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humanização e
auto(trans)formação
de professores
Celso Ilgo Henz
Joze Medianeira dos Santos de Andrade Toniolo
(Orgs.)
OI OS
EDITORA
2015
© Dos Autores Organizadores – 2015
celsoufsm@gmail.com
joze.toniolo@iffarroupilha.edu.br
Editoração: Oikos
Capa: Juliana Nascimento
Revisão dos originais: Larissa Martins Freitas
Revisão: Carlos A. Dreher
Arte-final: Jair de Oliveira Carlos
Impressão: Rotermund S. A.
Conselho Editorial
Antonio Sidekum (Nova Harmonia)
Arthur Blasio Rambo (IHSL)
Avelino da Rosa Oliveira (UFPEL)
Danilo Streck (UNISINOS)
Elcio Cecchetti (UFSC e UNOCHAPECÓ)
Ivoni R. Reimer (PUC Goiás)
Luis H. Dreher (UFJF)
Marluza Harres (UNISINOS)
Martin N. Dreher (IHSL – MHVSL)
Oneide Bobsin (Faculdades EST)
Raul Fornet-Betancourt (Uni-Bremen e Uni-Aachen/Alemanha)
Rosileny A. dos Santos Schwantes (UNINOVE)
Prefácio ...................................................................................................... 7
Apresentação ........................................................................................... 11
CÍRCULOS DIALÓGICOS INVESTIGATIVO-FORMATIVOS
E AUTO(TRANS)FORMAÇÃO PERMANENTE
DE PROFESSORES ................................................................................ 17
HENZ, Celso Ilgo
DIALOGUS: encontros dialógicos investigativos como
possibilidade de auto(trans)formação permanente de professores .............. 29
TONIOLO, Joze Medianeira dos Santos de Andrade
HENZ, Celso Ilgo
PAULO FREIRE E A FORMAÇÃO INICIAL PARA EJA:
interfaces dos cursos de licenciaturas da Universidade Federal
de Santa Maria ......................................................................................... 40
KAUFMAN, Nisiael de Oliveira
HENNICKA, Micheli Daiani
MONTAGNER, Silvia Regina
SOBRE ESCUTAR CRIANÇAS, ADOLESCENTES, JOVENS
E ADULTOS NA ESCOLA: desafios e possibilidades
para a auto(trans)formação de professores ................................................ 51
GOELZER, Juliana
OLIVEIRA, Luiz Renato de
SANTOS, Caroline da Silva dos
POR UMA PEDAGOGIA SOCIOEDUCATIVA: a construção
de processos humanizadores e auto(trans)formativos ................................ 62
PARIGI, Camila da Rosa
RIBEIRO, Eliziane Tainá Lunardi
COUTO, Gislaine Rodrigues
CÍRCULOS DIALÓGICOS INVESTIGATIVO-FORMATIVOS:
uma proposta epistemológico-política de pesquisa .................................... 73
HENZ, Celso Ilgo
FREITAS, Larissa Martins
UM OLHAR DA PEDAGOGIA POPULAR PARA A SALA
DE AULA DA ESCOLA PÚBLICA: o desafio de mobilizar
para o estudo e as contribuições dos vínculos afetivos e da
gestão escolar como entrelaçamentos do processo educativo ..................... 84
SIGNOR, Patrícia
PIGATTO, Carolina Zasso
KRANN, Rosilei Amaral
DEMOCRACIA, ALEGRIA E ESPERANÇA: a construção
compartilhada do Projeto Político-Pedagógico .......................................... 95
ROBAERT, Samuel
FERREIRA, Marinês Verônica
UMA ESCOLA ALEGRE E COMPROMETIDA COM
AS APRENDIZAGENS DAS CLASSES POPULARES:
EJA e o ensino de Química à luz dos ensinamentos de Paulo Freire ........ 106
CALDERAN, Arlete Pierina
RAMOS, Maria Rosângela Silveira
FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DAS ESCOLAS
DO CAMPO, ANCORADA NAS HISTÓRIAS DE VIDA E NOS
CÍRCULOS DIALÓGICOS INVESTIGATIVO-FORMATIVOS ........... 117
CARVALHO, Luciana Carrion
SILVEIRA, Melissa Noal da
APRENDENDO UMA CULTURA DE PAZ:
diálogos no amor e na esperança para “Ser Mais” ................................... 128
DORNELES, Tatiana Poltosi
SILVA, Daniele Mallmann da
A CONTRIBUIÇÃO DA AFETIVIDADE ENTRE EDUCANDOS
E EDUCADORES PARA O DESENVOLVIMENTO
DE SERES SOLIDÁRIOS E CRIATIVOS ............................................ 139
MACHADO, Mabel Brum Pinheiro
MENEGHETTI, Vânia Teresa
FORMAÇÃO INICIAL NO CURSO DE PEDAGOGIA:
compreendendo a capacitação para o exercício da docência
na classe hospitalar ................................................................................. 150
OLIVEIRA, Marilei Almeida de
OLIVEIRA, Marli Almeida de
6
Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
PREFÁCIO
7
Prefácio
podem, e talvez não poderão mais frequentar uma escola, que têm todavia o
direito de continuar seus estudos.
Ao ler aquele texto, lembrei-me emocionado de uma das histórias do
saudoso Rubem Alves. Ele fala de um pai que se pergunta, orgulhoso, o que
poderá ser seu filho: médico, jurista, engenheiro mecatrônico, diplomata?... Qual,
enfim, das profissões mais honrosas (para ele, o pai, evidentemente...)? E o ou-
tro pai, cujo filhinho, com leucemia, tem os dias contados, dizendo apenas:
“Meu filho, se domingo for um dia bonito, vamos passear no zoológico”.
Aquelas crianças também gostariam de correr, brincar, pular. Mas se
não podem correr, pular, por que não voar, nas asas da imaginação, conduzi-
das por lindas histórias contadas por suas professoras, e por atividades lúdi-
cas, que suas professoras poderiam ter aprendido, nos cursos de pedagogia ou
das licenciaturas?
Mas não apenas crianças hospitalizadas têm direito à alegria de viver.
Todas as crianças, todos os adolescentes, todos os jovens e, por que não, todos
os adultos, querem alegria e têm direito a serem felizes. É o que enfatiza, já no
título, um dos capítulos do livro: “Uma Escola Alegre e comprometida com as
Aprendizagens das Classes Populares: EJA e o ensino de química à luz dos
ensinamentos de Paulo Freire”.
Percorrendo a lista dos títulos, dou-me conta de que há outro capítulo
dedicado à EJA, sob o título: “Paulo Freire e a Formação Inicial para EJA:
interfaces dos cursos de licenciatura na Universidade Federal de Santa Ma-
ria”. Não posso evitar uma digressão que, longe de afastar-me da atenção ao
prefácio, reforça a importância dos temas tratados neste livro. Na próxima
sexta-feira participarei, como um dos palestrantes, no Encontro Estadual do
Fórum da EJA. Na minha fala terei o prazer de comentar o livro que recebi, há
poucos dias, intitulado “Olhares múltiplos contemporâneos da Educação de
Jovens e Adultos”. Ao prefaciar este livro tive a satisfação de viajar, mental-
mente, através de todo o Rio Grande, com os autores e as autoras de todos os
quadrantes de nosso Estado. Fiz esta digressão para salientar a vitalidade ex-
traordinária da EJA, na qual se inserem dois capítulos, ao menos, do livro que
estou agora prefaciando.
Já que Paulo Freire está presente em todos os capítulos deste livro e, evi-
dente, em todas as atividades da EJA, faço uma pergunta a vocês, minhas inter-
locutoras e meus interlocutores do grupo de pesquisa “Dialogus”, e a todas as
professoras e todos os professores da EJA. Pergunta que eu faria também aos
que nas ruas gritaram: “Fora, Paulo”, os mesmos que pediam a volta da ditadu-
ra: “Se Paulo Freire tivesse permanecido no MEC, em 1964, em lugar de ser
expelido a 15 anos de exílio, teríamos ainda adultos analfabetos no Brasil hoje?”
Enquanto nossos legisladores, em Brasília, se preocupavam com a redu-
ção da idade penal, jogando nossas crianças às garras dos traficantes, as auto-
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Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
9
Prefácio
imemoriais, continuando problema grave até hoje, muito mal enfrentado so-
bretudo na educação.
Um dos méritos que me cabe salientar, entre vários outros, é que os
capítulos do livro abordam vários dos temas mais relevantes da nossa atuali-
dade, desde a EJA, a Pedagogia Hospitalar, a Formação Permanente de Pro-
fessores, o Pedagógico, a Educação Popular na Escola, a Escola do Campo,
bem como a construção do Projeto Político.
A concepção político-pedagógica que perpassa todos os capítulos do
livro – numa perspectiva dialógica, humanizadora, crítica, criativa e libertado-
ra –, tendo como inspirador Paulo Freire, em diálogo com outros autores, não
nasceu de pesquisas ou reflexões isoladas das autoras e dos autores, mas, sim,
de um processo cooperativo e afetivo. Tal processo se constitui no grupo de
pesquisa intitulado Dialogus, que realiza quinzenalmente seus encontros dia-
lógicos de auto(trans)formação permanente com professores, através de “Cír-
culos Dialógicos Investigativo-formativos”, inspirados nos famosos “Círculos
de Cultura” criados por Paulo Freire.
Eu desejaria não apenas ler, mas meditar demoradamente cada um dos
trabalhos. O que farei agora, é percorrê-los num ensaio de pot-pourri, colhendo
algumas pérolas que cada capítulo me oferece. Vínculos afetivos entre profes-
sores e estudantes, é a proposta de um dos capítulos, inspirado em Paulo Frei-
re e Pichón Rivière, como ideal para as relações em sala de aula. Nessa mesma
perspectiva, ao longo dos capítulos destaco valores como humanização, liber-
tação, processo cooperativo, afetividade, amorosidade. A gestão é vista, pelos
autores de outro capítulo, entrelaçada com o processo educativo, não disso-
ciada do mesmo. Prosseguindo meu pot-pourri, leio que cabe aos professores
“escutar” os educandos, totalmente de acordo com Freire, que em “Pedagogia
da Autonomia” dedica umas dez páginas ao item “Ensinar exige saber escu-
tar”. E o “saber escutar” tem tudo a ver com a auto(trans)formação perma-
nente, tendo como ponto de partida as “histórias de vida”. Diálogo, respeito,
reconhecimento do outro, são outras expressões que exprimem a sensibilidade
necessária em qualquer prática educativa.
Eu resumiria minha revoada meditativa sobre todos os capítulos do li-
vro, dizendo que, a par de seriedade intelectual, de rigor acadêmico e de visão
crítica da realidade educacional, nesta obra, como no Grupo Dialogus, do qual
o livro nasce, sentimos que pulsam intensamente “as razões do coração”, que
me incentivam também a levar adiante meu projeto de pós-doutorado intitula-
do: “Emotividade versus Razão: Por uma pedagogia do coração”.
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Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
APRESENTAÇÃO
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Apresentação
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Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
escola”, tomando, como Freire bem enfatiza, as realidades que cercam esses sujei-
tos como ponto de partida. Tal opção, apontam os autores, é “condição para
uma prática pedagógica humanizadora.” Ademais, os autores intentam, tam-
bém, compartilhar “vivências e reflexões como educadores e educandos, como
gente”, sempre fazendo-se acompanhar do referencial freiriano.
O quinto texto – Por uma pedagogia socioeducativa: a construção de
processos humanizadores e auto(trans)formativos –, escrito por Camila da
Rosa Parigi, Eliziane Tainá Lunardi Ribeiro e Gislaine Rodrigues Couto, par-
te de reflexões sobre “adolescentes em conflito com a lei e discute as questões
históricas e legais da educação dentro dos espaços socioeducativos de priva-
ção de liberdade”. O diálogo é realizado com Paulo Freire, Carmem Maria
Crady, Miguel Arroyo e Celso Henz. O texto organiza (e aponta) centrais ele-
mentos para quem se dedica a repensar práticas socioeducativas “como espa-
ços-tempos auto(trans)formativos dos socioeducandos e socioeducadores, tendo
como perspectiva a humanização e cidadania”.
O texto seguinte – Círculos dialógicos investigativo-formativos: uma
proposta epistemológico-política de pesquisa –, sob a responsabilidade de
Celso Ilgo Henz e Larissa Martins Freitas, apresenta uma “... proposta episte-
mológico-política de pesquisa, inspirada nos Círculos de Cultura freireanos
em um entrelaçamento com os pressupostos da pesquisa-formação de Josso
(2004).” O escrito, à semelhança dos anteriores, nasce do trabalho do Grupo
Dialogus – Educação, Formação e Humanização com Paulo Freire – CE/
UFSM, com forte presença na formação permanente com educadores das es-
colas de Educação Básica de Santa Maria/RS e Região. Os autores acreditam
que a “... pesquisa só se faz significativa no momento em que instiga os sujei-
tos envolvidos ao desvelamento de suas necessidades e contribui com a eman-
cipação de todos.” E é pela “reflexão crítica sobre a prática, com um coletivo
de pessoas, educadores e/ou educandos, com base nas temáticas levantadas
pelo grupo” que o anúncio acima acontece. Observam, os autores, que “du-
rante a dinâmica dos Círculos cada um vai tomando consciência do seu pró-
prio fazer pedagógico, em um processo permanente de reflexão,
(des)construindo práticas e (re)construindo-as em vistas de uma perspectiva
humanizadora comprometida com a conscientização e libertação de todos.”
O próximo texto, Um olhar da pedagogia popular para a sala de aula
da Escola Pública: o desafio de mobilizar para o estudo e as contribuições
dos vínculos afetivos e da gestão escolar como entrelaçamentos do proces-
so educativo, de Patrícia Signor, Carolina Zasso Pigatto e Rosilei Amaral
Krann, “lança um olhar da pedagogia popular para a sala de aula da escola
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Apresentação
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Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
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Apresentação
desafio, pois precisam repensar as práticas que vêm sendo construídas e ofere-
cidas aos acadêmicos, de modo que as mesmas venham a revelar a realidade
da sociedade...”.
Enfim, a leitora e o leitor estão convidados a saborear os textos que,
mais do que revelar resultados de pesquisa, diálogos e construções coletivas,
expressam o grau de cumplicidade de pessoas que, comprometidas com a mu-
dança das injustas e injustificadas condições sociais em que vivem as pessoas,
colocam-se em posição de auto(trans)formação.
Uma boa leitura auto(trans)formativa a todos nós.
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Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
CÍRCULOS DIALÓGICOS
INVESTIGATIVO-FORMATIVOS E
AUTO(TRANS)FORMAÇÃO PERMANENTE
DE PROFESSORES1
HENZ, Celso Ilgo2
Primeiras palavras...
A realidade socioeconômica e cultural historicamente vigente em nosso
país tem oprimido, discriminado e excluído a muitas pessoas e grupos sociais,
que também são aviltados pelas manipulações midiáticas e tecnológicas for-
temente presentes e condicionantes no sentir/pensar/agir (HENZ, 2003) cotidia-
no de homens e mulheres do início do século XXI. Nesse contexto, a escola
ainda pode ser um dos poucos lugares onde crianças, adolescentes, jovens e
adultos tenham a oportunidade de encontrar um ambiente e pessoas que ain-
da não estejam totalmente “coisificadas” pela engrenagem da sociedade capi-
talista neoliberal globalizada.
O “Grupo Dialogus”, e seus projetos, visa ser um espaço-tempo de es-
tudos e pesquisas pela aprendizagem e exercício do diálogo-problematizador,
junto com os professores da Educação Básica e acadêmicos da Universidade
Federal de Santa Maria; oportuniza reflexões e pesquisas sobre a realidade
social e escolar com vistas a possíveis mudanças nas práxis educativas e contri-
buir com condições para uma vida mais digna pessoal e socialmente. Desde
2007, buscamos encorajar os profissionais a refletirem sobre si mesmos, sobre
suas práticas, para que possam também despertar nos estudantes sentimentos
e desejos de humanização e cidadania. Tomando como enfoque a abordagem
hermenêutica, optamos por trabalhar na perspectiva dos “círculos de cultura”
de Freire, aproximando-os da proposta de pesquisa-formação de Josso (2010)
1
Parte deste artigo já foi publicada no VIII Seminário Nacional Diálogos com Paulo Freire: por
uma pedagogia dos direitos humanos. Anais. Bento Gonçalves: IFRS: 2014.
2
Doutor em Educação (UFRGS, 2003), professor Associado 2 do Programa de Pós-Graduação
em Educação (PPGE) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), coordenador do Gru-
po de Estudos e Pesquisa “DIALOGUS: educação, formação e humanização com Paulo Frei-
re”. E-mail: celsoufsm@gmail.com.
17
HENZ, C. I. • Círculos dialógicos investigativo-formativos e auto(trans)formação permanente de professores
Caminhos epistemológico-políticos:
círculos dialógicos investigativo-formativos
Os encontros do “Grupo Dialogus” fundamentam-se em uma aborda-
gem qualitativa que busca compreender a complexidade dos fenômenos da
vida humana. Para isso, dialogam, refletem e desafiam ao desvelamento e a
transformação de muitos aspectos da vida social que condicionam o sentir/
pensar/agir das pessoas, trabalhando a partir de temáticas que emergem do
cotidiano profissional e social dos participantes. Quer dizer: “A procura temá-
tica converte-se assim numa luta comum por uma consciência da realidade e
uma consciência de si, que fazem desta procura o ponto de partida do proces-
so de educação e da ação cultural do tipo libertador” (FREIRE, 1980, p. 33).
