Assim, a busca pela verdade real não há de ser vista como empecilho para a
prestação jurisdicional, inclusive considerando que não cabe ao magistrado ir além
do que consta nos próprios autos, atendo-se estritamente a este na formação do seu
convencimento.
Ademais, nem tudo o que é discutido em um processo deve ser provado.
Nesse sentido:
Em princípio, todos os fatos relevantes no processo devem ser provados.
Dispensa-se, porém, qualquer atividade probatória sobre os fatos notórios,
sobre os afirmados por uma parte e confessados pela outra, sobre os
admitidos no processo como incontroversos, sobre os em cujo valor milita a
presunção legal de existência ou de veracidade (art. 374, I a IV), já sendo
considerados provados. (DOS SANTOS, 2017, p. 1073).
Nessa esteira, o objeto da prova são apenas quanto aos fatos que ensejam o
ocorrido a subsunção da norma. O direito em si não precisa ser provado pois esse já
se presume como de pleno conhecimento do juiz.
A exceção à regra de que o direito não precisa ser provado, encontra-se no
artigo 376 do Código de Processo Civil que determina que a parte que invocar direito
municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário deverá provar o seu teor e
vigência, se assim lhe for determinado pelo magistrado, isto porque este último não
é obrigado a ser conhecedor das leis e costumes do mundo inteiro.
As provas são de nodal importância para o deslinde do processo; elas o
alimentam, dando o substrato necessário para que não convalesça.
Sabe-se que nosso ordenamento jurídico não permite que seja negado uma
decisão judicial ao argumento de que não se tem certeza do que será decidido. O
non liquet2não é contemplado pelas nossas leis. Em outras palavras, não pode, o
julgador, dizer que não decidirá a lide porque não está seguro em relação ao
resultado do processo.
Tal vedação, inclusive, é consequência lógica da própria inafastabilidade da
jurisdição, nos termos do art. 5º, XXXV da Constituição Federal (BRASIL, 1988).
Vê-se daí a importância nevrálgica da prova para o processo, pois se a ela
cabe entregar ao juízo os fatos tal e qual aconteceram, se houver deficiência nessa
entrega, certamente haverá uma decisão maculada por não levar em consideração a
2
A expressão “non liquet” é usual na ciência do processo, para significar o que hoje não mais existe: o poder de
o juiz não julgar, por não saber como decidir.
realidade fática. Nessa linha de pensamento, Câmara (2016, pg. 224) chega a
afirmar que "a prova é a alma do processo de conhecimento".
Por sua vez, o ônus da prova consiste no encargo conferido à parte para
demonstrar, ou não, a existência dos fatos tidos como controvertidos na lide.
Lembrando que os fatos notórios, os afirmados por uma parte e confessados pela
outra, os incontroversos e os que gozam de presunção de veracidade, não
demandam a necessidade de prova, a teor do artigo 374 do digesto processual.
Importante observar que ônus não equivale a obrigação. Didier Júnior (2009,
pg. 73) afirma de modo enfático que "ônus é o encargo atribuído à parte e jamais
uma obrigação”.
Ora, notadamente, trata-se de uma faculdade da parte, que poderá ou não
fazê-lo, sendo, entretanto, sabedor de que o não cumprimento daquele ônus poderá
desencadear grave consequência, principalmente no que diz respeito ao êxito ou
não da demanda. A não produção da prova, pode, ainda que com probabilidade,
resultar num julgamento desfavorável.
Como regra, o ônus da prova incumbe a quem faz as alegações com que
pretende fundamentar o seu direito, excepcionalmente, podendo o juiz modular essa
obrigação, ou seja, determinar que a parte adversa da que faz as alegações produza
a prova para demonstrar a verdade ou não sobre aquele fato alegado.
Com ligeira imprecisão técnica, (mas nada que uma interpretação
hermenêutica não possa suprir), o artigo 373 do Código de Processo Civil (BRASIL,
2015) determina que o ônus da prova incumbe "ao autor, quanto ao fato constitutivo
de seu direito" e "ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou
extintivo do direito do autor".
Apesar da clareza do texto, é possível concordar com Câmara (2016, pg. 232-
233) quando afirma que as hipóteses acima contempladas são insuficientes para
contemplar todas as hipóteses. Para tanto, o autor consigna simples exemplo em
que o autor cobra dívida do réu resultante de um contrato (fato constitutivo do direito
do autor) e em defesa o réu alega o pagamento da dívida (fato extintivo do direito do
autor), mas em réplica, o autor sustenta invalidade do pagamento por ter sido feito a
mandatário sem poderes para recebê-lo. Ora, diante desse exemplo, o autor
apresentou fato impeditivo da eficácia do pagamento asseverado pelo réu, não
estando tal hipótese contemplada pelo dispositivo legal acima transcrito, que afirma
que ao autor compete provar apenas os fatos constitutivos de seu direito. Apesar da
lacuna, a lógica demanda que o autor prove o fato que alega, salvo se o juiz
entender que seja caso de modulação do encargo probatório, como se verá mais
adiante com pormenores, e tópico específico.
