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vo REDESCOBRINDO 0 ESPIRITO SANTO PALE O FILHO SENHOR [..] QUE JUNTAMENTE COM 0 P ADORADO € GLORIFIGADO cio artigo do Credo Niceno: o f i is no teres Confessamos dois pontos principais redo ! Mediante a confissio de seu se- pirito Santo é "Senhor"¢ “Doador da vida’. 6 Espirito é um com o Pai ¢ | apenas Um; como consequencia, | lama-se que 6 Filho tanto em essénci nhorio, proclama-se quanto em operayoes. Nao ha trés senhores, as coisas realizadas pelo Deus tritino ex’ axima consagrada pelo tempo: Opera trinitatis ad da Trindade sao indivisas]. Tenho mais a © uma Gnica obra divina em todas E extra indivisa sunt [As obras externas escrever sobre isso logo abaixo. © Espirito Santo € Senhor no mesmo sentido exato que 0 Pai eo Filho sto o Senhor. O Espirito Santo nao é uma energia divina ou um agente semicivino, e sim o Senhor Deus, vHwH. O Espirito é representado is vezes como um as- pecto mais afivel da pessoa tinica que € Deus. O Pai (0 tinico Deus verdadeiro) aparenta distancia na transcendéncia soberana, mas 0 Espirito ¢ Deus na forma mais intima e cognoscivel. De acordo com James D, G. Dunn: “o Espirito de Deus” nos textos de Israel “era, A semelhanga da Sabedoria ¢ da Palavra, uma forma de falar a respeito da imanéncia divina’* Nessa construgao, o Espirito reside no lado da revelada, ¢ nao da ontologia: nao uma pessoa distinta de Deus, mas uma forma de destacar a imanéncia divina. Entretanto, a confissao cristi € que o Espirito deve ser “adorado € glorificado” junto com o Pai ¢ o Filho, compartilhando sua transcendéncia soberana e atividade imanente no mundo de acordo com suas propriedades pessoais.? Desejosos de discernir a Trindade no AT, os cristiios muitas vezes se valem de Génesis 1.26: “E disse Deus: Fagamos 0 homem & nossa imagem, conforme nossa semelhanga...”. Mesmo que 0 versiculo no cumpra todas as promessas feitas em seu nome, a intuigio deles estava correta: ler o AT a luz do Novo Testamento (NT). Jesus interpretava a Escritura desse modo (Mt 12.40; Le 24.27; Jo 5.39 etc.) € também os apéstolos procediam assim na pregagio (At 2.14-36; 3.17,18; 15.13-19; 17.3; 26,23 ete.). Agora que a revelagdo se ponto é expresso nam Apesar de o formato final ter sido dado en credo identificado tecnicamente como Credo apenas como Credo Niceno, {Did the first Christians tworsbip John Knox, 2010), p. 126. ‘Dunn destaca: in Constantinopla (381 d.C.) e, portanto, ser esse Niceno-Constantinopolitano, farei referencia a ele Jesus? The New Testament evidence (Louisville: Westminster E notivel nao se encontrar nenhum, so a0 Espirito de Deus"(Ibidem, p74, gif do ton) nn a? 6 ferecimento de adorae “SENHOR E ODADOR DA VIDA" a redentora aleangou © ponto culminante — quando o Pai enviou o Filho e 0 E Como consequéncia, por exemple, Joio deu inicio a seu eco explicito de Genesis 1, a0 exaltar Jesus como a Palavra eterna por meio de s.O tema do Logos ji estava presente no inicio pitito ao mundo —, conta-se com novas lentes para ler a Escritura anterior, angelho com um quem todas as coisas foram criad: do judaismo precisamente por se encontrar no AT, ainda que de forma mais P P Espirito c sua habitagao latente.* De modo similar, o derramamento decisive do nos crentes desde o Pentecostes € 0 ponto de vista a partir do qual se pesquisa 0 campo vasto das operagdes do Espirito ao longo da histéria de Israel. Um argumento mais claro a favor da identidade do Espirito como pessoa distinta da divindade encontra-se no segundo versiculo da Biblia: “A terra era sem forma e vazia, e havia trevas sobre a face do abismo, mas o Espirito de Deus pairava sobre a face das éguas”. Como em outras passagens, a expresso ruakh elobim pode ser traduzida aqui como “um vento de Deus” (NRSV, por exemplo): ruakh pode significar “vento” ou “espirito”. Entretanto, Deus é sem diivida 0 au- tor da ado de criagio-formacio; assim, 0 Espirito é distinto de quem ordena a existéncia da criagao. A propria aco — pairar — € pessoal; 0 vento sopra, mas seria estranho mencionar o vento pairando, com uma intencionalidade implicita. Além do mais, dé-se por certo, na revelagdo posterior, que o Espirito é 0 doador da vida, como em Salmos 104.30: “Envias 0 teu Espirito [ruaks], eles sio cria- dos...” (NIV). O Espirito nao é um poder emanado, mas uma pessoa enviada. Existem passagens claras no AT que indicam também a personalidade distinta do “...Espirito eterno...” (Hb 9.14), identificando, assim, essa pessoa distinta como Deus. Pelo Espirito, Moisés realiza milagres (Ex 8.19) e con- duz os israelitas através das Aguas do batismo no mar Vermelho. © Espirito dota algumas pessoas para tarefas especiais (Ex 31.1-11; 36.30-35) e sobrevém aos profetas para poderem anunciar a palavra de Deus (2Sm 23.2; Is 59.21; Jr 1.2,8,15,19; 21m 3.14-17; 2Pe 1.21). O Espirito nao é s6 um poder em ago para ensinar a sabedoria, ele mesmo é um mestre divino. Ele nio s6 a gloria do Senhor emanante do templo, € 0 Senhor cuja gléria irradia do templo em que ele habita. Ele veio ao templo e saiu dele, Ele nao é s6 0 poder revelador perscrutador de Deus, ele ¢ 0 revelador e perscrutador divino (1Co 2.10). pal esp Ele obre todo o povo de Deus, habitando Como se vera, o Espirito é divino e pi almente nos profetas devera ser “derramado” nos tiltimos di; “Daniel Boyarin, “Logos, A Jewish word: John’s prologue as midrash’, in: Amy-Jill Levine; Mare Z.. Brettler, orgs., The Jewtsh annotated New Testament (Oxford: Oxtord University Press, 2011), p.546-9. 