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Be Rene One QUANDO A FALHA FALA MATERIALIDADE, SUJEITO, SENTIDO. “0 que é a lingua separada do discurso?” F de Saussure [Ms.ff.3961. Caderno] | apresentou-se para mim, desde cedo, como uma excelente oportunidade' — uma vez que, em geral, se acentua 0 aspecto tecnolégico em sua reflexao, por contar entre as novas tecnologias ~ para mostrar que nao se pode reduzir a questao do digital des nao significa que possamos apenas “transportar” conceitos e nogdes e mesmo formas de anélise do quadro teérico a que nos dedicamos, mas que essas nogdes, conceitos, procedi- mentos sao pontos de apoio para interrogarmos a estrutura € funcionamento das novas tecnologias. Desencadeiam um procedimento heuristico. Sabemos que as novas tecnologias, embora sejam tecno! gias da escrita, atravessam a relagao do sujeito com a linguagem de maneira particular. Hd tempos venho enunciando que se trata de certo deslocamento na fungao autor e no efeito leitor, reor- ganizando o trabalho intelectual. Ja mostramos que ha na textualizacao produzida na internet uma relagao diferente com a meméria, meméria esta que tenho chamado de “meméria metilica” (E. ORLANDI, 1996, 2001). 69 Sabemos também que considerando a materi linguagem, mais especificamente da escrita, em diferentes momentos da histéria ha rupturas que reorganizam o trabalho intelectual, a relacao entre os homens e suas praticas sociais, os seus modos de vida. Na Idade Média, os copistas séo um desses momentos, depois a imprensa é outro. E dando gran- des saltos, como estamos dando, podemos dizer que as novas tecnologias de linguagem, ou seja, o discurso eletronico ea ia, Sdo outro. Pensando os trés elementos que, para mim, constituem 0 circuito do processo de significaco - a constituigao, a formu- lagao e a circulagao ~ podemos dizer que os trés sao afetados nesses momentos de ruptura. E h4, além disso, algo que é uma Constante nesse trajeto histérico-social da relagao do homem com 0 simbélico e 0 politico. E a questéo da repeticao, ou melhor, nesse caso, da reproducao. Na dade Média, tratava-se, para os copistas, de copiar o dito com suas letras feitas & mao; com a imprensa, a reproducao era pelo estereotipo, ou seja, pela prensa. Ja entramos pois na era da maquina e de seus efeitos sobre a estrutura-funcionamento da escrita. Reproducao e falha estao sempre presentes, mas 0 que se almeja é aperfeicoar a reproducao sem falhas. Contempora- neamente, trata-se da era numérica. E é esta estrutura- funcionamento que nos interessa para tematizarmos a questao dos “erros”, das “falhas” na escrita da internet. ‘MATERIALISMO, MATERIALIDADE, MATERIA: ALGUMAS OBSERVACOES Para falar disso, trago a perspectiva discursiva e com ela a nogdo de materialidade. Principalmente porque também esta no¢ao, a de materialidade, tem sido banalizada, perdendo sua idade. Materialidade nao se reduz “ao que esta dito”, ou a0 “dado” de qualquer natureza que seja. 70 ee Piconns Ont E pelo materialismo que se chega a afirmagao de que sé existe a matéria, definindo-a como um conjunto de objetos indivi- duais, representaveis, figuraveis, méveis, ocupando cada um uma regiao determinada no espaco. Em consequéncia nao se separa, ai, a vida biol6gica e a alma; nao ha almas indi ta — assim como na capitalista - savide, bem estar, riqueza, prazer, devem ser interesses fundlamentais na vida. Mas procuremos ir a frente e pensar a diferenca entre ma- terialismo histérico e materialismo dialético de maneira breve (A. LALANDE, 1972). O materialismo histérico é termo criado por Engels para designar a doutrina de Karl Marx, segundo a qual os fatos econdmicos estao na base