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Autor
Prefácio
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Doutor em Geografia Humana pela University of Waikato, Nova Zelândia. Professor do Curso de Turismo,
Universidade Estadual de Roraima, UERR, e Coordenador do MULTIAMAZON – Laboratório Multidisciplinar em
Planejamento Regional, e Desenvolvimento Sustentável na Amazônia Setentrional, Mestre em Relações
Internacionais pela International University of Japan (IUJ), e membro do Centro de Pesquisa da Cultura Japonesa de
Goiás, CPCJ-GO.
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parte de uma abordagem mais abrangente sobre o Japão, o que é chamado nesta obra
de ‘japonicidade’. A definição de ‘japonicidade’ ainda está em construção, e é uma
missão complexa que demanda contribuições dos vários pesquisadores e estudiosos
da área no Brasil e no exterior.
Os pressupostos para o debate são de que o Japão não é uma nação monocultural,
homogênea em bloco, monolítica, mas sim ‘transcultural’, constituída também de
‘enclaves etnoculturais e estrangeiros’ (Weiner, 1997), e em flagrante transição e
transformação incorporando aspectos culturais e sociais de outros povos. A fim de
sistematizar a análise, o autor busca subsídios, evidências e intersecções factuais
usando como método de coleta de dados o estabelecimento de vínculos entre a
realidade contemporânea do Japão e sua história milenar, e divide o capítulo em três
seções principais: i) o legado histórico das ofensivas bélico-militar ultramar do Japão;
ii) as diásporas japonesas; iii) os nichos etnoculturais e estrangeiros no Japão, com
ênfase para os nikkeis brasileiros residentes no Japão e com status de dekasseguis.
O termo ‘nikkei’ refere-se aos descendentes dos japoneses que fizeram parte da
diáspora do século XX. São três momentos da história do Japão que se revelam
intrinsecamente interligados, pois as pretensões bélicas japonesas tiveram participação
direta e indireta nas diásporas, com inúmeras famílias deixando o arquipélago
buscando melhorias financeiras e de vida, e algumas famílias se exilaram também
fugindo das expiações e incertezas causadas pelas guerras. Por outro lado, foram
justamente as ações ultramar do Japão e as diásporas nipônicas que propiciaram
também o surgimento de clusters etnoculturais e estrangeiros em seu solo.
expansão mercantilista japonesa que contribuíram para o que se pode afirmar, mas
com certa cautela, de uma aculturação nipônica. Evidências dessa aculturação são
buscados na releitura do contexto do Japão imperialista e mercantilista. Em termos de
marco temporal, o Japão é situado em dois principais momentos históricos: antes e
depois de 1945. O ano de 1945 é citado como um marco divisor entre um Japão
beligerante e um Japão tecnológico; um ano em que ocorreram também mudanças
profundas na sociedade japonesa, tanto em termos de autopercepção global, com uma
nova orientação e ordem nipônica frente aos desafios do pós-guerra. Talvez o fato mais
notório desse “turning-point” histórico, ou seja, a virada de rumo da história japonesa,
tenha sido o lançamento das bombas atômicas em Nagasaki e Hiroshima.
Assim, o domínio pós-1945 não foi o beligerante, mas o domínio tecnológico e das
parcerias. Um processo que foi apoiado de forma orquestrada e disciplinada por toda a
nação. Um exemplo inegável de superação e reconstrução nacional. Esses fatos
mostram a importância de expressões como ‘gambare’, e ‘ganbatte’. A compreensão
da contemporaneidade da sociedade e cultura japonesa demanda uma investigação
holística que vai além dos aspectos mais visíveis em termos antropológicos,
sociológicos, geográficos e territoriais do Japão. Metodologicamente, o autor busca
sustentar seus argumentos e pontos-de-vista com a revisão da literatura pertinente, em
particular com base naquelas obras publicadas no idioma inglês, pois essas somam um
maior número de abordagens no tema. A vivência do autor no Japão por quatro anos
para estudos do idioma japonês e para a realização de pós-graduação na região de
Niigata-ken e Nagoya-shi como bolsista do Ministério da Educação, Ciência e Cultura
do Japão, Monbukagakusho, contribuiu para fortalecer e respaldar as interpretações,
análises e pontos de vista aqui expostos.
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1.0-Introdução
Yoshino (1992) mantém uma posição conservadora acerca do Japão situando-o como
‘culturalmente distinto’ em uma linha histórica em função do identitário coletivo. Para
Yoshino, o Japão é possuidor de um ‘nacionalismo cultural’. Essa abordagem centra-se
na análise do ‘nacionalismo cultural’ e da ‘identidade nacional’ como legado cultural da
sociedade japonesa contemporânea, e, talvez, conote uma visão etnocêntrica nacional
sobre aquela sociedade. O ‘nacionalismo cultural’ é entendido como todos os aspectos
que venham a regenerar a comunidade nacional pela criação, preservação e
fortalecimento da identidade cultural de um povo em termos de ‘sentimento’, e não está
relacionado a movimentos nacionalistas (Yoshino, 1992).
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Um indivíduo ‘nacionalista cultural’ considera seu país o produto de uma história única
e com atributos peculiares, e coloca em destaque a comunidade cultural como a
essência de uma nação e busca assegurar direitos de cidadania a seus membros.
