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Em seu texto A Política do Reconhecimento, originalmente publicado em 1992,

Charles Taylor analisa de que forma o multiculturalismo pode funcionar dentro de uma
democracia liberal. O reconhecimento, para Taylor, paira de forma grandiosa sobre a
política contemporânea. De movimentos nacionalistas a demandas de grupos minoritários
ou subalternos no feminismo e multiculturalismo, a invocação do reconhecimento é um
dos pilares do discurso político atual, e em parte por um bom motivo – nossa identidade
é parcialmente moldada pelo reconhecimento ou pela ausência dele, causando grandes
danos às populações que são afetadas pela ausência ou interpretação incorreta desse
processo: o não reconhecimento não é apenas falta de respeito, mas a privação do que o
autor considera ser “uma necessidade humana vital” (TAYLOR, 2000, p. 46) que está
interligada também à percepção do indivíduo como sendo detentor de direitos e é
fundamentada na relação cultural. Para analisar o reconhecimento e sua importância,
Taylor procura compreender como que o discurso de reconhecimento ganhou o
significado que possui atualmente, e para isso extrai duas mudanças que tornaram a
preocupação com essas ideias em algo inevitável.

A primeira é o colapso das hierarquias sociais, que eram as bases para a honra. A
exigência por reconhecimento é, historicamente, um fenômeno novo que surgiu como
resultado da perda de valor da honra e do aumento do valor da dignidade. A dignidade se
manifesta nos discursos de universalismo, igualdade, direitos, cidadania, etc. O
reconhecimento, a autenticidade e a identidade nos levam a uma direção diferente: a
política da diferença. A política da diferença exige reconhecimento por coisas que não
compartilhadas universalmente. Isso pode ser apoiado pela política da dignidade, mas
pode ser também facilmente combatido por ela. Este é o primeiro ponto de tensão no
cerne do multiculturalismo no mundo moderno: no debate sobre onde conceder
reconhecimento, a universalidade pode ser um aliado ou inimigo da identidade e,
portanto, para o reconhecimento em si. Uma segunda tensão é que o reconhecimento
universal de valor e respeito por um indivíduo ou cultura entra em conflito com a
particularidade da cultura individual. Autores chaves nesse processo de investigação no
que concerne ao senso de moralidade, identidade, originalidade e autenticidade, que são
questões que compõem e dialogam entre si na análise de Taylor sobre o reconhecimento
foram Rousseau, Herder e, posteriormente, Hegel. Taylor, entretanto, rejeita a
homogeneidade social trazida na ideia hegeliana do “eu” no “nós” e “nós” e “eu”, o que
considera terreno fértil para o sufocamento da diferença.
Em primeiro lugar, o princípio do respeito igual exige que as pessoas sejam
tratadas de uma forma que ignore a diferença. A intuição fundamental de que
este respeito depende das pessoas centra-se naquilo que é comum a todas elas.
Em segundo lugar, temos de reconhecer e até mesmo encorajar a
particularidade. A crítica que a primeira faz à segunda consiste na violação que
esta comete do princípio de não-discriminação. Inversamente, a primeira e
criticada pelo facto de negar a identidade, forçando as pessoas a ajustarem-se
a um molde que não lhes é verdadeiro. Já seria suficientemente mal se se
tratasse de um molde neutro - ou seja, que não pertencesse a ninguém, em
particular. Mas, geralmente, as pessoas levam a reclamação mais longe.
Queixam-se do facto de o conjunto, supostamente neutro, de princípios que
ignoram a diferença e que regem a política de igual dignidade ser, na verdade,
um reflexo de uma cultura hegemônica. Se assim é, então só a minoria ou as
culturas subjugadas são forçadas a alienarem-se.
(2000, p. 63)

A segunda mudança é que a identidade individual, ou a autenticidade, criaram


uma nova necessidade de um reconhecimento que precisa ser ganho ou conquistado do
outro. A possibilidade de uma falha em “reconhecer o reconhecimento” é algo novo na
era moderna e propiciou o aumento na demanda por reconhecimento, que é cada vez mais
prevalente em nosso mundo. A ascensão da dignidade como um ideal universal, aliada a
essa crescente demanda por reconhecimento, levou a uma política moderna de
reconhecimento igualitário.