e sao a causa determinante dos fendmenos historicos e soci O materialismo dialético engloba © materialismo histérico. Considera o universo como um todo, formado de matéria e movimento, engajado em uma evolucdo as- cendente que atinge niveis e graus de complexidade quantitativa® ‘que, por uma transformagao brusca, produz mudancas qualitativas completamente novas. ‘A matéria, nesta perspectiva, & a substancia suscetivel de receber uma forma. Aqui, faco um parénteses para lembrar como, em meu trabalho, vindo de uma formagao materialista - mas enquanto linguista que tinha também conhecimento do estru- turalismo proposto por L. Hjelmslev, que objetivava uma algebra stica, ndo conteudista, no funcionalista - pude propor, na andlise de discurso, a nocao de forma material (entre outros, E. Orlandi, 1996), que vem da distingao de Saussure entre forma e substancia e que se desenvolve na teoria de L. Hjelmslev (1971) que dota esta separacdo de atribuigdes tedricas especificas, permitindo passar para outa relagao: a que existe entre forma abstrata, forma material e substancia. Como explico, entao, ndo se trata de mera utilizagao, mas da leitura desta distingao em ‘outro dominio conceptual que proponho, justamente, o do mate- rialismo hist6rico, saindo portanto do posit 12 Goan de emar agi que, em meus wabalhos sobre cidade, quando fal da quantdade om estturanteestoutomando x perspestivamaterilita, ng, esto implicadon mara, ‘movimento eas mudangas qualita 7 ov At: Su, Sr, letoak ‘aque sefilia a andlise de discurso que pratico. Nessa perspectiva discursiva, a materialidade é o que permite observar a relacao do real com o imagi pelo inconsciente: discurso e a materi M, Pécheux (1975). Para Hjelmslev, tem-se o plano da expressao e 0 do conte- igao do signo afetados pela distingao forma e substancia, Ele define entao o campo da Linguistica e chamara de Glossematica 0 dominio constituido pela forma da expressao (fonologia) e pela forma do contetido (morfossintaxe), deixando para fora a substancia da expresso, 0 som (que, segundo ele, pode ser objeto da fisica), ¢ a substancia do contetido, o pen- samento, que segundo o autor € objeto da filosofia. E diz, em ‘outro texto (um ensaio) que a questao semantica € uma questo antropologica. A Glossematica é a sua Linguistica. lade especifica do discurso é a lingua, diz Mas nos da elementos interessantes quando teo lacdo entre forma e substancia, que é onde aparece a nogao de matéria. A substéncia seria geral a todas as linguas, j4 as formas so particulares, préprias a cada lingua ~ a lingua é forma e nao substancia !no. Ou seja, para Saussure, € porque a lingua é forma é que ela tem sua propria ordem. Para Hilemsley, a projecao das formas sobre a substancia dé ensejo a0 que se chama matéria, que seria, em minhas palavras, a substan- cia en-formada. Dai que, seguindo este impulso, mas mudando de terreno, penso a forma discursiva como forma material, no campo do materialismo histérico, sendo pois a forma linguistico- historica. Nem empirica, nem abstrata. Concebo assim a propria lingua no processo hist6rico-social e coloco o sujeito eo sentido como partes desse processo. Nesse percurso redefino 0 pi como divisdo ~ divisao entre sujeitos e divisao do sujeito —jé que nossa formacao social é di em sujeito produz uma forma histérica que € a capitalista de ‘Em oats wbalos sho mostra plo flando sobre oft de que as rlagdes de oer sto simboizads Sem esquecer do que dz M che sobre oconont 3 Ey Rexnau Oxo que resulta um sujeito dividido, a0 mesmo tempo determinado ador. Se pensarmos o sujeito da lingua, consti por essa contradi¢ao: um sujeito completamente livre e, a0 mes- ‘mo