2 REDESCOBRINDO O ESPIRITO SANTO nele (Ez 37.1-14; 39,29; Jl 2.28-32). Alguém pode se proteger de uma forga ida, como ocorreu com ou de um vento, mas sé uma pessoa pode ser entriste © Espirito quando da violagao do pacto por Israel (Is 63.7-14) € ocorre hoje quando se resiste A sua influéncia santifieadora (Ef 4.30), Identificado pelo 31.3; At 5.3.4; 1Co 3.16; 2Pe 1.21), 0 Espirito também re- cebe a imputagao de atributos divinos (onipresenga, SI 139.7-10; onisciéncia, Ts 40.13.14 1Co 2.10,11), bem como de obras divinas (Criagio, Gn 1.2, J6 26.13; 33.4; renovagio providente, $1 104.30; regeneragio, Jo 3.5,65 Tt 3.55 ressurreicio dos mortos, Rm 8.11). Também se outorgam ao Espirito Santo homenagens divinas (Mt 28.19; Rm 9.1; 2Co 13.14). O Espirito é mencionado por Jesus e pelos apéstolos como o autor da Escritura, como a propria Palavra de Deus (Me 12.36; At 1.16; Hb 3.7; 9.8; 10.15; 1Pe 1.11; 2Pe 1.21). Na verdade, jesus di” sao intercambiaveis em Apocalipse nome divino (FE: as expressdes “o Espirito diz” e “J 2.7,11,17,29; 3.6,13,22. Da mesma forma que Jesus revela o Pai, também revela o Espirito Santo; 0 Espirito, por sua vez, revela Jesus como o Mediador ¢ 0 Pai como “nosso Pai” a quem clamamos: *.. Aba, Pai” (Rm 8.15). No discurso de despedida, Jesus ensinou os discipulos a procurar por outro advogado (paraklétos) procedente do céu, O Espirito que libertou Israel, levou o povo & terra prometida e esvaziou 0 templo quando a nagio rompeu o pacto seré enviado para criar uma nacido santa de todas as familias da terra. No discurso de Joao 14—16, que ser considerado mais detidamente em outro capitulo, Jesus destaca a igualdade do Espirito,ainda que como pessoa distinta, nos termos de suas respectivas misses de “vir” “in”, “enviar” ¢ “voltar”, Essas idas e vindas, um do outro, na economia da redengio revelam o relacionamento pericorético dessas pessoas divinas em sua comunhao eterna sem exaurir esse relacionamento incompreensivel > Em Atos 5, Pedro confronta Ananias e Safira ao Ihes dizer que haviam mentido “...ao Espirito Santo...”(v. 3); eles nao haviam “... mentido aos homens, mas a Deus” (v. 4). Em 2Corintios 3, 0 apéstolo destaca o Filho ¢ o Espirito como Senhor: “Contudo, quando um deles se converte ao Senhor [Jesus]", ele diz, “o véu € retirado” (v. 16). A referéncia procede de Exodo 38: Moisés falou a0 Senhor face a face sem um véu. Em seguida, cle se volta para o Espirito Vale a pena observar que, de acordo com passagens relevantes (em especial em Jo 14—17), pericorese — a habitagiio miitua das pessoas — nao consiste cm um relacionamento aberto, mas se refere de modo estrito as pessoas divinas nos relacionamentos imanentes. De forma contraria a tese de Jurgen Moltmann (Trinity and the Kingdom of God [San Francisco: Harper & Row, 1981], p. 172-8), a pericorese pressupoe a unidade essencial, mas nao a substitui. “SENHOR E DOADOR OA VIDA” i Santo:“O Senhor é 0 Espirito; eonde (v.17). As duas pessoas s tii o Espirito do Senhor ai ha liberdade” to mencionadas no versiculo 18: “E todos nds, com dado, contemplando, como por espelho, a gliria do Senhor [de Cristo], somos transformados, pelo Senhor, o © rosto desves +de gloria em gloria, na sua propria imagem, como prtito” (NIV). Deus, o Espirito, nos une a Deus,o Filho, ¢ nos conforma a sua imagem. Essa enfase evita a heresia do subordinacionismo, de acordo com a qual o Filho ou o Espirito sao considerados inferiores ao Pai em sentido ontologico. Além disso, essa formulagio classi ca também exclui 0 triteismo — 0 conceito de que as pessoas so na verdade trés deuses diferentes, cuja unidade consiste apenas em seu cordo € propésito comum, ¢ nao na esséncia igualmente com- partilhada.