O Canadá, mais especificamente o Québec, é o maior exemplo dessas tensões e


contradições, e é onde Taylor concentra sua análise. A Carta Canadense de Direitos de
1982 definiu um conjunto de direitos individuais e garantiu aos cidadãos tratamento igual
e proteção contra a discriminação, contudo, a natureza das leis aprovadas no Québec, que
visavam a conservação/sobrevivência da população e cultura francófonas frente ao
bilinguismo do país, pareciam contrariar tais garantias, impondo regras ao âmbito privado
para assegurar metas coletivas, o que era a preocupação liberal; e o outro lado, para qual
o próprio autor pende, entende que tais demandas não viriam por beneficiar apenas certos
indivíduos mas sim possibilitaria que futuras gerações se beneficiassem da variedade
cultural, justificando assim um “liberalismo distinto” onde o bem coletivo justifica a
busca universal pelas diferenças.

Assim como Taylor, Axel Honneth também reformula a definição de


reconhecimento e intersubjetividade hegelianas, mas parte da psicanálise para fazer sua
análise política vista na obra A luta por reconhecimento, ao invés de partir do âmbito
cultural, como feito por Taylor. Ambos entendem a questão do reconhecimento como o
cerne do discurso político da atualidade, e dão visibilidade ao tema. No quinto capítulo
da obra, intitulado Padrões de reconhecimento intersubjetivo: Amor, direito,
solidariedade, Honneth toma como ponto de partida da sua investigação o processo de
diferenciação em seres autônomos, que se inicia na construção da autonomia dentro das
relações primárias (cuidados básicos da mãe para com o bebê), gerando assim a
autoconfiança, e para ela existir, deve-se existir a confiança no vínculo com o outro. Há
então a quebra parcial desse laço quando a criança redireciona a confiança que sente na
mãe para um objeto transicional que lhe serve de apoio nessa fase (como, por exemplo,
um paninho ou uma boneca a qual ela se afeiçoa), quebra que o autor reconhece como
sendo o início da luta por reconhecimento e o desenvolvimento de uma identificação
como ser autônomo, do reconhecimento da capacidade de estar só.

Seguindo Hegel e Mead, Honneth identifica três esferas de interação que são
conectadas aos três padrões de reconhecimento necessários para o desenvolvimento de
uma relação positiva do indivíduo consigo mesmo. Estes são o amor, o direito e a
solidariedade, que dão nome ao capítulo. A esfera do amor refere-se ao âmbito das
necessidades físicas e emocionais que devem ser supridas pelos outros; ela assume a
forma de nossas relações primárias (ex: familiares, amorosas). Essa esfera fornece uma
autoconfiança básica, que pode ser rompida por meio do abuso físico. A esfera do direto
refere-se ao desenvolvimento da responsabilidade moral, desenvolvida através das nossas
relações morais com os outros; sendo um modo mútuo de reconhecimento onde o
indivíduo aprende a ver a si mesmo pelo ponto de vista do outro na interação como
portador de direitos iguais. A negação de direitos por meio da exclusão social e legal pode
ameaçar a autopercepção do indivíduo como um membro da sociedade plenamente ativo,
igual e respeitado dentro dela (o que justifica a base dos movimentos sociais). A esfera
da solidariedade, por sua vez, refere-se ao reconhecimento de nossas características e
habilidades; sendo crucial para o desenvolvimento da autoestima e para a formação do
senso de individualidade, já que para o autor são as caraterísticas e habilidades que
definem as diferenças pessoais. Um arranjo de um estado onde o reconhecimento é pleno
permite uma distinção entre lutas progressivas e emancipatórias e aquelas que são
reacionárias e/ou opressivas. Portanto, ao possibilitar a autorrealização de seus desejos,
características e habilidades, podemos avaliar as lutas sociopolíticas atuais e analisar suas
direções futuras, de modo a garantir o florescimento das condições de autorrealização.

BIBLIOGRAFIA
1. TAYLOR, Charles. A política do reconhecimento. In:_____. Argumentos
filosóficos. Loyola: São Paulo, 2000.
2. HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos
conflitos sociais. São Paulo: 34, 2003, capítulo 5.

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