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CULTURAL DO URBANO
"Em Le temps retrouvé, última parte de À la recherche du temps perdu, Marcel Proust
passado como uma certa relação entre sensações e lembranças." (Le Nouvel
Observateur, 1995:9)
Estaríamos diante de uma das correntes centrais do novo paradigma que se propõe
ordem do dia na historiografia mundial, podendo mesmo dizer-se que constituem a "ponta fina"
Entendida como o desdobramento da história social (Hunt, 1989), que, por sua vez, se
2 Em especial, o grupo da Nova História: Roger Chartier, Jacques Le Goff, Jacques Rancière, Jacques Revel e
Alain Burguière.
Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol.8, n.16, 1995, p. 279-290.
chamada nova história cultural se encontra difundida pela Alemanha3 e Estados Unidos,4 sem
Pode-se mesmo dizer que os debates em torno da história cultural e do sistema de idéias-
imagens que lhe dá suporte — o imaginário social (Baczko, 1984) — são um elemento
Entendemos a história cultural não como uma "virada de mesa" com relação a
pressupostos teórico-metodológicos, mas como uma nova abordagem, ou um novo olhar que se
apóia sobre as análises já realizadas, e, por sua vez, avança dentro de um determinado enfoque.
Neste sentido, a história cultural realmente vem se somar ao conhecimento acumulado, sem voltar
contemporânea do nosso fim de século, balizada pela crise dos paradigmas explicativos da
realidade que pôs em xeque a objetividade e racionalidade das leis científicas no domínio das
ciências humanas.
O primeiro campo a ser definido seria o da representação. A utilização deste conceito, que
implica o retorno a Durkheim e Mauss (Mauss, 1969), tornou-se uma categoria central para as
análises da nova história cultural. O conceito, em si, envolve uma série de considerações, a
começar pelo pressuposto de que a representação implica uma relação ambígua entre ausência e
segundo uma imagem, mental ou material, que se distancia do mimetismo puro e simples e
4 Lynn Hunt, Natalie Zemon Davis e Robert Darnton, só para citar os mais conhecidos do público brasileiro.
representação afirma uma presença daquilo que se expõe no lugar do outro. Entre uma e outra
sua inserção como categoria central para uma nova episteme para a história.
paradigmática da história.
Julia (1995) em publicação recente, e que se situa frente à necessidade de estabelecer novos
primeiro passo seria o entendimento de que a cultura poderia ocupar este lugar de uma instância
mais central e globalizante que reorientasse o olhar sobre o real. Tal postura, ao nosso ver
imaginário social.
Segundo esta tendência, a tarefa do historiador seria captar a pluralidade dos sentidos e
mundo". Mais do que isto, tomamos por pressuposto que a história é, ela própria, representação
6 Para a categoria da representação, consultar, além das obras de Roger Chartier, Josetxo Berian,
Representaciones colectivas y proyecto de modernidad (Barcelona, Anthropus, 1990); Pierre Bourdieu, O
poder simbólico (Lisboa, Difel, 1989) e Ce que parler veut dire (Paris, Fayard, 1992); Carlo Ginzburg,
"Représentation: le mot, l'idée, la chose", Annales, v.6, nov.-dez. 1991; Louis Marin, Des pouvoirs de l'image
(Paris, Seuil, 1993) e De la représentation (Paris, Gallimard/Seuil, 1994), e Paul Ricoeur, Du texte à l'action
(Paris, Esprit/Seuil,1986).
de algo que teria ocorrido um dia. Distinguiríamos, portanto, o que se chamaria "passeidade" (o
real acontecido) da "história", entendida como narrativa que "representa" através de texto e
imagem.
Assumir esta postura "pós-moderna", segundo Rüssen (1992) implica admitir que
não há um único processo compreensivo para a história, além de admitir critérios como o da
sua ocorrência já nos chegam como representações de algo que já foi, a história a ser construída
Não é nossa intenção retomar todas as facetas que esta abordagem implica ou todos os
problemas que enfrenta, mas sim enfocar uma das suas vertentes de investigação, que toma a
Neste contexto, buscamos com este trabalho resgatar a cidade através das
1992). Ora, considerando a cultura como uma rede de significados socialmente estabelecidos
(Geertz, 1981), a cidade é o espaço por excelência para a construção destes significados,
expressos em bens culturais. Nosso intento é, pois, resgatar a cidade como real através da
"leitura da cidade", ou de suas representações. Entender a questão deste modo não é submetê-la
a um mero jogo de palavras, mas sim partir do pressuposto de que as representações são parte
integrante também daquilo que chamamos realidade. Isto se dá não só porque são matrizes
revelação/ocultamento dado tanto pelas imagens reais (cenários, paisagens de rua, arquitetura)
como pelas imagens metafóricas (da literatura, pintura, poesia, discurso técnico e higienista etc.)