* O Espirito Santo ¢ Deus da mesma forma exata e na mesma medida gue o Pai e 0 Filho. “DOADOR DA VIDA” Todavia, a verdade de que as trés pessoas sio um Deus — o mesmo em esséncia — nao deve levar a conclusio de que elas sio a mesma pessoa. Em sentido hist6rico, esse € 0 perigo do modalismo. Também conhecido por sabelianismo, designado pelo nome de um presbitero do terceiro século associado a essa here- sia, o modalismo afirma existir apenas uma pessoa divina que revela a si mesma ora como o Pai, ora como o Filho, ¢ também como o Espirito. As pessoas sio meras aparéncias ou “mascaras” — como as “personas” de um ator que inter- preta papéis diferentes. O subordinacionismo e 0 mod: enfatizam a unidade de Deus & custa da pluralidade gemi mo sio heresias que as, a das pessoas heresias contaram com defensores ao longo da historia da igreja e tornaram-se especialmente atraentes para algumas formas radicais de protestantismo (soc nianismo, conhecido mais tarde como unitarismo), passando a caracterizar a teologia liberal inspirada em Friedrich Schleiermacher. Apesar de muita luta, a igreja antiga formulou um dogma comum da Trindade que afastou essas heresias. Entre outras, surgiram duas importantes distingdes nessa formulagao. A primeira distingue missces de processdes, também “Essa tendéncia tem se evidenciado no recente “trinitarianismo social” defendido por Jargen Deus, ¢ 0 Espirito Santo é plenamente Deus como o Pai 0 Moltmann, entre outros. Ha um s 5 Fitho. Consulte, no capitulo 10, um resumo desse conceit , - “Isso também € verdade em relagao ao arianismo, uma heresia cristol6gica que nega a divin- dade de Cristo, considerando-o a primeira e mais nobre criatura de Deus. “SENHOR E DOADOR DA VIDA" 3 Santo: “O Senhor é o Espirito; e onde esti o Espirito do Senhor ai ha liberdade” (v. 17). As duas pessoas sao mencionadas no versiculo 18: “E todos nds, com © rosto desvendado, contemplando, como por espelho, a gloria do Senhor [de Cristo], somos transformados, de gléria em gloria, na sua propria imagem, como pelo Senhor, o Espirito” (NIV). Deus, o Espirito, nos une a Deus, 0 Filho, € nos conforma a sua imagem. Essa énfase evita a heresia do subordinacionismo, de acordo com a qual 0 Filho ou o Espirito sao considerados inferiores ao Pai em sentido ontoldgico. Além disso, essa formulagio clissica também exclui o triteismo — 0 conceito de que as pessoas siio na verdade trés deuses diferentes, cuja unidade consiste apenas em scu acordo e propésito comum, € nao na esséncia igualmente com- partilhada.” O Espirito Santo ¢ Deus da mesma forma exata e na mesma medida que o Paic o Filho. “DOADOR DA VIDA” Todavia, a verdade de que as trés pessoas sto um Deus — 0 mesmo em esséncia io a mesma pessoa. Em sentido — nao deve levar & conclusio de que elas hist6rico, esse € o perigo do modalismo. Também conhecido por sabelianismo, designado pelo nome de um presbitero do terceiro século associado a essa here~ sia, o modalismo afirma existir apenas uma pessoa divina que revela a si mesma ora como o Pai, ora como 0 Filho, ¢ também como o Espirito. As pessoas so meras aparéncias ou “mascaras” — como as “personas” de um ator que inter- preta papéis diferentes. © subordinacionismo ¢ 0 modalismo sio heresias que enfatizam a unidade de Deus a custa da pluralidade genuina das pessoas.’ Essas heresias contaram com defensores ao longo da historia da igreja ¢ tornaram-se especialmente atracntes para algumas formas radicais de protestantismo (so nianismo, conhecido mais tarde como unitarismo), passando a caracterizar a teologia liberal inspirada em Friedrich Schleiermacher. Apesar de muita luta, a igreja antiga formulou um dogma comum da Trindade que afastou essas heresias, Entre outras, surgiram duas importantes distingdes nessa formulacao. A primeira distingue misses de processdes, também “Essa tendéncia tem se evidenciado no recente “trinitarianismo social” defendido por Jurgen ‘Moltmann, entre outros. Ha um s6 Deus, € 0 anto é plenamente Deus como 0 Pai e Filho. Consulte, no capitulo 10, um resumo desse conceito. Isso também ¢ verdade em relasio ao arianismo, uma heresia cristoldgica que nega a divin dade de Cristo, considerando-o a primeira ¢ mais nobre criatura de Deus. pirito M REDESCOARINDO 0 ESPIRITO SANTO 0 nao $i 8 fc conhecidas como srindade imanente e econdmica’ Is ignifica que existarn m que ha distingao entre, de um lado, a Trindade duas “trindades” de fate, ¢ s em sua unidade interna e processdes (necessar’ as), ¢ de outro, a revelagao das operagdes do, Deus triino no mundo (contingentes, ou livres). No sentido mais fundamental, o Filho € gerado cternamente do Pai, ¢ Espirito eternamente procedente. Eles sao atos necessarios ab intra — isto é, no interior da vida da Trindade — independentemente da existéncia de alguém ou de algo externo a essa vida (ad extra). Em outras palavras, 0 Pai nao o solidio ¢ entio decidiu gerar o Filho e o Espirito. Nao ha, nem jamais existiu, um Deus diferente do Pai, do Filho e do Espirito Santo: necessirio, eterno, imutavel, No filme Jerry Maguire, de 1996, o personagem principal (interpretado por Tom, Cruise) diz a sua mulher: “Vocé me completa”, Entretanto, nada na criagio jamais