fı́sicos James Franck e Gustav Ludwing Hertz realizaram um experimento que confirmou
a ideia do modelo atômico de Bohr: de que os estados de energia interna de um átomo são quantizados.
Portanto, a experiência de Franck-Hertz fornece uma comprovação do modelo atômico de Bohr e do nı́vel
de energia discreto nos átomos nele contido. Além disso, foi verificado também que a energia transferida na
colisão entre átomos e elétrons assume sempre valores discretos, confirmando resultados já obtidos através
da espectroscopia.
Em sua experiência original, Franck e Hertz detectaram a emissão de uma linha espectral, com com-
primento de onda de λ = 253,6 nm, associada à transição elétrons do átomo de mercúrio (Hg) a partir
do estado excitado (populado nas colisões com elétrons no tubo) para o estado fundamental. Esse estado
excitado tem energia 4,89 eV acima do estado fundamental. Com a experiência Franck-Hertz com mercúrio
pode-se observar a transferência de energia de elétrons através de choque inelástico ao atravessar vapor de
mercúrio. A transferência de energia ocorre gradualmente, já que por causa do choque há transferência de
energia nos átomos de mercúrio.
Vários meses depois, Niels Bohr reconheceu este experimento como uma comprovação do modelo
atômico por ele desenvolvido. A experiência de Franck-Hertz com o mercúrio é por isso uma experiência
clássica para a comprovação da teoria quântica.

2 Objetivos
Esse experimento tem como objetivos: i ) verificar a quantização dos nı́veis de energia atômicos através
da colisão de elétrons acelerados em um tubo contendo vapor de mercúrio (Hg), ii ) obter a energia de
excitação do Hg e, a partir desta energia, iii ) obter o valor da constante de Planck.

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3 Aparato Experimental
O experimento de Franck-Hertz consiste em observar a corrente elétrica I em função do seu potencial
de aceleração VA em um tubo de vidro evacuado, no qual os elétrons colidem com átomos de mercúrio
contidos numa nuvem evaporada dentro do tubo.
O tubo de Franck-Hertz consiste em um triodo formado por
eletrodos planos e paralelos: um catodo (C), um eletrodo em
forma de grade (G) para aceleração dos elétrons e um eletrodo
coletor, ou anteparo receptor (A). Elétrons são emitidos pelo ca-
todo aquecido (num processo denominado emissão termiônica,
devido à tensão alternada VF = 6,3 V aplicada) e são acelerados
através de uma tensão VA em direção à grade. Eles atravessam
a grade e chegam ao receptor contribuindo para a corrente I de
receptor, caso a sua energia cinética seja suficiente para superar
a tensão contrária VR (potencial de retardo) entre a grade e o
receptor, conforme mostra a figura 1 (observe que as tensões VA
e VR têm polaridades contrárias). Elétrons com energia cinética
insuficiente são atraı́dos de volta para a grade, consequentemente
não atingem o eletrodo coletor, e não contribuem para a corrente
I. O aumento tensão VA também aumenta a corrente de receptor
I, já que cada vez mais elétrons da nuvem eletrônica em torno de Figura 1: Conexões elétricas para ali-
catodo A são absorvidos pelo campo elétrico. mentação do tubo de Franck-Hertz.
Adicionalmente, uma gota de mercúrio encontra-se no tubo de
vidro que é aquecido a uma pressão de vapor de aproximadamente 15 hPa. Assim, os elétrons acelerados
por VA colidem com os átomos de Hg. A distância entre o catodo e a grade é grande comparada com o
livre caminho médio dos elétrons no vapor de Hg para as temperaturas de trabalho (em torno de 160o C),
de modo que a probabilidade de colisão neste trecho é elevada. Por outro lado, a distância entre a grade
e o eletrodo coletor é pequena. A temperatura no tubo de Franck-Hertz exerce influência nos valores
de corrente detectados devido à variação na densidade do vapor de Hg e à distribuição estatı́stica de
velocidades dos átomos de Hg.
Em geral as colisões dos elétrons com os átomos de Hg são elásticas, de forma que não ocorrem
transferências de energia. A partir de uma certa tensão de aceleração mı́nima, entretanto, os elétrons
passam a possuir energia cinética suficiente para excitar transições eletrônicas entre os nı́veis de energia
atômicos do Hg e, portanto, podem ocorrer colisões inelásticas, com transferência de energia dos elétrons
para os átomos de Hg. Sob o ponto de vista quântico, essa transferência de energia corresponde à transição
entre nı́veis de energia do átomo de Hg, onde o primeiro estado excitado do átomo de Hg com energia mais
baixa e com maior probabilidade de ser populado por meio dessas colisões encontra-se 4,89 eV acima do
estado fundamental.
Ao perder energia para os átomos de Hg, os elétrons não terão energia suficiente para vencer o potencial
de retardo VR e dessa forma a corrente I recolhida pelo anodo diminui. Entretanto, devido ao potencial
de excitação VA , a energia dos elétrons aumenta novamente e, a partir de um determinado valor, superam
o potencial de retardo tal que a corrente I no anodo volta a aumentar.
Esse processo de excitação dos átomos de Hg se repete várias vezes, pois o crescimento da energia
dos elétrons novamente se torna equivalente à diferença dos nı́veis de energia do Hg e uma nova absorção
ocorre, isto é, um novo choque inelástico ocorre e a corrente do anodo decresce novamente, e assim por
adiante, como mostra a figura 2.
É importante lembrar que, na ausência de colisões inelásticas, a energia dos elétrons aumenta con-
tinuamente entre o catodo e a grade, de forma que, para um dado valor de VA , elétrons em diferentes
posições possuirão energias cinéticas distintas e poderão transferir diferentes quantidades de energia para
os átomos de Hg. Além disso, os elétrons emitidos pelo catodo possuem uma distribuição de energias
cinéticas aproximadamente dada por uma distribuição de Maxwell-Boltzmann, com energia média em

