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Introdução
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2. DIREITO COMO ARGUMENTAÇÃO
2.1.Conceptualização do Direito e Argumentação (Vilarino Calisto)
Precisa-se, no entanto, ter em conta que a argumentação é um conceito novo tirado da retórica
enquanto arte de persuasão, aliás ela é tomada com objectivo de distanciar-se das regras retóricas
pelas quais se serviam os pré-socráticos, tornando o seu campo mais universal e livre de regras.
Por isso, “o direito terá que ser tomado como algo que tem sua essência numa cadeia de
argumentação […] como uma das maneiras que se manifesta a razão humana enquanto
faculdade ou capacidade de resolver problemas” (cf. ATIENZA. 2014, P. 126).
A argumentação nos leva à legitimidade de uma decisão e visa uma comunicação, pois nela
encontra-se um esquema: emissor (aquele que profere a sentença), receptor (auditório),
mensagem (a sentença proferida) e o código (que compreende a língua, palavras ou linguagem,
técnica usada para proferir a sentença). Pode-se afirmar que, a argumentação tem sua origem na
procura incansável de soluções, respostas que de natureza prática ou teórica inquietam o homem
e, nela, estão vários significados.
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Na lógica antiga, era concebida a argumentação como passar de um enunciado para o outro
respeitando algumas regras. Enquanto nos anos setenta do século XX, é feito esforço para
integrar duas noções distintas: lógica formal (premissa, regras de inferência e conclusão) e a
racionalidade prática (universalidade e coerência).
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2.2.A complexidade argumentativa do Direito (Almeida Cornélio)
Desde a Antiguidade, a argumentação tem sido objecto de interesse de todas as áreas em que se
pratica a arte de falar e escrever de forma persuasiva. Assim, o Direito faz parte dessas áreas. Por
isso, não obstante, o facto de a argumentação ser algo complexo, nos dias de hoje, o seu estudo
tem recebido atenção, devido à grande influência que, os meios de comunicação têm sobre a
sociedade. Esta influência, se manifesta na abordagem de estratégias argumentativas para
convencer o público sobre certos valores e ideias. Exemplo disso: são os discursos relacionados à
publicidade e ao pensamento político.
No aparecimento daquilo que hoje chamamos da “teoria da argumentação jurídica” nos anos 50
e 60 do século XX, teve traços comuns a pretensão de construir um conceito de argumentação
que se opunha à noção de argumento lógico em sentido estrito.
Ademais, a argumentação jurídica desenvolvida ‘‘… a partir dos anos 70 (MacCormick, Alexy,
Peczenik, Aarnio […] é esforço para integrar duas noções distintas da argumentação: a noção
lógico-formal, vinculada à racionalidade formal, e outra concepção ligada à racionalidade
prática” (ATIENZA, 2012: 87). Por isso, os bons argumentos jurídicos devem cumprir os
requisitos da lógica formal (consistência das premissas, respeitos pelas regras de inferência na
passagem das premissas à conclusão) e outra concepção ligada a racionalidade prática.
Uma palavra, pode tornar-se complexa, simplesmente, porque a mesma é usada de maneira
equívoca, implica dizer que, significados que nada têm que ver entre si. E, a tarefa de esclarecer
o conceito (ambiguidade da expressão) consistirá em mostrar esta pluralidade de significados:
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inclui razões explicativas. Todo argumento prático em sentido normativo
estabelece como se devem avaliar as razões substantivas. (REDONDO Apud
ATIENZA, 2012:89).
Outra razão, distinta da simples ambiguidade, para que um conceito possa tornar-se complexo, é
conter uma forma particularmente complexa de ambiguidade, de maneira que não seja fácil
identificar um conjunto de propriedade que se adequem em todas acepções que se emprega o
conceito “… um exemplo clássico, é o do jogo não é fácil saber o que podem ter em comum as
actividades tão distintas como o xadrez, a lotaria ou o futebol” (ATIENZA, 2012: 90); sendo
assim, argumentar, de certo pode ver-se também como jogos de linguagem que são “inumeráveis
actividades contínuas, formas de vida não estáticas: sinais, palavras, proposições que permitem
falar uma linguagem, revelando os comportamentos humanos” (WITTGENSTEIN, 1984: 151).