O Deus tritino é completo em sentido eterno e imutével na ,, bem como por seu amor ¢ sua alegria tia em completa a Deus. natureza compartilhada pelas trés pessoa miituos. As obras externas das pessoas divinas da economia da criagao, redencio € consumagio nio constituem de forma nenhuma a identidade das pessoas ou do ser divino que compartilham. Deus nao se submete a qualquer transformacao ow autorrealizagao de sua identidade mediante o envolvimento na historia. Existem também as obras externas da divindade, desejadas livremente, como a criagdo ¢ a redengdo. Essas obras so reveladas na economia da criagio e da grasa. Por exemplo, o envio do Filho e do Espirito “na plenitude dos tempos" € de qualidade distinta da geragao eterna do Filho ¢ da processio do Espirito. Contudo, a encarnagio do Filho e 0 derramamento do Espirito desejados livremente na histéria sao “adequados” ou consoantes com as processGes eter- nas, Pelo fato de o Filho ser gerado eternamente pelo Pai, € adequado que ele Se torne carne por nds € para nossa salvagio, em lugar do Pai ou do Espirito. Entretanto, ele é eternamente o precedente mesmo que jamais houvesse ocorrido a decisio de criar 0 mundo ou de enviar 0 Filho para redimi-lo, A economia — isto é,0 que Deus escolhe fazer na histéria — revela a verdade a respeito da vida intratrinitai mas ndo a compreende nem a exaure, D, lado, a Tri i ‘ Por um lado, a Trindade imanente ¢ revelada de fato na economia histérica. As missoes (i.¢., 0 envio do Filho e do Espirito) sio coerentes com a verdade a respeito de Deus encontrada nas Processdes eternas do Pai gerador, do Filho "Bruce ‘sha na a ; B Mar - 7 afirma a distingao tradicional entre processdes € misses; a distingéo entre as chamads trindade imanente ¢ econdmica surge pela primeira vez como eategora, pelo menes no século 19, com Franz Anton Staudenmaicr “The unity of th Sod: revi i z unity of the triune God: 3 question’, Tze Thomist 74 [2010]: 8). oS ee “SENHOR £ DOADOR DA VIDA" 35 gerado ¢ do Espitito soprado, Por outro lado, nao se pode apenas deduzir os segredos da Trindade imanente a partir da economia, Por exemplo, 0 papel a do Filho a par- formativo do Espirito na enearna tir do Espirito. Tampouco a dec (Jo 14.28), implic Novamente, a maxima consagrada pelo tempo, capitulo, é que as obras externas da Trindade sdo indivisas. As obras da divin- dade nao sio compartilhadas entre as pessoas. Como o Pai ¢ 0 Filho, o Espirito Santo € Senhor — isto 6, ele compartilha exatamente a mesma esséncia divina € ‘do nao implica a procedén a. 0 Pai é maior do que eu” ao de Jesus: a interioridade do Filho ao Pai na eternidade. ada no inicio deste apresent 0s atributos. E o Espirito, como o Pai ¢ o Filho, esta engajado em todas as obras da divindade. De acordo com uma doutrina de dotagées, € possivel referir-se ao Pai como Criador, ao Filho como Redentor e ao Espirito como Santificador. Por causa do ensino, nao se pode dizer tudo ao mesmo tempo. Seguindo o esboco dos credos ecuménicos, as teologias sistematicas muitas vezes apresentam esse padrio. Entretanto, existe sempre um perigo na abordagem de romper a regra das obras indivisas. Tudo o que Deus faz ¢ realizado pelo Pai, no Filho, por meio do Espirito, que também é Senhor. Como se demonstrara, o Espirito esta engajado na Criagao € na realizagéo da redencao de forma tio plena como na aplicacao da redencio. Apesar de as obras serem tio indivisiveis quanto as pessoas, ha, contudo, trés pessoas: distingao sem divisdo. O Espirito € Deus, mas ele também é de forma exclusiva a pessoa da Trindade que concede vida: “Envias 0 teu Espirito, eles sao criados...” (SI 104.30, ESV); “O Espirito de Deus me fez, 0 sopro do Todo-Poderoso me da vida” (J6 33.4). O Espitito é a personagem insubstituivel nessas cenas, enviada pelo Pai para criar e renovar. Portanto, é preciso distinguir as propriedades essenciais das pessoais (is ve~ zes designadas atributos comuns e proprios). A respeito das primeiras,o Espirito Santo nao é menos onisciente, eterno, imutavel, amoroso, justo e onipotente que © Pai ou o Filho. Quando se trata dos atributos essenciais, nao existe diferenga entre as pesse torna-se mais evidente, que 0 Pai nao foi gerado, o Filho € gerado ¢ o Espirito procedente. O Filho ¢ 0 Espirito recebem existéncia pessoal a partir do Pai eternamente. Contudo, eles nio sio subordinados em esséncia ao Pai pelo fato de partilharem a mesma e: as. Entretanto, ha diferengas nos atributos pessoais.’ Desse modo, ncia com ele. °Os escritores reformados ortodoxos de modo geral identifica esses attibutos pessoais como “incomunicéveis”. Em outras palavras, © Filho © o Espirito jamais podem ser o Pai nto getado, nem pode o Pai proceder do Espirito ou do Filho. Cada pessoa conta com wma formna de cexisténcia propria. % REDESCOBRINDO O ESPIRITO SANTO Na narrativa biblica progressiva, nao se encontram apenas trés “personas”, 10 s6 trés papéis, mas trés atores, Encontra-se o Pai mas trés pessoas coneretas; como a origem da criagio, redengio ¢ consumagao, o Filho como o mediador eo Espirito como quem lov foda a obra a conclusdo, Ha varias maneiras de formular esse mistério: © Filho éa imagem do Pai; o Espirito 6 0 elo de amor entre eles. Como consequéneia, em todas as obras externas da divindade 0 Pai & a fonte, 0 Filho € © mediador ¢ 0 Espirito é 0 consumador. A criagao existe a partir do Pai, no Filho, pelo poder do Espirito; na nova criagio, Cristo € 0 cabega enquanto o Espirito une os membros a ele € 05 renova de acordo com a imagem de Cristo para a gloria do Pai. 0 favor, o Filho trabalha alha ern nosso interior. © Qu pode-se dizer que o Pai trabalha em nos em nosso meio ¢ o Espirito tra ¢ As obras de Deus, tanto a criagdo quanto a nova criagdo, sao descritas normalmente na Biblia como tendo sido realizadas por meio da fala; por- tanto, também se pode dizer o seguinte: Da mesma forma que o Filho éa Palavra do Pai eo Pai (ou 0 Pai eo Filho) sopram o Espirito, toda a fala do Pai no Filho realiza os efeitos desejados por causa da aco aperfeigoadora do Espirito. Quve-se a voz do Pai, mas contempla-se 0 proprio Deus na face de Cristo. Jesus até poderia dizer a Filipe: *... Quem vé a mim, (Jo 14.9). “Eu € © Pai somos um” (Jo 10.30). Entretanto, é 0 Espirito que torna real esse reconhecimento em nosso interior, a ponto de Jesus continua a mostrar de forma tao clara nos versiculos seguintes (v, 15-27). A referéncia trinitaria é implicita em 2Corintios 4.6 (ESV): “Porque Deus [o Pai], que disse: Das trevas brilhara a luz, foi ele mesmo quem brilhou em nosso coragao [pelo Espirito}, para iluminagio do co- nhecimento da gloria de Deus na face de Cristo”. Ou, caso seja permitida mais un vé o Pai formulagao: no pacto da graga, 0 Pai faz.a promessa (Hb 6.13), 0 Filho é a promessa (2Co 1.20) ¢ o Espirito torna real em nosso interior o “amém!” procedente da fé (1Co 12.13). Os exemplos anteriores de formulagoes vilidas dependem muito da Trindade econdmica, isto é, do papel distinto de cada pessoa em cada opera- $40 da divindade em relagao a0 mundo, E. isso deve ser assim, pois o peso da revelagio recai sobre as obras externas da divindade “por nds homens e pela nossa salvagao”, “SENHOR E ODADOR OA VIDA" a Ja no segundo século, Origenes explorou as operagies distintas das pessoas divinas em cada obra exterior. Tod participam no Pai (como Criador) € no Filho (como Logos-Palavra-Razito). Assim, cles tém sua existé as peso: ncia e razio a partir deles, “mas consideramos que uma parte no Espirito Santo € possuida s6 pelos santos”,"" *Vé-s ¢ demonstrada aqui, com ar axima clareza, a inexisténcia de qualquer separaga clo Filho e executado por Deus, o Pai”. Mediante a obra do E: P . ‘o na Trindade, e o chamado ‘dom do Espirito’ é ministrado pirito, os jé parti- cipantes no Filho como Legoi-Razio por natureza, agora, pela graga, “tornam-se capazes de receber a Cristo de novo em seu papel da justiga de Deus”."' Fim outras palavras, ¢ o Espirito Santo que nos capacita a tomar parte no Pai e no Filho pela graga — em um modo de qualidade diferente do participado neles por natureza. Ao apresentar um relato mais plenamente trinitario, Atanasio observou: “Enquanto o Pai é a fonte ¢ o Filho é chamado rio, somos convocados a beber do Espirito” Pois esta escrito: “A todos nds foi dado beber de um 6 Espirito” (1Co 12.13). Entretanto, quando nos foi concedido beber do Espirito, bebemos de Cristo; pois “bebiam da rocha espiritual que os acompanhavas ¢ essa rocha era Cristo” (1Co 10.4). [...] Entretanto, quando somos vivificados no Espirito, 0 proprio Cristo afirma viver em nés: “Ja estou crucificado com Cristo, Portanto, nao sou mais cu quem vive, mas ¢ Cristo quem vive em mim’ (Gl 2.19,20).? ‘A Escritura dé razio suficiente para que se diga com confianga que as pessoas, apesar de dis intas, sao insepardveis € nfo so de esséncia diferente. Somos in- dade, mas formados de sua vers sobre como isso ocorr ‘Como pode ser que, quando 0 Espirito esta em nés, diz-se que o Filho {em nés, e quando “A a respeito de Deus”." De 6 Filho est4 em nds, afirma-se que o Pai es em nés?”, Atandsio respond presungao de pessoas insanas é inquirir essas coisas modo similar, Ambrosio, o pai latino: Assim, 0 Pai e o Espirito enviaram 0 Filho; 0 Pai o enviou, pois esta escrito: “Mas o Pariclito, o Espirito Santo, a quem o Pai enviar em meu nome”. O “Origen, [Origenes] On fint principles, radusio para o inglés de G. W. Busterworth (Gloucester: Peter Smith, 1973), p. 36-7 (1.3.7). HY bidem, p. 38 Letters to Serapion conceming the Holy Spirit”, in: A¢hanasius, tradusdo para o inglés € edigao de Khaled Anatolios (London: Routledge, 2004), p. 217-9 (1.19-20) “Tbidem. 