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Os Moinhos de Água da Ribeira do Divor: A Intervenção Arquitectónica como salvaguarda da Memória

OBJECTO

Os moinhos de água terão sido palcos de convívio e de negócio, com importância para a comunidade, contribuindo
para o enriquecimento do carácter social e económico das regiões onde se encontram.
Estas “construções pitorescas”1 não passam despercebidas na paisagem onde se inserem e revelam uma fantástica
simbiose com a envolvente. Trata-se da adaptação de um espaço construído para e pelo homem a um lugar de natureza
crua, descontrolada, materializada no movimento da água pelo seu curso natural, agora dominado pelo homem na tentativa
de satisfazer uma necessidade primária – a produção de alimento – gerando simultaneamente o desenvolvimento da flora no
seu entorno.
Esta relação é evidente na construção sagaz que os moinhos apresentam. Apesar da leveza com que se implantam
no território, apresentam solidez estrutural face à agressividade da natureza e um cunho forte na paisagem que os rodeia,
utilizando a força da água como principal recurso motriz, controlando-a em seu benefício.

A presente dissertação tem como objecto de estudo o conjunto de dezanove moinhos de água de rodízio,
localizados ao longo das margens da Ribeira do Divor, no concelho de Arraiolos, distrito de Évora.
Actualmente, reconhecemos os moinhos deste conjunto enquanto espaços arquitectónicos abandonados, em
declínio, resultado da evolução tecnológica que os tornou obsoletos ao apresentar equipamentos de maior eficiência.
Podemos ainda afirmar que o abandono destes espaços tem também consequência na sua localização geográfica e nas
condições socioeconómicas do lugar onde se encontram.
Contudo, estas estruturas testemunham a evolução de uma actividade essencial na sobrevivência do homem e do
animal. À semelhança de outros exemplos de arquitectura tradicional, não deixam de prestar o seu contributo para a
interpretação social, cultural e etnográfica da região onde se inserem, seja pela sua tipologia, seja pela variedade formal com
que são construídos.

OBEJCTIVOS

Após observar a situação de ruína de grande parte dos moinhos de água da Ribeira do Divor, constatou-se que
desapareceram também os testemunhos directos desta actividade na região, sejam moleiros que possam transmitir este
conhecimento, sejam os engenhos que estabeleciam a dinâmica funcional que envolve os moinhos de água. Por este motivo
procurou-se estabelecer um motivo e dar resposta ao abandono destes espaços, no sentido de prevenir a consequente
degradação e o esquecimento dos mesmos, tal como preservar os valores social, económico e cultural da comunidade onde
se encontram.

O desconhecimento de grande parte destas construções, expresso pela falta de documentação ou bibliogafia
específica, norteou o trabalho de investigação para a necessidade de identificá-las no seu contexto histórico e tipológico,
evidenciando características individuais e colectivas. Pretendeu-se conhecer os materiais e os métodos de construção de cada
edifício, entender o seu aparecimento cronológico na paisagem, perceber os constrangimentos da sua construção, como era
feita a manutenção dos engenhos e como neles funcionava a moagem, desde a técnica às relações que se estabeleciam com
as pessoas que os visitavam e com o território que os rodeia, clarificando a importância que lhes era atribuída e o
testemunho tecnológico que espelham.

Ainda que o registo destes moinhos possa ter sido por si só uma forma de salvaguardar a sua memória, existiu
também a necessidade de pensar a preservação física desta tipologia construtiva local. Para tal, questionou-se a intervenção
arquitectónica como resposta primária para a salvaguarda destas construções, procurou-se entender como se deve intervir
neste património e identificar diferentes tipos de programa adequados aos propósitos desta recuperação, devolvendo a
experiencia e o conhecimento do lugar à população.

METODOLOGIA

Começou-se por desenvolver um enquadramento histórico, geográfico e tecnológico destas construções, de modo a
contextualizar o aparecimento destes engenhos no Mundo e principalmente na Europa, tal como o modo como se
desenvolveram tecnologicamente durante a sua proliferação e como se deu o seu aparecimento em Portugal.