tempo, incapaz de falhas. Voltaremos a esse assunto quando introduzirmos a questao do imaginario. PROCESSO E CONDIGOES DE PRODUCAO Falemos agora um pouco da matéria, definida como a subs- tancia suscetivel de receber uma forma. Exatamente 0 que se pode pensar com a forma material. Se referimos entao ao mate- smo dialético, que tem como ideia que o mundo nao pode ser considerado como um complexo de coisas acabadas mas de ‘um processo onde as coisas e 0 reflexo delas na consciéncia (os conceitos), como pensa o marxismo, estao em incessante movi- mento gerado por mudangas qualitativas, nos reconhecemos no campo da analise de discurso que tem como base o materi . E € nesse sentido que significa matéria e é nesta diregao que é formulada a nocao de forma material‘. Na continuidade desta reflexao e pensando o imaginario e as condigdes de produgio, podemos entao recorrer ao materialismo lerando que o modo de produgao da vida material condiciona o conjunto dos processos da vida social, politica etc. Eaf inscrevemos o que diz M. Pécheux da relacao entre lingua € curso: a lingua dé as condigdes materiais de base do processo iscursivo. E estes, em movimento incessante, retornam na cons- tuigdo da lingua. E é desse modo, e nao ao modo sociologista, que entendemos a lingua como “fato social” e histérico. Assim como a nogao de processo discursivo (0 sistema de relacdes de bstitui¢do, pardfrases, sinonimias etc que funcionam entre elementos linguisticos —“significantes” — em uma formagao discursiva dada), e a J Ghamo a weg para ese apestoporgu hoje se iam maria ¢ marae sem oo, de gue st falands em matralomo deco, rte, Neuralizcse, 20 modo posna, oem de moe ‘ad, Dal ome cldao em comprecnde eS eth slando quando se flan materiaidade do corpus. Na nto de fora material com a qual trabalho, “material” faz apelo ao materialise. 2B Deaso nu Axa teoria do discurso como a determinacao hist6rica dos processos de significagao, Para desenvolver mais esta reflexao pensemos a materialida- de histérica da vida dos homens em sociedade, isto é, trata-se de descobrir (pelo movimento do pensamento) as leis que definem a forma de organizacdo doshomens em sociedades através da historia, No Renascimento ha separacao entre sujeito e objeto; em nossos termos, discursivos, nao temos essa separagao. E 0 modo de ir além dela é pensar a contradicao e o movimento no mundo. E a saida da logica formal pela dialética (Hegel). Mas temos que ir mais a frente. Hegel trata a dialética idealmente, no plano do espirito, das ideias. (O mundo dos homens, da perspectiva marxista, exige sua material zagao. Dai a nogao de praxis, de transformacao objetiva do proceso social, isto é, transformacao das relagdes entre homem-natureza, homem-homem. Por isso entramos com a consideragao da lingua- gem como trabalho, ou seja, a acdo mediadora/transformadora da relagao do homem com a realidade natural e social. Pensando o carter material e hist6rico ~ do materi histérico, em nossa perspectiva — podemos dizer que o carter material est em que os homens se organizam na sociedade para produgdo e reprodugao da vida. E 0 cardter histérico esta em como se organizam através da histéria. Resulta daf o movimento do pensamento através da materialidade histérica da vida dos homens em sociedade. O que vai bem coma afirmagao de F. Gadet de que trabalhamos com a linguagem na sociedade tomada pela hist6ria. Se tomamos 0 empitico como o real aparente e o concre- to como 0 real pensado, sao ambos abstracdes. Nbs procuramos ‘@ materialidade ~ daf minha insisténcia na forma material (nem abstrata, nem concreta, nem empirica) na busca do real da lingua eoreal da histéria — para poder trabalhar