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CURSO DE APERFEIÇOAMENTO

Mineração, Rompimento da Barragem e Revitalização: desafios para a Educação

A cartografia para refletir


sobre a mineração,
rompimento e revitalização da
bacia do Rio
Doce no trabalho pedagógico
Sobre a autora
• Graduada em Ciências Biológicas, Mestra em Ensino de Ciências e
Educação Matemática e Doutora em Educação;
• Professora da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, no curso de
Licenciatura de Educação do Campo e no Programa de Pós-Graduação em
Educação em Ciências e Matemática;
• Atua nos seguintes temas: educação ambiental, ensino de ciências,
educação do campo, produção de material didático-pedagógico, história e
filosofia da Biologia.
Fonte: Plataforma Lattes, 2022.
Objetivos do texto

Trazer considerações e orientações sobre a


realização de cartografias como instrumento
para a pesquisa da realidade da Bacia do Rio
Doce. Investigar a produção e reprodução da
vida nos territórios atingidos pelo rompimento da
barragem, visando a construção de um
pensamento crítico reflexivo para a inserção da
temática nos currículos escolares.
Divisão do texto em três seções

A produção de
conhecimento sobre a
Para início de
Introdução
conversa
realidade e o trabalho
pedagógico: alguns
fundamentos

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1. Introdução
A autora inicia o texto tratando de alguns desafios da docência:

• construir tempos e espaços educativos em que o conhecimento escolar


incorpore e mobilize a inserção social do estudante;
• superar a visão fragmentada que temos sobre a realidade e sobre os
diferentes conhecimentos que permitem compreendê-la;
• conhecimentos precisam ser transformados na/para a realidade escolar.
Introdução
• É necessário promover o protagonismo dos alunos e isso pressupõe do próprio
professor uma leitura e reflexão crítica da sua formação;
• Participação ativa dos professores, no estabelecimento do “por que”, “do que” e
“como ensinar”, o que se dá igualmente a partir das respostas para “a quem ensinar” e
“onde”.

“Uma escola é como um mapa de diferentes espaços culturais determinados pelo peso
curricular das disciplinas e seus conteúdos” (PACHECO, 2016, p. 69).
2. Para início de conversa

Novembro de 2015, mês em que a lama com rejeitos da mineração da Barragem de


Fundão em Mariana – MG marcou ainda mais a relação do ser humano com a
natureza. Os atingidos (vivos e não vivos) foram transformados. Muito se perdeu,
morreu. E a vida, ficou como? Na sua memória, o que ficou daquele dia e dos meses
que se seguiram? Você e sua família foram atingidos pela mineração? Atualmente,
identifica desdobramentos do rompimento da Barragem de Fundão em sua
comunidade?
Se essas perguntas fossem feitas na escola, o que os estudantes responderiam?
2. Para início de conversa

• Na memória de quem viveu o desastre muitos registros ficaram; são imagens


turvas, fragmentadas, e, não podemos esquecer, perpassadas por diferentes
esforços que disputam a construção de uma leitura do que realmente ocorreu e do
que ocorre na região até hoje.

• A mineração, não só do ferro, faz parte da ocupação daquele território, das


dinâmicas ali construídas e geram impactos socioambientais diversos.
Questões para reflexão

• O que a mineração representa para as comunidades da Bacia do Rio doce?


• Quais práticas minerárias existiram e existem ali?
• Como ficaram os sonhos gestados naquele chão depois do rompimento da Barragem de
Fundão?
• Como buscar respostas no contexto da educação formal?
• O que considerar para construir uma reflexão crítica sobre o cenário da mineração,
rompimento de barragem e revitalização da Bacia do Rio Doce?
2. Caminhos possíveis...
• Um dos caminhos possíveis para encontrar respostas é analisar os conhecimentos
produzidos antes e pós rompimento e que estão presentes em relatórios, livros,
artigos, redes sociais, documentários, vídeos, e claro, os próprios atingidos.

“Façamos um movimento inventariante”


2. Caminhos possíveis...

A pesquisa da Rede UFES – Rio Doce (2016) que faz um


Agência Nacional das Águas (2016), abordando o percurso por comunidades ribeirinhas do Espírito Santo e Minas
contexto e os impactos nos recursos hídricos Gerais, cartografando o cenário, meses após o rompimento
2. Caminhos possíveis...
• Aos buscarmos por relatórios predominam dois tipos: um resultante de pesquisas
coordenadas por grupos de universidades e relatórios de órgãos públicos e outros
coordenados por institutos de pesquisas junto à Fundação Renova (que é uma
representante da Samarco).
“Mas quem tem autoria nesses relatórios?
Quais questões aparecem registradas?”