(Pechman, 1992).
Entendemos, pois, que a cidade oportuniza uma "iluminação", expressão tomada no
A cidade é, como se sabe, uma realização muito antiga. Da Ur dos ziguraths à Tebas das
Sete Portas, da Roma dos Césares à Avignon dos Papas, ela marca a sua presença na história,
através daqueles elementos que assinalam o advento do que se considera civilização. Mas é
sobretudo com o advento do capitalismo que se impõe a "questão urbana", colocando diante do
que nos foi legado por uma história econômico-social voltada para as origens e o
privilegiado de análise. Como refere Pinol (1991), a história urbana não teve a mesma
aos Estados Unidos o pioneirismo nesta área.7 Na França, a linha histórico-social de estudo das
cidades encontraria sua grande expressão na volumosa coleção dirigida por Georges Duby
(1983), complementada pelos trabalhos de Murard e Zylberman (1976, 1978), Yves Lequin
(1978), Bernard Lepetit (1988, 1993), Jean Luc Pinol (1991), Bourillon (1992), Michelle Perrot
(1981), Louis Chevalier (1978) e Christian Topalov (1987, 1990). No caso brasileiro, há que
7 A partir da clássica obra de H. J. Syos, Victorian suburb: a study of the growth of Camberwell (London,
Leicester University Press, 1961), destaca-se o surgimento de algumas obras que dariam início à New Urban
History, como a de Stephan Thernstron e Richard Sennett, Nineteenth century cities Essays in New York
history (New Haven, Yale University Press, 1969), ou mesmo a muito conhecida obra de E. P. Thompson, The
making of the English working class (London, Pantheon Books, 1963). Nos Estados Unidos, poder-se-ia
mencionar o já clássico estudo do citado Stephan Thernston, Poverty and progress, social mobility in a
nineteenth century city (Mass., Harvard University Press, 1964).
citar a persistente regionalização dos estudos, que vão desde análises mais amplas e
urbano, onde se cruzem os dados objetivos obras, traços, sinais ou "cacos" da passeidade
que nos chegam, sob a forma de imagens ou discursos, com as possibilidades de leitura que a
cidade oferece.
Empreender este caminho pressupõe pensar para muito além do espaço, enveredando
pelo caminho das representações simbólicas da urbe, que podem corresponder ou não à
realidade sensível, sem que com isso percam a sua força imaginária. Como se sabe, a idéia ou
concepção de que uma cidade seja uma metrópole vem associada a dados concretos e
evidentes, tais como padrão de edificação, número de população, sistema de serviços urbanos
implementados, rede viária, infra-estrutura de lazer e comercial etc. Metrópoles foram Paris e
Londres, assim como Nova Iorque, São Paulo e também o Rio de Janeiro. Ou seja, estes
Mas o que pensar de uma Porto Alegre dos anos 30 do nosso século, acanhada segundo
8 Atendendo a esta regionalização das visões, há que citar, no caso baiano, as obras de Kátia Queiroz
Mattoso, A cidade de Salvador e seu mercado no século XX (São Paulo, Hucitec, 1978) e Bahia, século XIX:
uma província no Império (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1992). As coletâneas organizadas por Ana
Fernandes e Marco Aurélio Gomes, Cidade e história. Modernização das cidades brasileiras nos séculos
XIX e XX (Salvador, UFBA, 1992), dão conta de um viés regional do Brasil como um todo, assim como a
revista Espaço e Debate. No caso de São Paulo, há que destacar as teses defendidas no programa de pós-
graduação em História da Unicamp, assim como a tese de livre-docência de Raquel Glezer, Chão de terra: um
estudo sobre São Paulo colonial, defendida na USP em 1992. No caso do Rio Grande do Sul, registram-se a
coletânea organizada por Wrana Panizzi e João Rovatti, Estudos urbanos: Porto Alegre e seu planejamento
(Porto Alegre, Ed. da Universidade, 1993), e os livros de Sandra Jatahy Pesavento, Memória Porto Alegre:
espaços e vivências (Porto Alegre, Ed.da Universidade, 1991) e Os pobres da cidad (Porto Alegre, Ed. da
Universidade, 1994). Para o Rio de Janeiro, cabe lembrar os avanços realizados pelo grupo que publicava na
revista Rio de Janeiro ou pelas publicações feitas no âmbito do IPPUR e da Fundação Casa de Rui Barbosa.