Yoshino (1992) explica que normalmente há dois grupos que favorecem o surgimento
de um nacionalismo cultural: os intelectuais, considerados as ‘elites do pensamento’,
que formulam ideais da identidade cultural da nação, e a chamada ‘intelligentsia’, ou
grupos sociais de elevada formação educacional, que contribuem para uma
representatividade cultural societária refletindo, portanto, uma posição social,
econômica e política desses grupos.
Talvez um dos aspectos mais visíveis dessa aculturação recente do Japão possa estar
no modo cada vez mais ocidentalizado dos nihonjins, dos japoneses, por influência dos
Estados Unidos, pois se observa naquele país uma flagrante americanização do estilo
de vida, dos gostos, das escolhas, do vestuário, da música, do corte de cabelo,
inclusive com a incorporação do inglês katakanizado, ou mesmo romanizado, como
recurso linguístico indispensável nas rotinas dos japoneses, e muitos fazem questão de
ter um sotaque americano na pronúncia do inglês. Tal fato é observado nas
interlocuções triviais do dia-a-dia, na mídia, nos esportes e na educação, fazendo com
que o inglês se torne uma das principais fontes para o ‘gairaigo’ (外来語), um termo que
se refere a palavras tomadas emprestadas de outro idioma e que são escritas em
katakana. Nesse aspecto, o inglês povoa todo o vocabulário, excedendo-se no esporte.
O tema ‘gairaigo’ é abordado com excelência e originalidade neste livro no capítulo
escrito pela autora Akemi Yamada.
culturais e, ou, como parte de formação educacional, o que acaba por ter influência em
sua cultura quando na volta desses indivíduos ao arquipélago.
Mas para se compreender o Japão em sua totalidade social e cultural, o autor faz uma
releitura crítica daquela sociedade situando-a em dois macros momentos históricos
antagônicos em sua formação e existência. Levando-se em conta os ímpetos e planos
daquele país de se tornar líder global, existem, portanto, dois contextos históricos do
Japão tendo como marco divisor o ano de 1945: o antes e o depois da Segunda Guerra
Mundial (Fig. 2). Antes de 1945, o Japão buscou se tornar líder mundial principalmente
pelo domínio bélico e pelas conquistas territoriais. Nessa fase, predominou-se uma
maior imposição da cultura nipônica em razão dos objetivos de domínio do “outro”, do
território ultramar. As razões históricas da beligerância japonesa são detalhadas nas
seções seguintes deste capítulo.
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1945
Outro aspecto a ser analisado são as relações e inter-relações culturais do Japão com
as demais minorias étnicas (nichos étnicos) em seu próprio arquipélago, pois naquele
país predomina uma estrutura social altamente estratificada, hierarquizada (Weiner,
1997), e uma indústria de cultura corporativa agressiva. Sob as égides desse sistema,
os verbos ‘mudar’, ‘incorporar’, ‘aceitar’ e ‘flexibilizar’ (talvez seja mais correto falar em
‘humanizar’) parecem ser ainda uma barreira a ser rompida entre os representantes e
grupos mais conservadores, principalmente os corporativos, e, também, por uma
parcela da população. Nesse sentido, uma visão crítica sobre os ‘grupos específicos
nipônicos’ e as ‘comunidades estrangeiras’ (nichos estrangeiros) existentes no Japão,
bem como sobre as investidas históricas japonesas no exterior faz-se necessária para
a compreensão sociológica e cultural do tema, não se refutando – no entanto – a
existência de um marcante ‘nacionalismo cultural nipônico’ (Yoshino, 1992).
Há, portanto, neste debate indagações acerca das asserções na literatura sobre a
‘homogeneidade cultural’ e a ‘homogeneidade étnica’ do Japão e sobre o contexto dos
nichos étnicos e estrangeiros minoritários no território japonês. Pode-se afirmar que o
Japão é um país de cultura e sociedade monolítica? São a monocultura e a monoetnia
elementos inquestionáveis de uma ‘japonicidade’? Quais são as verdades e quais são
as afirmações falaciosas sem respaldo acadêmico-científico acerca da intangibilidade
do Japão? É possível validar a tese de um Japão transcultural e multiétnico?
Para sustentar seus argumentos, o autor faz uma revisão da literatura e do timeline do
Japão, bem como uma releitura dos nichos étnicos e culturais existentes no
arquipélago japonês, em especial dos nikkeis brasileiros, dos nipo-brasileiros, e das
investidas japonesa ultramar. O termo ‘nikkei’ é usado para designar os descendentes
filhos dos japoneses da diáspora do século XX, também chamados de issei, nissei,
sansei, yonsei, etc. dependendo de qual geração pertencem, por exemplo, se são da
primeira geração, são chamados ‘isseis’, da segunda geração, ‘nisseis’. Além disso, o
autor se respalda em sua própria vivência no Japão, país em que morou por quatro
anos entre 2000 e 2004 para fazer estudos do idioma japonês na Universidade de
Niigata, mestrado em Relações Internacionais, na Universidade Internacional do Japão
(IUJ), e uma especialização focada em ‘Assistência Oficial para o Desenvolvimento
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Nessa última cidade, o autor pôde conviver mais proximamente da realidade dos
dekasseguis brasileiros naquele país, legitimando suas asserções e ponto de vista,
sempre se apoiando na ‘participação observante’ como método investigativo. Além
disso, o autor possui em sua família primos nikkeis, e desse convívio passou desde
criança a ter certo contato e primeiras experiências do legado nipônico no Brasil.