a relacdo suj analisando as condigdes de producao (material) da vida p social e elaborar a relacao do imaginério com o real. E dissemos anteriormente, o mundo nao é um complexo de coisas acabadas mas processos estando em constante movimento. Em. consequéncia, minha afirmacao de que a prépria identidade € "4 fw cnn Ouse um movimento na histéria. E privilegiar os processos de signif cago, em que sujeito e sentido se constituem ao mesmo tempo. Ideologia e Inconsciente, materialmente ligados. ‘Tomemos, pois, a questo do imaginério em sua relacao com 0 real. Faz-se aqui presente a elaboragao feita por D. Maldidier, R. Robin e Cl, Normand (1994, p.85), retomando Marx (18 Bru- imdrio de L.N. Bonaparte). Marx mostra, dizem as autoras, como os homens fazem sua propria hist6ria mas esta hist6ria nao thes é transparente. E através do imaginério, dos fantasmas coletivos (méscaras, diz Marx) que os homens tomam consciéncia dos Conflitos reais nos quais eles se encontram engajados e os levam até o fim. Logo, na teoria materialista do discurso, a ideologia nao aparece como ocultagao, nem tem um sentido, digamos negativo, pois a ideologia, nesta perspectiva, nao é uma pura falsa consciéncia, dizem as autoras, uma pura alteridade, mas 0 indicio de um problema real. Segundo L. Althusser, a ideologia € 0 modo através do qual os homens vivem suas relagdes em relagio as stias condigdes de existéncia. Tomamos a afirmagao de que a linguagem é um trabalho, a relagao entre o homem e sua realidade natural e social e é pelo imaginario que os homens vivem suas relagdes em relagdo as suas condigdes materiais de existéncia, Assim vemos a ligacao discursiva dos sujeitos, com a linguagem, o imaginério eo real. Em uma formulagao materi A ORDEM, O REAL, 0, JOGO E na perspectiva discur ista que colocamos a relacao entre estas nogdes: ordem, real e jogo. E pela nocao de ordem (forma) que tocamos a questao do real da lingua: af esta sua materialidade. Impossivel de que ndo seja assim. Estrutura e acontecimento. Dito de forma mais direta, se retomamos a epigrafe do texto =o que seria a lingua sem o discurso, escrita por Saussure em tum seu caderno ~ poderiamos responder: nada. sca Anta: Suto, Sve, O mito € o nada que é tudo ‘0 mesmo sol que abre os céus E um mito brilhante e mudo — 0 corpo morto de Deus, Vivo e desnudo. (3) Assim a lenda se escorre ‘Acentrar na realidade, Ea fecundé-la decorre Em baixo, a vida, metade De nada, morre. (Fernando Pessoa ) Sim, “0 nada que € tudo ...a entrar na realidade/ em baixo, a vida, metade de nada, morre”. Pois se retomamos também a afirmacio de que a materialidade especifica da ideologia é 0 discurso e a do discurso é a lingua, podemos dizer que, sem 0 discurso, nao hé materialidade especifica. E, nesse sentido, nao ha lingua: metade de nada, morre. Assim, nao se pode pensar o real sem a relagio discurso/ ingua. E a ordem prépria da lingua, sua nao transparéncia liga-se a materialidade do discurso (e a fecundé-la decorte). Como nao se pode pensar o discurso sem o imaginari a ideologia, af esté o sentido desta equacao ordem/materi deireal: tudo sujeito a falha (lingua), ao equivoco (lingu historico). E nesta perspectiva que podemos falar em jogo, na andlise de discurso. Para isso, vamos referir @ questao posta pelos anagramas em F de Saussure. A palavra sob a palavra. Uma sob a outra. O que também podemos tratar pela questao da metéfora em ani de discurso, onde intervém a ideologia, a memsria discursiva, a deriva: uma palavra por outra (Lacan, apud M. Pécheux, 1975). Mas 0 que tem a mais nessa questao de anagramas, pensada discursivamente, & que coloca em pauta, faz intervir a relagao entre ordem e