1
Jorge Dias, Ernesto Oliveira e Fernando Galhano, Sistemas Primitivos de Moagem em Portugal, 1959, p.5
A maior dificuldade terá sido encontrar a escassa informação histórica e tecnológica, alusiva aos Moinhos de Água
da Ribeira do Divor, que assinalasse aspectos históricos, metodologias construtivas e tipologias. Portanto, foram essenciais
as descrições observadas nas peças de autores portugueses como Fernando Galhano, Jorge dias, Ernesto Veiga de Oliveira e
Benjamim Pereira, entre outra bibliografia de igual relevância, cujo conteúdo foi analisado a par das descrições e
testemunhos posteriormente recolhidos.
O processo de entrevista aos intervenientes e conhecedores deste espaço e da moagem praticada nesta região foi
um importante complemento para a análise do conjunto, aproximando a experiência social à interpretação dos vestígios
registados nas margens da ribeira. Porém revelou-se tarefa difícil devido à inexistência de moleiros vivos e à parca amostra
de contributos relevantes.

A análise do território onde os moinhos de água da ribeira do Divor se encontram traçou a primeira aproximação
aos mesmos, permitindo elaborar o enquadramento histórico da Vila de Arraiolos pela análise da evolução territorial e
paisagística. Esta análise baseou-se na informação disponibilizada pelo estudo e transcrição do Foral Manuelino de
Arraiolos, de Jorge Fonseca, e contou também com entrevistas realizadas junto da população, que constituíram recurso na
definição do território e do meio social, ainda que estas tenham também acontecido em número reduzido, pela dificuldade
em contactar conhecedores directos deste meio e técnica.
Posteriormente descreveram-se as relações entre a população, os moleiros e o lugar envolvente aos moinhos de
água e analisou-se a economia e o tipo de alimentação desta população.

A resposta aos objectivos estabelecidos, materializou-se na criação de uma base de conhecimento sobre este
património vernacular e pré-industrial. São apresentados na forma de fichas individuais os dados obtidos pela observação in
situ das estruturas dos antigos moinhos de água, recorrendo novamente ao contacto com conhecedores destes espaços. O
registo fotográfico e o levantamento arquitectónico elaborados para os edifícios em estado de ruína para os edifícios
reabilitados, juntamente com os testemunhos recolhidos, comparados com a informação histórica e temática obtida,
permitiram efectuar um registo destas estruturas quanto ao seu estado actual, tipologia, métodos construtivos e época de
construção – revelando tanto aspectos distintos como análogos entre estas construções e outras tipologias de moinho de
água conhecidas no território português – que no seu conjunto representam o valor histórico e etnográfico particular dos
moinhos de água da Ribeira do Divor.
Procurou-se identificar as causas que motivaram o cessar da actividade de moagem nestes moinhos de água e
compreender porque se abandonaram estes lugares. Recorrendo novamente às entrevistas realizadas, registou-se a
decadência das funções originais destes espaços e do funcionamento dos seus engenhos motivada essencialmente pelo
avanço tecnológico, mas também pela migração da população jovem desta zona, impossibilitando a transmissão de
conhecimento e, por consequência, a continuidade deste labor.

Na tentativa de perceber se a intervenção arquitectónica será a resposta correcta para a salvaguarda destas
construções e de modo a reconhecer métodos de intervenção adequados para situações e circunstâncias semelhantes,
realizou-se a pesquisa, observação e análise crítica de casos exemplares na recuperação de moinhos de água em Portugal,
considerando intervenções realizadas em estruturas similares.
Comparou-se as obras seleccionadas com as recuperações dos moinhos de água encontrados ao longo da Ribeira
do Divor e identificaram-se as diferentes soluções de intervenção arquitectónica observadas na tentativa de perceber como
se pode operar com base nestas intervenções, ou até que ponto a recuperação, salvaguarda e promoção destes moinhos são
importantes para um contributo sociocultural e etnográfico na recuperação da memória colectiva desta região.