Some-se a isso a participação do autor como Vice-Presidente do Centro de Pesquisa
da Cultura Japonesa em Goiás, CPCJ-GO, um Centro de investigação em que os
debates temáticos sobre o Japão têm contribuído com o subsídio intelectual necessário
para o amadurecimento acadêmico e individual.
Até antes das revoltas por causa do processo de ‘ocidentalização’ de certos aspectos
sociais, culturais e institucionais nipônicos, o sistema imperial tinha sido menos
restritivo permitindo o “utilitarismo” de Fukuzawa Yukichi, com uma evidente
‘ocidentalização da língua e da moda’, além de mudanças no estilo ocidental em outras
áreas, incluindo os debates acerca dos méritos e ganhos da democracia e o
socialismo, mas por volta de 1935 tais manifestações não mais aceitas devido à
posição ideológica imperial (Cullen, 2003).
Foram esses dilemas da abertura do Japão a partir da Restauração Meiji (1868), sua
‘modernização’, e a necessidade de afirmar seu ‘poder’ na Ásia frente ao avanço do
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sistema colonialista ocidental, que levou o Japão a um conflito bélico com os Estados
Unidos em 1941, o histórico ataque a Pearl Harbor.
Lie (2001), em sua revisão da literatura identificou vários autores que veemente
sustentam a visão de um Japão monoétnico, o que se contrapõem ao ponto de vista
aqui levantado acerca de uma heterogeneidade nipônica; assim ao se defender a tese
de um ‘Japão multiétnico’, isso representaria per se um oximoro; ideias antagônicas em
sentido, mas reunidas em uma única frase dando um significado específico a um
determinado evento; ‘na interpretação de alguns estudiosos, a multietnia nipônica pode
corresponder a um ‘oximoro’, pois a palavra ‘Japão’ pode levar, muitas vezes, a uma
percepção geral de cultura singular, imperativa, dominante, e única, portanto,
‘monoétnico’.
Essa visão monoétnica sobre o Japão é defendida por Edwin Reischauer, estudioso da
sociedade japonesa, que explica aquele país como “o conjunto de pessoas mais
sistematicamente unificado e mais culturalmente homogêneo do mundo”. Reischauer
reforça essa visão ao mencionar que “os japoneses se sentem orgulhosos sobre a
‘pureza’ do sangue deles” (1988, p.33; p.396, citado em Lie, 2001, p. 18). Em seu livro,
Japan Today, Buckley (1990) afirma que “nenhuma outra sociedade industrial se
aproxima do Japão em termos de homogeneidade racial” (p.82); o mesmo ponto de
vista é compartilhado por Kumagai (1996) que advoga que o Japão “é a nação mais
homogênea, racialmente e etnicamente, do que praticamente qualquer outra nação
moderna” (p.9).
cultural de Yoshino, uma vez que o nacionalismo é um desejo coletivo, uma vontade
geral, que não necessariamente traduz a realidade. Willis e Murphy-Shigematsu (2008)
refutam as construções sociais de um Japão monoétnico, confirmando as análises e
interpretações de outros autores pioneiros no tema, entre eles: Waga Wagatsuma
Hiroshi, Changsoo Lee, Richard Mitchell, William Wetherall, George DeVos, Mikiso
Hane, Roger Goodman, Tanaka Hiroshi, Ross Mouer, Yoshio Sugimoto (p.17). Todos
eles sustentam que existe um contexto da realidade japonesa em termos de
composição étnica diferente daquela ecoada correntemente na literatura de um Japão
de pureza racial; segundo esses autores, existem “ilusões” de uma homogeneidade
nipônica; aliás, uma imagem estereotipada (e talvez equivocada historicamente) de um
Japão monolítico.
perseverança, algo cultivado por gerações, mas que parece estar sendo
paulatinamente sobreposto por outros valores e códigos morais, especialmente por
causa da juventude japonesa, que optar por atitudes, crenças e comportamentos
contrastantes rompendo com os códigos morais da vivência rotineira e do convívio
social que resistiram no país por gerações (p. 1-5).
Uma resistência da estrutura social apontada nos trabalhos de Chie Nakane, um dos
escritores de maior influência recente; no livro ‘Sociedade Japonesa’ (1970), ele
repercute a percepção de uma cultura homogênea. Uma das unicidades (ou
estereótipo) mais comuns entre japoneses e não-japoneses é de que a dimensão
cultural e social do Japão assenta-se no fato “de sua organização ser de orientação
‘coletiva’ e não ‘individualista’”, tal como ocorre nas relações societárias de outras
sociedades no mundo (Matsumoto, 2002, p. 37).