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Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
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HENZ, C. I. • Círculos dialógicos investigativo-formativos e auto(trans)formação permanente de professores
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Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
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HENZ, C. I. • Círculos dialógicos investigativo-formativos e auto(trans)formação permanente de professores
Diálogos (re)construídos e
auto(trans)formação permanente
Durante os encontros com os professores e acadêmicos acontecem dife-
rentes movimentos pessoais, epistemológicos e políticos, os quais dialeticamen-
te conduzem à descoberta do inacabamento, e, por conseguinte, à consciência
de ser humano em permanente processo de conscientização e auto(trans)for-
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Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
3
No livro “Educação Humanizadora na Sociedade Globalizada” (2007), Henz destaca a pala-
vra genteidade, com base nos pressupostos freireanos. O conceito está relacionado ao inacaba-
mento do ser humano e sua constituição como sujeito que aprende permanentemente, com os
outros e com o mundo.
4
FREITAS (2015); OLIVEIRA (2015); KAUFMAN (2015).
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HENZ, C. I. • Círculos dialógicos investigativo-formativos e auto(trans)formação permanente de professores
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Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
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HENZ, C. I. • Círculos dialógicos investigativo-formativos e auto(trans)formação permanente de professores
Referências
ARROYO, Miguel. Imagens Quebradas. Trajetórias e tempos de alunos e mestres. Rio
de Janeiro: Vozes, 2004.
______. Outros Sujeitos. Outras Pedagogias. Rio de Janeiro: Vozes, 2013.
CHIZZOTTI, Antonio. Pesquisa Qualitativa em Ciências Humanas e Sociais. Rio
de Janeiro: Vozes, 2009.
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Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
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HENZ, C. I. • Círculos dialógicos investigativo-formativos e auto(trans)formação permanente de professores
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Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
Iniciando o diálogo...
Vivemos uma realidade socioeconômico e cultural que nos desafia dupla-
mente: por um lado educar as futuras gerações para se inserirem e conseguirem
sobreviver no mercado de trabalho e nas estruturas sociais vigentes, assentadas
prioritariamente no conhecimento e na informação, para o que se faz necessário
educar desenvolvendo certas “habilidades e competências”; d’outra parte, tor-
na-se extremamente importante e emancipador desenvolver uma capacidade de
reflexão crítica que se constitua como engajamento consciente na transforma-
ção do status quo vigente, para que todos tenham acesso às condições mínimas
para viverem como seres humanos e cidadãos.
Nesta perspectiva, a escola pode ser um dos poucos lugares onde crian-
ças, adolescentes, jovens e adultos tenham a oportunidade de encontrar um
ambiente com pessoas que ainda não estejam totalmente “coisificadas” pela
engrenagem da sociedade capitalista neoliberal globalizada, uma vez que as
políticas educacionais determinam a obrigatoriedade e a gratuidade da educa-
ção básica, ainda que isto seja muito genérico. As políticas educacionais vi-
gentes são carregadas de intencionalidades, valores, ideias e princípios que,
via de regra, visam organizar um “mundo escolar” em que educadores e edu-
candos aprendam um determinado jeito de ser gente; ou seja, aprendam a ser
1
Doutoranda em Educação (PPGE/UFSM) e participante do Grupo de Estudos e Pesquisa
Dialogus: educação, formação e humanização com Paulo Freire. Professora do Instituto Federal
de Educação, Ciência e Tecnologia Farroupilha. E-mail: joze.toniolo@iffarroupilha.edu.br.
2
Doutor em Educação (UFRGS). Professor associado 2 da Universidade Federal de Santa Maria
e pesquisador do PPGE/UFSM, na Linha de Pesquisa: Formação, Saberes e Desenvolvimento
Profissional. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisa Dialogus: educação, formação e humanização
com Paulo Freire, registrado junto à base do CNPq. E-mail: celsoufsm@gmail.com.
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TONIOLO, J. M. dos S. de A.; HENZ, C. I. • Dialogus: encontros dialógicos investigativos...
3
O Projeto de Pesquisa “Humanização e Cidadania na Escola” ocorre desde o ano de 2007 em
escolas Estaduais e Municipais de Santa Maria/RS e região, sob a coordenação do Professor
Dr. Celso Ilgo Henz. Atualmente o projeto vem se desenvolvendo em uma escola com
professores(as) da modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA) e conta com
financiamento FIPE/UFSM.
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Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
Ensino Superior, visando identificar os seus limites, seus desafios e suas possibi-
lidades.
Nessa perspectiva, Freire (2011) salienta que a partir da reflexão sobre si
mesmo o sujeito é capaz de intervir na realidade, uma vez que a autorreflexão
levará ao aprofundamento da tomada de consciência e resultará na sua inserção
como ator da sua própria história. Daí que, durante os encontros, refletimos e
dialogamos com licenciandos e educadores sobre si mesmos, suas práticas e
sobre o contexto político, econômico e social no qual estão inseridos. Além
disso, buscamos construir com os professores caminhos que possibilitem mu-
danças à educação e à vida desses profissionais; e, assim, contribuir para possí-
veis processos de humanização e cidadania na escola.
4
No livro “Educação Humanizadora na Sociedade Globalizada” (2007), Henz destaca a palavra
genteidade, com base nos pressupostos freireanos. O conceito está relacionado ao inacabamento
do ser humano e sua constituição como sujeito que aprende permanentemente, necessariamente
pelo diálogo com os outros e com o mundo.
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TONIOLO, J. M. dos S. de A.; HENZ, C. I. • Dialogus: encontros dialógicos investigativos...
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Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
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TONIOLO, J. M. dos S. de A.; HENZ, C. I. • Dialogus: encontros dialógicos investigativos...
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Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
com seus pares que vão marcando e construindo o “ser professor”. Nas palavras
do próprio Freire: “Na verdade, não nasci marcado para ser um professor a esta
maneira, mas me tornei assim na experiência de minha infância, de minha ado-
lescência, de minha juventude” (FREIRE, 2003, p. 84).
Constituímo-nos educadores no entrelaçamento, na pluralidade dessas
dimensões e aspectos que vão delineando nossas trajetórias e marcando nossas
vidas. Essa aprendizagem, que é individual, mas também intersubjetiva e coo-
perativa, precisa estar sempre permeada pelo processo de ação-reflexão-ação que
caracteriza nossa práxis educativa, o que nos permite ser mais a cada dia.
Quero deixar aqui nestas palavras o que os encontros têm me possibilitado.
Além de ter a oportunidade de redimensionar a compreensão em torno da
busca incessante em tornar-me humana plenamente no decorrer da vida, tem
rompido com algumas barreiras – as quais havia estabelecido. Assim, apren-
de-se com Freire que “vale dizer que a escola de que precisamos urgentemente
é uma escola em que realmente se estude e se trabalhe”. Por isso, nossos en-
contros regados a bom chimarrão e boa companhia convergem nesta busca,
tanto para quem pretende iniciar a docência quanto para quem já está a mais
tempo inserido na atividade. (Relato Diário – Marlize)
Quer dizer, a busca por ser mais como educador inicia na formação
inicial, mas vai se construindo permanentemente. Muitos outros saberes vão
sendo construídos no inacabamento e na auto(trans)formação, a partir da ação
e da reflexão permanente da e sobre a própria prática, pelo “dizer a sua palavra”
(FIORI, 2011). Nesse movimento:
[...] Por isso é que, na formação permanente dos professores, o momento fun-
damental é o da reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente a
prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática. O pró-
prio discurso teórico, necessário à reflexão crítica, tem de ser de tal modo
concreto que quase se confunda com a prática (FREIRE, 1998, p. 43-44).
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TONIOLO, J. M. dos S. de A.; HENZ, C. I. • Dialogus: encontros dialógicos investigativos...
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Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
lembrou-me de pessoas que passaram por esse grupo e hoje seguem outros
caminhos e lembrei-me de cada um de vocês, pois escreveram sobre nossos
encontros de maneira singular, com a leitura que cada um fez. A leitura das
páginas deste diário também me fez compreender o diferencial do qual, orgu-
lhosamente, falamos do nosso grupo: somos todos aprendizes e aprendemos
com diferentes mestres da vida, o que nos liga a Freire, pois estamos buscando
a conscientização e libertação em comunhão. (Relato Diário – Camila)
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TONIOLO, J. M. dos S. de A.; HENZ, C. I. • Dialogus: encontros dialógicos investigativos...
em que a discussão de cada obra de Paulo Freire nos ajuda a (re)pensar nossas
práticas, sempre contextualizadas com a realidade da qual fazemos parte.
Portanto, o “Grupo Dialogus”, com seus estudos e suas pesquisas, pre-
tende continuar sendo um entre-lugar de auto(trans)formação permanente com
professores que atuam nas escolas de Educação Básica em Santa Maria e re-
gião, o que também se constitui em espaço auto(trans)formativo para os aca-
dêmicos dos Cursos de Licenciatura. Refletindo sobre a práxis educativa vi-
gente nas escolas e nas universidades, o desafio está em assumir ações que
propiciem um ambiente de relações e vivências da cidadania em todos os seus
aspectos e dimensões, para uma maior genteidade de todos, seja na escola, seja
na sociedade.
Com os muitos “outros sujeitos” das escolas e das universidades, edu-
candos e educadores, ainda sonhamos e acreditamos que podemos fazer a di-
ferença nas relações entre nós e os estudantes, pela maneira de enfocar e
(re)significar os conteúdos, de sentir/pensar/agir na escola, na sociedade, no
mundo. Por isso, compartilhar os relatos presentes no diário do Grupo de Es-
tudos e Pesquisa Dialogus configura-se, também, em um convite para que ou-
tras vozes se somem as nossas; para que outros professores e futuros professo-
res também se sintam convidados a compartilhar conosco os seus saberes, fa-
zeres e aprendizados; sintam-se convidados a construir, juntos, novos cami-
nhos de auto(trans)formação permanente que se dá no exercício constante de
ação-reflexão-ação da, na e sobre a docência.
Referências
ANDREOLA, Balduino Antonio. Paulo Freire no caminho das Índias. In: Anais do
XI Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire. Porto Alegre: UFRGS/FACED, 2009.
ARROYO, Miguel G. Ofício de Mestre: imagens e auto-imagens. 7. ed. Petrópolis:
Vozes, 2004.
FIORI, Ernani Maria. Prefácio. In: FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17. ed.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011.
FREIRE, P. Conscientização: teoria e prática da libertação: uma introdução ao pen-
samento de Paulo Freire. Tradução de Kátia de Mello e Silva. São Paulo: Cortez &
Moraes, 1979.
______. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 7. ed. São
Paulo: Paz e Terra, 1998.
______. Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. 9. ed. São Paulo: Olho
d‘Água, 1998a.
______. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a Pedagogia do Oprimido (no-
tas: Ana Maria Araújo Freire). 6. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999.
38
Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
______. Política e Educação. 7. ed. Coleção Questões da Nossa Época, v. 23. São
Paulo: Cortez, 2003.
______. A importância do Ato de Ler: em três artigos que se completam. 50. ed. São
Paulo: Cortez, 2009.
______. Pedagogia do Oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011.
GADOTTI, Moacir. Boniteza de um sonho: ensinar-e-aprender com sentido. Série
Práticas Educativas. Curitiba: Positivo, 2005.
HENZ, Celso Ilgo. Na Escola também se Aprende a ser Gente. In: HENZ, C.; ROS-
SATO, R. (Orgs.). Educação humanizadora na sociedade globalizada. Santa Maria:
Biblos, 2007, p. 149-168.
HENZ, Celso; ROSSATO, Ricardo (Orgs.). Educação humanizadora na sociedade
globalizada. Santa Maria: Biblos, 2007.
IMBERNÓN, Francisco. Formação Docente e Profissional: fomar-se para a mudan-
ça e incerteza. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2009.
JOSSO, Marie-Christine. Experiências de vida e formação. São Paulo: Cortez, 2004.
39
PAULO FREIRE E A FORMAÇÃO INICIAL
PARA EJA: interfaces dos cursos de
licenciaturas da Universidade Federal
de Santa Maria
KAUFMAN, Nisiael de Oliveira1
HENNICKA, Micheli Daiani2
MONTAGNER, Silvia Regina3
Primeiras palavras...
A Educação de Jovens e Adultos (EJA) atravessou uma história marca-
da por medidas paliativas, através de iniciativas fragmentadas e sem êxitos.
Essa modalidade de ensino não requeria estudo nem especialização por parte
de seus professores, sendo entendida como um campo eminentemente ligado
à boa vontade e à adaptação das metodologias do ensino regular.
Em razão disso, percebemos, até os dias atuais, impregnada a ideia de
que qualquer professor, automaticamente, pode ensinar jovens e adultos, não
se pensando em um ensino adequado para esses sujeitos, o que certamente
exigiria uma formação inicial específica e não geral como a maioria dos cursos
de licenciatura tem trabalhado.
A presente pesquisa, que esta vinculada ao Programa de Pós-Gradua-
ção em Educação da Universidade Federal de Santa Maria/RS (UFSM), tem
como objetivo: compreender os desafios e as perspectivas da formação inicial
dos acadêmicos dos cursos de licenciaturas da Universidade Federal de Santa
Maria, com relação à preparação para atuação na Educação de Jovens e Adul-
tos do Ensino Médio. Tem como problemática de pesquisa: a formação inicial
de professores na Universidade Federal de Santa Maria vem preparando seus
acadêmicos para atuarem na Educação de Jovens e Adultos, considerando as
possibilidades e os desafios dessa modalidade no Ensino Médio?
1
Pedagoga; Especialista em Gestão e Organização da Escola; Mestre em Educação. Técnica em
Assuntos Educacionais. UFSM. E-mail: nisiaeloliveira@bol.com.br.
2
Pedagoga; Especialista em Gestão Educacional; Mestre em Educação. Tutora a distância.
UFSM. E-mail: michipedag@yahoo.com.br.
3
Pedagoga; Especialista em PROEJA; Mestre em Educação. Pedagoga do IF Farroupilha.
E-mail: smsilviamontagner@gmail.com.
40
Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
4
“O saber que a prática docente espontânea ou quase espontânea, ‘desarmada’, indiscutivel-
mente produz é um saber ingênuo, um saber de experiência feito, a que falta a rigorosidade
metódica que caracteriza a curiosidade epistemológica do sujeito. Este não é o saber que a
rigorosidade do pensar certo procura” (FREIRE, 2011, p. 22). Por isso, é fundamental que, na
prática da formação docente, o educador entenda que os saberes não são construídos apenas a
partir de “guias de professores que iluminados intelectuais escrevem desde o centro do poder”,
mas, pelo contrário, quando aprendiz em comunhão com o professor formador caminham
juntos no movimento dinâmico entre o fazer e o pensar sobre o fazer.
41
KAUFMAN, N. de O.; HENNICKA, M. D.; MONTAGNER, S. R. • Paulo Freire e a formação inicial para EJA
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Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
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KAUFMAN, N. de O.; HENNICKA, M. D.; MONTAGNER, S. R. • Paulo Freire e a formação inicial para EJA
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Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
Caminhos metodológicos
Compreendendo que, através da pesquisa, é possível não somente a cons-
tatação, mas a compreensão da realidade educacional no seu sentido mais
amplo – enquanto prática social – optamos como estratégia metodológica pela
pesquisa qualitativa, do tipo estudo de caso, com enfoque hermêneutico.
Esse tipo de pesquisa fornece uma visão ampla e, ao mesmo tempo,
profunda e integrada de uma unidade social complexa, composta de múltiplas
variáveis, a fim de viabilizar o diagnóstico da realidade, construindo possibili-
dades de ação e transformação.
Diante do exposto, a referida pesquisa está sendo realizada na Univer-
sidade Federal de Santa Maria, com acadêmicos/egressos dos cursos de licen-
ciaturas de Matemática (noturno), Letras Português e Literaturas de Língua
Portuguesa, História e Física (diurno), que tenham desenvolvido seus estágios
supervisionados na Educação de Jovens e Adultos, em específico na etapa do
Ensino Médio. Optamos por esse foco de pesquisa por considerar que esta
área necessita de uma maior compreensão, por se configurar em um campo
ainda pouco explorado, o qual requer ser pensado mais amplamente, visto que
são muitos os embates que se apresentam atualmente, tanto nos estágios/for-
mação inicial para EJA, quanto na etapa do Ensino Médio da EJA.
Para isso, serão aplicadas entrevistas semiestruturadas a fim de com-
preender como acontece o processo de formação inicial desses acadêmicos e
5
A práxis, porém, é reflexão e ação dos homens sobre o mundo para transformá-lo. Sem ela, é
impossível a superação da contradição opressor-oprimidos” (FREIRE, 1981, p. 21). A práxis
se relaciona com a forma de interpretar a realidade, é a prática que origina desta compreensão,
gerando um processo de atuação consciente que leve a uma ação transformadora.
45
KAUFMAN, N. de O.; HENNICKA, M. D.; MONTAGNER, S. R. • Paulo Freire e a formação inicial para EJA
6
A referida proposta surge a partir de pesquisas e experiências desenvolvidas pelo Grupo
“Dialogus: Educação, Formação e Humanização com Paulo Freire” da Universidade Federal
de Santa Maria. Essa metodologia “fundamenta-se em uma abordagem qualitativa que busca
compreender a complexidade dos fenômenos da vida humana. Para isso, dialoga-reflete para
desvendar muitos significados da vida social que condicionam o ser/fazer das pessoas,
trabalhando a partir de temáticas que emergem do cotidiano profissional e social dos
participantes” (HENZ, 2014, p. 2). Isto implica que todos os participantes sejam coautores/
interlocutores da pesquisa, muito embora haja um pesquisador líder mediando os diálogos
investigativo-formativos.
46
Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
47
KAUFMAN, N. de O.; HENNICKA, M. D.; MONTAGNER, S. R. • Paulo Freire e a formação inicial para EJA
Há muito tempo, a formação inicial dos professores é fraca. Ela denota grande
despreocupação e falta de vontade por parte das administrações públicas
em assumir a profissão e encarar o fato de que ela envolve valores morais e
éticos e trabalha com alunos que vivem situações problemáticas diversas.
Em um cenário ideal, o curso superior deveria girar sobre o eixo da relação
entre teoria e prática educacional, além de oferecer uma visão holística e
crítica das disciplinas – sejam de conteúdo científico ou psicopedagógico
(IMBERNÓN, 2011, p. 01).