O CONJUNTO

Considerou-se importante a análise deste conjunto tanto na individualidade das suas peças como na sua condição
de conjunto, uma vez que alguns moinhos terão funcionado simultaneamente. Esta análise permitiu entender não apenas
estas edificações mas também o território ocupado pelos elementos de controlo da água, que nele se estendem por longas
distâncias.
Do conjunto de dezanove moinhos de água localizados ao longo da Ribeira do Divor, observou-se o seguinte:
- Apenas um dos moinhos deste conjunto é nomeado em escrituras antigas do século XVIII. Este moinho está, à
semelhança dos restantes, identificado em carta militar e aparece em primeiro lugar no conjunto, uma vez que se
encontra na posição mais a montante, pertencendo ainda ao Concelho de Évora.
- Nove destes moinhos estão actualmente reabilitados, reconhecendo-se neles um novo programa tendencialmente
de habitação, seja unifamiliar permanente, seja de habitação temporária.
- Destes nove, apenas três estão em uso permanente por parte dos seus proprietários, sendo que um deles, o Moinho
de Pisões, incorpora uma pequena empresa de transformação de produtos biológicos.
- Quatro moinhos de água reabilitados deram origem a programas de habitação temporária, caracterizam-se pelo uso
turístico sazonal e desde o ano 2004 encontram-se desocupados.
- Outros dois moinhos de água foram reconvertidos em espaços de apoio, um deles foi transformado em armazém
de alfaias agrícolas, outro é actualmente uma casa de apoio à caça, que se pratica na região.
- Existe apenas um moinho de água onde o proprietário preservou várias peças que compunham os engenhos, mas a
reconstrução do espaço incide sobre o programa habitacional não contemplando o funcionamento destes engenhos.
Noutro moinho encontra-se uma peça metálica, replicando a forma e o movimento que seria executado pelo
rodízio. Esta peça, que se move com a força da água, não executa plenamente a função de moagem, devido à
inexistência dos demais equipamentos no interior do moinho.
- Nos restantes moinhos que se encontram reabilitados é possível observar os elementos por onde a água circulava –
caboucos, seteiras, levadas e açudes – em diferentes estados de conservação. Alguns encontram-se total ou
parcialmente encerrados com alvenaria, outros encontram-se soterrados, encontrou-se levadas e açudes destruídos,
mas outros existem bem preservados e limpos, embora não exerçam a função para que foram inicialmente
destinados.
- Os restantes nove moinhos de água encontram-se em diferentes estados de degradação. Deve-se
desafortunadamente ao estado de ruína dos moinhos a possibilidade de conseguirmos observar os diferentes
métodos construtivos e materiais empregues na construção dos mesmos – erguidos como um sólido invólucro que
protege os engenhos – alguns elementos denotam a simplicidade de todo o sistema construtivo e as estruturas de
madeira dos telhados, que não resistiram à exposição, cobrem agora os pavimentos no interior dos espaços de
moenda.

TIPOLOGIA

“É da acção conjunta e da interacção (entre factores geográficos, naturais, humanos e culturais) diversamente
hierarquizados (…) que derivam os tipos, as formas e os estilos peculiares das casas das diferentes regiões.”2
Começámos por observar nos moinhos de água da Ribeira do Divor que as diferentes condições morfológicas do
terreno originaram variações na implantação destas estruturas no terreno. Os terrenos planos e menos rochosos a montante
da ribeira justificam o abandono precoce dos moinhos de água, por não reunirem condições necessárias ao seu bom
funcionamento. A jusante, numa zona de maior declive com presença constante de afloramentos rochosos, observa-se a
maior parte das construções recuperadas e em melhores condições estruturais, que se apoiam nos sólidos embasamentos
rochosos, adequados ao bom funcionamento dos seus engenhos, o que justifica a maior densidade de moinhos nesta zona e
o facto destes terem perdurado até ao final do século XX.

Os moinhos de água deste conjunto seguem uma tipologia construtiva semelhante àquela empregue nas habitações
tradicionais alentejanas. As paredes exteriores em alvenaria de pedra são grossas, rebocadas e caiadas de branco e
apresentam um pequeno numero de vãos, cujas dimensões são reduzidas. A planta simples do interior caracteriza-se pelo
desenho elementar, as paredes que dividem o espaço são maioritariamente erguidas em alvenaria de tijolo e apresentam
pontualmente nichos e outros pormenores construtivos que reflectem as necessidades do quotidiano. Nuns casos as divisões
sucedem umas às outras, noutros o espaço de habitação está fisicamente separado do espaço de moenda. Existem casos,
onde encontramos currais para animais e anexos para arrumo de engenhos e cereais localizados próximos do moinho.
Entre os elementos estruturais observam-se arcos de alvenaria e pilares, mas são raras as ocorrências pois os vãos a
vencer têm pequenas dimensões. As estruturas de telhado de uma-água são as mais comuns, simplesmente suportadas pelas
paredes exteriores, quase sempre reforçadas por gigantes. Quando uma destas construções apresenta telhado de duas-águas,
a sua viga mestra, na cumeada, fica apoiada numa parede aprumada que acaba por organizar o espaço interior em dois.
A chaminé é um elemento assinalável destes espaços, podendo estar presente tanto no espaço do moinho, como na
habitação. Apresenta uma configuração típica em tronco de pirâmide quadrangular e está encostada à fachada principal. É
ainda tela para elementos em alto-relevo, tal como datas ou iconografia relacionada com a actividade de moagem. A
chaminé identifica sempre o espaço de fogo e faz-se acompanhar frequentemente por um forno a lenha e um poial.
Os elementos por onde a água circula revelam também diferentes técnicas construtivas. As seteiras são construídas
em alvenaria, nuns casos com granito, noutros mais recentes em tijolo ou lajetas de xisto. Quanto aos caboucos, existem
principalmente duas forma observadas, uns apresentam construções com diferentes tipos de arcos em tijolo de barro cozido
noutros eram empregues lintéis de granito. Acredita-se que estas variações se devam à época de construção e aos diferentes
usos das mós correspondentes a cada cabouco, uma vez que no mesmo moinho se praticava simultaneamente a trituração de
diferentes cereais para consumo humano e para consumo animal.