Apesar de ter suas ‘unicidades’, um olhar mais atento poderá revelar que um Japão
culturalmente uniforme não representa em plenitude sua realidade contemporânea, e
nos questionários respondidos por estudantes universitários japoneses, 70,8% deles se
consideravam ‘individualistas’ e apenas 29,2% se achavam de orientação ‘coletiva’, já o
mesmo questionário aplicado aos adultos revela outra percepção; 67,9% dos adultos
japoneses se acham com ações, pensamentos e atitudes coletivistas, e 32.1 se
achavam individualistas.
Com base em seus levantamentos, Matsumoto (2002) elenca sete novos estereótipos
que representariam uma contraposição às concepções clássicas acerca da cultura
japonesa, o que ele chama de o ‘Novo Japão’, título de sua obra. Os setes estereótipos
são: i) o coletivismo japonês; ii) conceitos próprios do ‘eu’ japonês ; iii) consciência
interpessoal japonesa; iv) a emoção japonesa; v) o “salaryman” japonês; vi) o emprego
vitalício japonês; e vii) e o casamento japonês. Esses estereótipos são feitos com base
no estilo de vida de orientação coletiva, atitude pessoal em relação ao grupo,
percepção societária, as interrelações, profissão e trabalho versus meritocracia e
senioridade, a o casamento e vida familiar.
Existe, portanto, uma re-territorialização do Japão para além de suas ilhas (Befu,
2008). Nos séculos passados, isso ocorreu de duas formas: primeiro, com as
conquistas territoriais beligerantes pela Ásia; posteriormente, com a diáspora japonesa
pelo mundo, em particular, para o Brasil e Peru. Todos esses fatos são elementos
indissociáveis na elaboração do conceito ‘japonicidade’ visando a explicar a cultura e a
sociedade nipônicas no espaço e no tempo como um povo de características próprias,
mas suscetíveis historicamente a ser objeto e sujeito de uma aculturação.
suas ideias e mercadorias, por cerca de 200 anos, a partir de 1641 no Período
Tokugawa, como historicamente alardeado; o que de fato aconteceu é que o estado
Tokugawa monopolizou o comércio exterior, mas esse monopólio não proibiu idéias
estrangeiras, nem mesmo as ‘ocidentais’, de entrarem em suas ilhas (Tsuruta, 1992;
Jansen, 1992, p.2), por exemplo, mais de 200 livros estrangeiros foram traduzidos na
época (Arano, 1994, p. 228-229), e a passagem do Japão feudal-medieval para um
Japão moderno foi marcada pela existência de grupos etnicamente diversos. Na Era
Meiji, ocorreu a colonização de Hokkaido e de Okinawa, e a expansão imperialista
possibilitou a entrada de muitos coreanos e chineses no Japão quando este invadiu e
tomou controle da Manchuria e da Península Coreana (Befu, 2008), aliás, a migração
coreana totalizava em 1945, mais de 2.300.000 pessoas (Lie, 2001, p.24) (ver Tab.
1.0).
Na segunda fase da Era Meiji, por volta do final do século XIX, o país começou a se
estabelecer como poder imperial na Ásia invadindo também Taiwan, Sakhalin, e a
Micronésia (Befu 2008). Nesse mesmo período, os projetos de globalização do Japão
moderno ganharam força, e com eles – paradoxalmente – a possível ocorrência de
uma aculturação tênue em meio à imposição de um nacionalismo cultural (Yoshino,
1992). De acordo com Lie (2001), o ‘Japão moderno’ vai do período após a
Restauração Meiji, 1868, inclui o pós-Segunda Guerra Mundial, 1945, chamado de
Sengo, e encerra-se com a morte do Imperador Hirohito (Showa) in 1989.
Diferentemente de Lie, o autor acredita que o Japão possa ser classificado em quatro
períodos históricos distintos considerando-se seus mais de dois mil anos de existência.
Esses quatro períodos seriam: o Japão ancestral; o Japão feudal-Medieval da
Dinastia Tokugawa; o Japão Imperial Moderno da Era Meiji; e o Japão
Tecnológico Contemporâneo (Ver Fig. 2.0 e Fig. 3.0). Esses períodos históricos se
situam dentro dois macros momentos históricos do Japão, como anteriormente
ilustrados: i) o ‘Domínio Bélico-Militar (tempos de beligerância; guerras, disputas), entre
+2000 A.C. e 1945, e ii) o ‘Domínio Tecnológico’ (tempos de paz), de 1945 até os dias
atuais. O domínio tecnológico é, igualmente, marcado pela liderança econômica do
Japão.
O ano de 1945 é considerado pelo autor como um ‘marco divisor’, em que a história do
Japão pode ser dividida em dois grandes momentos; ou seja, a existência de um Japão
marcado pela instabilidade por causa de suas pretensões imperialistas com conquistas
bélicas territoriais (o Japão antes de 1945), e a existência de um Japão líder mundial
da tecnologia de ponta, inovador, pacífico, fomentador de cooperação e assistência
internacional, e parceiro global nas mais diversas áreas das Ciências e da Tecnologia,
tornando-se dessa forma um país cujas credenciais das últimas décadas denotam seu
sucesso. Existe, portanto, um Japão dicotomizado historicamente pelo ano de 1945;
dois momentos distintos de uma mesma sociedade (Ver Fig. 3.0).