materialidade. A ordem da lingua, ou seja, a sua 6 Onuvet nao transparéncia e sua autonomia relativa — sistema sujeito a falhas que se inscreve na historia para significar. Nao é um sistema perfeito nem fechado®. A abertura do simbélico em que tenho insistido ao longo de minhas reflexdes. Que tanto diz respeito as diferentes linguagens com seus materiais significantes especificos ‘como & incompletude (do sentido e do sujeito). Por isso a deriva, © deslizamento, o que escorrega. E vira outro, O lugar da falha, digo, ¢ 0 lugar do possivel: do impensado, lugar em que “o irrealizado venha formando sentido do interior do ‘ndo-sentido”, momento imprevisivel em que “uma série heterogénea de efeitos individuais entra em ressondncia e produz um acontecimento hist6rico rompendo o circulo da repeticao”. Mas no nosso caso, 0 da falha pensando 0 digital, por um intrincado processo de me- lum repetivel que mostra sua cara ao romper o circulo da repeticao. Um repetivel outro. De um outro funcionamento da memoria. 0 que se aparenta mais ao ato falho. Nao produz um acontecimento histérico. Expde 0 sujeito a seu prdprio dizer, 0 seu proprio olhar. Diz sua relacdo com os sentidos e mesmo. Sujeito e sentido ai sao surpreendidos. Um da lingua sobre ela mesma, pelo discurso. Podemos entao estabelecer a relacao entre a Ordem da lin- guagem e sua Materialidade. Pela ordem temos o fato de que a lingua é um sistema nao perfeito mas ainda assim um sistema, tem sua ordem, Trazendo para a reflexao a ideia de jogo, af pensado como a associagao que se estabelece pelo fato de que te € ideologia esto materialmente ligados (efeito da ordem da lingua sujeita a falha), podemos compreender que a associagao, como parte do processo discursivo, se estabelece nao s6 porque o efeito metaférico se define por “uma palavra Por outra”, mas, como diria Saussure, uma palavra sob outra. Uma ja sua Memoria por uma associacao 7 que tem sua particularidade, sua singularidade, para o sujeito. Ea falha (ato falho? digito falho2) mostra essa singularidade do processo: a falha aponta para o duplo. A dobra, a inclinacao. ALGUMAS ANALISES Para entender isso, passemos a anélise de alguns casos. éafalha observada em “discurtir com os alunos por “discutir com os alunos se a qualificacdo deve ser feita”. Visamos compreender esse fato discursivo. Jéa sua interpretacao exige outro passo mais denso, envolvendo a relagao do sujeito/sentido com a ideologia ¢ o in- consciente. Ideologicamente podemos dizer que 0 escorregao se dé porque a questao posta em discussao é o exame de qualifica- ‘20, que representa uma relagéo administrativa com os alunos. Ea falha aponta a resisténcia de quem esta dizendo em relacdo a burocratizagao das relagdes intelectuais. Mas esta é apenas uma hipétese. E pensamos, mesmo, que nao é a interpretacao que visamos e que ela nem mesmo pode ser feita, nestes termos. Observemos outro caso, este, em francés, Em um email falha incidiu em duas form: ére foi...” [primeira veziprece fé]. Na sequéncia, penso que uma forma, uma vez, sujeita ao lapso, empurrou a outra na mesma direcao. O deslizamento desta vez se deu entre 0 discurso que era a narrativa de um acontecimento para o discurso rel Mais uma vez torna-se dificil, sem uma andlise mais aprofundada, cchegar a uma interpretacao. Ficamos apenas na descri¢do da falha ‘ena compreensao de seu modo de formulacao. Mais um exemplo, em francés, pois ele é muito “falante”: uma colega, enviando-me uma indicagao bibliogréfica: “Le nom du lévre de cet auteur est.” onde devia ser: “Le nom du livre de cet auteur est. lébioivro]. E isto escrito por um francés mostra realmente uma falha flagrante. B Ont Este outro exemplo merece atengao pela sua reincidéncia, Ou seja, acontece em formulagdes diferentes duas vezes (com 0 mesmo sujeito): ‘¢ jé vou pensando em algumas leituras"—+"e ja vou penando ‘em algumas leituras” Nes sao do aso podemos dizer que teria havido apenas a supres- na forma material, Mas ha a reiteracao: ‘Vale a pena” —» “Vale a pensa E aqui, ao contrério, nao suprime, acrescenta. 