• Outras vozes e formas de comunicação também permitem elucidar o que pode significar a
mineração e o rompimento da barragem de Fundão para as comunidades atingidas.
• Redes e mídias sociais, jornais,
reportagens, entrevistas e
documentários relacionados ao
rompimento;
“Rio Doce era um pai, praticamente, né. Protegia o povo. Ensinava. É que no rio a
gente ensinava as crianças a nadar, a pescar, a caçar. Ensinava as lições de vida. De
Luta. De Resis- tência. Rio Doce era mãe, por que acolhia nosso povo. Entendia.
Recebia nossas demandas. Nossas preces. Batizava. E era um parente, era um irmão,
por que entendia todo nosso sofrimento. Servia de refúgio. Para conversa. Rio doce
dentro da cultura do nosso povo era um pilar muito forte. Uma base muito forte”.
Douglas Krenak – Líder Krenak”.
Relato retirado do Documentário Refugiados da Lama.
2. Para início de conversa

• A temática Mineração, Rompimento, Revitalização da Bacia do Rio Doce perpassa pela


compreensão da relação do ser humano com a natureza.

Como adultos, idosos, jovens e crianças, produzem e reproduzem seus modos de ser e estar nos
territórios? Quais relações humanas são estabelecidas? Quais transformações são geradas no
ambiente?

• É para um exercício inventariante e analítico sobre essa realidade que lançaremos mãos da
cartografia.
3. A produção de conhecimento
sobre a realidade e o trabalho pedagógico: alguns fundamentos

• Cartografia em uma concepção dialética de construção do conhecimento;


• A construção do conhecimento não é neutra e nem fixa, pois localiza-se historicamente, pode
ser contraditória e servir a determinados interesses;
• Para reconhecermos as totalidades em que a realidade está articulada não inventamos uma
totalidade e tentamos enquadrá-la nelas, mas olhamos o seu movimento no real identificando
os elementos que a compõe, as contradições;
• Ao falarmos de totalidade da realidade não estamos nos referindo a tudo ou tentando dar conta
do todo, faremos um recorte, uma síntese que permita compreender um fragmento significativo
da realidade.
3.1 Alguns princípios da cartografia social
para o processo de pesquisa da realidade
• O que iremos cartografar? Como a cartografia poderá contribuir com a
compreensão da realidade e a inserção da temática nos currículos?
“O mapa não é o território: é uma imagem estática na qual se escapa o movimento e as
mudanças permanentes que os territórios estão expostos. O mapa não contempla a
subjetividade dos processos territoriais, suas representações simbólicas ou os imaginários
sobre eles. São as pessoas que habitam quem realmente criam e transformam os territórios,
os moldam diariamente ao habitar, transitam, percebem e criam. O mapeamento é uma
ferramenta que mostra um instante do momento no qual foi realizado, mas não substitui de
forma integral uma realidade territorial sempre problemática e complexo. (RISLE; ARES,
2013, p.8, tradução própria).”
• Cartografar é a arte de produzir mapas e cartas, numa ação de registrar o movimento da
realidade social em diferentes escalas espaciais;
• A construção cartográfica é um instrumento de poder;
• “A cartografia social vem questionar essa hegemonia e disputar as representações espaciais dos
territórios, popularizando os recursos e as formas de mapear, diversificando os interesses
envolvidos no mapeamento, seus sujeitos, situações e autorias (ACSELRAD, 2008).”
• Nesse curso temos limitações temporais para a realização da cartografia social em um sentido
aprofundado, a cartografia aqui ganha um sentido pedagógico na formação dos educadores;
• No entanto, entendemos importante mencionar o campo da cartografia pois dialoga com nossa
preocupação formativa de escutar os diferentes sujeitos, dimensões e tipos de conhecimentos,
para além do conteúdo oficial das empresas e dos órgãos públicos;
• Por isso, é fundamental as produções que partam das comunidades atingidas, tragam seus
registros, vozes e projetos para o futuro.
Experiências que podem nos inspirar
Experiências que podem nos inspirar
 Coletânea “Conversas com o rio Doce”
é composta por 13 cadernos temáticos,
que têm como objetivo proporcionar
boas conversas para diferentes pessoas e
grupos que queiram compartilhar
aprendizagens e saberes sobre o rio e
com o rio.  A elaboração deste material é
fruto dos projetos “Relação com o saber
e Educação Ambiental: uma pesquisa
com estudantes em tempo integral”,
apoiado pelo CNPq, e "Conversando
com a cidade: cartografia de territórios
educativos em três bairros de
Governador Valadares ", apoiado pela
Fapemig, ambos desenvolvidos na
Univale, tomando o rio Doce como
objeto de saber.
Experiências que podem nos inspirar
3.2 Os níveis e etapas para a construção da
cartografia sobre Mineração, o Rompimento
da barragem de Fundão e a Revitalização da
Bacia do Rio Doce.
• Tutor: implica produzir uma cartografia para apresentar determinada totalidade. Seu plano de ação
visa orientar ao cursista a como construir uma cartografia. Igualmente podem utilizar fontes
secundárias para a construção, mas com maior proximidade dos territórios do/s municípios dos/as
cursistas que realizarão a tutoria e poderá também utilizar a própria memória e experiências nessa
construção.
• Cursista: o sentido da cartografia social pode ser mais visível, pois vai partir da realidade mais
imediata da realidade investigada. O produto da ação cartográfica lhe servirá de subsídio para a
construção do PPE, que desembocará na prática pedagógica em sala de aula.
• Um dos maiores desafios do trabalho é a delimitação do conteúdo e da forma de realização de
cada cartografia. O propósito não é criarmos uma receita, mas alguns parâmetros e diretrizes que
auxiliem na sua construção:
Questões que orientam esse trabalho:

1. Como a Bacia do Rio doce foi/é atingida pela mineração?


2. Como os munícipios mineiros da Bacia do Rio doce foram/são atingidos pela mineração?
3. Como a comunidade local na qual atua foi/é atingida pela mineração?
4. Como o rompimento da barragem de Fundão atinge a vida no município/comunidade local?
5. Quais anseios do município/comunidade local com relação à revitalização da Bacia do Rio Doce?
•Eixos temáticos: que precisam estar presentes e integrados durante a elaboração das cartografias.
Território que contempla o espaço geográfico transformado pelas relações sociais;
Temporalidade tem a ver com identificar as dimensões do passado, presente e futuro da mineração e do rompimento nos territórios,
compreendendo a sua historicidade;
Vida inclui as dinâmicas de produção e reprodução da vida focadas nos objetos sociais.
•Cada cartografia precisará apresentar uma breve caracterização histórica sobre a região e/ ou município mapeado, apontando a sua relação
com a Mineração. Informações como a abrangência do território, número populacional e nível educacional são importantes, além de outra
dimensão que for considerada fundamental para uma compreensão da realidade investigada. Feita uma primeira sistematização sobre o
território a ser analisado, segue-se com os recortes mediante os objetivos estabelecidos para cada uma das cartografias
•Estabelece algumas categorias/temas a priori a partir da leitura que temos sobre a mineração e o rompimento da barragem de Fundão e com
o que entendemos que contribuiria para compreender a temática.
•As categorias/temas não foram direcionadas por uma preocupação curricular, isto é, não pensamos no currículo escolar para que a partir
dele demarcássemos categorias que poderiam trazer conhecimentos que seriam diretamente desenvolvidos na Educação Básica. Apesar
desse ser um ponto almejado, a relação entre os conhecimentos produzidos no processo cartográfico e a experiência pedagógica será uma
tarefa à frente.
1. A questão Saúde/Doença: aborda os impactos da mineração e do rompimento na saúde da comunidade.
2. A Ocupação do território: trazer elementos para analisar como a ocupação do território relaciona-se à
mineração e/ou ao rompimento da Barragem de Fundão. Pode ser refletida a partir da identificação de
onde as pessoas atingidas estão.
3. As Atividades econômicas locais: compreender os tipos de atividades produtivas que predominam no
município e sua relação com o contexto minerário.
4. As Práticas socioculturais: identificar festas, músicas, religiões, enfim tradições predominantes da
comunidade e suas relações com e/ou impacto da mineração/ atingimento do rompimento da barragem de
Fundão.
5. As Práticas minerárias locais: promover a identificação das práticas minerárias existentes no
município, incluindo as práticas minerárias tradicionais, isto é, aquelas que são feitas por
grupos/comunidades e carregam tradições populares. Aí incluem todos os tipos de minérios, para além do
ferro que é predominante.
6. Os Impactos na biodiversidade local: quais seres vivos foram/são principalmente afetados? Qual o
impacto nos ecossistemas? Qual a relação das comunidades com a biodiversidade local?
7. Os Espaços e sujeitos/coletivos/instituições: visa identificar os espaços e/ou grupos organizados e
seus principais objetivos no processo de enfrentamento dos impactos do rompimento e/ou do processo
de revitalização da Bacia do Rio Doce.
8. A Presença da temática Mineração e Rompimento da Barragem de Fundão na escola: visa
mapear se é presente, ou não, nas escolas dos municípios e como aparece.
9. A Transformação das paisagens pela mineração e/ ou rompimento da Barragem de Fundão:
visa registrar o processo de transformação que a paisagem local sofre/ sofreu com a mineração e
também com o rompimento da Barragem de Fundão.
10. Mapa dos Sonhos: mapear o que os atingidos sonham para seu futuro.
3.2.2 Etapas para a produção da Cartografia: mãos à
obra
Tema geral para o tutor: práticas minerárias e o
1º - Eleger o território a ser mapeado,
rompimento da Barragem de Fundão e a Revitalização
considerando o nível de atuação/formação
da Bacia do Rio no/s município/s.
do/a educador/a. Nessa etapa é fundamental a Categorias: escolher
delimitação do objetivo do mapeamento para Objetivo(s): delimitar
a construção de critérios para demarcação Justificativa: delimitar
espacial e de quais aspectos serão Tema geral para o cursista: práticas minerárias e o