Reconhecem-se quatro materiais principais empregues na construção dos moinhos, dos seus equipamentos e dos
seus engenhos – a pedra, o tijolo, a madeira e a cal – que imediatamente aproximam esta tipologia construtiva àquela que
observamos na generalidade da habitação vernacular da região do Alentejo. Esta imagem permite identificar e associar uma
técnica construtiva à eventual recuperação dos moinhos de água, nos casos onde o objectivo é recuperar ou manter a
imagem original.

Os moinhos de água da Ribeira do Divor apresentam características próprias que remetem para uma forte ligação
com o território, com a sua morfologia, com as condicionantes climatéricas e geográficas que enfrentam e revelam o recurso

2
Ernesto Veiga de Oliveira e Fernando Galhano, Arquitectura Tradicional Portuguesa, 1992, p.15
a materiais construtivos de origem local. Por estas características, podemos distinguir estes moinhos de água daqueles que se
encontram no Norte do País, cujo aspecto exterior apresenta uma construção tosca ou grosseira, de planta simples, sem
divisões, sem vãos para além da porta. Percebe-se que as construções que fazem o controlo da água dão resposta a diferentes
tipos de climas e diferentes declives no terreno, diferindo estes dos moinhos de submersão que se existiam ao longo do Rio
Guadiana. Da mesma forma, os moinhos estudados em nada se aproximam dos moinhos temporários que se encontravam,
até à primeira metade do século passado, no Rio Tâmega. Constituem portanto uma tipologia própria, cuja construção se
assemelha a outros exemplos da arquitectura tradicional, é executada de acordo como lugar apresenta diferentes
características quando confrontada com outras tipologias reconhecidas no território Português.

ABANDONO

A principal causa de abandono dos moinhos de água a nível Nacional deve-se em parte à Revolução Industrial, que
promove o desenvolvimento tecnológico dá origem ao aparecimento de centrais de moagem eléctricas.
A partir dos anos sessenta, iniciou-se o abandono das zonas rurais no interior do país, com a migração das gerações
mais novas para os grandes centros urbanos – o êxodo rural. Este movimento gerou uma interrupção na passagem do
testemunho da actividade de moagem e dos demais ofícios tradicionais associados à moagem.
Após o termo da actividade de moagem nos moinhos de água da Ribeira do Divor, estes espaços ficaram ao
abandono e quase todos são invadidos por vegetação e o suporte em madeira das suas coberturas de telha apodrece e desaba.
Era a presença humana nestes espaços que garantia a manutenção do espaço “pelo exercício continuado (dos seus) percursos
e pela intervenção (dos moleiros) na limpeza do rio”3. Sem este cuidado, observa-se um descontrolo dos cursos de água nas
suas margens.
Há medida que estes espaços são abandonados e esquecidos, a construção transforma-se em ruína e a paisagem
envolvente enche-se de vegetação, fazendo com que desapareçam os caminhos e a forte relação entre as pessoas e o lugar.
Perde-se um pouco da história local e da memória colectiva deste elemento pré-industrial.

A REABILITAÇÃO

A análise das recuperações efectuadas aos moinhos deste conjunto demonstra, de modo geral, existir uma paixão
pela imagem tradicional, pelo funcionamento dos moinhos de água e pela sua ligação com a Natureza, por parte dos actuais
proprietários. No entanto existem fortes restrições à recuperação da função inicial dos moinhos, sejam a inexistência dos
engenhos, a necessidade indispensável de construir habitação própria, ou o desejo de tornar essa habitação num negócio
rentável, aliadas à falta de apoios legais e financeiros para a valorização deste património.
Notou-se que, apesar destas reabilitações impedirem a degradação das estruturas dos moinhos de água, pela
consolidação de estruturas e da alvenaria, as mesmas não transparecem uma solução de interesse para a recuperação destes
engenhos e construções.