Para este autor, a estrutura da formação inicial deve possibilitar uma
análise global das situações educativas, comprometendo-se com o contexto
e a cultura em que se desenvolve. No entanto, os cursos pouco estão funda-
mentando teoricamente a atuação do futuro profissional, uma vez que os
currículos de formação têm-se constituído em um aglomerado de discipli-
nas, isoladas entre si, sem qualquer relação com a realidade da Educação de
Jovens e Adultos.
Pimenta e Lima (2006) reforçam que são muitas as limitações na forma-
ção inicial dos professores, que acumula historicamente índices precários de-
vido à formação aligeirada e, muitas vezes, frágil teórica e praticamente.
Os estágios, muitas vezes se reduzem a observações, não se constituindo em
práticas efetivas, com metodologias que se baseiam predominantemente na
utilização de apostilas, resumos e cópias de trechos de livros, e os conteúdos
abordados de forma resumida e pouco aprofundada” (PIMENTA; LIMA,
2006, p. 17).
Diante disso, em uma época caracterizada por ambiguidades é preciso
levar em consideração a função social das instituições educativas, pois, en-
quanto não pensarmos em uma formação comprometida com uma educação
emancipadora e transformadora, nossos discursos continuarão vazios e sem
sentido.
Portanto, é importante que as universidades ampliem as discussões teó-
rico-metodológicas sobre a Educação de Jovens e Adultos, visto que o docente
comprometido com sua formação atuará de forma diferenciada, com respeito
à diversidade dos educandos, contribuindo efetivamente para a redução das
desigualdades socioeducacionais e culturais causadas por direitos amplamen-
te negados durante séculos. E essa mudança de paradigma precisa acontecer
desde a formação inicial até em materiais, metodologias e conteúdos que de-
vem estar interligados a uma prática pedagógica consciente, pautada nos prin-
cípios do direito universal à educação em relação com a realidade dos estu-
dantes.
48
Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
49
KAUFMAN, N. de O.; HENNICKA, M. D.; MONTAGNER, S. R. • Paulo Freire e a formação inicial para EJA
Referências
BRASIL. RESOLUÇÃO CNE/CEB n. 1, de 5 de julho de 2000. Estabelece as Dire-
trizes Curriculares Nacionais para a Educação e Jovens e Adultos.
FEITOSA, S. C. Método Paulo Freire: a reinvenção de um legado. Brasília: Líber
Livro, 2008.
FIORI, E. M. Prefácio: Aprender a dizer a sua palavra. In: FREIRE, P. Pedagogia do
Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 9. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.
______. Medo e Ousadia: o cotidiano do professor. 11. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1986.
______. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 43. ed. São
Paulo: Paz e Terra, 2011.
GADOTTI, M. Educação de Adultos como Direito Humano. Cadernos de Formação
4, São Paulo: Instituto Paulo Freire, 2009.
GATTI, B. A. Formação de professores no Brasil: características e problemas. Revista
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HENZ, C. I. Educação e revolução cultural: do descompasso entre a cultura escolar e
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LA, B. et al. (Orgs.). Educação, Cultura e Resistência: uma abordagem terceiromun-
dista. Santa Maria/RS: Pallotti/ITEPA/EST, 2002, p. 145-166.
______; PARIGI, C; RIBEIRO, E. T. “Práticas Pedagógicas e formação de Professores
da EJA: Diálogos para uma educação para além da escola”. In: PEREIRA, V.; DIAS,
J.; ALVARENGA, B. (Orgs.). Educação Popular e a Pedagogia da contramarcha:
uma homenagem a Gomercindo Ghiggi. Passo Fundo: Méritos, 2013, p. 63-84.
______. “Círculos Dialógicos investigativo-formativos: pesquisa-formação permanen-
te de professores”. Anais: VIII Seminário Nacional Diálogos com Paulo Freire: por
uma pedagogia dos direitos humanos. Bento Gonçalves: IFRS, 2014.
IMBERNÓN, F. Francisco Imbernón fala sobre caminhos para melhorar a formação
continuada de professores, Gestão Escolar, Edição 14, Jun/Jul 2011. Disponível em:
<http://gestaoescolar.abril.com.br/formacao/francisco-imbernon-fala-caminhos-me-
lhorar-formacao-continuada-professores-636803.shtml?page=1>. Acesso em: 13 abr.
2015.
PIMENTA, S. G.; LIMA, M. S. L. Estágio e docência: diferentes concepções. Revista
Poíesis. V. 3, n. 3 e 4, p. 5-24, 2005/2006.
50
Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
1
Pedagoga (UFSM), Especialista em Gestão Educacional (PPGE/UFSM), Mestre em Educação
(PPGE/UFSM), Doutoranda em Educação (PPGE/UFSM). Professora de Educação Infantil
na Unidade de Educação Infantil Ipê Amarelo (UEIIA/UFSM). E-mail:
julianagoelzer@yahoo.com.br.
2
Licenciado em Estudos Sociais (UNIFRA), Especialista em História do Brasil (UFSM), Mestre
em Educação (PPGE/UFSM). Professor da Educação Básica da Rede Pública Estadual e
Municipal de Ensino de Santa Maria na Educação de Jovens e Adultos. E-mail:
renato_geo@yahoo.com.br.
3
Pedagoga (UFSM), Especialista em Gestão Educacional (PPGE/UFSM), Mestranda em
Educação (PPGE/UFSM). E-mail: caroline.silva83@yahoo.com.br.
51
GOELZER, J.; OLIVEIRA, L. R. de; SANTOS, C. da S. dos • Sobre escutar crianças, adolescentes, ...
4
Grupo de Estudos e Pesquisa Dialogus: Educação, Formação e Humanização com Paulo Freire,
coordenado pelo Prof. Dr. Celso Ilgo Henz. O grupo desenvolve muitos projetos de pesquisa e
extensão em escolas de Educação Básica de Santa Maria/RS e região, utilizando como
metodologia principal o diálogo problematizador e reflexivo, proposto por Paulo Freire (2011).
52
Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
53
GOELZER, J.; OLIVEIRA, L. R. de; SANTOS, C. da S. dos • Sobre escutar crianças, adolescentes, ...
54
Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
tar, mas é escutando que aprendemos a falar com eles. Somente quem escuta
paciente e criticamente o outro, fala com ele, mesmo que, em certas condi-
ções, precise falar a ele. O que jamais faz quem aprende a escutar para poder
falar com é falar impositivamente. [...] O educador que escuta aprende a difí-
cil lição de transformar o seu discurso, às vezes necessário, ao aluno, em
uma fala com ele (FREIRE, 2005, p. 113, grifos dos autores).
55
GOELZER, J.; OLIVEIRA, L. R. de; SANTOS, C. da S. dos • Sobre escutar crianças, adolescentes, ...
56
Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
5
Dados construídos pelo nosso grupo de pesquisa, principalmente no decorrer de formações
continuadas que realizamos com os colegas professores e professoras de Educação Básica, ao
longo dos últimos anos.
57
GOELZER, J.; OLIVEIRA, L. R. de; SANTOS, C. da S. dos • Sobre escutar crianças, adolescentes, ...
vista esse contexto – torna-se ainda mais gritante quando, em outros escritos
(ARROYO, 2004), o mesmo autor nos lembra que grande parte desses sujeitos
vivem sem perspectivas, muitas vezes nas ruas, sem família, sem amigos. A
realidade deles muitas vezes é tão desumanizante que esperam encontrar, na
escola, apenas um espaço onde sejam acolhidos, reconhecidos. Por isso, a edu-
cação não pode mais limitar-se à mera transmissão de conteúdos; não pode
ignorar essas tantas crianças e esses tantos adolescentes, jovens e adultos que
vivem sem perspectivas. Nesse caso, mais ainda, a escuta do educador e dos
outros que também são parte desse processo é justamente o que lhes abre pers-
pectivas e esperanças de humanização.
Educação, na lógica da formação humana, é ter direito ao conhecimen-
to, ao saber, à cultura e seus significados, à identidade, ao desenvolvimento
pleno como seres humanos que somos (ibid, p. 53). A partir dessa compreen-
são, a ideia de educação conteudista, em que o sujeito recebe uma carga de
informações e não as processa, não as contextualiza, se quebra, e a escola
passa a trilhar novos caminhos, em que os sujeitos se respeitam entre si e com
os outros, passando a reconstruir sua história e a estarem no mundo (FREIRE,
2011), agindo sobre ele.
De acordo com Henz:
Entretanto, muitas de nossas escolas foram “esvaziadas” da genteidade
dos(as) educandos(as); todos parecem estar ali somente em função da “trans-
missão dos conhecimentos científicos”; esquecendo que a escola é um lugar
de gente (Freire). Lembremos: não nascemos “homens” e ou “mulheres”;
precisamos aprender a ser gente. Então, educar é humanizar: é ensinar-apren-
der a genteidade. Mais do que pelas teorias e conceitos; aprendemos a hu-
manização convivendo, dialogando, cooperando, envolvendo-nos em pro-
cessos de ensino-aprendizagem em que cada um(a) – educando(a) e
educador(a) – possa dizer a sua palavra na inteireza de seu corpo consciente
(HENZ, 2007, p. 161).
58
Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
Com isso, o autor nos diz que os processos de formação inicial e conti-
nuada de professores devem, sim, minimamente alertar para as diferentes rea-
lidades as quais as crianças, os adolescentes, os jovens e os adultos de nossa
sociedade estão submetidos, alertando ainda para a impossibilidade de uma
prática humanizadora, que permita o ser mais do educando, caso estas realida-
des não sejam reconhecidas.
Nesse sentido, pensamos em uma escola flexível, dinâmica e adaptada
às diversas situações vivenciadas pelos educandos. Por isso, o encontro com o
outro e a convivência com a diversidade são de extrema importância, pois é
dessa forma que ampliamos nossas relações e compreendemos a nós mesmos
e aos outros. Desse modo, partimos do pressuposto de que uma ação dialoga-
da, construída e refletida coletivamente no cotidiano da escola, entre todos os
sujeitos envolvidos no processo educativo, estimula o gosto por aprender cada
vez mais.
Sabemos da necessidade de (re)pensar constantemente a forma de tra-
balho na escola, refletindo de forma coletiva. Somente assim podemos rever o
lugar que é dado aos educandos no planejamento, onde o educador age com
sensibilidade, tendo olhar especial aos saberes que os educandos trazem consi-
go, e acompanhando-os no (re)conhecimento crítico do contexto mais amplo
do qual todos somos parte.
As pessoas é que são o centro da escola, protagonistas da ação educati-
va que nela é desenvolvida. Acreditamos que cada um está na escola para nela
continuar a ensinar-aprender a ser mais gente. Sendo assim, como educadores e
educadoras que somos, devemos “trabalhar” como primeira grande lição a
nossa genteidade (HENZ, 2003), o nosso modo de sentir/pensar/agir como
homens e mulheres; nossas práxis educativas precisam ser mais humanizado-
ras. Para isso, não podemos temer revelar o humano como educador, gostando
de ser gente (HENZ, 2003), sabendo-se condicionado, mas não determinado,
59
GOELZER, J.; OLIVEIRA, L. R. de; SANTOS, C. da S. dos • Sobre escutar crianças, adolescentes, ...
tomando nas mãos a vida e a história – e dentro dela a práxis educativa – como
possibilidade de novas (re)construções em nós mesmos e na realidade, sempre
com os outros.
60
Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
Referências
ARROYO, Miguel G. Ofício de Mestre: imagens e auto-imagens. 7. ed. Petrópolis:
Vozes, 2004.
BEE, H. O ciclo Vital. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
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criança: a abordagem de Reggio Emilia na educação da primeira infância. Tradução
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FREIRE, Paulo. Professora Sim, Tia Não. Cartas a quem ousa ensinar. 11. ed. São
Paulo: Olho d’Água, 2002.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 50. ed. Coleção O mundo, hoje, v. 21. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 2011.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa.
São Paulo: Paz e Terra, 2005.
FREIRE, Paulo. Educação como Prática da Liberdade. 32. ed. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 2009.
FREIRE, Paulo. Criando métodos de pesquisa alternativa: aprendendo a fazê-la me-
lhor através da ação. In: BRANDÃO, C. R. (Org.). Pesquisa Participante. São Paulo:
Brasiliense, 2006.
FREIRE, Paulo; SHOR, Ira. Medo e Ousadia: o cotidiano do professor. Tradução:
Adriana Lopez. 11. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.
FREITAS, Ana Lúcia Souza de. Leituras de Paulo Freire: uma trilogia de referência,
v. 1. Passo Fundo: Méritos, 2014.
HENZ, Celso Ilgo. Razão-emoção crítico-reflexiva: um desafio permanente na capa-
citação de professores. 2003. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal
do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2003.
HENZ, Celso Ilgo. Na escola também se aprende a ser gente. In: HENZ, Celso Ilgo;
ROSSATO, Ricardo (Orgs.). Educação humanizadora na sociedade globalizada. Santa
Maria: Biblos, 2007.
MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio da Pesquisa Social. In: MINAYO, Maria
Cecília de Souza (Org.). Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. 31. ed. Petró-
polis: Vozes, 2012.
RINALDI, Carla. Diálogos com Reggio Emilia: escutar, investigar e aprender. Tradu-
ção: Vania Cury. São Paulo: Paz e Terra, 2012.
61
POR UMA PEDAGOGIA SOCIOEDUCATIVA:
a construção de processos humanizadores
e auto(trans)formativos
PARIGI, Camila da Rosa1
RIBEIRO, Eliziane Tainá Lunardi2
COUTO, Gislaine Rodrigues3
Considerações iniciais
Estão em voga, em cenário nacional, discussões acerca da redução da
maioridade penal a partir da proposta de emenda constitucional que deslegiti-
ma a inimputabilidade do adolescente com idade superior a dezesseis anos.
Em contrapartida, estudos e discussões de grupos da sociedade civil nos con-
textos acadêmicos apresentam divergências e ponderações críticas em relação
à implementação da proposta citada. Os argumentos desses grupos são funda-
mentados por meio de escutas e olhares voltados à compreensão dos desafios,
caminhos e histórias de vida dos adolescentes e jovens que estão envolvidos
com a criminalidade. Nesse sentido, destaca-se que pouca ou nenhuma ênfase
é dada ao conjunto de situações que os adolescentes passaram/passam ao lon-
go de sua infância e adolescência até chegar ao crime, muito menos às diversas
situações de violência que podem influenciar negativamente as escolhas.
Um estudo realizado nos Estados Unidos com crianças e adolescentes
que moram em zonas urbanas pobres, afirma que estas crianças e estes adoles-
centes “com problemas de criminalidade estão propensos a uma exposição às
gangues de rua e à violência urbana, aos traficantes de drogas, a moradias com
excesso de habitantes e ao abuso” (BEE, 1997 p. 305). Não se trata de tomar
1
Formada em Pedagogia pela Universidade Federal de Santa Maria. Acadêmica do Curso de
Especialização em Gestão Educacional e Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Edu-
cação da Universidade Federal de Santa Maria-UFSM. E-mail: camilaparigiufsm@gmail.com.
2
Formada em Pedagogia e Educação Especial pela Universidade Federal de Santa Maria. Mestre
pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSM e professora da Rede Estadual do
Rio Grande do Sul. E-mail: elizianetainalr@gmail.com.
3
Formada em Pedagogia pela Universidade Federal de Santa Maria. Acadêmica do Curso de
Especialização em Gestão Educacional e Mestranda do Programa de Pós-Graduação (Mestrado
Profissional) em Políticas Públicas e Gestão Educacional da Universidade Federal de Santa
Maria-UFSM. E-mail: gihcouto@gmail.com.
62
Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
4
Monografia de Conclusão do Curso de Pedagogia da Universidade Federal de Santa Maria,
elaborado pela acadêmica Camila da Rosa Parigi e orientado pelo Professor Dr. Celso Ilgo
Henz e a Professora Mestre Eliziane Tainá Lunardi Ribeiro.
5
Expressão usada com base na música “Geni e o Zepelim” de Chico Buarque de Holanda.
Disponível em: <http://letras.mus.br/chico-buarque/77259/>.
63
PARIGI, C. da R.; RIBEIRO, E. T. L.; COUTO, G. R. • Por uma pedagogia socioeducativa
64
Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
65
PARIGI, C. da R.; RIBEIRO, E. T. L.; COUTO, G. R. • Por uma pedagogia socioeducativa
SIL,1990) trata-se das medidas que, após a verificação dos atos infracionais,
poderão aplicar-se aos adolescentes, de acordo com as capacidades para cum-
pri-las e as circunstâncias e gravidade da infração. As autoridades previstas
são incumbidas de encaminhá-las aos pais ou responsáveis, bem como de rea-
lizar encaminhamentos de orientação e acompanhamentos, tratamento médi-
co, psicológico ou psiquiátrico, matricula e frequência nas redes de ensino.
Após as mudanças legais, no ano de 2002, cria-se, na cidade de Porto
Alegre no estado do Rio Grande do Sul, através do decreto 41.664, a Funda-
ção de Atendimento Socioeducativo/FASE, bem como o seu Estatuto Social.
Ainda, organizam-se unidades de atendimentos, ou seja, a FASE está sediada
em Porto Alegre/RS e possui mais sete unidades no interior do estado. Nas
demais regiões do estado criam-se os Centros de Atendimento Socioeducati-
vos (CASE), em sete municípios: Santo Ângelo, Santa Maria, Novo Hambur-
go, Pelotas, Caxias do Sul, Uruguaiana e Passo Fundo6. Segundo os dados já
coletados no site da FASE/RS7, os índices de adolescentes privados de liber-
dade ou que cumprem medidas de semiliberdade tiveram um declive desde
1998 até o ano de 2011. Após esse período os números oscilam, apresentando
um crescimento, o que é um fator preocupante na sociedade.