considerados. rompimento da Barragem de Fundão e a Revitalização


da Bacia do Rio Doce na comunidade escolar.
2º - Destacar o tema da cartografia, seu(s)
Categorias: escolher
objetivo(s), justificativa e suas categorias:
Objetivo(s): delimitar
Justificativa: delimitar
3º Escolher as fontes de informação, organizar espaços e/ ou diálogos

4º Escolher a forma de representar os elementos no mapa, criando ícones, esquemas e legendas,


caso necessário.

5º Sistematização, produção e descrição do mapa: produção de um registro imagético e uma


descrição que permita compreender os elementos apresentados.

Sugestão: Desenhos, esquemas, infográficos, mapas. Um dos jeitos mais comuns é a produção de
esquemas e/ou desenhos físicos. Também é possível utilizar recursos digitais, tal como na produção
de Infográficos, ou composição de murais virtuais.

• As produções podem ser individuais, mas também sínteses colaborativas, sendo isso um aspecto a
ser discutido e delimitado pelo grupo.
4. Algumas fontes para a Cartografia
Sites que podem ser uteis na obtenção de informações oficiais
sobre os municípios e a mineração:
a) Caracterização de cada município: Plataforma Cidades do IBGE –
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística;
b) Catálogo de metadados da Agência Nacional das Águas: Diferentes
mapas sobre a Bacia do Rio Doce;
c) A plataforma virtual Mapa de Conflitos: Injustiça Ambiental e Saúde No
Brasil;
Informações a partir de documentários:
d) Plataforma Recursos Minerais de Minas Gerais RMMG;
a) 16 Dias O caminho da lama no Rio
e) Plataforma da Agência Nacional de Mineração;
Doce
f) Mapa interativo virtual do Sistema Nacional de Informações sobre
Segurança de Barragens; b) Refugiados da lama
g) Plataforma Serviço Geológico do Brasil; c) Esperança de Mariana
h) Site do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais d) Rio de Lama
Renováveis;
i) Mapa da Água;
j) Instituto Mineiro de Gestão das Águas.
Considerações Finais

• É uma grande oportunidade para uma análise mais profunda e detalhada sobre a
realidade social na qual nos inserimos;
• É uma oportunidade de produção de conhecimentos sobre o cenário de mineração,
o rompimento da barragem de Fundão e a revitalização da Bacia do Rio Doce e
sobre/para a inserção dessa temática nos currículos escolares.
• O trabalho pode contribuir na compreensão dos desafios sociais postos aos
estudantes, suas famílias, assim como da relevância da educação pública para a
construção de um futuro socioambientalmente mais justo e sustentável.

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