Fig. 3.0 – Japão e suas Quatro Dimensões Históricas: Ancestral, Feudal, Imperial e
Contemporâneo Tecnológico.
Tomando-se como base a linha de tempo da Fig. 3.0, o autor se propõe a sublinhar os
eventos em que o Japão possui maior interatividade com povos de outras culturas
dentro e fora de seu arquipélago. Cronologicamente são dispostos os momentos em
que essa interação ou contato para fins mercantilistas ou em razão de ocupações de
territórios podem ter sido propensos a uma possível aculturação ativa ou passiva do
Japão. São também mencionados os momentos de isolamento o que representam as
vanguardas ou resistências com a finalidade de defesa do território e da cultura.
Insulamento como estratégia.
Tabela 1.0 - Japão Ancestral, Feudal, Imperial e Contemporâneo (-2000 A.C.- Atual): Possíveis
Ocorrências de Aculturação e Insulamento (Reafirmação Nacionalista e Cultural)
Adachi (2006a) relata em sua obra que a formação da identidade dos descendentes
dos japoneses no Brasil foi aquela da passagem de um contexto de “migrantes
agrários” para um contexto de “trabalhadores urbanos de colarinho branco”, portanto,
as gerações subsequentes conquistaram e usufruíram de situação muito mais
privilegiada do que os seus antecessores, e, no Brasil, os descendentes de japoneses
são comumente estereotipados como um grupo étnico de identidade marcante,
competentes profissional e academicamente, e de nível intelectual acima da média.
Mas a história da diáspora japonesa para o Brasil tem dois elementos fundamentais no
final do século XIX que favoreceram a sua ocorrência: primeiro, o Japão enfrentava
uma grave crise econômica; segundo, a abolição da escravatura em 1888 dava um
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novo contorno social e laboral ao Brasil, e a necessidade de mão de obra nas lavouras
demandava um contingente imigratório (Adachi, 2006a; Lone, 2001). Primeiro vieram
para o Brasil os alemães, em 1824. Em 1894, o deputado japonês Tadashi Nemoto
veio ao Brasil, e viu no país uma possibilidade imigratória para o Japão,
recomendando-a; no ano seguinte, em 1895, Brasil e Japão assinam o Tratado de
Amizade, Comércio e Navegação, e, com esse Tratado, iniciou-se uma campanha para
incentivar os japoneses a imigrarem.
A região de São Paulo com seus cafezais precisava desse contingente para manter o
ritmo de produção e os lucros; assim, o governo de São Paulo deu apoio direto à vinda
dos japoneses. Em 1907, a Companhia Imperial de Imigração, gerenciada por Ryu
Mizuno, assina o acordo para o envio de 3.000 imigrantes em três anos. Com o apoio
de um grupo de intérpretes, o navio Kasato Maru atraca em São Paulo, em 1908, com
781 japoneses a bordo, 165 famílias, e esse ano marca o início da imigração japonesa
para o Brasil (Suda e Sousa, 2006, p.1). Os japoneses são enviados para a Casa da
Imigração, e dias depois divididos em seis grupos e enviados para a cafeicultura, mas
no ano seguinte, em 1909, apenas 191 continuaram nos postos de trabalho.
Apesar desse resultado insatisfatório, em 1910, chega o segundo navio com mais
imigrantes japoneses, e vindos em maior número, passam a formar núcleos agrícolas
próprios, expandindo-se a fronteira agrícola. Em 1926, em Cotia, é fundada a primeira
Cooperativa Agrícola para o escoamento de batatas evitando-se a ação de
atravessadores. No interior do estado, começam a surgir as primeiras associações
culturais japonesas. Lone (2001) fez um estudo sobre a comunidade japonesa no Brasil
entre 1908 e 1940, e relata a saga dos nipônicos em solo tropical, a luta, os sonhos, as
conquistas, as incertezas, as saudades da terra natal, o choque cultural e os
sofrimentos, em uma narrativa metafórica que situa os japoneses no Brasil entre o
dilema de pertencerem à terra dos Samurais mas residindo na terra do Carnaval.
214-224), e essa situação iria de encontro aos ideais de voltar para o Japão bem
financeiramente; além disso, por cultivarem ‘arroz’ na região, isso fazia com que eles
ficassem ainda mais saudosos da terra natal, uma vez que o ‘arroz’ representa o
símbolo existencial da cultura japonesa (Ohnuki-Tierney, 1993; Adachi 2001; 126).
Para essa comunidade, o Brasil era visto como um lugar emprestado e temporário para
eles. Essa comunidade teve dificuldades em aceitar e lidar com a derrota japonesa na
Segunda Gerra Mundial, pois a derrota conotava que o Japão não estava lá mais
pronto para esperá-los tal como eles o tinham deixado.