Assim como a revista Rio de Janeiro, os textos apresentados no Seminário Rio Republicano, da Fundação
Casa de Rui Barbosa (outubro de 1994), centralizam o seu enfoque na cidade do Rio.
vivenciando um "ritmo alucinante" de "progresso" e desenvolvimento, tal como dizem os
periódicos da época?
processo de mudança na cidade. Sem dúvida, estas vivências eram testadas frente ao consumo
urbano, com a "varrida dos pobres" do centro da cidade, eram práticas sociais ligadas ao
escala, do das metrópoles reais que suportavam o conceito, a população afetada pelas
alegrenses sentiam a sua cidade como metrópole e a representavam como tal em crônicas de
correspondência efetiva com o real concreto, tinha uma existência claramente delimitada pelos
padrões de referência conceitual vigentes no mundo capitalista. Poderíamos talvez dizer que
Porto Alegre se sentia metrópole sem o ser realmente, mas esta sensibilidade fazia com que a
representação imaginária ganhasse força de realidade. De uma certa forma, esta idéia é esboçada
por Marshall Berman (1986) em sua celebrada obra, quando diz que, para determinadas regiões
como a Rússia czarista , a modernidade aparece como algo distante, de que se ouve falar,
de que se tem um certo conhecimento, que almeja experimentar, e que se consubstancia, por
vezes, num único elemento, convertido em emblema da tal modernidade. Neste sentido, a
corresponder ou não aos códigos iniciais e às intenções dos seus construtores (Montlibert,
1995). Por exemplo, as construções e espaços do poder público podem obedecer a uma
intencionalidade enquanto projeto e concepção, distante das referências simbólicas que o seu uso
arquitetos atribuem uma função e sentido a seus projetos, que poderão se distanciar em muito
Há que estabelecer, de pronto, a distinção trazida por Marcel Roncayolo (1995) entre
daqueles que "fazem a cidade", a projetam, discutem e executam. Os portadores de tais idéias
seriam identificados no interior das classes dominantes ou das elites dirigentes, com destaque
precisa o século XIX, no qual emerge a grande cidade, que coloca para os governos a
urbana" aparece assim como um problema posto, derivado das transformações econômico-
sociais da época, e que tem na cidade o seu locus privilegiado de realização.99 Sem dúvida,
estes "produtores do espaço" concebem uma maneira de construir e/ou transformar a cidade,
através de práticas definidas, mas também constróem uma maneira de pensá-la, vivê-la ou
sonhá-la. Há a projeção de uma "cidade que se quer", imaginada e desejada, sobre a cidade que
se tem, plano que pode vir a realizar-se ou não. O que importa resgatar, do ponto de vista da
9 Quanto à emergência da "questão urbana", consultar Christian Topalov, "De la 'cuestión social' a los
'problemas urbanos'; los reformadores y la población de las metrópoles a princípios del siglo XX", Revista
Internacional de Ciências Sociales, Unesco, set. 1990; Michelle Perrot, "La ville et ses faubourgs au XIXe
siècle", em Jean Baudrillard et alii, Citoyennité et urbanité (Paris, Esprit, 1993); "À la découverte du fait social:
1890-1900" (Paris, Calmann-Lévy, nº 2, dez. 1990.