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Figura 2: Gráfico da corrente de receptor I em função da tensão de aceleração VA

torno de hεi = kB TC (sendo kB a constante de Boltzmann e TC a temperatura do catodo, a qual não


coincide com a temperatura do forno).
Se apenas o estado localizado 4,89 eV acima do estado fundamental for excitado por essas colisões,
aparecerão numa curva tı́pica de I × VA picos equidistantes correspondentes à excitação de 1, 2, 3, ...
átomos de Hg no percurso do feixe eletrônico. A separação ∆VA entre esses picos fornecerá assim uma
medida da energia (por unidade de carga) do estado excitado em questão.
Devido à diferença de potencial de contato entre o catodo e o anodo, a diferença de potencial real VAreal
entre os dois (que é portanto a tensão de aceleração real) difere do valor medido VAmedido diretamente de
acordo com a expressão:

VAreal = VAmedido + (φA − φC ) (1)


sendo φA e φC as funções trabalho associadas ao anodo e ao catodo, respectivamente. Dessa forma, a
primeira queda da corrente na curva I × VA não ocorre em torno de 4,9 V, mas cerca de 2 V acima. No
entanto, a separação entre os picos ∆VA na curva I × VA não é influenciada pela diferença de potencial de
contato.
De um modo geral, os primeiros mı́nimos são observados mais facilmente em baixas temperaturas,
enquanto que um número maior de picos pode ser obtido em temperaturas mais altas. As variações de
temperatura que ocorrem durante as medidas modificam os valores de corrente medidos para uma dada
tensão de aceleração, mas as posições em que ocorrem os picos permanecem inalteradas.
Outros estados excitados (além daquele 4,89 eV acima do estado fundamental) podem ser populados
em decorrência dessas colisões, embora com menor probabilidade, o que significa que o espaçamento entre
os picos na curva I × VA não é sempre o mesmo para diferentes condições experimentais, mas depende de
parâmetros como a pressão de vapor de Hg dentro do tubo e a distância entre o catodo e o anodo.

4 Procedimento, Dados e Análises Experimentais

Cuidados a serem tomados


• Procure compreender as conexões elétricas no sistema e verificar (e prevenir) a ocorrência de qualquer
erro de montagem. Verifique as tensões do equipamento e aquelas fornecidas no laboratório.
• Verifique se o equipamento está aterrado.
• Para se evitar depósito de mercúrio na superfı́cie do catodo, é recomendado que seu aquecimento
(VF = 6,3 V) seja ligado 3 minutos antes de se ligar o aquecimento do forno. Ao completar o experimento
espere o forno esfriar para desligar a fonte de tensão VF .

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• Se um brilho azulado aparecer durante o processo de medidas entre o catodo e a grade, significa
que um processo de “ignição” no tubo pode estar iniciando. Isso pode provocar um curto-circuito em seu
interior, danificando-o permanentemente. Feche imediatamente a chave de curto-circuito e diminua
a tensão de aceleração. Refaça a medida ajustando a tensão de aceleração VA para um valor menor
daquele no qual houve o inı́cio de ignição do tubo. Fiquem atentos durante todo o experimento.
• O invólucro do forno, assim como os conectores posicionados no seu painel frontal, podem ficar
extremamente quentes durante a realização da experiência, não os toque nessa situação.

Ajustes iniciais
1. Mantenha um voltı́metro registrando o valor de VR durante a sequência de medidas.

2. Utilizar o modo “RAMP” para a tensão VA , aplicando V = 0 do lado diteito da rampa. (Veja o
comportamento da rampa no canal 1 do osciloscópio, tipo “dente de serra”).

3. Ajuste as escalas no osciloscópio para obter a melhor curva na tela. No canal 1 (CH1) deve aparecer
a tensão VA e no canal 2 (CH2) deve aparecer o comportamento da curva desejada I × VA . (Na
verdade você verá uma curva de I × t) As escalas tı́picas são, respecitamente, CH1 = 1 - 2 V e CH2
= 0,5 - 2 V.

4. Ajuste a posição do amplificador na metade do cursor. Se necessário, aumente um pouco. Mas


ATENÇÃO! Uma vez ajustada, não variar essa posição do amplificador durante o experi-
mento!