Por volta de 1941, com o início da Segunda Guerra Mundial, as relações entre Brasil e
Japão ficaram estremecidas fazendo com que a imigração fosse interrompida, mas
naquele ano já se encontravam residindo no país cerca de 180.000 japoneses (Lone
2001, p.71). Por causa da guerra, os japoneses passaram a ser ‘vigiados’ e
‘cerceados’; e algumas das medidas tomadas pelo governo brasileiro incluíam: o
fechamento das escolas especiais para os japoneses; a proibição do uso do idioma
japonês e das transmissões radiofônicas do Japão; além disso, os japoneses eram
detidos sob suspeita de espionagem ou conspiração. Essas foram talvez as ações mais
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Em 1952, Brasil e Japão assinam o Tratado de Paz, e em 1955 chega ao país uma
nova leva de imigrantes trazidos pela Cooperativa de Cotia, mas para trabalharem nas
fazendas administradas pelos próprios japoneses, e a comunidade nipo-brasileira se
fortalece culturalmente, com ações e movimentos que não deixam a cultura brasileira
se sobrepor totalmente à japonesa, havendo a manutenção de uma ‘identidade nikkei’.
É importante ressaltar que aqui se fala de identidade ‘nikkei’ em vez de uma identidade
‘nipônica’! Na cidade de São Paulo, tem-se a continuidade das atividades culturais
iniciadas no interior anterior à Segunda Guerra, e são criados clubes urbanos para
danças, futebol de salão e tênis de mesa; em 1960, é inaugurado em Arujá o Nippon
Country Club. Nessa época com o estabelecimento dos japoneses, o Brasil já era
aceito como ‘casa definitiva’ e não mais um ‘local temporário de trabalho’, pois os
imigrantes já passavam por um processo de incorporação da cultura e estilo de vida
brasileiro, principalmente por causa de seus filhos, netos, bisnetos; ou seja, os nisseis
e sanseis, yonseis, e gosseis. Pode-se falar de uma identidade mista nipo-brasileira, ou
‘identidade nikkei’ em razão do processo de aculturação ocorrido ao longo das décadas
desde a chegada do navio Nasato Maru aos portos brasileiros.
Mas a diáspora japonesa não se limitou ao Brasil e Peru; conforme Lie (2001), a
diáspora se estendeu pela Ásia e América do Norte, com um total de 1.400.000
japoneses vivendo no exterior por volta de 1940 (Tanaka, 1991, p. 193); nos anos 90s
mais de 200.000 estavam residindo nos Estados Unidos, além de existir mais de
700.000 nipo-americanos naquele país (Tanaka, 1991, p. 185-186), e, não se pode
deixar de mencionar que os japoneses dos negócios, os turistas japoneses e
imigrantes japoneses estão por toda parte (Lie, 2001). Mas White (1988), alerta que
apesar de o sucesso corporativo do Japão levar milhões de japoneses a viver no
exterior, a volta às rotinas ao arquipélago torna-se extremamente difícil para os filhos
deles nascidos alhures; é uma reintegração – muitas vezes - marcada pelos desafios
de uma adaptação traumática, penosa, com conflitos identidários, linguísticos, e de
aceitação pelo grupo social a qual venham a pertencer.
Os Ainus (アイヌ) representam uma minoria étnica indígena que habita a parte norte
do Japão, a ilha de Hokkaido, e as Ilhas Sacalina e Curilas, e que resistiram por
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Os Burakumins (部落民) são outro grupo minoritário em território japonês que também
sofreu (e sofre) com discriminação por causa de suas origens por terem sido
considerados uma ‘casta’ inferior na hierarquia social estratificada do Japão feudal e
medieval dos Tokugawas, pois ocupavam postos de trabalho rotulados como ‘impuros’,
entre eles os de açougueiro, coveiro, coletor de lixo, e de executor de criminosos
(Samuel 2008). O preconceito tem sua origem na ideologia e filosofia Xintoísta acerca
da pureza do indivíduo que poderia perde-la ao realizar funções ‘sujas’ (Weiner, 1997),
no entanto, vale ressaltar que alguns dos artistas, atores e escritores de expressão no
Japão foram ou são de origem ‘burakumin’ (Samuel 2008).
O tema ‘Burakumin’ é ainda um tabu e evitado ser discutido nas rodas entre amigos.
Evita-se falar sobre eles, e o autor – quando residia no Japão – chegou a questionar
sobre os Burakumins com alguns colegas japoneses de Nagoya, alguns universitários,
e todos diziam desconhecer detalhes sobre essa minoria da população “japonesa”, sua
história de flagelo e discriminação no Japão, e não prolongavam o assunto. Outra
minoria que deve ser mencionada como ‘nicho etnocultural’ no Japão são os
Okinawanos que historicamente se fizeram uma nação separada até 1879, tanto que
sua cultura e língua são distintas da dos japoneses de Honshu e das outras ilhas
(Weiner, 1997; Ueunten 2008).
A Tabela 2.0 mostra o número de estrangeiros no Japão no ano de 2006 bem como o
respectivo percentual de representatividade de cada grupo naquele país conforme o
Ministério da Justiça do Japão. No entanto, o Ministério ainda não divulgou os números
recentes desta presença estrangeira em seu território, também não são apresentados
os detalhes sobre as demais nacionalidades que fazem parte dos 14,8% de
estrangeiros, entre eles, certamente, estão os grupos de Bangladesh, Paquistão,
Vietnã, e Rússia. Naquele ano, os brasileiros representavam 15,0% dos estrangeiros, e
os peruanos representavam apenas 1/5 do número de brasileiros; uma comunidade
bem mais reduzida; e as Filipinas também figuram como grupo representativo, ficando
em quarto lugar com um contingente bem acima em relação aos americanos.