Essa nova perspectiva que surgiu passou a compreender a criança e o
adolescente como sujeitos de direitos, diferentemente das concepções anterio-
res que compreendiam a criança e o adolescente que cometiam atos infracio-
nais como “delinquentes” ou como “vitimados da pobreza”.
Diante das novas chamativas da constituição e dos pressupostos teóri-
cos que fundamentam esse trabalho, pensar nas medidas socioeducativas sem
o horizonte da educação seria uma proposta inviável e falível. A educação
compreendida como um processo de transformação dos sujeitos está intrinse-
camente ligada ao ser humano, ocorre durante toda a sua existência e em to-
dos os aspectos da vida.
Assim, as práticas educativas dentro das instituições socioeducativas
comprometem-se com a transformação dos sujeitos através de fatores sociais,
históricos, psicológicos, culturais e cognitivos. O Sistema Nacional de Aten-
dimento Socioeducativo – SINASE que dispõe de diretrizes pedagógicas
norteadoras do trabalho socioeducativo, afirma que as ações socioeducativas
são imprescindíveis na construção da identidade das crianças e dos adolescen-
tes e ainda auxiliam na elaboração de projeto de vida (BRASIL, 2006).
6
Ainda, extensões regionais responsáveis pelas medidas de semiliberdade, como previstas no
ECA. No município de Santa Maria está situado o CASEMI – Centro de Atendimento
Socioeducativo de Semiliberdade, que atende toda a região central do Estado.
7
Disponível em: <http://www.fase.rs.gov.br/>. Acesso em: 23 ago. 2013.
66
Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
67
PARIGI, C. da R.; RIBEIRO, E. T. L.; COUTO, G. R. • Por uma pedagogia socioeducativa
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Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
69
PARIGI, C. da R.; RIBEIRO, E. T. L.; COUTO, G. R. • Por uma pedagogia socioeducativa
dade, para assim traçar uma luta consciente para transformar as situações que
o fazem estar ali.
Essa práxis não deve ser pensada de forma assistencialista ou autoritá-
ria, pois nenhuma se compromete com a humanização dos educandos. Ao
contrário, rouba-lhes outros sonhos, outras possibilidades, e os impede de sen-
tirem-se sujeitos da própria história e da sociedade que os condiciona para
viver e agir de uma determinada forma. A práxis educativa precisa ser constru-
ída dialogicamente com os socioeducandos, a partir de uma pedagogia proble-
matizadora da realidade, em que a escola seja um espaço acolhedor, capaz de
construir vínculos afetivos e confiança, e que multiplique gostos democráti-
cos, como de ouvir, respeitar, tolerar, criticar, questionar, expor, etc. (FREI-
RE, 2011).
(In)Conclusões
Ao concluirmos esta escrita, percebemos que alguns direitos básicos pre-
vistos no artigo 227 na carta constituinte de 1988, como os direitos a vida,
saúde, alimentação, educação, lazer, profissionalização, cultura, dignidade, res-
peito, liberdade e convivência familiar e comunitária são negados a muitas
crianças e muitos adolescentes, por vezes, negligenciados, discriminados e ex-
plorados através do trabalho infantil ou exploração sexual.
Frente a esses fatores, inferimos que as instituições socioeducativas pre-
cisam comprometer-se em, através de ações acolhedoras e educativas, promo-
ver a inclusão e a participação dos adolescentes na sociedade, de maneira res-
ponsável e consciente. Nesse sentido, não podemos exercer práticas educati-
vas autoritárias e verticais, em que a voz dos sujeitos seja negada. Trata-se de
um processo em que são construídos diálogos e reflexões sobre as diversas
situações dos estudantes, bem como de um processo de ensino-aprendizagem
emancipador que torne possível aos internados, ao saírem, retornar à escola e
encontrar novas formas de viver.
Essa necessidade exige que os educadores propiciem práticas pedagógi-
cas democráticas, em que todos participem da tomada de decisão diante das
diversidades e desafios enfrentados dentro da instituição, para que aprendam
a superar as injustiças sociais que vivem diariamente. A cidadania e a humani-
zação dentro das instituições socioeducativas desafiam à valorização das rela-
ções e inter-relações nesse espaço, às experiências e vivências dos estudantes
na perspectiva da emancipação e consciência crítica dos processos históricos,
políticos, econômicos e tecnológicos da sociedade.
Arroyo (2012) nos orienta que é preciso que os educadores auxiliem os
educandos também a humanizar os espaços nos quais vivem, porém não de
forma fatalista, mas, sim, oportunizando uma pedagogia em que “se enten-
70
Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
dam e entendam as relações sociais em que é produzido seu mau viver” (AR-
ROYO, 2012, p. 81). Somente no momento em que o adolescente compreen-
der essas relações é que poderá traçar novas ações para sua vida; assim não lhe
faltarão possibilidades e perspectivas após o cumprimento da medida socioe-
ducativa.
Compreendemos que não se trata de algo simples, ainda mais por ser
um espaço onde o sujeito praticamente não tem contato com a realidade exter-
na da sociedade, e por estar privado de liberdade, condição indispensável para
aprender e vivenciar a autonomia, o comprometimento e a responsabilidade,
bem como sonhar e buscar novas possibilidades.
Por fim, destacamos que a superação da visão da infância e da adoles-
cência como “coitadinhos” ao sofrerem abusos, ou como “perigosos” ao reali-
zarem infrações, é necessária. Muito já foi realizado do ponto de vista teórico,
mas é necessário ainda enxergá-los e tratá-los como seres humanos em dife-
rentes e complexas trajetórias. Como “gente” que está se constituindo e apren-
dendo a ser a gente (HENZ, 2007), a partir das suas relações com os outros e
com a realidade que os circunda.
Referências
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emancipadora e libertadora. Diálogos Latino Americanos, v. 12, nov. 2007. Disponí-
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educação; a experiência do Programa de Prestação de Serviços À Comunidade da Uni-
versidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2006.
71
PARIGI, C. da R.; RIBEIRO, E. T. L.; COUTO, G. R. • Por uma pedagogia socioeducativa
72
Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
CÍRCULOS DIALÓGICOS
INVESTIGATIVO-FORMATIVOS:
uma proposta epistemológico-política
de pesquisa
HENZ, Celso Ilgo1
FREITAS, Larissa Martins2
Palavras iniciais
A ciência vem se (re)construindo gradativamente, porque carrega consi-
go as marcas de um tempo histórico que reflete os valores socioculturais de
cada época, atribuindo ao seu fazer representações e ideias do momento (GHE-
DIN; FRANCO, 2011, p. 55). Isso exige dos pesquisadores um novo olhar que
valorize as necessidades humanas, principalmente na educação que carece de
(re)definições, a fim de que realmente a ciência possa contribuir significativa-
mente com as pessoas que estão nesse meio e com a sociedade. Se não for
dessa forma, as pessoas passam a não ver sentido em participar das pesquisas,
por acreditarem que elas não contribuem em nada com a melhoria da sua
condição de educador e, consequentemente, a ciência perde sua razão de ser.
Caminhando nessa direção, entendemos que fazer ciência, hoje, “[...] é
descobrir, desvelar verdades em torno do mundo, [...] das coisas que repousa-
vam a espera do desnudamento. É dar sentido objetivo a algo que novas neces-
sidades emergentes da prática social colocam” (FREIRE, 2013, p. 105). Pes-
quisamos para compreender a realidade a qual vislumbramos conhecer, bem
como para alargar o entendimento da própria complexidade humana, visto
que o homem é um ser que faz história e, portanto, que age sobre o mundo e
produz conhecimento. E, sob esse entendimento, Ghedin & Franco (2011, p.
1
Doutor em Educação (UFRGS, 2003). Professor Associado 2 da UFSM. Professor da LP1:
Formação, Saberes e Desenvolvimento Profissional, do PPGE/UFSM. Coordenador do Grupo
de Estudos “DIALOGUS: educação, formação e humanização com Paulo Freire”. E-mail:
celsoufsm@gmail.com.
2
Mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Maria. Professora de Educação Básica
– Coordenadora Pedagógica na Escola Estadual de Ensino Médio Professora Maria Rocha. Gra-
duada em Letras-Português (UNIFRA). Participante do Grupo de Pesquisa Dialogus: educação,
formação e humanização com Paulo Freire (UFSM). E-mail: lari.mfreitas@yahoo.com.br.
73
HENZ, C. I.; FREITAS, L. M. • Círculos dialógicos investigativo-formativos
3
Segundo a proposta freireana, o ser humano está em permanente procura, aventurando-se
curiosamente no conhecimento de si mesmo e do mundo, além de lutar pela afirmação/conquista
de sua liberdade (ZITKOSKI, 2010, p. 369).
4
Expressão utilizada por Fiori (2011).
74
Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
5
Constituem-se como um espaço dinâmico de aprendizagem e troca de conhecimento. Nesse
espaço os sujeitos da Educação de Jovens e Adultos reuniam-se para discutir uma situação-
problema, representativa de situações reais. Os diálogos nos Círculos de Cultura buscam levar
à reflexão acerca da própria realidade, para, na sequência, decodificá-la (VASCONCELOS,
2006, p. 53).
6
Vista aqui a partir da concepção de seguir Paulo Freire, sem repeti-lo ou tomá-lo como um
“guru” ou um mito. Dito de outra forma, reinvenção é inerente aos múltiplos caminhos do
legado de Paulo Freire (SCOCUGLIA, 2010, p. 357).
7
É importante destacar aqui que Paulo Freire incomodava-se “quando lhe atribuíam a autoria
de um método de alfabetização. Ele dizia que tinha criado uma metodologia que mais se
aproximava com um método de conhecer do que de ensinar” (FEITOSA, 2008, p. 74).
75
HENZ, C. I.; FREITAS, L. M. • Círculos dialógicos investigativo-formativos
assim, [...] se fazem críticos na busca de algo. Instala-se então uma relação
de simpatia entre ambos. Só aí há comunicação (FREIRE, 2014, p. 141).
Sendo assim, a comunicação se estabelece a partir da palavra como for-
ma de dizer e fazer o mundo, ou seja, a palavra verdadeira torna-se práxis
social comprometida com o processo de humanização, no qual ação e reflexão
constituem-se de modo dialético. Sob esse prisma, podemos afirmar que “o
diálogo possui uma força transformadora. Onde um diálogo é bem-sucedi-
do, algo nos ficou e algo fica em nós que nos transformou” (HERMANN,
2002, p. 91). Essa dialeticidade se efetiva nos Círculos Dialógicos Investigati-
vo-formativos, a fim de que homens e mulheres percebam-se como sujeitos no
mundo, imersos em uma realidade sócio-histórico e cultural, e capazes, então,
de transformá-la.
Nessa dimensão, acreditamos que cada sujeito envolvido na pesquisa
ocupa um papel único e singular e, por isso, têm a possibilidade de dizer a sua
palavra compartilhando saberes em um processo de construção colaborativa e
auto(trans)formativa do conhecimento e de reflexão sobre a própria prática
educativa, pois “somente um trabalho coletivamente realizado pode chegar à
construção de um saber” (JOSSO, 2010, p. 27). Sobre isso, Freire (1997, p. 35)
corrobora enfatizando que não podemos
conhecer a realidade de que participam a não ser com eles, como sujeitos
também deste conhecimento que, sendo, para eles, um conhecimento do co-
nhecimento anterior (o que se dá ao nível da sua experiência quotidiana) se
torna um novo conhecimento. [...] Na perspectiva libertadora [...] a pesqui-
sa, como ato do conhecimento, tem como sujeitos cognoscentes, de um lado,
os pesquisadores profissionais; de outro, os grupos populares e, como objeto
a ser desvelado, a realidade concreta.
8
O termo coautor foi denominado pelos autores, pois o entendimento do mesmo é que não
existe um autor único, todos os sujeitos envolvidos também participam dialogicamente e, por
isso, é impossível determinar um sujeito como o principal.
76
Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
77
HENZ, C. I.; FREITAS, L. M. • Círculos dialógicos investigativo-formativos
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Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
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HENZ, C. I.; FREITAS, L. M. • Círculos dialógicos investigativo-formativos
9
Na concepção freireana, a conscientização é tomar posse da realidade, primeiramente afastando-
se dela para perceber a radicalização utópica que a informa; depois para desmitologizá-la, ou
seja, para conhecer os mitos que enganam e que ajudam a reforçar a estrutura da realidade
dominante (FREIRE, 2001, p. 33).
80
Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
(In)conclusões
Com base no exposto, percebemos que os Círculos Dialógicos Investi-
gativo-formativos configuraram-se em espaços e dispositivos de estudos em
que pesquisadores e sujeitos interlocutores têm a possibilidade de dialogar
abertamente. Ao longo dos encontros com educadores e acadêmicos, observa-
mos o quanto os momentos e movimentos de diálogo são indispensáveis para
que se possa problematizar o cotidiano da escola, bem como a realidade de
cada um dos interlocutores, para que aconteçam efetivas auto(trans)formações
nas suas concepções e ações e, consequentemente, no contexto em que atuam.
Nesses movimentos dialógicos e intersubjetivos cada um passa a refletir
com mais criticidade sobre suas práticas, afastando-se da sua própria realida-
de, olhando-a de longe para então questioná-la, como afirmou o grande edu-
cador Paulo Freire. Durante os encontros cada um vai tomando consciência
do seu próprio fazer pedagógico, em um processo permanente de reflexão,
(des)construindo práticas e (re)construindo-as, em vistas de uma perspectiva
humanizadora comprometida com a conscientização e a libertação de todos.
A metodologia dos Círculos Dialógicos Investigativo-formativos, cria-
da e utilizada pelo Grupo Dialogus em suas atividades de encontros, em suas
pesquisas e em seus projetos formativos, possibilita a aproximação dialógi-
ca, permitindo voz e vez a cada interlocutor, bem como o repensar das práti-
cas do grupo e de formação permanente. Acreditamos que essa abordagem
81
HENZ, C. I.; FREITAS, L. M. • Círculos dialógicos investigativo-formativos
Referências
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é método Paulo Freire. São Paulo: Brasiliense,
2013.
FEITOSA, Sônia Couto Souza. Método Paulo Freire: a reinvenção de um legado.
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HERMANN, Nadja. Hermenêutica e educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
JOSSO, Marie-Christine. Experiências de Vida e Formação. São Paulo: Cortez, 2004.
82
Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
83
UM OLHAR DA PEDAGOGIA POPULAR
PARA A SALA DE AULA DA ESCOLA PÚBLICA:
o desafio de mobilizar para o estudo
e as contribuições dos vínculos afetivos e
da gestão escolar como entrelaçamentos
do processo educativo
SIGNOR, Patrícia1
PIGATTO, Carolina Zasso2
KRANN, Rosilei Amaral3
Considerações iniciais
Os inícios de cada ano letivo são marcados por aspirações, desejos de
mudança e muitos desafios que se acentuam ao longo do trabalho pedagógico
nas escolas. Na realidade da escola pública são estudantes vindos das mais
distintas condições econômicas, sociais e culturais que são “enquadrados” em
salas de aulas homogêneas, nas quais serão repassados conteúdos geralmente
iguais aos dos anos anteriores e onde todos “deverão moldar-se” ao estereóti-
po de “aluno ideal” – aquele que estuda, aprende facilmente, tira boas notas e
terá um excelente futuro – a fim de corresponder às expectativas do mercado,
da família, da escola e da estrutura social vigente.
Há, contudo, um embate que não permite que a escola funcione do modo
narrado acima: a realidade. Na injusta sociedade em que a desigualdade se acen-
tua à medida em que confrontamos o poder econômico e as oportunidades de
uns e de outros, a escola configura um dos poucos, senão único, ambientes de
convivência e confronto da luta de classes. Por não avaliar a realidade vivida
por eles, o professor que trabalha com aulas “prontas”, transmitindo conteú-
dos cristalizados e isolados não consegue aproximar-se dos estudantes e tam-
pouco cativá-los para a construção da aprendizagem, ao que Freire chamou
1
Mestranda em Educação, Universidade Federal de Santa Maria. E-mail: p85343@yahoo.com.br.
2
Mestranda em Educação, Universidade Federal de Santa Maria. E-mail: carolzpigatto@hotmail.com.
3
Pedagoga – Licenciatura Plena/UNIDAVI SC, Especialista em Educação Infantil e Séries
Iniciais do Ensino Fundamental/Registro SP. E-mail: rosileikrann@gmail.com.
84
Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
85
SIGNOR, P.; PIGATTO, C. Z.; KRANN, R. A. • Um olhar da pedagogia popular para a sala de aula...
sociedade, a qual pode ser efetivada através, por exemplo, dos colegiados esco-
lares, pois estes auxiliam na tomada de decisão em todas as áreas, procuram
meios para alcançar os objetivos do PPP e devem contar com a colaboração de
todos os envolvidos na escola.
Seu maior significado está na participação dos pais na vida escolar de
seus filhos. Essa é a condição fundamental para que a escola esteja integrada
na comunidade e vice-versa. Freire defende que somente por meio da criação
de estruturas democráticas poderemos romper com a tradição autoritária do
sistema de ensino:
O que quero deixar claro é que um maior nível de participação democrática
dos alunos, dos professores, das professoras, das mães, dos pais da comuni-
dade local, de uma escola que, sendo pública, pretenda ir tornando se popu-
lar, demanda estruturas leves, disponíveis à mudança, descentralizadas, que
viabilizem, com rapidez e eficiência, a ação governamental (FREIRE, 2001,
p. 74-75).
Para entender que a educação é uma perspectiva de mudança, por que
não partir de uma construção histórica de mundo, de sociedade e de homem
mais dialógica e problematizadora, tornando a escola uma possibilidade para
seus educandos “serem-mais” e não com uma simples determinação?