8 REDESCOBRINDO 0 ESPIRITO SANTO Filho 0 enviou, pois disse: “Quando o Pariclito vier,a quem eu env da parte do Pai, Espirito da Verdade”. Assim, se o Filho © 0 f uum ao outre, como o Pai envia, no hi inferioridade nem suj comunidade de poder."* ‘are a vis “spirito enviam, ieigdo, mas uma Nao sio obras diferentes, mas diferentes papéis em cada obra realizada por semelhar-se a uma mudanga de paradigan pessoas divinas. Isso pode do 36 em nosso pensamento, mas em nossa adoragdo, vida € missio. A medida que se comega a discernir 0 papel distintive do Espirito em toda a tela da tevelagio biblica, passa-se a reconhecer seu papel peculiar em nossa propria vida. Besa énfase tornou-se especialmente formativa na obra dos Pais capadécios do quarto século (Bastlio, seu irmao Gregorio de Nissa e o amigo deles Gregorio de Nazianzo). Por exemplo, Gregorio de Nissa escreveu que nenhuma das pessoas executa qualquer obra independentemente das outras: “mas cada operacio que se estence de Deus para a eriagao [...] origina-se no Pai, realiza-se por meio do Filho e € aperfeigoada pelo Espirito Santo’."’ O reformador de Genebra, Joio Calvino, repetia com frequéncia essas formulas capadécias, quando expressava com suas proprias palavras: “Atribui-se ao Pai o inicio da ag2o, a fonte e origem de todas as coisas; a0 Filho, sabedoria, conselho e ajuste da ao, a0 passo que 2 energia € a eficiéncia da ago sio atribuidas ao Espirito”. Isso exerceu um impacto nada insignificante em toda a sua teologia. Mais uma vez, para énfase: tem-se uma visio muito estreita da pessoa e da obra do Espirito se ele for identificado apenas com obras especificas (como a Tegencrasdo ¢ os dons espirituais), em vez de reconhecer sua maneira especifica de atuar em todas as obras divinas. O Espirito é 0 doador da vida na criagio, redencao consumagio. Permita-me sugerir que isso representa um ponto de engajamento apolo- 8ético mesino em nossa cultura pos-cris soberano até Jesus, o Salv . Nao se pode “descer a escada” do Pai ador, € dele ao Espirito supostamente vulnerivel no centro do cosmo. O Espirito ¢ Senhor, do mesmo modo que o Pai e o Filho. Assim, ele também 6 “o Doador da vida" © exerce seu senhorio divino na criagao, (lhe Moly Spirit 3.1.8 (NPE* 10-196) mptee de Nisa, On “Nor three Gods" to Ablabius (NPNF* 5:334), ohn Calvin, Institutes of the Christian rel id inglés de Lewis Ford Battles, ten ¢ stan religion, traducao para o inglés de Lewis Fon is = John T. McNeill (Philadelphia: Westminster John Knox, 1960), 1.13.18 [edigdes em Case some ups ds institutas, wraducao de Waldyr Carvalho Luz (Sio Paulo: Cultura C eteces eA instituijao da religiao crista, rraduca 5 ra; José Carlos Estévao (Sao Paulo: Ed Unesp, 2008), 2 al i ———— “SENHOR E DOADOR DA VIDA" 38 tornando as capacidades inerentes, concedidas pelo Pai no Filho, frutiferas, ricas ito a unica ¢ produtivas. Normalmente, as “teologias verdes” considera o Esp 0 desvia a atengio da ago frutificadora ¢ pessoa apta para a era ecolégica, mas is aperteicoadora do Espirito para longe do Pai, a origem, ¢ do Filho, o mediador. Este mundo ¢ a grande obra-prima formada e mantida, além de redimida ¢, em ultima instancia, restaurada pelo amor intratrinitario. A criagdo nao é necessaria para que Deus seja ou se transforme em algo, cla foi chamada & existéncia sustentada pela palavra totalmente livre ¢ ndo arbitréria do Deus tritino. O Pai nao € um monarca despético, mas a fonte desse empreendimento amoroso, ¢ o Filho de fato tomou sobre si a realidade do mundo para sempre. Ele ¢ Emanuel; 0 Deus conosco. Na parabola de Joao 13, Jesus lava os pés dos discipulos para Ihes ensinar o que ele esta prestes a realizar em favor deles por meio de sua morte e ressurreigao. Em contraste com a disputa dos dis- cipulos pelo poder, como os governantes gentios, Jesus expressa o significado da afirmagao “Jesus é Senhor”. Assim, 0 Pai e o Filho também revelam uma soberania oposta a todo 0 despotismo terreno. O Espirito é Senhor e doador da vida da forma desejada pelo Pai, no Filho. Portanto, o Espirito exerce a soberania divina na criagio, ao obter o consentimento das criaturas © fazer com que elas deem o fruto “designado” pelo Pai no Filho. Herman Bavinck observa: “nosso Deus esta acima de nés, a nossa frente € no nosso interior”, como Pai, Filho ¢ Espirito.” Assim, muitas séo as informagées condensadas na confissio de que o Espirito Santo é “Senhor” e “Doador da vida”, Essas duas identificagdes nos dio nossas coordenadas. O Espirito Santo nao é s6 uma forca divina, um poder ou principio; ele ¢ Deus ¢ “junto com o Pai ¢ o Filho é adorado e glorificado”, Ele no é um instrumento divino, ¢ sim o proprio Senhor Deus junto com o Pai e 0 Filho. Ele sozinho torna eficaz qualquer meio