“portanto, uma filipina pode se casar com um japonês, ter uma cidadania
japonesa, e ser uma dona-de-casa em tempo integral com crianças na escola,
enquanto que outra filipna pode ser pega em situação irregular, ilegal no país, com
visto expirado, e atuando no círculo de prostituição controlado por gangues
japonesas” (tradução própria) (Befu, 2008, p. xxiv).
Lie (2001) ressalta que na década 80, a mídia de massa japonesa passou a usar o
termo ‘japanyukisan’ para designar os novos trabalhadores migrantes; um termo de
conotações preconceitos se analisar sua etimologia, pois deriva da palavra
‘karayukisan’ usada em referência às prostitutas japonesas no exterior no final do
século XIX (Suzuki, 1993, p. 224-236); portanto, o termo ‘japanyukisan’ pode
implicitamente significar ‘mulheres trabalhadoras sexuais’. Até 1988, a maior parte dos
deportados do Japão, algo como 80% - 90% deles, eram mulheres que trabalhavam
anfitriãs de bares e prostitutas, entre elas filipinas, tailandesas, etc. (Hinago 1986, p.
143-144, apud in Lie, 2001, p.20). A palavra ‘gaijin’ também é considerada por muitos
como um termo carregado de implícitos xenofóbicos, uma forma de ‘racialização’, pois
faz uma distinção entre os que pertencem à sociedade japonesa e os que a ela não
pertencem, levando a possíveis conotações de exclusão, tais como ‘intruso’; ‘gaijin’ é a
forma reduzida de ‘gaikokujin’ que literalmente significa o ‘sujeito que é (vem) de fora’,
o forasteiro, o estranho, uma ádvena.
Com as demandas por mão-de-obra nas indústrias japonesas a partir dos anos 80
durante a “bolha econômica”, e assim iniciou-se o movimento ‘dekassegui’, que tem
sua escrita aportuguesada ‘decasségui’, também chamado na literatura de a ‘diáspora
do retorno’. É importante salientar que essa ‘diáspora do retorno’ (Tsuda, 2003) não foi
um retorno de grupos rurais de nikkeis brasileiros famintos e miseráveis, mas de
descendentes de japoneses em sua maioria razoavelmente estabelecidos em áreas
urbanas do Brasil, e que buscavam dar um salto na qualidade de vida, fugindo da
insustentável crise econômica do Brasil da década de 1980 e 1990 (Roth, 2002; Tsuda,
2003); uma crise econômica sem precedentes, com uma dívida externa “impagável”,
hiperinflação, recessão, especulações de toda sorte, descontrole econômico e
financeiro, resultando em achatamento salarial, queda no poder de compra, e falências
individuais e corporativas; lucravam no país aqueles que possuíam um capital
excedente para especular em artifícios financeiros em que dinheiro vira ‘muito dinheiro’
69
em curto prazo; uma crise que marcou a agitada transição de uma ditadura militar de
21 anos para um regime de governo civil eleito por voto, portanto, mais democrático.
Existem dekasseguis que vivem há mais de 20 anos em solo japonês, com filhos
nascidos ali, já estabelecidos, enraizados, e com uma identidade mista, talvez seja
mais apropriado dizer ‘híbrida’, digamos, uma identidade nipo-brasileira. Tsuda (2003)
70
Assim, há duas perguntas inquietantes a se fazer sobre esse tipo de situação: primeiro,
tomando-se como base as leis vigentes e as barreiras do governo japonês em relação
à permanência dos dekasseguis no Japão, não tendo um status definitivo, não sendo
cidadãos por direito, então, são os seus antecessores (ancestrais) que imigraram para
o Brasil no século XX considerados desertores, párias nacionais? Segundo, afinal são
os dekasseguis japoneses étnicos ou não? Se houver um consenso de que são
eticamente japoneses, então por que não podem ser considerados cidadãos japoneses
com os mesmos direitos e deveres daqueles que nasceram e cresceram naquele país?
O autor com base em suas observações e experiências pessoais e nos contatos com
os nipo-brasileiros em Aichi-ken, Nagoya-shi, principalmente na região do Consulado
do Brasil, onde funciona o supermercado brasileiro, The Amigos, afirma que os
dekasseguis são na verdade a evidência mais palpável de uma cultura nipônica forte,
pois mesmo longe do Japão por décadas foram capazes de manter vários aspectos
daquela cultura e do idioma, mostrando-se uma vanguarda cultural ultramar. Nesse
caso, houve certamente um processo de aculturação dos ancestrais japoneses e de
seus descendentes, mas de modo que vários traços da cultura nipônica resistiram a
uma provável sobreposição da cultura brasileira, ocorrendo um fenômeno espetacular
de duas culturas, digamos, justapostas, e que com o tempo tiveram algum nível de
imbricação, sem que uma cultura anulasse a outra completamente. Logicamente que
há ‘nikkeis’ que conhecem muito pouco da história, cultura, sociedade e da língua
japonesa. Por exemplo, o autor não é descendente de japonês, mas tem na família um
caso de casamento inter-racial, e desse relacionamento vieram dois primos nikkeis, e
apesar de terem traços nipônicos, não possuem domínio da língua japonesa, nunca
estiveram no Japão, e o referencial identitário deles é notadamente brasileiro. Nesse
caso particular, o autor tem muito mais bagagem cultural e linguística japonesa do que
os próprios primos nikkeis.