A posterior análise de obras de arquitectura, realizadas em espaços que outrora caracterizavam a função de
moinhos de água4, expressam intenções que variam entre a total recuperação da função inicial do moinho, conferindo-lhe
um propósito museológico e educativo e preservando a memória laboral deste espaço, e outras que se cingem à afirmação do
moinho enquanto peça central do projecto, que terá atravessado a fase funcional, e sem reactivar a função este marca agora a
paisagem de uma forma monolítica e bucólica, construindo programas de lazer, de contemplação, de longa estadia.

Os projectos observados foram:


A Casa das Marinhas, de Viana de Lima, em Esposende
O Museu do Papel, pelo arquitecto Siza Vieira, em Leiria
As Casas Caiadas, pelo arquitecto Luís Pereira Miguel, na aldeia de Sabugueiro, Concelho de Arraiolos
O Complexo Cultural e Museu da Levada, pelo Arquitecto Chuva Gomes, em Tomar


3
António Afonso de Deus, Ana Durão Machado e Luís Manuel de Sousa Martins, Memória das Águas do Rio. Moinhos, Moleiros e Padeiras da
freguesia de Ul, 2003, p.7
4
Limitou-se os casos de estudo a obras localizadas no território de Portugal Continental tendo em conta a proximidade dos contextos geográficos, sociais e
económicos, tipológicos e programáticos, tal como a reflexão demonstrada sobre a componente cultural, destacando casos que apontam resoluções
diferentes para um problema comum.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

A ideia de intervenção arquitectónica nestes moinhos de água ganhou relevo devido à natureza patrimonial e
cultural destes espaços que, tal como a sua memória colectiva, merecem ser preservados.
Reconheceu-se a necessidade de recuperar o conhecimento desta tipologia construtiva, cujo resultado pode ser
alcançável com o apoio de outras áreas de estudo científico que suportem a intervenção arquitectónica, de forma a evitar a
subversão desta tipologia e potenciando a adaptação dos moinhos de água a uma função educativa da cultura e história desta
região, coexistindo com as restantes funções socioeconómicas do espaço rural.

No âmbito da intervenção nestes espaços, este trabalho recolheu um conjunto de dados que permitem formalizar
um complemento à intervenção em espaços de antigos moinhos de água, do ponto de vista arquitectónico, identificando
diferentes metodologias construtivas e realizando o levantamento das tipologias e dos materiais empregues tanto nas
construções originais, como nas reconstruções. Produziu-se um guião para auxílio à adaptação destes espaços devolutos em
edifícios habitáveis, respondendo ao objectivo de preservar o testemunho da tecnologia tradicional que estas construções
retêm.

A maioria das soluções observadas procuram devolver a função inicial ao espaço do moinho e nestes casos recorre-
se à sua musealização e divulgação. Nos casos onde ainda existem engenhos recuperou-se ou fez-se uma representação dos
mesmos. Nos casos em que os engenhos desapareceram, os espaços são adaptados a novas funções, procedendo à sua
identificação tipológica e arqueológica e posterior consolidação estrutural e intervenção arquitectónica.
É possível afirmar que o tema da água continua a ter potencial quanto ao uso destas infra-estruturas, tanto para a
função original, como em funções alternativas modernizadas, ou mesmo enquanto espaço de actividades lúdicas, didácticas
e museográficas, de interesse social, económico e cultural.

O acesso aos moinhos de água tem grande importância para o contacto directo com estes espaços, nesse sentido, e
porque já estão lançadas as infra-estruturas que permitem a aproximação ao local, reconhece-se a adequação de um percurso
que integre a visita aos Moinhos de água da Ribeira do Divor, com destaque para aqueles que se encontram abandonados e
em situação de ruína – representando um conjunto de grande dimensão e características individuais merecedoras de
observação.
Tendo como base os percursos já existentes sobre a antiga linha ferroviária, sugeriu-se a criação do Percurso dos
Moinhos de água da Ribeira do Divor, um percurso pedestre de contacto com o meio natural, marcado pela presença dos
moinhos de água, que potencie o seu conhecimento e consequentemente de todo o território, rico em cultura etnográfica e
gastronómica originada por um acumular de presença humana neste espaço, não esquecendo que dos pontos de vista da
recuperação do microssistema, do conteúdo histórico e cultural e de recuperação da memória colectiva desta população, a
intervenção arquitectónica focada na reactivação da função original destes espaços será de elevado interesse e importância
no contributo para o conhecimento do património arquitectónico tradicional, da cultura e da etnografia da região.

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