A escola que se propõe a educar(-se) diariamente por esta causa necessi-
ta ter uma prática reflexiva e aberta permanente para ouvir e permitir a partici-
pação dos educandos na construção de estratégias e ações de aprendizagens
transformadoras e ousadas. Assim é importante que as instituições façam acon-
tecer a gestão escolar democrática, como forma de vivenciar um processo de
educação amplo, contextualizado e que permita a participação e a escuta de
seus sujeitos.
A gestão da escola no dia a dia é um ato político, pois não podemos
mais levar adiante as decisões tomadas de forma individualizadas, mas temos
que considerar as opiniões dos novos parceiros do processo educacional: pais,
professores, funcionários e alunos, assumindo um compromisso com a comu-
nidade escolar, deixando-os participar, tomar decisões, isso propiciará à esco-
la uma gestão democrática e participativa, em que a construção não pode ser
individual, pelo contrário, precisa ser coletiva.
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Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
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SIGNOR, P.; PIGATTO, C. Z.; KRANN, R. A. • Um olhar da pedagogia popular para a sala de aula...
4
Para Guerrero (2010, p. 81), na pedagogia da pergunta “os fatores do processo educativo se
conjugam para libertar o sujeito da domesticação, do amestramento intelectual, chamando-o a
assumir uma postura crítica no ato do conhecimento. O sujeito deixa de ser objeto porque já
não é considerado como um recipiente vazio que deve ser preenchido, mas enquanto sujeito –
que possui e que pode recriar conhecimentos – que vai ser desafiado, problematizado no
desenvolvimento do próprio ato educativo, para que chegue ao conhecimento crítico de sua
percepção, de um saber que compreende a prática em que vive.
5
Dicionário Informal. Disponível em: <http://www.dicionarioinformal.com.br/significado/
mobiliza%C3%A7%C3%A3o/2841/>. Acesso em: 21 fev. 2015. BECHARA, Evanildo.
Minidicionário de Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009. MEDEIROS,
L. B. Mobilização. In: ZITKOSKY, Jaime José; REDIN, Euclides; STRECK, Danilo R.
Dicionário Paulo Freire. São Paulo: Autêntica, 2010, p. 269-270.
88
Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
6
Segundo informações do site do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio
Teixeira), o “Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) foi criado em 1998 com o objetivo de
avaliar o desempenho do estudante ao fim da educação básica, buscando contribuir para a
melhoria da qualidade desse nível de escolaridade. A partir de 2009 passou a ser utilizado
também como mecanismo de seleção para o ingresso no ensino superior. (Disponível em: http:/
/portal.inep.gov.br/web/enem/sobre-o-enem).
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SIGNOR, P.; PIGATTO, C. Z.; KRANN, R. A. • Um olhar da pedagogia popular para a sala de aula...
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Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
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SIGNOR, P.; PIGATTO, C. Z.; KRANN, R. A. • Um olhar da pedagogia popular para a sala de aula...
7
Programas denominados “Jovem Aprendiz” e “Aprendiz Legal” são oferecidos por empresas,
cooperativas e indústrias, embasados na Lei 10.097/2000, a Lei da Aprendizagem, com o
objetivo de inserir jovens estudantes no mercado de trabalho, oferecendo cursos de capacitação
e estágios remunerados por tempo determinado.
92
Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
Considerações inacabadas
É possível constatar que, para uma gestão escolar participativa e demo-
crática, é necessária uma reforma principalmente na formação política do ci-
dadão, de docentes, discentes, funcionários e da comunidade, para que perce-
bam que a participação e o conhecimento de cada um são de grande importân-
cia para que se chegue a uma verdadeira e plena gestão democrática. Pois,
sabe-se que a gestão democrática se constrói a cada dia, dando oportunidades
para que todos possam participar priorizando sempre o interesse coletivo.
A escola não pode ignorar a função e a oportunidade de mediar e inter-
ferir na realidade política e social na qual está inserida. O papel social da edu-
cação deve dar conta de tratar os estudantes como sujeitos sociais para o hoje,
para o agora, para a conscientização e o compromisso com a transformação
da situação de opressão atual, a fim de que consiga se aproximar dos educan-
dos e promover com eles o sentido para o estudo, apesar das dificuldades e
empecilhos que os afasta da escola.
A pesquisa mostrou duas facetas da realidade da Educação Básica: a
escola ainda não tem conseguido contribuir para a emancipação dos jovens
cidadãos que frequentam as salas de aula. Doutra parte, ouvir, compartilhar e
prestar atenção neste jovem que trabalha, que vai à escola, que luta diariamen-
te para ser visto como alguém é um passo crucial e fundamental para a trans-
formação da escola.
Constata-se que a pedagogia popular de Freire, segue sendo reinventada
como uma possibilidade pedagógico-política para a emancipação e a autono-
mia epistemológica e social para a escola e para seus sujeitos, partindo das
premissas do diálogo, do respeito, da solidariedade e da escuta sensível e aten-
ta. Educar a partir do olhar de Freire é reconhecer no outro a possibilidade e a
capacidade de reconstrução de si mesmo e da reflexão sobre as ações nas prá-
ticas educativas. Contribuindo com o amadurecimento e a emancipação do
outro, também é possível o educador (re)descobrir-se reflexivo e em processo
de emancipação. Afinal, ninguém se liberta sozinho, os homens se libertam
em comunhão, mediatizados pelo mundo (FREIRE, 2013).
93
SIGNOR, P.; PIGATTO, C. Z.; KRANN, R. A. • Um olhar da pedagogia popular para a sala de aula...
Referências
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gos iniciais com a proposta freireana. In: TAVARES SANTOS, Jean Mac Cole (Org.).
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CIEL, L. S. B. (Orgs.). Reflexões sobre a formação de professores. Campinas: Papi-
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GUERRERO, Miguel Escobar. Sonhos e utopias: ler Freire a partir da prática. Brasí-
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PICHON-RIVIÈRE, Enrique. Teoria do Vínculo. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes,
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manização. Fortaleza: Edições UFC, 2011, p. 221-237.
WALLON, Henri. Psicologia e Educação da Infância. Lisboa: ESTAMPA, 1975.
94
Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
1
Especialista em Gestão Educacional pela UFSM, Mestre do Programa de Pós-Graduação em
Educação (PPGE) pela Universidade Federal de Santa Maria. E-mail: samu_robaert@yahoo.com.br.
2
Química Licenciatura e Industrial; Especialista em Educação Ambiental, Especialista em Gestão
Educacional; Mestranda do Programa de Educação em Ciências pela Universidade Federal de
Santa Maria. E-mail: marinesmvf@hotmail.com.
95
ROBAERT, S.; FERREIRA, M. V. • Democracia, alegria e esperança
96
Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
97
ROBAERT, S.; FERREIRA, M. V. • Democracia, alegria e esperança
3
Caria analisa o conceito de cotidianidade. Para este autor, a cotidianidade consiste no “solo a
ser pisado”, “visto que posiciona seus atores quanto à realidade que o cerca e estabelece níveis
de superação dessa realidade a partir de metas concretas e possíveis (CARIA, 2010, p. 100).
4
Freire se refere à sua própria formação, que se constitui em um processo de (auto)formação ou,
como nos propõe Henz (2012), um processo de auto(trans)formação de si mesmos (as), que
“implica consciência, intencionalidade e responsabilidade no sentir/pensar/agir,
intersubjetivamente, de cada um (a)” (HENZ, 2012, p. 6).
98
Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
99
ROBAERT, S.; FERREIRA, M. V. • Democracia, alegria e esperança
100
Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
101
ROBAERT, S.; FERREIRA, M. V. • Democracia, alegria e esperança
uma forma geral, que nem sempre as ações de formação permanente conse-
guem realizar o que se propõem, relatando a falta de sequência em alguma
atividades. Tendo em vista esse entendimento dos professores da escola B,
buscamos aprofundar esta problemática, questionando-os sobre como a for-
mação permanente dos professores contemplaria a realidade da escola e as
dificuldades sentidas pelos professores no seu cotidiano, e também se as ações
de formação dariam suporte às dificuldades enfrentadas pelos professores no
seu exercício profissional.
O professor B4 argumentou que a formação permanente, da forma em
que está estruturada e organizada, não contribui significativamente e repercu-
te muito pouco no trabalho dos professores: “Praticamente em nada. Isso foi
uma reivindicação que eu fiz, […] Que se faça uma formação conforme a nos-
sa realidade, porque esse ano teve muito conteúdo que, […]. Não teve nada a
ver e não veio a contribuir com nada.” (PROFESSOR B4).
Acerca do seu envolvimento com o planejamento das ações de forma-
ção permanente, foi feito o seguinte questionamento: “Alguma vez vocês já
tiveram a oportunidade de planejar a formação de vocês? […] Vocês se sentem
participantes desse planejamento?”. Os professores B1 e B3 prontamente con-
cordaram que não haveria esta participação dos professores no planejamento
da formação permanente dos mesmos: “Eu não!” (PROFESSOR B1); “Eu
também não!” (PROFESSOR B3).
O Professor B1 comentou que nunca teve esta experiência em nenhuma
escola. “Eu acho que nunca foi, não aqui na escola, a própria rede eu acho, a
Secretaria eu acho que nunca, nesses dois anos que eu estou aqui, nunca per-
guntaram, sei lá, qual é o tema que eu gostaria de estudar e especializar mais”
(PROFESSOR B1). O professor reclama que as ações de formação sempre
vêm prontas, sem a possibilidade do envolvimento ativo dos professores no
seu planejamento, caracterizando um papel apenas executor a estas políticas
públicas de formação permanente: “Eu acho que sempre veio pra nós a forma-
ção que é baseada nesse título, nesse tema, você vai desenvolver essas ações e
fica nisso” (PROFESSOR B1).
O professor B1 entende também que se trata de uma reinvindicação dos
professores, e motivo de reclamações e queixas: “A grande reclamação dos
professores é essa” (PROFESSOR B1), pois estes gostariam “que viesse uma
formação a somar pra nós e não fazer uma formação por fazer. Eu acho que
ninguém gosta disso. E a formação é isso.” (PROFESSOR B1). Para o profes-
sor, muitas vezes os professores precisam ser obrigados a participar destas ações
de formação, mas percebe que os problemas não estão relacionados necessaria-
mente aos horários, ou carga horária disponibilizada pela SMEC para as for-
mações, mas, sim, ao “jeito como às vezes são colocadas as coisas para nós,
102
Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
Considerações (não)finais
Considerando os dados prévios da pesquisa e o nosso referencial teóri-
co, podemos fazer algumas considerações parciais. Uma delas, percebida nas
falas dos professores, que seguidamente professores são chamados pelos Siste-
mas de Ensino a participar de programas de formação continuada, frequente-
mente marcados por “revisões de conteúdos” ou mudanças em grades e com-
ponentes curriculares. Percebemos também que este tipo de olhar sobre a for-
mação permanente dos professores não produz a mudança esperada e, muitas
vezes, é rejeitada pelos professores, como pode ser percebido nas falas dos
professores sujeitos desta pesquisa. Diversos autores têm criticado esta práti-
ca, que nega a autoria aos professores e os considera como simples executores
da inovação planejada em gabinetes. Freire (1997) mesmo já se referia aos
“pacotes”, planejados por “sabichões e sabichonas”, técnicos até bem-inten-
cionados, mas que demonstram absoluta descrença na possibilidade que têm
as professoras de saber e criar (FREIRE, 1997, p. 12). Da mesma forma, temos
que considerar que o aluno aprende quando o professor aprende, o aluno en-
103
ROBAERT, S.; FERREIRA, M. V. • Democracia, alegria e esperança
xerga até onde o professor enxergar. Por isso, o professor não pode ser o limite
aos sonhos dos alunos.
Com vistas a superar esta forma de pensar sobre os professores, Imber-
nón (2011) nos alerta para a necessidade de que os professores recuperem o
controle sobre o seu processo de trabalho, e, como intelectuais, estabeleçam a
sua própria (auto)formação, que se dá no processo de trabalho. A persistência
da visão mecanicista da história e o predomínio da racionalidade técnica ins-
trumental produz a perda de um espaço privilegiado para o desenvolvimento
profissional docente e da instituição educativa de forma articulada aos interes-
ses dos sujeitos históricos que empreendem o PPP e fazem a cotidianidade do
espaço escolar. Perdemos, também, a oportunidade de que os professores, jun-
tamente com a comunidade escolar, reflitam sobre o seu cotidiano, acabando
por mergulhar a escola em um cotidiano irrefletido, burocratizado, hierarqui-
zado, bem dentro do que propõe o paradigma técnico-científico, que não per-
mite experiências exitosas e mesmo contraditórias de liberdade se manifesta-
rem.
Referências
ARROYO. M. G. Ofício de mestre: imagens e autoimagens. Petrópolis: Vozes, 2013.
CARIA, A. de S. Projeto Político-Pedagógico: em busca de novos sentidos. São Pau-
lo: Instituto Paulo Freire, 2011.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São
Paulo: Paz e Terra, 1996.
______. Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. São Paulo: Olho d’Água,
1997.
______. Pedagogia da Indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo:
UNESP, 2000.
______. À sombra desta mangueira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013a.
______. Cartas a Cristina: reflexões sobre minha vida e minha práxis. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 2013b.
______. Pedagogia da Tolerância. São Paulo: Paz e Terra, 2014.
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GADOTTI, M. Reiventando Paulo Freire no século 21. In: TORRES, C. A. et al.
(Orgs.). Reinventando Paulo Freire no século 21. São Paulo: Instituto Paulo Freire,
Série Unifreire, 2008, p. 89-107.
HENZ, C. I. Educação e Culturas: (des)encontros entre o “eu” e o “outro”. In: AN-
DREOLA, B; HENZ, C. I.; GHIGGI, G. Diálogos com Paulo Freire: ensaios sobre
educação, cultura e sociedade. Pelotas: UFPel, 2012, p. 64-79.
104
Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
105
UMA ESCOLA ALEGRE E
COMPROMETIDA COM AS APRENDIZAGENS
DAS CLASSES POPULARES:
EJA e o ensino de Química à luz
dos ensinamentos de Paulo Freire
CALDERAN, Arlete Pierina1
RAMOS, Maria Rosângela Silveira2
Considerações iniciais
Vivenciamos um sistema educacional em busca de respostas, de melho-
rias e de novas metodologias, as quais venham qualificar e dar real significado
às ações pedagógico-educativas. Os esforços para a efetivação de uma apren-
dizagem significativa na escola devem ir além da simples transmissão de co-
nhecimentos. É papel da escola proporcionar aos educandos, desde o início da
escolarização, uma forma de ensino que seja compatível com suas necessida-
des, para que possam posicionar-se de forma consciente e mais crítica, e inter-
vir na vida em sociedade. À medida que esse sujeito vai se tornando conhece-
dor dos diversos fatores que influenciam o meio em que vive e está inserido,
poderá ser agente ativo e motivado a buscar formas de colaborar com a evolu-
ção da coletividade. O ato de educar é socializar hábitos e atitudes entre
pessoas, por meio de ações construídas coletivamente e de forma intencional,
em que o diálogo entre educador e educando contribui para que as situações
de aprendizagem possam acontecer.
Nesse sentido, o presente texto tem como objetivo a reflexão sobre o
ambiente escolar voltada para as questões de situações de aprendizagens nas
escolas públicas, o processo formativo, a questão dialógica, as interações, as
mediações, bem como apresenta um exemplo de ação pedagógica inserida em
1
Professora de Química da Escola Estadual de Educação Básica. Mestranda do Programa de
Pós-Graduação em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde/UFSM. Especialista em
Educação Profissional integrada à Educação Básica na Modalidade EJA. Especialista em
Educação Ambiental. E-mail: arletepcalderan@hotmail.com.
2
Professora no Ensino Básico Técnico e Tecnológico do Instituto Federal Farroupilha. Doutoranda
em Educação pela UFSM. Orientador Prof. Dr. Celso Henz. E-mail: mrosangelasr@gmail.com.
106
Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
Reflexões...
Pensar sobre a escola hoje é um ato abrangente. Podemos ponderar so-
bre sua constituição física, sobre os sujeitos envolvidos, suas situações de apren-
dizagem, sobre a práxis pedagógica, a questão salarial, sobre a educação ban-
cária, tecnicista ou libertadora, sobre as políticas educacionais, entre outros
fatores que envolvem o que chamaremos de esfera escolar. Aqui nos limitaremos
a pensar/atentar aos seguintes pontos em torno do ambiente escolar: as situa-
ções de aprendizagem; o diálogo e as mediações; a questão formativa e os
meios tecnológicos.
Para Paulo Freire (1996), ensinar exige rigorosidade metódica, pesqui-
sa, respeito aos saberes dos educandos, criticidade, estética e ética, corporifi-
cação das palavras pelo exemplo, risco, aceitação do novo e rejeição a qual-
quer forma de discriminação, reflexão crítica sobre a prática, reconhecimento
e assunção da identidade cultural, consciência do inacabamento, bom-senso,
humildade, tolerância, luta pelos direitos dos educadores, alegria, esperança,
curiosidade, segurança, competência profissional, generosidade, comprometi-
mento, forma de intervenção no mundo, liberdade e autoridade, saber escutar,
dialogar (disponibilidade para ouvir), querer bem aos educandos.
Neste contexto, em que percebemos a grandiosidade de um trabalho
pedagógico sério e coerente às buscas dos educandos, é premente pensarmos
sobre o ato de educar com seriedade e alegria.
As trocas de informações e as relações estabelecidas e mediadas pelos
indivíduos estão sendo aproximadas do contexto sócio-histórico no qual os
sujeitos estão inseridos? Será que conseguimos aproximar a alegria e o educar
pela seriedade em nossas escolas? É nesse sentido que se justifica a importân-
3
Usaremos EEEB para nos referirmos à Escola na qual foi realizada a atividade com os alunos
da EJA na disciplina de Química.
107
CALDERAN, A. P.; RAMOS, M. R. S. • Uma escola alegre e comprometida com as aprendizagens...
cia de refletirmos sobre a prática escolar, sobre o papel da escola e o seu com-
prometimento social como unidade formadora de sujeitos.