Os jogos de linguagem, possibilitam a compreensão do processo do “uso” da linguagem em sua
totalidade como usar determinada expressão linguística, num determinado contexto.
Contudo, a pluralidade das concepções em torno da argumentação, não é explicado apenas pelo
pluralismo valorativo como acontece com a ‘‘justiça” e o ‘‘positivismo jurídico”, mas o
pluralismo contextual: não que tenha diversas concepções sobre o valor de argumentar, mas que
se tenha em mente que, não se argumenta, não se pode argumentar de igual modo em todos os
contextos. Assim também, acontece com a complexidade do Direito enquanto ciência
argumentativa e que, para operar o Direito e garantir de alguma forma a sua mais ampla
efectividade, é necessário que o operador jurídico compreenda que a argumentação jurídica é
diferente de todas as demais argumentações.
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2.3.Caracterização da argumentação jurídica (António Matemusse J. Cuanda)
Os homens são dotados da capacidade da linguagem. Usam-na no seu dia-a-dia para expressar-se
e, assim, o fazem ininterruptamente (HEIDEGGER, 2003: 7). Ao usar o termo
“ininterruptamente”, concorda-se com Martin Heidegger, naquele termo, de que o homem fala
sempre. Nele estão envolvidas todas as circunstâncias, situações, realidades e inimagináveis
possibilidades a que estes se submetem. Por exemplo, o andar, o falar, o dormir, o silenciar, o
chorar, o olhar, o ler, o sonhar, o dançar e outros.
Nessa diversidade de circunstâncias, criam-se vários modos de dizer a mesma realidade1. Todos
eles fazem parte dos vários âmbitos por meio dos quais o homem observar o mundo que o rodeia.
Nenhuma delas deve ser marginalizada, sob o risco de reduzi-lo. Nesta linha, caíram filósofos
como Ludwig Wittgeinstein (no Tratado Lógico-filosófico) e os membros do Círculo de Viena,
sob o pretexto de fundar uma verdadeira ciência. Dentre os mais diversificados modos de dizer,
encontra-se a argumentação na perspectiva jurídica.
Argumentar consiste em expressar-se por meio da linguagem com a finalidade de oferecer razões
que justifiquem uma certa decisão em forma de argumentos, a favor ou contra uma determinada
tese (Cfr. ATIENZA, 2003: 95). Todavia, nem todas circunstâncias necessitarão de um
argumento. Pode-se olhar para um caso em que se apresenta a arma do crime, causa eficiente. É
o problema ou a circunstância que determina o tipo de argumentação. Deste modo, a
argumentação jurídica é distinguida em três concepções: formal, material e pragmática.
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Olhando para a riqueza da literatura universal, pode-se perceber esta realidade através dos diferentes géneros
literários e textuais: o drama, a comédia, a poesia, e outros.
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ladraram na hora do roubo do cavalo? No Direito, argumentação encontra-se
dependente dos contextos, como é o caso de punir a X ou Y anos de prisão.
iii. Concepção pragmática da argumentação: caracteriza-se pela (i) interacção com o
outro e, ao mesmo tempo, (ii) busca persuadir, defender, atacar uma tese. Ela abraça-
se aos aspectos da retórica e da dialética, pois importa provocar efeitos desejados,
dependendo das argumentações e das circunstâncias em que se argumenta. No
Direito, o juiz, ao tomar uma decisão, deve ser persuasivo.
As três concepções da argumentação veem (i) combinadas de maneira que, o raciocínio jurídico
não prescinde de nenhuma delas; (ii) são complementares, pois não abarcam a totalidade das
situações, embora sejam ideais às diversas realidades; e (iii) estão ligadas aos problemas
humanos. Normalmente, a complementaridade vem superar a lacuna que se verifica em vários do
saber, onde as novas descobertas contrariam as leis mais clássicas2.