0 que mostra a insisténcia da falha no mesmo lugar neste sujeito. Em momen- tos distintos e em palavras distintas, organizando-se por formas materiais distintas, no mesmo lugar discursivo em que pensar € penar se juntam. Pelas condigdes de produgao, pode-se pensar em um sujeito estressado, cheio de compromissos intelectuais (orientagdes, artigos, conferéncias, aulas etc). Ou que tem dificuldade em escrever etc. De todo mode, significou mais do que queria significar. Ex- cedeu. 0 que nos mostra que a falha nao é 0 a menos, é o a mais. Outro caso, também teressante: *0 siléncio em cena” -+"0 silencio em cana” Assumidamente meu, quando associo estas formulagdes des- izantes com os sentidos do siléncio face & censura, em situagao de ditadura, nao é dificil imaginar a emergéncia de “em cans Mas, ao mesmo tempo, seria facil demais. Uma falha tem em si um né, da ligacao material entre ideologia e inconsciente, que 79 nao se desmancha com uma interpretacao apressada. E ¢ isto que estamos procurando mostrar em sua materialidade. Além disso, mais cuidadosos devemos ser pois a falha é no digital Como podemos observar em uma falha como a que, em um caso em que se falava da organizacao de uma revista e de quem a organizaria, aparece letal por legal: “A diz: uma revista franco- brasileira organizada por X e por ¥. B responde: letal!". O assunto afinal nao é tao dristico como o de uma ditadura, no entar condigdes existem para que a falha seja o vestigio de uma av a0 limite. Ou o caso também complexo em seu alcance - 0 que sempre se da se pensarmos a relacao inconsciente/ideologia—em que a falha irrompe entre “Chego amanha” e “Cego amanha”, ao falar da chegada em um Congreso. © que talvez nos apareca & que, como é no digital, a es- idade material da falha, tenha a ver sim com 0 modo de sua emergéncia, de sua irrupgao. O que nos leva a pensar na temporalidade da escrita, na relagdo com a maquina e a técnica produzindo seus efeitos’. Um exemplo nos mostra este complexo processo em que nos colocamos quando a ordem das letras se embaralham com a ordem das palavras: 1nza) — “organizar” * (em que ha preso) —» “prisionei Ou entao em: “materlando” (em que hé mater) —> “martelando" Sé por esses exemplos podemos ver que ha muitas maneiras de falhar’e as falhas muitas vezes arregimentam diferentes movi- ‘so pois a"mpacinca” Gi que o computador ns tipo ou omalsripio possivl) uma decrréncia da temporal ‘Que dena escapar nest cas, oinconsciene 7. Noextames considera quis alas gues induzides,digamos, pea pro telado “Meso nesses casos alguns fats ineressances. Mas no nos ocypaens destes neste tesa. cue estou refering. 80 be Pccnnus Onn mentos de sentidos, diferentes modos do sujeito se dizer nao quando fala de si mas sobretudo no modo como a lingua o diz. Pela falha. REFLEXOES CONCLUSIVAS Nos casos em anélise podemos observar um furo, por algo visivel na “organizacdo"* do enunciado produzido por uma fa- Iha que diz respeito a ordem, & materialidade e ao jogo, como estamos procurando mostrar nesse passo de nossa reflexao. O fato de ser na materialidade do discurso eletronico, no digital, é relevante para a compreensao do que se passa e com a natureza da falha. Mas podemos ir além. procedimento tecnolégico, com sua temporalidade, e os efeitos sobre