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2004
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Carlos Heitor Cony
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* José Maciel Filho, o mesmo que em agosto de deu o texto final à carta-testa-
mento divulgada após o suicídio de Vargas.
“Levai-me convosco!”
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dia seguinte. Mas desisti. Em princípio, não sou corajoso, Deus é tes-
temunha de minhas covardias. A coragem é a mais perigosa das vir-
tudes e não sou dado a cultivar nem virtude nem perigos. Voltei da
porta. Joguei a caixa de fósforo em cima do balcão e pedi o meu
dinheiro de volta. O homem me olhou com espanto – percebeu que eu
o provocava. Respondeu que não era costume devolver o dinheiro.
Insisti. O dinheiro era meu e eu o exigia. Ele foi à caixa registradora
e de lá retirou a mesma cédula que eu lhe tinha dado. Perguntei onde
mais vendiam fósforos naquela cidade e ele me indicou com o queixo
uma porta em frente à sua. Atravessei a rua e comprei fósforos na
loja rival. Havia cadeiras junto à porta, sentei-me numa delas e
esperei pelos acontecimentos. Meia hora depois ele atravessou a rua
e me perguntou se eu era do Rio, se era da polícia. Respondi que era
do Rio mas com a polícia mantinha relações apenas inamistosas.
Perguntou-me se eu conhecera Getúlio Vargas. Disse-lhe que não.
– Eu sei pouca coisa...
Mas esse homem não precisava falar mais nada. Já me havia
revelado uma coisa importante: o gaúcho é tímido, quase medroso.
Dito assim, pode parecer uma provocação gratuita ao povo
gaúcho que tem justificada fama de valente. Mas a verdade é que o
gaúcho, em seu primeiro estágio psíquico, é tímido. Tal como o
mineiro. Apenas, no caso do mineiro, superada a timidez ele parte
para a astúcia. O gaúcho parte para a coragem, não raras vezes
para a valentia.
Folheei no Foro de São Borja – buscava indícios da passagem
do advogado Getúlio Vargas pelo foro local – muitos processos de
crime. Eis um caso: o cidadão entrou no botequim e pediu uma
bebida. Enquanto esperava, olhou em volta e deu com um sujeito no
fundo da sala, escondido nas sombras da última mesa. Veio a bebida
e ele preparou-se para beber. Enchia o copo quando alguma coisa,
talvez a semelhança do sujeito com algum conhecido, obrigou-o a
olhar novamente para trás. Encararam-se por um tempo, até que o
cidadão notou que se havia enganado. Voltou à bebida, acabou de
encher o copo e levou-o à boca. Não chegou a molhar os lábios: dois
tiros o abateram. O criminoso não fugiu. Disse à polícia e ao juiz
que o estranho o havia olhado duas vezes. Era uma razão.
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casa onde nascera aquele rapaz que após escrever uma obra-prima
e alguns artigos polêmicos, metera uma bala no peito para provar
à nação que “não era um infame”.
Ao ser recebido na Academia Brasileira de Letras, Ataulfo
de Paiva, que o saudou, cometeu sua única obra realmente literá-
ria ressaltando o pormenor de meditação e silêncio de um político
todo-poderoso diante da casa de um escritor suicida.
Foi na faculdade que se formou o embrião daquilo que hoje
podemos chamar de geração mas que alguns, na época, chamavam
de bando: João Neves da Fontoura, Osvaldo Aranha, Lindolfo Col-
lor, Maurício Cardoso e outros. Publicou na revista dos estudantes
um ensaio sobre Zola, que o dip, anos mais tarde, quis classificar
como transcendental mas que é apenas um estudo inteligente
sobre o autor dos Rougon-Macquart. Impressionara-o, sobretudo,
a leitura de Germinal. Trecho do ensaio:
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A savana verde
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