história cultural urbana, é que a "cidade do desejo", realizada ou não, existiu como elaboração
Mas Roncayolo não se prende apenas aos portadores de tais idéias e executores de tais
provêm dos consumidores do espaço ou habitantes da urbe. Seriam eles atores passivos, que
legitimariam sem maior restrição as representações impostas "de cima"? Ou, pelo contrário,
(1987), opinamos pela circularidade cultural, que pressupõe o vaivém dos sentidos conferidos
chamar de "cidadão comum" ou "gente sem importância", que constitui a massa da população
citadina, e os que poderiam ser designados como "leitores especiais da cidade", representados
mas que envolve um complexo conjunto de "lógicas sociais". Como refere Montlibert (1995),
estes processos implicam julgamentos sociais, vivências, lembranças e posições estéticas em cuja
base se encontra a operação prática do habitus de que fala Bourdieu. Ora, sendo o habitus uma
"aquisição" ou um "capital" que se incorpora social e historicamente, ele opera como uma
máquina transformadora que faz com que "reproduzamos" as condições sociais de nossa própria
do mundo social assim constituídas, que classificam a realidade e atribuem valores, no caso, ao
espaço, à cidade, à rua, aos bairros, aos habitantes da urbe, não é neutra, nem reflexa ou
puramente objetiva, mas implica atribuições de sentidos em consonância com relações sociais e
bela ou feia para uma cidade variavam de acordo com os produtores ou consumidores do
espaço. Ainda com base no mesmo raciocínio é que podemos afirmar que há "leitores
olhar refinado, sensível e arguto. É o caso dos citados escritores, fotógrafos e pintores do
urbano, que resgatam as sensibilidadades do real vivido, estabelecendo com a cidade uma
Isto não quer dizer, para o historiador, que os "homens comuns" não sejam dotados de
caminho que segue outras vias que não a fotografia bem enquadrada e significativa, a obra de
arte, o romance urbano ou a crônica bem escrita. Ler a cidade dos excluídos, pobres e marginais
conduz o historiador a "escovar a história a contrapelo", como diz Benjamin, buscando os cacos,
vestígios ou vozes daqueles que figuram na história como "povo" ou "massa" ou que se
encontram na contramão da ordem, como marginais. É nos registros policiais, nas entrelinhas dos
jornais, nas "colunas do povo" dos periódicos, nas festas populares e nas manifestações de rua,
nos acontecimentos singulares que quebram a rotina da vida urbana que podemos encontrar suas
vozes ou resgatar os indícios do que seria a sua ordem, chegando às representações coletivas de
uma "outra" cidade. Como consideração final sobre estas diferentes percepções do urbano, há
que lembrar a "circularidade cultural" que permite a troca de signos entre o que se poderia
chamar a "cidade real vivida" dos consumidores da urbe e a "cidade sonhada" dos produtores do
homens de outrora, cuja vivência corre por fora da nossa experiência sensível, constitui sem
Como diz Calvino (1990), uma cidade comporta muitas, e, ao analisar uma metrópole,
mediante o que ela se tornou, é possível recordar aquilo que ela foi um dia.
Naturalmente, a forma de uma cidade, seus prédios e movimentos contam uma história não
verbal do que a urbe vivenciou um dia, mas, por mais que este patrimônio tenha sido preservado,
significado. No caso das cidades modernas, metrópoles de fato ou por atribuição de seus
habitantes, que a vêem e sentem como tal, a complexidade da vida e as sucessivas intervenções
vezes o que se poderia chamar uma "pasteurização" ou uniformidade do urbano no pior dos
cidade moderna: como fazer falar este meio impessoal, como ultrapassar sua neutralidade? O
exemplo do centro de Porto Alegre vem logo à lembrança. Difícil é vislumbrar, na atual rua dos
velha praça da Alfândega, com os seus cinemas e cafés. Com as fachadas dos velhos prédios
usos "bingos", agências lotéricas e lojas populares de discos , muito pouco resta daquela
A postura de Sennett se opõe à de Kevin Lynch (1990), que atribui uma qualidade visual
particular ao urbano. Lynch aposta no que se chamaria uma "claridade" aparente ou legibilidade
da paisagem citadina. Para este autor, reconhecer os elementos visualmente expostos e organizá-
los num sistema coerente e compreensível do urbano seria uma tarefa fácil. Já Sennet (1992)
entende que as formas visuais da legibilidade na concepção do espaço urbano não se revestem
de um conteúdo tão simples ou direto. Ou seja, ante a neutralidade imposta pela ação do
urbanista, a cidade não se revelaria tão transparente. A própria cotidianeidade da vida é, também
vida urbana oferece. Como diz Sennett, a cidade é um lugar que autoriza as diferenças e que
Ora, sob o império desta diversidade é que Sennett postula um novo olhar, defendendo o
urbano.
reeducação do olhar, oportunizando uma revelação e uma nova coerência para o mundo.