Em síntese e em melhor definição se pode dizer que, em regra, o ônus da
prova cabe a quem aduz a questão de fato.
3
Informativo 418/STJ 2ª Turma,,REsp 1.060.753/SP, relatora Ministra Eliana calmon, julgado em 01/12/2009;
STJ, 1ª Turma, RMS 38.025/BA, relatos Ministro Sérgio Kukina, julgado em 23/09/2014, DJE 01/10/2014.
pudesse produzir a prova. Notadamente, em uma situação como essa, de imperiosa
necessidade de produção da prova, não se pode admitir uma postura indiferente de
um juiz, devendo sim, modular o encargo probatório das partes, tudo em respeito as
garantias constitucionais do processo.
Atendendo ao avanço doutrinário e jurisprudencial, o parágrafo primeiro do
artigo 373 do Novo Código de Processo Civil passou a reconhecer expressamente a
modulação do ônus probatório, nos seguintes termos:
“Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa
relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o
encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do
fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde
que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a
oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído”.
Agora, aquela concepção estática de distribuição do ônus probatório foi
acertadamente substituída por uma ponderação dinâmica, levando em consideração
a obtenção da prova por aquela parte que reúne melhores condições de produzi-la.
Deve-se ponderar a facilidade e acessibilidade do litigante à prova garantindo-se,
assim, que ela será produzida e cooperará com um deslinde processual adequado.
O dispositivo legal retro mencionado é eloquente no sentido de que não é
qualquer decisão do juiz capaz de mudar a regra da distribuição do ônus da prova:
deve ser uma decisão fundamentada e que assegure a parte a quem o ônus for
distribuído a oportunidade de se desincumbir desse ônus. Com isso, perde
importância a vetusta discussão se o juiz poderia modular o encargo probatório na
sentença. Lógico que não, pois se assim o fizesse, naturalmente não teria garantido
a quem foi surpreendido somente a quando da sentença com a inversão de um ônus
probatório que em regra não lhe pertencia, o direito e a oportunidade de produzi-la.
Ora, as partes têm o direito de produzir ou não a prova e ainda de trabalhar
com o ônus da parte contrária de tal modo a confiar que o outro litigante não se
desincumbirá de seu ônus. Aqui se faz uma breve ressalva de que o destinatário da
prova não e exclusivamente o Juiz, mas as partes, também. Pode-se até afirmar que
o destinatário imediato seja o juiz, mas inquestionavelmente as partes também são
destinatários, pois das provas apresentadas na demanda, certamente farão uso da
forma que melhor lhes aprouver.
Sensível a isso, o Novo CPC expressamente determinou no artigo 357 que
deverá o juiz, em decisão de saneamento e de organização do processo definir a
distribuição do ônus da prova, observado o artigo 373.
Nesse passo, há que se levar em conta que a redistribuição do ônus probatório
não pode se tornar uma armadilha à parte contrária, devendo,sim, buscar o
equilíbrio, isonomia. Deve-se ter cuidado com a aplicação da dinamização ônus
probatórios, pois o seu uso indiscriminado pode representar ofensa aos princípios
constitucionais da ampla defesa e contraditório, devendo-se ter cautela em relação a
imposição à parte de provar fatos negativos e fatos inexistentes. Lembrando que
somente fatos absolutamente negativos (negativos absolutos e indefinidos) são
insusceptíveis de prova (conhecido como prova diabólica). A pura negatividade do
fato não é suficiente. O importante é ponderar se a parte será capaz ou não de
produzir a prova, sem que isso implique em privilégio à outra parte.
Outrossim, vale salientar apenas a título ilustrativo que a decisão que modula o
encargo probatório poderá ser desafiada por agravo de instrumento, à luz do artigo
1.015, XI do Novo CPC.
5. CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
CÂMARA, Alexandre Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro. 3ª ed. São Paulo:
Editora Atlas, 2017.
DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil, Vol II. 4ª Ed. Salvador:Jus
PODIVM, 2009
SANTOS, Ernani Fidelis dos. Manual de Direito Processual Civil, vol. 1: processo
de conhecimento. 16ª edição. São Paulo, Saraiva, 2017.
TUCCI, José Rogério Cruz e. e outros autores. Novo Código de Processo Civil
anotado. Associação dos Advogados de São Paulo e Ordem dos Advogados do
Brasil – Seção Paraná, 2018.