Para responder, argumentar e refletir sobre essas questões, Freire (1987,
1992, 1996, 2014), Vygotski (2010) e a interlocução de outros sujeitos que se
apropriam desses referenciais na sua prática educativa, como Henz (2003) e
Bolzan (2009), são referenciais que certamente deram e continuam dando su-
porte a essas questões, bem como as vivências pedagógicas escolares dos sujei-
tos envolvidos na construção desta reflexão têm a intenção de somar e dividir
experiências.
A escola...
Quando a criança chega pela primeira vez no ambiente escolar, vem car-
regada de emoções, sentimentos, alegrias, desejos, inseguranças, de influências
cotidianas estabelecidas entre os demais sujeitos de sua convivência. Portanto,
não é um ser sem nenhuma referência ou, até mesmo, sem conhecimento.
Dessa maneira, a escola deve se identificar como um espaço de cultura,
de formação, de produção de saberes, de construção e reconstrução de conhe-
cimentos, em que os sujeitos estão sempre se renovando. Deve ser uma escola
que desempenhe a função de mediadora, partilhe com seus alunos os conheci-
mentos prévios, procurando despertar a curiosidade para os novos conheci-
mentos, a criatividade, o senso crítico e desafiando para construir novos co-
nhecimentos, e na qual o diálogo seja o ponto central, o eixo norteador das
ações que envolvem o processo educativo dos sujeitos. Apropriando-nos de
Freire (1987), podemos dizer que todo o ensino deve estar voltado para
[...] a educação problematizadora, respondendo à essência do ser da cons-
ciência, que é a intencionalidade, nega os comunicados e existência a co-
municação. Identifica-se com o próprio da consciência que é sempre ser
consciência de, não apenas quando se intenciona a objetos, mas também
quando se volta sobre si mesma (FREIRE,1987, p. 39).
108
Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
O professor e os desafios...
Um ensino libertador, dialógico, contextualizado e interacionista está
intrinsecamente relacionado com a questão formativa do professor. Como um
professor elabora/constrói/propõe ações aos seus educandos, se seu processo
formativo não lhe proporcionou realizar atividades de maneira interativa, li-
bertadora, dialógica? É urgente repensarmos a formação, seja ela inicial, con-
tinuada ou permanente.
A formação inicial é um ponto evidente que surge em todos os encon-
tros, debates e reuniões. Segundo Henz (2014, p. 7), “o diálogo entre profissio-
nais já atuantes nas instituições educativas e acadêmicos em formação nos
cursos de licenciatura, provoca e possibilita maiores discussões nos processos
de auto(trans)formação (inicial e permanente) de professores”. Precisamos rever
as práxis pedagógicas lá no início, na ponta que são nossos cursos de licenciatu-
ra, mas lembrando sempre que a formação é uma constante na vida docente.
Se fizermos uma retrospectiva nas questões formativas dos professores,
no que envolve os cursos de licenciatura, vamos compreender que o ato de
ensinar está diretamente relacionado à sua constituição histórica de formação.
Os professores atuam, agem e pensam de acordo com o que receberam em
suas formações. Se ocorrer um ensino mais reflexivo, os professores serão mais
participativos e inseridos no contexto escolar. Segundo Bolzan (2009, p. 21),
109
CALDERAN, A. P.; RAMOS, M. R. S. • Uma escola alegre e comprometida com as aprendizagens...
110
Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
cos que se fazem presentes nela. Porém, de posse disso, como ser uma escola
contagiante para os alunos? Freire desafia-nos nessa ação da relação pedagógi-
ca sendo acariciada pela afetividade, amorosidade e pelo diálogo, oportunizado
pela educação libertadora. Acreditamos que o exercício da docência só aconte-
ce de forma comprometida quando está associado a esses fatores. Principalmen-
te a amorosidade, a alegria, a esperança e o diálogo constituem-se como elemen-
tos indispensáveis para que isto ocorra no processo educativo e para as intera-
ções necessárias para a troca dos saberes. Freire (1996) nos mostra esta relação:
Há uma relação entre a alegria necessária à atividade educativa e a esperan-
ça. A esperança de professor e alunos juntos podermos aprender, ensinar,
inquietar-nos, produzir e juntos igualmente resistir aos obstáculos à nossa
alegria. Na verdade, do ponto de vista da natureza humana, a esperança não
é algo que a ela se justaponha. A esperança faz parte da natureza humana.
Seria uma contradição se, inacabado e consciente do inacabado, primeiro o
ser humano não se inscrevesse ou não se achasse predisposto a participar de
movimento constante de busca e, segundo, se buscasse sem esperança. [...]
A esperança é um condimento indispensável à experiência histórica. Sem
ela, não haveria História, mas puro determinismo. Só há História onde há
tempo problematizado e não pré-dado. A inexorabilidade do futuro é a ne-
gação da história (FREIRE,1996, p. 43).
É pela esperança, pela alegria, pelo diálogo e pelas inter-relações que os
sujeitos vão se constituindo, estabelecendo trocas, marcando suas histórias. A
amorosidade garante um espaço para o diálogo e para o compartilhamento de
saberes, reforçando um compromisso e um comprometimento na relação en-
sino e aprendizagem, num envolvimento afetivo/pedagógico entre professo-
res e alunos, aliados aos conhecimentos cotidianos realizando a transposição
do saber escolar.
Trabalhar na EJA, por exemplo, exige em primeira instância despir-se de
práticas pedagógicas tecnicistas em que “vencer conteúdos” é o mais importan-
te, e, contrário a isso, devem-se agregar novas estratégias metodológicas para
interagir com os conteúdos específicos de cada área do conhecimento, numa
versão impregnada de significados coerentes às vivências daqueles educandos.
Esse desafio impulsionou a professora de química, uma das autoras desse
estudo, a repensar sua prática docente. Atualmente trabalha de uma forma
mais interativa com suas turmas, independente da modalidade de ensino, e,
como professora atuante na modalidade EJA, sente-se mais responsável e per-
cebe a necessidade de trabalhar de forma diferenciada, na tentativa de buscar
respostas aos questionamentos acerca de que tipo de ensino perseguir.
Para tentar responder a essa questão, a professora planejou, para o pri-
meiro encontro com os educandos da EJA, a leitura de uma mensagem de
otimismo, na qual o texto de um autor desconhecido trazia palavras de espe-
111
CALDERAN, A. P.; RAMOS, M. R. S. • Uma escola alegre e comprometida com as aprendizagens...
4
O referido quadro foi criado pela professora de química, uma das autoras do texto, que articulou
as ações com a turma da EJA.
112
Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
Atividade Exemplos de onde você O que você gostaria de Você acha que existe química
percebe a química. estudar em química? associada ao seu trabalho?
Dona de casa, Queima de uma vela, Química industrial, Sim, preparação de alimentos,
vendedora de fermentação da massa do pão, fabricação de produtos de limpeza da casa, nos
cosméticos preparação de um café, limpeza e higiene. Química cosméticos que eu vendo.
combustão do gás de cozinha. orgânica.
113
CALDERAN, A. P.; RAMOS, M. R. S. • Uma escola alegre e comprometida com as aprendizagens...
Pelo contrário, suas expectativas vão além da sala de aula, e isso deve ser res-
peitado.
As respostas dadas demonstram que esses educandos já percebem a im-
portância da química no dia a dia, da ciência como um todo associada às suas
vivências, como podemos perceber: “quero estudar assuntos sobre energia”;
“as novas manifestações do ambiente e as novas tecnologias”; “as substâncias”;
“tudo o que eu precisar saber para enfrentar no dia a dia de minha vida”;
“sobre os remédios que usamos”; “o que comemos e o que usamos no dia a
dia”; “sobre evaporação de água e sal, etc.”; “o essencial, ver vídeos, experiên-
cias no laboratório, enfim, tudo o que a matéria oferecer”; “química industri-
al, fabricação de produtos de limpeza e higiene”.
Percebemos que a maioria das respostas dos educandos está ligada às
suas preocupações com os estudos relacionados às suas vivências, bem como
às suas atividades diárias, em expressões como: energia, ambiente, novas tec-
nologias, dia a dia, remédios, “o essencial para nossas vidas”.
Considerações finais
Acreditamos que estudar Freire nos leva a construir um novo olhar so-
bre a educação, sobre as ações imediatas de aprendizagem. Aprende-se a ques-
tionar a atitude de educador, muitas vezes insatisfeito, curioso, preocupado
com o crescente número de educandos que procuram a escola, mas que não
conseguem aprender ou não se sentem motivados a fazê-lo.
O desafio para o professor de química, bem como para todos os profis-
sionais da educação, é dar conta, coletivamente, de no mínimo contemplar os
anseios dos educandos, e os objetivos a que se propõem para uma educação de
qualidade, de no mínimo, não decepcionar aquelas crianças, jovens e adultos
que estão diariamente na escola.
Uma estratégia é buscar nos ensinamentos de Freire, grande pedagogo,
forças para prosseguir, pois, na sua prática, percebe-se a importância do amor
nas relações pedagógicas, capaz de transformar a vida; a importância da troca,
do coletivo, da parceria em educação, o compartilhar com o outro, o diálogo,
a humildade, o respeito ao indivíduo, bem como às individualidades.
Um educador não pode fingir que não vê as diferenças de cultura, de
religião, as diferenças políticas e de classes sociais ao seu lado; precisa elimi-
nar seus preconceitos, precisa aceitar o diferente, não querendo que ele se tor-
ne um igual, precisa conscientizar para educar. “Pensar e fazer errado, pelo
visto, não têm mesmo nada que ver com a humildade que o pensar certo exi-
ge” (FREIRE,1996, p. 36).
Iniciamos as nossas reflexões, neste texto, ponderando sobre a atenção
dispensada aos alunos quando estes chegam pela primeira vez na escola. Aqui
114
Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
115
CALDERAN, A. P.; RAMOS, M. R. S. • Uma escola alegre e comprometida com as aprendizagens...
Referências
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HENZ, C. I. Razão-emoção crítico-reflexiva: um desafio permanente na capacitação
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Permanente de Professores. VIII Seminário Nacional Diálogos com Paulo Freire: por
uma pedagogia dos direitos humanos. Anais. Bento Gonçalves: IFRS, 2014.
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VIGOTSKI, L. S. A Construção do Pensamento e da Linguagem. Tradução: Paulo
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116
Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
FORMAÇÃO CONTINUADA DE
PROFESSORES DAS ESCOLAS DO CAMPO,
ANCORADA NAS HISTÓRIAS DE VIDA
E NOS CÍRCULOS DIALÓGICOS
INVESTIGATIVO-FORMATIVOS1
CARVALHO, Luciana Carrion2
SILVEIRA, Melissa Noal da3
Considerações iniciais
O estudo versa sobre a violência simbólica entre os docentes da educa-
ção do campo e sua relação com a formação continuada de professores. Busca
refletir acerca da formação continuada de professores nessa modalidade de
educação, visando ao não apagamento de suas características devido à insti-
tuição do modelo urbanocêntrico nas escolas rurais.
A pesquisa foi desenvolvida por meio da metodologia história de vida,
ancorada na perspectiva das narrativas (auto)biográficas e Círculos Dialógi-
cos Investigativo-formativos como dispositivos de formação continuada aos
docentes da educação do campo. Dessa forma, tem por objetivo investigar
sobre a possibilidade da formação continuada para a superação da violência
simbólica entre os docentes da escola do campo a partir da história de vida.
A partir das considerações acima expostas, apresentamos a questão de
pesquisa: em que medida a formação continuada de professores interfere ou
1
O artigo refere-se ao recorte da pesquisa de mestrado em educação, de Carvalho, Luciana
Carrion, na Linha de Pesquisa LP1 – Formação, Saberes e Desenvolvimento Profissional do
Programa de Pós-Graduação em Educação – PPGE/UFSM, sob orientação da Profª Drª
Helenise Sangoi Antunes.
2
Mestra em Educação pela UFSM. Educadora Especial (UFSM), Especialista em Educação de
Surdos (UNISC), Especialista em Gestão Pública e Sociedade (UFT/UFRGS), Intérprete em
Libras, Professora da Rede Pública Estadual. Pesquisadora do Grupo de Estudo e Pesquisa
sobre Formação Inicial, Continuada e Alfabetização – GEPFICA/UFSM. E-mail:
lucarvalho1212@hotmail.com.
3
Mestranda em Políticas Públicas pela UFSM. Professora de Educação Básica Estadual.
Graduada em Letras-Espanhol. Especialista em Educação Profissional Integrada à Educação
Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (UFRGS). Participante do Grupo de
Pesquisa Dialogus: Educação, Formação e Humanização com Paulo Freire (UFSM). E-mail:
melissa@ufsm.br.
117
CARVALHO, L. C.; SILVEIRA, M. N. da • Formação continuada de professores das escolas do campo...
Compartilhando ideias
Para o desenvolvimento desta pesquisa, optamos pela abordagem quali-
tativa, que, segundo Haguette (2011, p. 59), é conceituada como a
superioridade do método que fornece uma compreensão profunda de certos
fenômenos sociais apoiados no pressuposto da maior relevância do aspecto
subjetivo da ação social face à configuração das estruturas sociais, seja a
incapacidade da estatística de dar conta dos fenômenos complexos e dos
fenômenos únicos.
Para a tessitura deste estudo, buscamos utilizar uma metodologia que
oportunizasse a compreensão do processo formativo como um todo, possibili-
tando um novo olhar, ou “outro olhar” referente à formação de professores da
escola do campo, embasado teoricamente, a fim de corresponder aos respecti-
vos objetivos. Dessa forma, torna-se indispensável uma pesquisa que venha
valorar questões não quantificáveis, e sim, subjetivas e singulares.
A investigação foi desenvolvida por meio da metodologia história de
vida, ancorada na perspectiva das narrativas (auto)biográficas e dos Círculos
Dialógicos Investigativo-formativos4. Para Abrahão (2006, p. 154), a metodo-
logia história de vida “caracteriza o processo de pesquisa que consiste em ‘fa-
zer surgir’ histórias de vida em planos de históricos ricos de significado, em
que aflorem, inclusive, e muito especialmente, aspectos de ordem subjetiva”.
Para Josso (2006, p. 21), justifica-se tal metodologia, porque:
Trabalhar sobre relatos de “história de vida” no campo das ciências huma-
nas e na interpretação interativa com seus autores é uma revolução metodo-
lógica que constitui um dos signos de emergência de dois novos paradigmas:
o paradigma de um conhecimento fundamentado sobre uma subjetividade
explicitada, ou seja, consciente de si mesma, e o paradigma de um conheci-
mento experiencial que valoriza a reflexividade produzida a partir de vivên-
cias singulares.
Nesse “tear” de histórias de vida, entendemos que o uso dessa metodo-
logia nos oportuniza o diálogo entre o individual e o sociocultural, sendo,
4
A metodologia dos Círculos Dialógicos vem sendo desenvolvida pelo Grupo de Estudos Dialogus:
Educação, Formação e Humanização com Paulo Freire (UFSM), inspirada nos Círculos de
Cultura freireanos em aproximação com a pesquisa-formação.
118
Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
119
CARVALHO, L. C.; SILVEIRA, M. N. da • Formação continuada de professores das escolas do campo...
120
Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
121
CARVALHO, L. C.; SILVEIRA, M. N. da • Formação continuada de professores das escolas do campo...
por ser uma organização que proporciona o convívio entre diversos sujeitos,
possui um caráter pedagógico que visa a formação humana para transfor-
mação da sociedade. Logo, a administração deste tipo de instituição tende a
ser diferenciada das demais. Desta forma, a cultura que é instaurada em
uma escola está diretamente ligada às perspectivas de sua gestão.
Desse modo, a escola possui um caráter pedagógico para a transforma-
ção da sociedade por meio da formação humana, e traz uma implicação dire-
tamente em seus gestores e em suas formas de gestão. Portanto, uma das for-
mas para qualificar o espaço-escola como comunidade-única poderá ser de-
senvolver nos profissionais que lá atuam a identidade com a instituição e o
sentimento de pertencimento àquela comunidade. Essa identificação é essen-
cial para o enfrentamento dos desafios reais, almejando superá-los na expecta-
tiva de ocorrerem às mudanças necessárias para a transformação do espaço
educativo. Partindo da interlocução com Nóvoa (2009, p. 42):
Através dos movimentos pedagógicos ou das comunidades de prática, refor-
ça-se um sentimento de pertença e de identidade profissional que é essencial
para que os professores se apropriem dos processos de mudança e os trans-
formem em práticas concretas de intervenção. É esta reflexão coletiva que
dá sentido ao desenvolvimento profissional dos professores.
São esses movimentos pedagógicos que provocam a reflexão de si, um
sentimento de pertencimento e de identidade profissional, oportunizando uma
revisitação em si, e, por conseguinte, a reflexão coletiva nos diversos meios e
espaços. Destacamos a relevância de estarmos abertos para o diálogo, para as
mudanças, para o outro. Freire (1997, p. 154) afirma que “o sujeito que se abre
ao mundo e aos outros inaugura com seu gesto a relação dialógica em que se
confirma como inquietação e curiosidade, como inconclusão em permanente
movimento na história”. Portanto, quando nos abrimos para o outro, abrimo-
nos para uma relação dialógica, o que nos coloca em movimento com a nossa
própria história. Com todas essas possibilidades postas, podemos, neste mo-
mento, refletir em como se deseja a formação continuada de professores nas
escolas do campo. Segundo Rocha e Martins (2011, p. 214):
Partimos do pressuposto de que a educação é fundante na formação humana.
Por que então falar de uma Educação do Campo, e mais ainda como nela a
formação? Entendemos que do campo anuncia que a formação não é univer-
sal, homogênea, igual. Formar o humano acontece na tensão entre as desi-
gualdades e diversidades. Nesse sentido, ela é emancipadora e transforma-
dora. Ser do campo também anuncia o pertencimento, no sentido de “elabo-
ração da própria identidade e de projetos coletivos de mudança social a par-
tir das próprias experiências”.