5. É interessante realizar algumas varreduras iniciais de teste (para uma dada temperatura e um dado
valor de VR ), antes de registrar a curva definitiva (que será exportada). Além do ajuste do máximo
valor de VA descrito acima, utilize essas varreduras de teste para escolher a melhor escala para
observação dos dados na tela do osciloscópio. Familiarize com o experimento.
IMPORTANTE: Se o valor de VA (CH1) estiver saturando na tela do osciloscópio, diminua um pouco
a amplificação.

6. Observe ainda se a temperatura se mantém uniforme nessas varreduras e se o perfil da curva re-
gistrada é reprodutı́vel. Caso ocorram variações significativas no perfil da curva entre uma e outra
varredura (para a mesma temperatura) ou se a curva não apresentar o perfil (com máximos e mı́nimos
sucessivos) esperado para a experiência de Franck-Hertz (figura 2), é recomendável desligar o forno
e aguardar seu resfriamento, mantendo acionado o filamento do tubo, já que pode ter ocorrido
alguma deposição de mercúrio sobre o catodo, o que dificulta a realização de medidas reprodutı́veis.

7. Para exportar os dados, insira o pendrive e clique no botão “salvar” no osciloscópio. Essa operação
pode levar alguns segundos.

Medidas
8. Ligue o filamento antes de aquecer o forno (tensão AC VF = 6,3 V). Aguarde por volta de três
minutos. Esse procedimento evita a deposição de Hg sobre o filamento.

9. Ligue o aquecedor do forno e espere a temperatura estabilizar em T = 190 o C.

Medidas com T fixa

10. Ajuste VR = 0,5 V.

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11. Salve em um pendrive esse espectro com a extensão “.CSV”(canal 2 do osciloscópio). Organize seus
dados com informações de T , VA e VR . (Sugestão: crie uma pasta de arquivos especı́fica para salvar
os dados).

12. Repita as varreduras para VR = 2 e 3 V.

Medidas com VR fixa

13. Ajuste VR = 2 V.

14. Faça as medidas repetindo o procedimento anterior para diferentes valores de T = 190, 170, 150, 130
e 110 o C. Assegure-se de que os valores das temperaturas estão estáveis durante as medidas.
IMPORTANTE: Ajuste o valor de VA , se necessário, para evitar curto-circuito.

Análise dos dados


15. Com o auxı́lio de um programa computacional, monte gráficos de I em função de VA para cada tem-
peratura e cada valor de VR empregados no experimento, a partir dos arquivos CSV do osciloscópio.
(Dica: Pode ser interessante para inspeção visual conectar os pontos experimentais utilizando linhas
contı́nuas).

16. Localize os valores de VA correspondentes aos máximos e mı́nimos de corrente em cada curva I × VA
traçada. Anote esses valores organizadamente.

17. Para cada conjunto de dados de VAmax e VAmin , faça um gráfico contendo os valores de VA em função
de um ı́ndice de contagem n = 1, 2, 3... dos máximos ou dos mı́nimos.

18. Em cada gráfico de VAmax e VAmin em função de n (VA × n), faça um ajuste linear e obtenha um
valor médio (com incerteza) da energia hεi do primeiro estado excitado do átomo de Hg populado
em consequência das colisões com os elétrons no tubo de Franck-Hertz.

19. Utilizando o valor médio obtido no item anterior para a energia de excitação hεi e o valor conhecido
λ = 254 nm para o comprimento de onda da radiação emitida no tubo de Franck-Hertz em con-
seqüência da excitação dos átomos de Hg nas condições empregadas no experimento, obtenha o valor
da constante de Planck h, sabendo que hεi = hν. Compare com o valor da literatura h = 6,63×10−34
Js. Quais as diferenças percentuais?

Questões
1. Em sua experiência original, Franck e Hertz detectaram a emissão de uma linha espectral associada
à transição de um elétron para o estado fundamental a partir do estado excitado do átomo de Hg
populado nas colisões com elétrons no tubo (estado localizado 4,89 eV acima do estado fundamental).
Determine o comprimento de onda do fóton emitido nessa transição. Em qual faixa do espectro
eletromagnético essa radiação se encontra?

2. Por que é importante utilizar gás ou vapor monoatômico na experiência de Franck-Hertz?

3. Por que os picos registrados na curva I × VA obtida em uma experiência de Franck-Hertz não são
abruptos, embora a energia da transição associada seja uma quantidade bem definida? (Lembre-se
que os elétrons no tubo não possuem todos a mesma velocidade... por que?)

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4. Por que os picos na curva I × VA não ocorrem exatamente nas posições correspondentes a múltiplos
inteiros da energia de excitação do átomo de Hg? Discuta com base na Eq. 2 e obtenha a partir
dos dados experimentais uma estimativa para a diferença de potencial de contato entre o catodo e o
anodo.

Referência
Manuais 3B scientific: Experiência de Franck-Hertz com mercúrio UE5020300

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