sobre o urbano, é uma proposta que se liga a outros espectadores e/ou pensadores da cidade. A
começar, como o próprio Sennett invoca, pela figura de Charles Baudelaire, que via em Paris a
apreendidas pelas múltiplas figuras, espaços e práticas sociais que a cidade oferecia. A figura do
flâneur que erra pela cidade, no emaranhado urbano de ruas e personagens, é a de alguém que
ambivalência da vida citadina. Não é à toa que é na rua que o poeta capta a diversidade da vida
vários momentos dos famosos Tableaux parisiens, de Baudelaire, mas nos restringimos a um só,
corporificado na poesia À une mendiante rousse (Baudelaire, 1972), na qual o autor opõe a
figura patética e bela da jovem mendiga à sanha e cupidez dos "devassos" que exploram sua
fragilidade. A crítica social e a opressão dos humilides emerge da imagem contrastante expressa
de forma poética. Neste contexto, Baudelaire recompõe algumas representações do urbano, que
Walter Benjamin, leitor de Baudelaire, assim como de Proust, desenvolve também uma
que rompam o contínuo da história, propiciando o que se chamaria de "o salto do tigre", que
daria margem à inteligibilidade pelo contraste (Rüssen, 1992). Expliquemo-nos: não é que Walter
representações do social, pois, para tanto, lança mão das categorias da "dialética da paralisia" ou
Entretanto, o que cabe resgatar neste momento é o método de que se vale Benjamin para,
época. Analisando a obra de Benjamin, Willi Bolle (1994) indica a técnica da montagem, tomada
construção, ditada pelo "agora". Para tanto, sugere a montagem em forma de "choque" ou
representações contraditórias do espaço e das socialidades que ali têm lugar. Ela é, por um lado,
luz, sedução, meca da cultura, civilização, sinônimo de progresso. Mas, por outro lado, ela pode
mostrando uma faceta de insegurança e medo para quem nela habita. São, sem dúvida, visões
conviver no mesmo portador. Esta seria até, como lembra Marshall Berman (1986), uma das
características da modernidade enquanto experiência histórica individual e coletiva: a postura de
celebração e combate diante do novo, que em parte exerce fascínio e em parte atemoriza.
contrastivo, é possível pôr frente a frente as representações da cidade que falam de progresso ou
espaço frente aos dos produtores da urbe, a visão das elites citadinas e a dos populares e
constituído sobre o privado, as imagens do espaço que contrapõem o centro ao bairro ou ainda
a própria visão da rua, vista como local de passeio ou passagem, contraposta àqueles que nela
urbano, obtidos por idéias e imagens de representação coletiva que são contrastadas com o
intuito de revelar uma nova constelação de significados, Willi Bolle (1994:98) indica uma outra
técnica de inteligibilidade: a montagem por superposição. Refere que esta seria talvez "a mais
propícia para radiografar o imaginário coletivo", pois nela a tomada de consciência se daria
aos poucos e não por efeito da revelação por choque, mencionada acima. Seria o processo
a situação a ser analisada. Assim é que, na cidade, compareceriam, como fragmentos da história
ou atores a serem justapostos uns aos outros, a multidão e o flâneur, o povo e o destacado
e imagens que falam de um passado, tentando aproximar-se do imaginário coletivo de uma época
o conhecimento do historiador é indiciário e fragmental. Tal como Freud ou Sherlock Holmes, ele
paradigma indiciário não se prende às evidências manifestas, mas sim aos pormenores, aos sinais
episódicos, aos elementos de menor importância, marginais e residuais, que, contudo, permitirão
A rigor, as técnicas de montagem por justaposição e contraste não são, em si, excludentes,
Apoiado num novo paradigma centrado na cultura, utilizando conceitos tais como os da
montagem por contraste e justaposição, resta ao historiador a difícil tarefa de resgatar o que
Se o passado é um "lugar" distante, se ele nos chega como um "tempo não vivido", onde
ocorreram fatos "não observáveis", as vozes deste passado podem nos soar estranhas, e suas
imagens podem figurar como incompreensíveis para a nossa contemporaneidade. Por vezes, há
nosso século, mas sim tentar captar as sensibilidades passadas, cruzando aquelas representações
entre si e com as práticas sociais correntes. É, sobretudo, lembrar a atualidade das palavras de
Lucien Febvre (1987:14): "De fato, um homem do século XVI deve ser inteligível não em
E, como regra geral de uma história cultural urbana, cabe lembrar que todo esforço para
certeza de lidar com materiais que já lhe chegam como representação. Se as representações mais
fáceis de resgatar são aquelas que resultam de um ato de vontade ou de um exercício de poder
difundida , mais difícil será a apreensão das contra-imagens construídas pelos usuários da
floresta de símbolos, que podem se tornar legíveis para o historiador ou, pelo contrário, se
configurar como obstáculos. É neste contexto que ganha expressão a "teoria do labirinto" de
espaço restrito, o labirinto é constituído de muros, interdições, falsas saídas, mas também de
indivíduo que nele adentra não é um ser completamente perdido ou sem rumo. É alguém que lida
Para enfrentar esta tarefa, o moderno leitor do urbano terá de contar com a sua bagagem
gerações anteriores já produziram. A partir desta base, ele vai cruzar referências, práticas e
manter uma predisposição e uma abertura para ver um pouco mais além, talvez, do que aquilo
que já foi visto, despertando para o presente as múltiplas cidades do passado que as de hoje
encerram.
E, para recorrer às metáforas que os clássicos nos trazem, possa o novo olhar de Clio
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