122
Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
5
Silêncio: Conceito extraído do Dicionário Paulo Freire. Redin (2010, p. 371) nos diz: “Proibir
o homem de dizer a sua palavra é proibi-lo de se transformar, censurar o homem a dizer a sua
palavra é escravizá-lo nas grades da cultura do silêncio”.
6
Resolução que institui as diretrizes operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo.
123
CARVALHO, L. C.; SILVEIRA, M. N. da • Formação continuada de professores das escolas do campo...
Considerações finais
Este estudo nos oportunizou conhecer um recorte da realidade das es-
colas do campo, e vimos, por meio da pesquisa, a existência de um “abismo”
entre a legislação que vigora e a prática exercida na grande maioria das escolas
em nosso território nacional.
7
Fiori prefacia a obra de Freire, Pedagogia do Oprimido: “Condições de poder re-existenciar
criticamente as palavras de seu mundo, para, na oportunidade devida, saber e poder dizer a sua
palavra... Mas, para isto, para assumir responsavelmente sua função de homem, há de aprender
a dizer a sua palavra, pois, com ela, constitui a si mesmo e a comunhão humana em que se
constitui; instaura o mundo em que se humaniza, humanizando-o... Com a palavra, o homem
se faz homem. Ao dizer a sua palavra, pois, o homem assume conscientemente sua essencial
condição humana (FREIRE, 1987, p. 7).
124
Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
125
CARVALHO, L. C.; SILVEIRA, M. N. da • Formação continuada de professores das escolas do campo...
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126
Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
127
APRENDENDO UMA CULTURA DE PAZ:
diálogos no amor e na esperança
para “Ser Mais”
DORNELES, Tatiana Poltosi1
SILVA, Daniele Mallmann da2
Abrindo os diálogos
A temática cultura de paz remete-nos a ideia de humanização e
(re)humanização dos(as) educadores(as) em conjunto com os(as) educandos(as),
como condutores de seus passos/sonhos, buscando a inteireza do ser inacabado
e consciente do seu inacabamento, mas semeador da curiosidade/motivação
na busca pelo “ser mais” (FREIRE, 2011). É necessário, antes de qualquer
coisa, que haja vontade/inquietação, para que ocorra um processo de intera-
ção e reciprocidade entre educador(a) e educando(a). Ao analisar os princípios
da cultura de paz verificam-se os desafios para a auto(trans)formação, a neces-
sidade de reconhecimento e reflexão sobre os valores humanistas para a cons-
trução de uma cultura de paz, baseada no diálogo e na escuta, transformando
a teoria em prática. Por isso, o trabalho desenvolvido analisa o discurso produ-
zido sobre a cultura de paz na escola e os valores humanistas para o desenvol-
vimento de uma práxis educativa humana sob uma ótica freireana.
A metodologia utilizada foi a revisão bibliográfica que dialoga de forma
interativa com a hermenêutica-dialética para a construção do conhecimento a
partir da abordagem qualitativa. O estudo utilizou como instrumentos da in-
vestigação periódicos científicos, teses, dissertações e artigos, compreenden-
do, interpretando crítica e reflexivamente a bibliografia e os principais teóri-
cos. O artigo foi construído a partir do conceito de cultura freireano, seu per-
1
Mestra em Educação pela Universidade Federal de Santa Maria e graduada em Direito pela
Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e Missões – Câmpus Santiago. Professora e
Advogada. Integrante do Grupo de Pesquisa Dialogus: Educação, Formação e Humanização
com Paulo Freire (UFSM). E-mail: tatianapd@gmail.com.
2
Acadêmica do Curso de Licenciatura em Ciências Sociais da Universidade Federal de Santa
Maria. Bolsista CNPq pelo projeto de pesquisa: Humanização e Cidadania na Escola: Diálogos
com Professores. Participante do Projeto de Extensão Hora do Conto: meninos e meninas
lendo o mundo e a palavra. Integrante do Grupo de Pesquisa Dialogus: Educação, Formação e
Humanização com Paulo Freire (UFSM). E-mail: daniele.mallmann@hotmail.com.
128
Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
curso, a escola e os valores, atitudes e padrões que inspiram a paz por meio de
atitudes reflexivas e proativas para o desenvolvimento humano em sua inteire-
za, tecendo discussões sobre a importância da cultura de paz na escola a partir
de uma análise dialógica da bibliografia na busca por uma formação sensível,
a partir da incompletude humana e a construção de atitudes valorativas em
prol das relações sociais.
129
DORNELES, T. P.; SILVA, D. M. da • Aprendendo uma cultura de paz
130
Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
131
DORNELES, T. P.; SILVA, D. M. da • Aprendendo uma cultura de paz
132
Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
ainda está bastante atrelado aos dois primeiros pilares, aprender a conhecer e
aprender a fazer. Os outros dois pilares ainda continuam sendo ideais para a
maioria das escolas.
O aprender a conhecer pode ser definido como o fornecimento de meios
pela escola para que cada um possa compreender o mundo: “Aprender para
conhecer supõe, antes de tudo, aprender a aprender, exercitando a atenção, a
memória e o pensamento” (DELORS, 2001, p. 92). O aprender a fazer consis-
te em ensinar ao(a) educando(a) como por em prática os conhecimentos que
adquiriu, preparando-o(a) para o trabalho. E, num cenário que cada vez mais
exige habilidades que vão além do fazer, também é fundamental a inserção
dos ensinamentos relacionados à capacidade de gerir, resolver conflitos, traba-
lhar em equipe, entre outros que acabam ampliando significativamente esse
pilar. O aprender a viver juntos, a viver com os outros, é o aprendizado mais
fundamental quando se fala na construção da cultura de paz, proporcionando
o surgimento e o desenvolvimento de sentimentos como a empatia e o respeito
ao outro.
Além da busca do respeito de uns pelos outros dentro da escola, valioso
é também desenvolver o espírito de união dos(as) educandos(as) em prol da
comunidade, isto é, o espírito de solidariedade através de ações sociais que
ultrapassam os muros da escola e que faz com que brotem sentimentos de
pertencimento e cidadania. Tal processo perpassa a formação permanente
dos(as) educadores(as), sendo fundamental que estimulem os(as) educandos(as)
a disseminar temas relacionados à educação para cidadania.
O aprender a ser, último dos pilares, fala da liberdade de pensamento,
imaginação, capacidade de sonhar, de transcender e ser criativo. Este conheci-
mento pode ser estimulado por meio de atividades ligadas à arte, como teatro,
música, poesia, e que servirá para o fortalecimento do(a) cidadão(ã) capaz de
se comunicar e de discernir. Esse ideal de aprendizagem, em seus quatro ní-
veis, transmite a essência do conceito de escola como um espaço de aprendiza-
do e de proteção. Um ambiente de paz e acolhimento só é possível se houver
harmonia entre todos os agentes educacionais, por isso a importância da qua-
lificação profissional dos(as) educadores(as) a partir de práxis humanistas como
alternativa para o (re)estabelecimento da paz no ambiente escolar.
Se a escola é lugar de formação e informação das crianças e dos jovens, a
formação profissional dos(as) educadores(as) representa o elemento fundamen-
tal no processo de construção do conhecimento. Cuidar da formação profissio-
nal, buscar novas alternativas, desconstruir conceitos, através da proposta hu-
manizadora precisa ser o objetivo de todo o(a) educador(a). Assim, ao buscar a
formação cidadã, através de questões ético-valorativas, que perpassam as práxis
educativas e a construção da cultura de paz na escola, com o entrelaçamento de
133
DORNELES, T. P.; SILVA, D. M. da • Aprendendo uma cultura de paz
134
Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
te, a escola é instada a assumir obrigações que, até então, não eram suas (inclu-
sive em decorrência da demissão familiar) e, correlatamente, forçada a convi-
ver e a enfrentar a violência crescente gerada na sociedade e reproduzida no
âmbito escolar. Defronta-se com a interferência de outros agentes sociais em
sua rotina, sem que compreenda claramente as suas atribuições. Assim, de-
senvolve sentimento de incapacidade e impotência, reforçado pela constata-
ção de que seu processo pedagógico está inadequado e ineficaz para responder
a todos os anseios da sociedade.
A filosofia freireana está ligada à cultura de paz em razão da capacidade
crítica e amorosa com relação à educação, a qual permite a reinvenção dos con-
flitos, estabelece contextos, valoriza a convivência na diversidade, os direitos
humanos e repudia as injustiças nas relações humanas e sociais mais resilientes,
concretizando um projeto de educação voltado ao desenvolvimento sustentável
do planeta (SALLES FILHO, 2009). Ana Maria Freire indica como fundamen-
tal o pensamento de Paulo Freire para a paz através do diálogo que busca o
saber fazer entre si e com o mundo, o que referencia o inédito-viável (2006, p.
392); tal palavra-ação advém da acepção freireana mais rigorosa, empregada
para expressar o afeto, a cognitividade, a política, a epistemologia e a ética.
Para Freire, a paz reflete o processo de transformação social a partir da
educação, na qual seria possível instaurar a justiça, promover a igualdade e o
respeito. Ana Maria Freire destaca na sua pesquisa que a postura de Freire o
levou à indicação ao Prêmio Nobel da Paz, no ano de 1993, reverenciando sua
coerência, generosidade, mansidão e respeito, especialmente, pela luta para a
paz através da compreensão de que a educação gera a autonomia e a liberdade
(FREIRE, 2006, p. 388). No ano de 1986, Freire foi contemplado com o Prêmio
UNESCO da Educação para a Paz; seu discurso repercutiu ao refletir que:
[...] aprendi sobretudo que a Paz é fundamental, indispensável, mas que a
Paz implica lutar por ela. A Paz se cria, se constrói na e pela superação de
realidades sociais perversas. A Paz se cria, se constrói na construção inces-
sante da justiça social. Por isso, não creio em nenhum esforço chamado de
educação para a Paz que, em lugar de desvelar o mundo das injustiças o
torna opaco e tenta miopizar as suas vítimas (FREIRE, 2006, p. 388).
A postura de Freire durante sua existência é referenciada por sua obra,
demonstrando que o discurso é compatível com a prática, que o amor, o res-
peito e a fé alimentam o humanismo, a partir do diálogo, constituindo o hu-
manismo como primordial na constituição de uma cultura de paz. O entendi-
mento freireano é de que a paz só pode se instaurar por meio da educação
crítico-conscientizadora, referenciando que, desde a mais tenra idade, cabe o
compromisso de formar os(as) educandos(as) na cultura de paz, a partir da cola-
boração, da tolerância, da justiça e da solidariedade (FREIRE, 2006, p. 391).
135
DORNELES, T. P.; SILVA, D. M. da • Aprendendo uma cultura de paz
Finalizando a interlocução
e prosseguindo os diálogos
A responsabilidade de ensinar e desenvolver propostas pedagógicas para
a formação da cultura de paz necessita ser assumida com rigor por todos os
profissionais da área de educação, com a promoção de estratégias pedagógicas
que possibilitem com o(a) educando(a) a construção de valores em sua vida
escolar, familiar e social, constituindo as práticas de ensino do cotidiano dos
profissionais da educação para efetivar o ensino e a vivência da paz. Entende-
se por valores a constituição de um conjunto de qualidades que distinguem os
seres humanos independentemente de credo, raça, condição social ou religião,
estando presentes em todas as filosofias, como inerentes à condição humana,
dignificando e ampliando a capacidade de percepção do ser consciente/inaca-
bado, que tem no pensamento e nos sentimentos sua manifestação palpável e
aferível. São qualidades/valores consideradas(os) fundamentais que unificam
e afastam o individualismo, enaltecendo a condição humana e dissolvendo
preconceitos e diferenças.
Há compreensão de que é fundamental que a escola assegure o desen-
volvimento de valores para a paz com auxílio de programas sistemáticos em
que as propostas sejam interdisciplinares e não componham temáticas isola-
das com os conteúdos sendo discutidos em uma só situação ou disciplina. A
paz é alcançada por vivências que assegurem a reflexão e as tomadas de deci-
sões, permitindo ao educando discernir sobre o melhor comportamento dian-
te dos conflitos ou situações que requerem atitudes e a promoção de valores,
tais como justiça, diálogo, respeito, cooperação, solidariedade e demais senti-
mentos que resultem na harmonia social.
A cultura de paz é aquela que permite às pessoas que vivem ou se depa-
ram com estruturas violentas modificá-las com ações transformadoras/moti-
vadoras, ou seja, desperta para a realidade sobre a qual se estava inconsciente
até então, devido à violência estrutural ou pelo silêncio de sua leitura de mun-
do. A responsabilidade de ensinar para a paz consiste em estruturar um pro-
cesso educativo/amoroso de modo que as aulas atendam às necessidades
dos(as) educandos(as), dando-lhes liberdade para aprender por meio da rela-
ção direta com afeto e diálogo com os(as) educadores(as) e de apoio e coopera-
ção. Enquanto a escola doutrinar para a competição, para o individualismo e
o egoísmo, é impossível falar da paz, entendida por esses(as) educadores(as)
136
Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
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138
Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
A CONTRIBUIÇÃO DA AFETIVIDADE
ENTRE EDUCANDOS E EDUCADORES
PARA O DESENVOLVIMENTO DE
SERES SOLIDÁRIOS E CRIATIVOS
MACHADO, Mabel Brum Pinheiro1
MENEGHETTI, Vânia Teresa2
Primeiras palavras
A ideia de escrever este artigo foi gestada a partir das discussões do
grupo Dialogus: Educação, Formação e Humanização com Paulo Freire, es-
pecialmente no período de preparação para o XVII Fórum de Estudos: Leitu-
ras de Paulo Freire. O trabalho coloca em discussão o tema da afetividade, da
amorosidade, nas relações estabelecidas entre educandos e educadores, e entre
os próprios educandos.
Não estamos deixando de considerar o fato de que a escola voltada para
as classes populares tem enfrentado diversas dificuldades, e muitos teóricos
costumam falar em crise na educação (NASCIMENTO et al., 2013, p. 7), po-
rém, sem adotar uma visão ingênua, perguntamo-nos se, mesmo diante desse
contexto, seria possível criar vínculos com os alunos, desenvolver a sensibili-
dade e a criatividade e, desse modo, realizar um trabalho que contribua para
elevar a autoestima das crianças e dos próprios professores.
Neste trabalho, abordaremos algumas ideias de Paulo Freire sobre a im-
portância da amorosidade nas relações que se estabelecem na escola, como
fator de estímulo para o processo de aprendizagem. Consideramos interessan-
te elencar alguns pontos em comum com as contribuições da filosofia, através
de Platão e Nietzsche. Apesar de esses filósofos divergirem em alguns pontos,
conseguimos extrair alguns referenciais relevantes para nossa discussão, tais
como a necessidade de criar um espaço de diálogo em sala de aula, estimular a
1
Graduada em Filosofia (UFSM), Especialista em Ética e Filosofia Política (UCS). E-mail:
mabelbrum@gmail.com.
2
Graduada em Língua Portuguesa e Inglesa e Respectivas Literaturas (UFSM), Especialista em
Gestão Educacional (UFSM), Mestranda em Políticas y Administración de la Educación
(UNTREF, Buenos Aires), Professora municipal em Santa Maria, RS. E-mail:
vaniatmeneghetti@gmail.com.
139
MACHADO, M. B. P.; MENEGHETTI, V. T. • A contribuição da afetividade entre educandos e educadores...
140
Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
141
MACHADO, M. B. P.; MENEGHETTI, V. T. • A contribuição da afetividade entre educandos e educadores...
sar por si e de construir um conhecimento é até hoje uma provocação que faz
com que nos questionemos em nosso trabalho como educadores. Afinal, afir-
ma Nietzsche, é preciso:
Aprender a pensar: em nossas escolas se perdeu completamente a noção
disso. Até nas universidades, até entre os sábios da filosofia, a lógica, en-
quanto teoria, prática e ofício, começa a desaparecer. Leiam os livros ale-
mães; nem sequer se recorda neles, em nenhum deles, que para pensar ne-
cessita-se uma técnica, um plano de estudos, um magistério; que a arte de
pensar tem que ser aprendida como qualquer espécie de dança (p. 54).
É possível que uma leitura apressada possa dar a impressão de que, tal-
vez, Nietzsche fosse extremamente crítico com relação a tudo e a todos, sem
apontar caminhos. Entretanto, alunos seus deixaram relatos demonstrando
que o filósofo tinha por hábito lançar questionamentos e dar ênfase ao desen-
volvimento da criticidade,
[...] procurava fazer nascer neles o interesse pelo assunto tratado, desenvol-
ver o respeito pelas grandes figuras do passado, pelos grandes problemas da
existência humana e pela seriedade no pensar (SCHULZ, 2007, p. 24).
Um pouco da experiência...
Para honrar em primeiro lugar a minha arte, (...) começarei por declarar que
este deus é tão excelente poeta, que pode até fazer poetas daqueles a quem
ama. E é por isso que todos – mesmo os que antes eram as pessoas mais
prosaicas deste mundo – todos se tornam poetas quando Eros os ataca (PLA-
TÃO, 1954, p. 149).
142
Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
143
MACHADO, M. B. P.; MENEGHETTI, V. T. • A contribuição da afetividade entre educandos e educadores...
Bola bolo
Bolo bola
Enquanto minha mãe bate bolo
Eu bato bola.
3
Não citaremos os nomes dos autores neste trabalho, uma vez que vários textos foram construídos
de forma praticamente coletiva e correríamos o risco de cometer injustiças.
144
Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
É bom jogar
É bom ganhar
Seja Muai tai
Judô, karatê
Quebra de braço
Jogo do bafo
E no computador
A competição
É sempre emoção.
Menina gulosa
Recebe uma rosa
Mas carinha feliz
É quando come Bis.
145
MACHADO, M. B. P.; MENEGHETTI, V. T. • A contribuição da afetividade entre educandos e educadores...