O que muitos estudiosos não percebem é que existe já faz algum tempo uma
ocorrência única, extraordinária, da aculturação dos grupos nikkeis e, de certo modo,
dos japoneses como sociedade receptora desses grupos; essa aculturação tende a ser
na verdade um resgate linguístico-cultural. Há, portanto, uma necessidade urgente de
mudança de postura e de percepção do governo e da sociedade japonesa de modo
que passem a considerar os dekasseguis como um grupo muito especial com o status
de cidadão japonês, nihonjins, ao invés de percebê-los apenas como uma mão de obra
importada e conveniente para o trabalho pesado e exaustivo nas indústrias em épocas
de prosperidade e demandas econômicas (Tsuda, 2003). Outro fato a ser investigado é
se há ou não bairrismos nos redutos nikkeis como forma de se afirmarem culturalmente
no Japão. Igualmente importante seria o levantamento sobre movimentos ou ações
etnoculturais das comunidades estrangeiras não-nikkeis.
O grande desafio para os dois governos, do Brasil e do Japão, tem sido resolver a
situação incerta de famílias que em solo japonês se estabeleceram, ficaram raízes com
filhos que nem falam o português fluentemente ou se identificam mais como sendo
japoneses do que brasileiros, mas não tem a cidadania nipônica. Aquele país é ainda
algo “emprestado” a eles mesmo após 22 anos da chegada ao arquipélago. Mas a
comunidade dekassegui presencia uma redução significativa em número de indivíduos
devido às crises econômicas e recessões no Japão nas duas últimas décadas, e
agravadas com as crises nos Estados Unidos e na Europa, e, também, pela melhoria
da situação econômica do Brasil, o que serviu de atrativo para que muitos desistissem
de continuar uma vida incerta no Arquipélago Asiático, fazendo o retorno definitivo ao
país tupiniquim.
O tema proposto neste capítulo faz uma releitura crítica das várias abordagens
históricas, culturais e sociais e pode mostrar caminhos para a elaboração do conceito de
‘japonicidade’; uma missão nada fácil, mas certamente gratificante e de notável
contribuição para a literatura. È um debate que ultrapassa as dicotomias das discussões
disciplinares isoladas, envolve os ‘nipologistas’, mas também requer uma investida
interdisciplinar, multidisciplinar, transdisciplinar, para uma compreensão holística da
sociedade contemporânea japonesa; uma compreensão que não pode alijar os grupos
minoritários presentes no arquipélago japonês.
Dessa forma, uma resposta precisa, de base mais empírica, poderia ser dada face às
indagações feitas no início do capítulo, mas que foram consistentemente analisadas e,
em alguns trechos e com base na literatura pertinente, de várias formas, foram
respondidas. As perguntas foram: Pode-se afirmar que o Japão é um país de cultura e
sociedade monolítica? São a monocultura e a monoetnia elementos inquestionáveis de
uma ‘japonicidade’? Quais são as verdades e quais são as afirmações falaciosas sem
respaldo acadêmico-científico acerca da intangibilidade do Japão? É possível validar a
tese de um Japão transcultural e multiétnico?
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Tendo vista a complexidade desse debate, o autor optou por orientar a discussão, bem
como apontar a literatura, abordagens, conceitos e teorias existentes que podem
contribuir para a profundidade do tema. Mas sem se mostrar neutro, o autor advoga que
o Japão é um mosaico de experiências históricas, culturais, linguísticas e culturais,
experimentando avanços e retrocessos em sua ocidentalização; no entanto, sempre
houve movimentos de resistência de caráter endógeno que lutaram pela prevalência e
manutenção da essência da sociedade japonesa, e as evidências dessa resistência pode
ser observada em todo o arquipélago, na gastronomia, na arquitetura, no vestuário, no
idioma e nos recursos linguísticos, nas formas de organização, nas crenças e nos
valores, e, na postura – obviamente – nacionalista. Aliás, essa talvez seja o elemento
mais contraditório daquela sociedade, pois ao mesmo tempo em que unge, almeja e
valoriza aquilo que seja estrangeiro, incluindo as pessoas, em atitude inversa, acaba por
repudiar aquilo que seja de fora, e se inicia um processo de sobrevalorização das coisas
autóctones e nativas.
Uma das contribuições originais desse capítulo é a análise do legado histórico do Japão
para o próprio Japão, e a saga das diásporas japonesas, e os desdobramentos históricos
do exílio voluntário nipônico, e isso inclui as contribuições e o legado deixado pelos
japoneses que no passado, corajosamente, deixaram sua terra natal rumo a terras
distantes, desconhecidas, em um período de crise, de guerras, de incertezas. Com a
mesma visão crítica, o autor retoma as discussões sobre a situação dos dekasseguis
brasileiros no Japão, e ressalta os problemas identitários, de socialização, e de crises
desse grupo. Outras minorias como a dos chineses, coreanos, bem como a dos inus e
dos burakumins, bem como os aspectos transculturais não são esquecidas nesse
debate.
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