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Durante os anos do desenvolvimento da Física Quântica, percebeu-se que algumas leis da Física Newtoniana eram
limitados e não respondiam às novas descobertas. Para acomodar as novas descobertas às antigas, Niels Bohr, físico
dinamarquês, formulou o princípio da complementaridade que afirma: “a natureza da matéria é dual, e os aspectos
ondulatórios e corpuscular não são contraditórios, mas complementares” (OPPENHEIMER, 1954: 82).
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2.4.O Impacto da argumentação no ordenamento jurídico moçambicano (Tchuco
Sambo)
O presente subtítulo destina-se a fazer uma abordagem reflexiva sobre o impacto que a
argumentação tem no sistema jurídico moçambicano, suas proporções, contornos, abrangências e
desafios que a mesma opera nesta perspectiva.
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que poderia se dizer que, a argumentação é a casa do direito. Neste caso, vários factores
concorrem para tal realidade inquietante do direito moçambicano, dentre os vários, um dos
maiores é: o desconhecimento das leis no geral por parte da maioria populacional moçambicana,
pois a linguagem jurídica é conhecida e falada por ínfima minoria; a classe dos académicos
intelectuais, tal realidade amputa de certa forma o impacto positivo da argumentação que deveria
ser aqui a que sustenta, explica e torna clara as leis e o funcionamento da máquina jurídica no
geral, facto que, tal situação traz por consequência uma considerável abertura à indisciplina
jurídica, eis os casos de lavração de sentenças menos justas. Pois a quem a sentença injustiça,
poucas oportunidades e meios tem para mudar a sua sorte, porque desconhece a linguagem
jurídica e as leis.
Para a superação de tais fenómenos, a que antes fazer-se um pontual exercício de formar e
informar os indivíduos, sobre noções gerais do direito e o real funcionamento do seu
ordenamento, para que a linguagem jurídica seja acessível e conhecida pela maioria, aos quais os
meios de comunicação social possam abranger (rádio, Tv, Jornal, redes sociais…), deste modo
ter-se-á aberto um campo de efectivação argumentativa do direito e, os abusos no funcionamento
jurídico poderão dissipar-se.
O último desafio, como meio de superação recai à camada académica – intelectual que, deve
reflectir não simplesmente no estado em que o direito moçambicano se encontra, mas
reconhecendo o valor da argumentação como meio de garantia do sucesso de ordenamento
jurídico, desde as suas mais simples componentes às mais complexas. E por fim, esta mesma
classe deve interessar-se também em produzir conhecimento que tem que ver com direito, pois
nota-se que este carece de pensadores ou filósofos assíduos às estas matérias, situação que
nenhum intelectual ou iluminado ousou em ocupar-se seriamente do direito moçambicano, ao
nível de produção e escrita.
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3. Conclusão
Tendo-se chegado ao fim deste presente trabalho, pode-se dizer que o Direito tem o objectivo de
coordenar as relações intersubjectivas, necessitando da argumentação para esclarecer e explicar
as escolhas e decisões tomadas diante das diferentes circunstâncias a que o homem é submetido.
A concepção da argumentação variará em função das diversas realidades ou contextos, de modo
a oferecer uma solução satisfatória diante das constantes transformações temporais e espaciais
sem perder a sua essência. Outrossim, tanto o Direito como a argumentação necessitam uma da
outra numa relação de complementaridade para superar as várias limitações externas e internas.
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Bibliografia
ATIENZA, Manuel. 2014. O direito como Argumentação. Trad. Manuel Poirier Braz, Lisboa:
Escolar.
GUIMARÃES, Doroti Moroldi, O uso dos argumentos na pratica do direito. In: Leda Corrêa,
Direito e Argumentação.
OPPENHEIMER, J. Robert. Ciência e Saber Comum. Trad. Alberto Candeias. Livros do Brasil.
Lisboa, 1954.
PAUL, Leandro: Noções sobre história do direito clássico moçambicano. 1ª ed, Maputo. 2018.
WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas. Trad. José Carlos Bruni. São Paulo:
Editora Nova Cultural, 1984.
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