da criagio que utilizar, Como Agostinho destacou em De Trinitate, Jesus revela a Deus porque ele € Deus, 20 passo que também esta com ele (o Pai), como se Ié no prilogo de Joao. De modo semelhante, o Espirito“... examina todas as coisas, até mesmo as profundezas de Deus”, por ser uma pessoa distinta de Deus (1Co 2.10). O Espirito Santo transforma a massa confusa em um lar habitivel na cria- $40; seu sopro da alma 4 massa de barro, transformando-a em “um ser vivo” "Reformed dogmatits: God and Creation, edicio de John Bolt, tradugio para o inglés de John Vriend (Grand Rapids: Baker, 2004), vol. 2, p.260. Deve-se notar que debato aqui a Trindade se- gundo os atributos nao porque a unidade divina seja mais importante que a pluralidade, mas por- que faz mais sentido tratar primeiro as caracteristicas compartilhadas por cada pessoa como Deus, a REDESCOBRINDO 0 ESPIRITO SANTO (nefésh; Gn 2.7) de acordo com o padrio do Filho que se encarnara. E ele que © interior, nos sustém a vida; concede vida espiri. es ¢ pecados” (EF 2.1, KJV). Além disso, © o Espirito daquele que ressuscitou Jesus dentre 05 mortos habita atuando na criagdo, em nos tual aos “... mortos nas [..] transgre cm vés, aquele que ressuscitou Cristo Jesus centre os mortos hi de dar vida também ay SV). fases diferentes da mesma missio, Nao éo vossos corpos mortais, pelo seu Espirito, que em vos habita” (Rm 8.11, Pai cnvia o Filho ¢ o Espirito par Espirito que se encarna, toma no: itado como 0 cabeca do corpo (a igreja). Do mesmo modo, o Filho que concebe a si mesmo no ventre de Mari uscita o corpo em gldria no tiltimo dia. Em um sentido bastante especifico, o Espirito é o “Doador da vida” em todas as obras externas de Deus. Nao menos que o Pai ¢ o Filho, 0 Espirito cria e salva de os pecados ¢ € ressus ou nos regenera € nos modo diferente com efeitos diversos. Sem a obra do Espirito em nosso interior, a obra do Pai por nés no Filho nao seria concluida, Nos capitulos a seguir, exploraremos a aco aperfeigoadora do Espitito em todas as obras externas da divindade — nao s6 na redengio, mas também na criagao e na consumagio da grande obra de Deus na era vindoura. O ESPIRITO SANTO TRANSFORMA TODAS AS COISAS Como afirmei, ndo se deve Procurar apenas as obras executadas de forma exclusiva pelo Espirito Sants, ¢ sim 0 papel tinico do Espirito Santo em cada aga, © Espirito Santo, destaca Benjamin B. Warfield, é “o Executivo da divindade nao so na crlasdo © manutensio do mundo ¢ na inspiracdo de profetas ¢ apéstolos, mas também na regeneracao e santificagao da alma”."® Ainda melhor é a declaragio de Abraham Kuyper: “Inicia-se com a distingao geral: Em cada obra efetuada Sm comum pelo Pai, Filho e Espirito Santo, o poder de realizar procede do Pais 0 poder de arganizar, do Filho; 0 poder de aperfeicoar, do Espirito”. Quando se explora a obra do Espirito de Genesis a Apocalipse, da Criagao a eonsumagio, sur; c pele é it y 'g¢ urna conclusio comum: ele é a pessoa da divindade que conclui todas 38 coisas. O Espirito sransforma neste livro, tude. Kis 0 tema recorrente de nosso estudo °B.B. Warfield, Introductory note’ in: ne work of the Holy Spi B Tog nteductory note”, in: Abraham Ku ‘The work of the Holy Spirit, tradusdo para o inglés de Henri De Vii New KR Wat 500, ip 7 rand Rapids: Eerdmans 197. hp. De Vries (New York: Funk & Wa nalls, 1900; reimpr., Gra "Kuypes, Holy Spirie, p. 19, “SENHOR E DOADOR DA VIDA" a O Espirito aperteic¢oador E 0 Espirito Santo que transforma uma casa em um lar — um espago criado em um Tugar pactual habitado por Deus com seu povo, Fle separa as aguas na criagdo de modo que exista terra seca para essa comunhio. Ele julga Adio ¢ Eva logo apos a transgress sobre as aguas para tornar os mares férteis ¢ para inspecionar a criagao a fim de the conceder sua béngao surgiu no jardim para avaliar a situagio. Aiém do mais, 4 luz da revelacdo complementar, torna-se claro que o Espirito Santo se identi- fica CoM 0 julzo € a justificagdo, Por isso Jesus descreve 0 Espirito Santo como. “o Advogado” (paraklétos) que convencerd o mundo do pecado (Jo 16.7,8)". Isso 60 que o Espirito jé estava fazendo no jardim apés a transgressao do pacto originario. 