Procura-se um médico
Que saiba fazer mágica
Que tenha uma poção
Para as dores do coração
Quem souber de sua existência
Me avise imediatamente
Que o problema é urgente.
146
Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
Com as turmas de 2º ano era preciso trabalhar com textos mais curtos,
devido ao fato de não estarem totalmente alfabetizados. Foram trabalhados
mais contos, lendas, fábulas, finalizando com desenhos e textos curtos. Os
alunos leram gibis, criaram tiras, cantaram... Também trouxeram suas curiosi-
dades sobre cores e pintaram mandalas. Relataremos as atividades relaciona-
das com a chuva.
Houve um período no início do inverno em que choveu muito e, nesses
dias, vão poucos alunos à aula. Mesmo que os motivos já sejam conhecidos –
ruas intransitáveis, falta de guarda-chuva, dificuldade para secar roupas e cal-
çados, noites mal dormidas, entre outros –, ouvir as crianças proporciona um
conhecimento maior da realidade local, das situações que enfrentam as famí-
lias, onde a maioria das ruas não tem calçamento e muito menos calçadas.
Numa região com várias invasões promovidas por grupos de sem-teto, recur-
sos básicos como água, eletricidade e saneamento são precários ou inexisten-
tes. Em algumas dessas invasões, nem ruas existem, pois as casas são instala-
das no meio do campo. A chuva, por consequência, é sinônimo de problemas
e acaba contribuindo para os altos níveis de infrequência. As professoras reali-
zam atividades normalmente, mas o prejuízo dos que não comparecem é difí-
cil de recuperar.
A professora Vânia relata como se desenvolveram as atividades:
Apesar de a experiência da chuva não ser agradável, tentamos tirar proveito
das condições climáticas. Num desses dias chuvosos, eu teria aula com tur-
mas de alfabetização (2º ano) e há sempre a necessidade de reforçar a grafia
das palavras. Como as professoras titulares estavam trabalhando com os
dígrafos, as palavras chuva, chuvinha, chuvarada, chover, guarda-chuva, se
prestavam muito bem ao momento. Trabalhamos com elas e depois cada
aluno tinha o desafio de “proteger” com um guarda-chuva um personagem
ou grupo de personagens recortado de revistas, jornais. Todos deviam colar
sua figura e desenhar sobre a(s) pessoa(s) um guarda-chuva que fosse do
tamanho suficiente para cobri-las. É de se mencionar que alguns tinham
dificuldade quanto ao tamanho e onde encaixariam o cabo do guarda-chu-
va, e foi necessária uma ajudinha dos colegas ou da professora para que as
personagens “não se molhassem”. Eu havia levado o violão e aproveitei para
propor-lhes que cantássemos a música “Chove chuva”, de Jorge Ben Jor,
cuja letra foi levada já impressa. O texto é curto e possibilitou cantar e de-
pois fazer um exercício de leitura coletiva. Também propus que observas-
sem o ritmo, que podia ser acompanhado com palmas ou batida de dois
lápis, e o grupo acompanhou bem, especialmente o refrão, pois bastava olhar
pela janela e... “Chove chuva, chove sem parar”!
147
MACHADO, M. B. P.; MENEGHETTI, V. T. • A contribuição da afetividade entre educandos e educadores...
Considerações finais
Iniciamos dizendo que não desejamos aqui adotar uma visão ingênua,
mas investigar possibilidades. Há uma citação em que Freire afirma: “Minha
intenção neste texto é mostrar que a tarefa do ensinante, que é também apren-
diz, sendo prazerosa é igualmente exigente. Exigente de seriedade, de preparo
científico, de preparo físico, emocional, afetivo” (Freire, 1999).
É preciso reconhecer que todos esses aspectos têm a sua importância
quando o professor se depara com muitas turmas, grandes, com uma enorme
diversidade quanto à educação que trazem de casa, quanto ao nível de interes-
ses, de conhecimento, de habilidades, sem contar o elevado número de alunos
em situação de inclusão por serem portadores de necessidades especiais. Os
educadores precisam, sim, ter consciência do quão exigente é seu trabalho,
pois, como diz Platão (1954, p. 197) “é impossível a qualquer pessoa doar
aquilo que não tem, nem ensinar aquilo que não sabe”.
Consideramos, assim, a responsabilidade do professor em manter-se em
condições de saúde necessárias ao exercício da profissão e, ao mesmo tempo,
equilibrado emocionalmente, a fim de poder demonstrar afetividade, bem como
de retribuir o muito de afetividade que recebe em inúmeros abraços, beijos,
desenhos e bilhetinhos. Consideramos ainda a necessidade de que o poder
público e os empregadores no ramo da educação façam cumprir toda legisla-
ção que garanta os direitos do professorado, uma forma de também fazer com
que o educador se sinta necessário e “amado”.
Agostinho Rosas afirma que a criatividade se afasta da ideia de dom e
“passa a ser reconhecida como condição humana decorrente da capacidade de
inteligência” (2013, p. 5). O autor faz um elenco de vocábulos usados por
Paulo Freire, tais como criar, recriar, reinventar e lembra que a proposta freire-
ana se relaciona com uma forma de atuação do homem na sociedade, já que a
educação é instrumento necessário ao processo de libertação humana” (Idem,
p. 13). Nas atividades realizadas, foi possível percebermos o enorme potencial
criativo das crianças, o qual às vezes se encontra adormecido. Esse potencial
precisa ser despertado, cultivado, enaltecido, mostrado. Assim estaríamos con-
tribuindo para a construção de seres confiantes nas suas capacidades. A ação
do educador, identificando-se com a dos educandos, se orienta, assim, no sen-
tido da humanização de ambos, “infundida da profunda crença nos homens.
(...) crença no seu poder criador” (Freire,1983, p. 71).
Acreditamos que muitos dos resultados que alcançamos nessas ativida-
des foram garantidos pelo clima de confiança que foi sendo gestado ao longo
do trabalho. Concordamos com Freire que é preciso “estar aberto ao gosto de
querer bem, (...) à coragem de querer bem”, sem separar “seriedade docente e
148
Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
Referências
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SCHULZ, Gerson Nei Lemos. Escola Livre: Friedrich Nietzsche. In: Coleção Guias
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149
FORMAÇÃO INICIAL NO
CURSO DE PEDAGOGIA:
compreendendo a capacitação para o
exercício da docência na classe hospitalar
OLIVEIRA, Marilei Almeida de1
OLIVEIRA, Marli Almeida de2
Considerações iniciais
O presente trabalho tem como finalidade apresentar a pesquisa realiza-
da com base no trabalho de conclusão do curso de Pedagogia Licenciatura
Plena da Universidade Federal de Santa Maria, intitulada “A Formação Inicial
no Curso de Pedagogia: identificando qualidade e capacitação da práxis peda-
gógica na Classe Hospitalar”. A pesquisa em questão disponibilizou-se a refle-
tir acerca da formação inicial de pedagogos(as) em duas instituições de ensino
superior do município de Santa Maria/RS, tendo como especificidade a atua-
ção do(a) pedagogo(a) no contexto hospitalar.
A primeira Instituição de Ensino Superior (IES) é a Universidade Fede-
ral de Santa Maria – UFSM, uma instituição pública, criada no ano de 1960,
que oferece o curso de Pedagogia desde o ano de 1984; e a segunda IES, o
Centro Universitário Franciscano – UNIFRA, uma instituição privada, criada
no ano de 1955 com a oferta do curso de Pedagogia desde sua criação.
Durante os percursos da formação inicial, desenvolvida nos cursos de
Pedagogia, ambas nos deparamos com alguns obstáculos, no sentido de como
desenvolver o trabalho docente dentro do contexto hospitalar. Diante disso,
tendo como base a pesquisa do trabalho de conclusão do curso de uma de nós,
buscamos juntamente, compreender como a formação inicial contribui para o
desenvolvimento e o desempenho do(a) profissional pedagogo(a) que atua ou
pretende atuar no contexto hospitalar. Desse modo, objetivamos identificar
1
Acadêmica do Curso de Pedagogia Licenciatura Plena – Diurno/Universidade Federal de Santa
Maria. E-mail: mari.oli.ped@gmail.com.
2
Pedagoga/Universidade Anhanguera Uniderp – Pólo São Pedro do Sul. Pós-graduanda em
Gestão Educacional UAB/Universidade Federal de Santa Maria. E-mail:
marlioliveira1587@gmail.com.
150
Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
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OLIVEIRA, M. A. de; OLIVEIRA, M. A. de • Formação inicial no curso de Pedagogia
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Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
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OLIVEIRA, M. A. de; OLIVEIRA, M. A. de • Formação inicial no curso de Pedagogia
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Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
Procedimentos metodológicos
utilizados na pesquisa
A pesquisa caracterizou-se como uma abordagem qualitativa, a qual se
preocupa “com um nível de realidade que não pode ser quantificado [...], tra-
balha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e
atitudes” (MINAYO, 1994, p. 21-22) e possibilita ao sujeito pesquisador a par-
ticipação, a compreensão e a interpretação.
Nesse sentido, a preocupação desta pesquisa foi buscar as informações
de quatro acadêmicos(as) dos cursos presenciais de Pedagogia do município
de Santa Maria/RS, identificando como a formação inicial desenvolvida nes-
ses cursos está se preocupando com uma práxis pedagógica de qualidade den-
tro do contexto hospitalar. Esses sujeitos foram escolhidos a partir de dois
critérios elencados: acadêmicos(as) que já vivenciaram ou que vêm vivencian-
do a prática educativa na classe hospitalar, segundo informações disponibili-
zadas pelas coordenações e acadêmicos(as) que estão cursando os dois últi-
mos semestres do curso.
Diante disso, considerando os objetivos desta pesquisa, as fontes de in-
formação para a concretização de tal foram sujeitos e documentos. A coleta
mediante essas fontes deu-se por meio da observação indireta, fazendo uso
especificamente da análise documental e da observação direta extensiva, da
qual foi usado o questionário aberto.
Para isso foi adotado o estudo de caso, o qual se preocupa com o estudo
profundo de um ou mais objetos, compreendendo um aspecto específico den-
tro de um sistema amplo. Nas palavras de Gil (2010), os estudos de caso,
[...] requerem a utilização de múltiplas técnicas de coleta de dados. Isto é
importante para garantir a profundidade necessária ao estudo e a inserção
do caso em seu contexto, bem como para conferir maior credibilidade aos
resultados. Mediante procedimentos diversos é que se torna possível a trian-
gulação, que contribui para obter a corroboração do fato ou do fenômeno
(GIL, 2010, p. 119).
155
OLIVEIRA, M. A. de; OLIVEIRA, M. A. de • Formação inicial no curso de Pedagogia
156
Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
vos como campos de atuação do pedagogo, que vão além da escola e das salas
de aula.
Diante disso, a segunda questão preocupou-se em saber quais os cam-
pos de atuação do(a) pedagogo(a) conhecidos pelos participantes e como esses
descobriram tais. Os quatro participantes, após descreverem como campo de
atuação escolas, empresas, hospitais, presídios, ONGs e diferentes instâncias
que exijam conhecimentos pedagógicos, afirmaram que o conhecimento so-
bre os diversos campos de atuação do pedagogo surgiu no decorrer do curso
por meio de colegas, de eventos em que participaram e dos estágios extracurri-
culares desenvolvidos no setor educacional do HUSM. Ou seja, os acadêmi-
cos são conhecedores dos diferentes campos de atuação, porque foram além
daquilo que lhes é oferecido pela grade curricular dos cursos de Pedagogia.
Na última pergunta, voltamos nosso olhar exclusivamente para como a
formação inicial desenvolvida nos três cursos abordou a classe hospitalar. Os
participantes assumiram que a modalidade estudada/defendida aqui, não foi
abordada em nenhuma disciplina específica, exceto no caso do Curso de Li-
cenciatura em Pedagogia, oferecido pela UNIFRA, no qual a modalidade é
abordada na disciplina de Espaços Sociais. Porém, a participante destaca que
esta é vista como um dos espaços educativos e cabe ao acadêmico optar por
um aprofundamento nesse espaço ou em outro.
Ainda cabe destacar a indignação dos participantes ao falarem que a classe
hospitalar apenas é discutida na medida em que “o próprio acadêmico traz
questionamentos ou troca de experiências relacionadas ao tema” (Participan-
te B), ou ainda, quando um dos sujeitos participantes afirmou que “o currícu-
lo acaba falando apenas de sala de aula, e esquecendo que o pedagogo pode
atuar também em outros ambientes, como a classe hospitalar”. (Participante
C). Nesse sentido, entendemos e compartilhamos dessa indignação, pois com-
preendemos que os cursos de licenciatura, de uma forma geral, enfatizando,
porém, o curso de Pedagogia, não estão preocupados em formar educadores
para o exercício da docência nas diferentes modalidades da educação, menos
ainda para a classe hospitalar, a qual faz parte de uma dessas modalidades.
Tudo fica a cargo do acadêmico. Esse precisa fazer escolhas e optar por como
será sua formação. No entanto, fica difícil optar pela classe hospitalar quando
essa nem ao menos é discutida no curso. Não estamos tirando a autonomia
dos sujeitos em formação. Pelo contrário, compartilhamos da ideia de que
esse sujeito deve se assumir como ator desse processo, porém entendemos que
é necessário que tanto as modalidades quanto os contextos diferenciados, con-
tidos nelas, devem ser apresentados a esses sujeitos.
Embora a UNIFRA ofereça uma disciplina que aborde o tema, bem
como a oportunidade de um dos estágios ser desenvolvido no contexto hospi-
157
OLIVEIRA, M. A. de; OLIVEIRA, M. A. de • Formação inicial no curso de Pedagogia
Considerações finais
Ao longo da pesquisa, a partir da análise dos PPCs, de nossas vivências
como acadêmicas e, principalmente, a partir das vozes dos demais acadêmicos,
percebemos que, infelizmente, embora reconhecido como um espaço de atua-
ção do profissional pedagogo, o contexto hospitalar não passa disso nos cursos.
Não existe nenhuma proposta curricular voltada para este. Quando existe, no
caso do curso da UNIFRA, podemos afirmar que uma disciplina com carga
horária de 68h não é suficiente para abordar todos os espaços sociais considera-
dos campos de atuação do pedagogo, ainda mais quando o acadêmico precisa
escolher apenas um dos espaços para um aprofundamento e respectivamente o
estágio, o que é o caso. Alguns acadêmicos até possuem experiências, vivências
e conhecimentos sobre a classe hospitalar, porém, como destacaram ao respon-
der o questionário, foi uma busca pessoal, na qual precisaram ir além das salas
de aula; além disso, os sujeitos participantes enfatizaram o quanto sentem falta
de espaços/tempos, dentro dos cursos, dedicados a esses outros contextos edu-
cativos, além do contexto escolar.
Sendo assim, no que tange à formação inicial de pedagogos, entende-
mos que as Instituições de Ensino Superior estão à frente de um grande desa-
fio, pois precisam assumir a necessidade de desenvolver uma formação inicial
capaz de preparar seus acadêmicos e suas acadêmicas para os diferentes con-
158
Dialogus: círculos dialógicos, humanização e auto(trans)formação de professores
textos nos quais o(a) pedagogo(a) poderá exercer sua profissão, enfatizando
aqui, o contexto hospitalar, a classe hospitalar.
Freire nos fala, em sua obra “Política e Educação” (2001), dos deveres
que precisamos assumir ao criticar algo e/ou alguém. Segundo o educador, o
primeiro desses deveres é o de não mentir, “Podemos nos equivocar, podemos
errar. Mentir, nunca” (p. 31), desse modo, assumimos aqui a ética da verdade,
destacamos somente aquilo que nos foi relatado por meio das respostas e a
partir da análise dos PPCs. O outro dever é conhecer aquilo que estamos criti-
cando, não podemos ficar apenas no que nos dizem os outros, embora o que
esses têm a nos dizer possa ser extremamente importante para chegarmos a tal
crítica. O terceiro dever do crítico é “deixar claro a seus leitores que sua crítica
abarca um texto apenas do criticado ou sua obra toda, seu pensamento”. Nes-
se sentido, aqui, é importante deixar claro que a crítica não se refere à forma-
ção inicial como um todo, mas, sim, à formação inicial voltada para os contex-
tos não escolares.
A pedagogia freireana compreende o exercício da docência como uma
atividade eminentemente humana. Nesse sentido, entendemos a necessidade
de práticas educativas que visem à humanização também nesses outros espa-
ços, além do espaço escolar, visto que “o pensamento de Freire afirma a hu-
manização como finalidade da educação, diz da prática educativa como práti-
ca social, circunscrita em contextos, escolares ou não escolares, permeada por
contradições, tensões e conflitos” (SANTIAGO; BATISTA NETO, 2011, p. 8),
destacando, desse modo, a necessidade de práticas transformadoras, capazes
de partir das realidades, mas também de ir além delas, transformando-as. Para
que pedagogos(as) possam desenvolver tais práticas no contexto hospitalar,
mais uma vez nos remetemos à necessidade de processos formativos iniciais
também transformadores, processos formativos capazes de “formar” profissio-
nais críticos/reflexivos que, embora encontrem desafios no ato da docência,
jamais desistirão de fazê-lo de forma humana.
Nessa perspectiva, interrompemos a escrita destacando que os cursos
de Pedagogia devem repensar as práticas que vêm sendo construídas e ofereci-
das aos acadêmicos, de modo que estas venham a revelar a realidade da socie-
dade, sem omitir e/ou negar esses outros espaços/campos de atuação do su-
jeito pedagogo, buscando a valorização desses contextos não escolares, pois,
assim, as crianças e os adolescentes hospitalizados, impossibilitados de fre-
quentar a escola regular, poderão receber profissionais capacitados, capazes
de propiciar ações educativas e aprendizagens significativas para suas vidas.
159
OLIVEIRA, M. A. de; OLIVEIRA, M. A. de • Formação inicial no curso de Pedagogia
Referências
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