o sujeito (até mesmo em seus dedos, seu corpo) constituem 0 processo e sao parte da estrutura/funcionamento da falha (do digito falho) afetada assim pela relacao material ideologia/inconsciente. Em termos gerais, isto nos leva a pensar que o real do sentido € a possibilidade do jogo, da falha, do deslizamento, que pode- mos observar na materialidade discursiva que conjuga ideologia ¢ inconsciente. Estes, como sabemos, sao considerados como estruturas-funcionamentos que dissimulam sua propria existén- cia no interior de seu funcionamento produzindo evidéncias em que se constitui o sujeito. 0 jogo é 0 movimento que, na falha, gua, com sua ordem, oferece como condicao de produgao. As falhas, como venho observando no funcionamento dos adlos, sao pontos em que a relacdo ordemvmate- lade/real apontam desfazendo evidéncias. Pegando o sujeito no irrealizado. E importante observar, nesse passo, que quando pensamos estas falhas como atos falhos, temos que tornar mais complexa a compreensao do que seja ato falho, tomando em consideragao “Aga remeroFctingdo qu fag ene orem eergarizaso (Erland, 2001). order (di espetooo real eu erganzagdo oo magni, 81 cso Asan Sp, Seto 10a ficantes diferentes. Além disso, a organizacao também concorrem para a pro- ducao de diferencas na constituigao das falhas (no caso relatado ‘em francés, por exemplo), na producao do ato falho ao colocar nguas em relagao. Finalmente, consideramos, pela nossa anélise que, por se tratar da escrita digital, as condigdes de producao dessa escrita favorecem essas falhas, esses pontos de emergéncia do irreali do sujeito. Momento em que a lingua fala o sujeito, na sua prépria falha. Justamente porque, estando em um meio material técnico com seu imediatismo ~ ele se entrega ao tempo do no modo como seu corpo ele se engana com a oral se deixa pegar pelo desvio, inconsciente e ideologia se manifestam falando naquilo que ele falafalha. —0 emai digital, do imediato, o da urgéncia, € afetado pela tecnologia da es ee Picona Ouse PROCESSOS DE SIGNIFICACAO, CORPO E SUJEITO eixa o teu corpo entender-se com outro corpo. Porque os corpos se entendem, mas as almas no. (Arte de Amar, Manuel Bandeira) Considerando a materialidade do sujeito, 0 corpo significa. Em outras palavras, a significagao do corpo nao pode ser pensada sem a materialidade do sujeito. E vice-versa, ou seja, nao podemos pensar a materialidade do sujeito sem pensar sua relagao com © corpo. Por isso nos interrogamos: como juntar corpo, sujeito, sentido, pensando a questao da materialidade discursiva? Podemos comecar pelo fato de que M. Pécheux (1990), & diferenca de Milner, considera que nao s6 a lingua mas também a histéria tem seu real e, ao longo de seu trabalho, ele retine essas duas materialidades, a da lingua e a da historia. Isto esta afirmado quando fala da discursividade como sendo a inscrigao jeita a falhas na historia, Também leol6gica, afirma a relacao da “espé- em que se real Consideramos entao aqui a indicagao de que a materialidade especifica da ideologia € 0 discurso e a materialidade especifica’ 1 Nito se pode ignorara Falidade do ders ingunPor outro ldo, ampouce nto Se pode reduiraimportne undamenaco dessa mterialidade discus texts de M. Phen extabelecu-se.Pecheux faz meno a ous formas materi, sm ‘Shandonar aimpotincia dads lingua em sure, ‘continent, pees consderar qe cle mo Sno dscurs polio eno does apes produzino um deslocamento que revere em materi dadessgificantes diferentes io, msi) do peltioparaofabol, Sb sons diferentes, Mas ese ee otros textos tar de emeter lingua as condigbes mates de base prac desenvlvimento dos 83

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