0 do pacto. O mesmo Espirito doador da vida que pairou O Espirito divide as aguas do mar Vermelho, libertando seu povo ao sub- mergir seus inimigos em um juizo aquatico. Ele esta associado a circuncisio, 0 ito do “corte” de um pedago da carne para que a Pessoa toda nao seja “cortada” — excomungada — da comunhao com Deus. De modo similar, nos profetas a descida do Espirito esta associada aos “iiltimos dias” (Jl 2.28, cumpridos em At 2.17,18) — de modo especifico, ao juizo vindouro, do qual todos os julga- Mentos prévios eram apenas prefiguragao. A indicagio principal da ocorréncia dos ultimos dias esta ligada ao derramamento do Espirito (Is 2.2; 32.15,16; Ez 11.19; 36.25-27; Mq 4.1; Ze 12.10). Sempre que o Espitito aparece, ha uma cena em um tribunal. Até mesmo Jesus fala a tespeito do Espirito Santo como “outro paraklétos”, termo que € traduzido mais acuradamente como “advogado” gue como “consolador” (Jo 14.16). O Espirito é quem nos batiza agora nas aguas de juizo, ao nos crucificar € ressuscitar com Cristo. Ele nao s6 repousa sobre o tabernaculo ou acima da arca da alianga no templo como uma nuvem de gloria; ele também habita em cada membro do povo de Deus como pedras vivas de seu santuério do tempo do fim. Até mesmo essa habitagao conta com um significado judicial. Para isso Paulo usa o termo legal arrabin, um depésito ou “... garantia da nossa heranga...” (Ef 1.14; cf. Rm 8.23; 2Co 1.22). O Espirito nos transforma em testemunhas no tribunal da histéria de Deus, simbolizadas pelas chamas que apareceram sobre a cabega de cada discfpulo presente no Pentecostes. Desse modo, ainda que eles fossem testemunhas oculares da obra de Cristo, os discipulos nao estavam prontos para dar testemunho de Cristo ao mundo até a dotagao do Espirito (Le 24.49). *No original em inglés, 0 verbo € fo convict, que rene na mesma palavra os significados “convencer”e ‘pronunciar como culpado”. (N. da E.) a REDESCOBRINDO 0 ESPIRITO SANTO Além do aspecto legal ou judicial, a obra de “separagio” do Espitito ¢ iden- tificada com a purificagao. Onde quer que 0 Espirito paire, a terra é santificada Por isso Moisé vado com a perspectiva de o Senhor se recusar a manter sua presenga junto como santo diante das outras nagdes? Sob o palio da nuvem de gloria, todas as até os potes ¢ as panclas — eram santas ao Senhor, citos deveriam purificar de s ficou horror a sett povo pecador. O que 0 distinguiria (separaria) 80: coisas — desde as pe Por meio da dotasao do Espirito, Davi e seus ¢ forma continua a terra de Deus de tudo 0 que contaminava, cumprindo a ordem dada por Deus a Adio Foi o Espirito que colocou no peito dos profetas 0 desejo e a firme conviegio davinda de Cristo. O Espirito que pairava sobre as aguas do ventre de Maria para que 0 nascido dela fosse “santo” — 0 *.. Filho do Altssimo..” (Le 1.52). Nao <5 Cristo nos deu 0 Fspirito; o Espirito nos deu Cristo. Ainda mais, o Espirito preparow o Filho para sua missfo como 0 Servo de Isaias (ef. 1s 61.1 com Le 4.18) Ele conduziu Jesus ao deserto para ser tentado por Satands e sustentou o Senhor nna tentago severa, Pelo poder do Espirito Jesus expulsou deménios ¢ realizou milagres. Na verdade, atribuir essas obras a Satands no significava cometer blasfémia contra a divindade de Cristo, mas contra a do Espirito Santo (Me 3.29). s em Cristo, atribui-se muitas vezes a divindade de Ao se concentrar apena’ Cristo 0 que pertence com mais propriedade ao Espirito Santo. Ao agir assim também se marginaliza o papel da humanidade de Cristo na conquista da nossa salvacio. E evidente que Jesus nfo é apenas humano, mas ele ¢ tio humano quanto nds 0 somos, ainda que sem pecado. Jesus exaltou Pai ¢ confiou no poder do Espirito por meio de suas palavras e atos. Jesus Cristo ¢ 0 Filho do Pai, 0 Espirito Santo é o dom do Pai e do Filho. E 0 mesmo Espirito habita em nés para que possamos dizer nosso “amém” a Deus em Cristo (1Co 12.3), clamando “... Aba, Pai” como filhos ad © coerdeiros com Cristo (Rm 8.15; Gl 4.6). O Espirito realiza a profetizada nue lotivos Gircuncistio do coracio em nosso interior, arrancando-nos da era maligna q > interior para dar- passa — “a carne” —, ¢, unindo-nos a Cristo, atua em no mos © fruto do Espirito, Ele transforma uma casa em um lar. Logo apés fixar residéncia, ele comega a limpar-nos 0 coragdo das impurezas do pecado. Em tudo isso percebemos o Espirito a consumar a obra do Pai no Filho. E a respeito da nova criagdo, nds o vernos derramado “nestes ultimos dias”, enquanto ele vivifica galhos mortos ¢ os une videira viva, Jesus Cristo. O Pai é Deus por nds, o Filho é Deus conosco € o Espirito € Deus em nos, produzindo nosso consentimento livre a sua palavra infalivel. Na escatologia biblica, as metaforas | "SEWHOR E DOADOR DA VIDA" a espaciais de “abaixo” ¢ “acima” so transformadas em coordenadas temporais: “a sente” de pecado € morte e “a era por vir", A descida do Espirito marca a ssurreigao- era p entrada dos poderes da era vindoura na presente era ma. Ja com a re -glotificagdo de Cristo no poder do Espirito tem-se a inaugurag criagio. A semethanga da pomba de Noé que trouxe o galho com folhas como co, © Espirito nao nos traz apenas » da nova © prentincio de vida além do timulo aq visdes das atragdes vindouras, mas a renovacio das energias da era vindoura. E claro que os efeitos visiveis da consumagio 6 serao plena e universalmente aparentes quando Cristo, nosso cabega, voltar fisicamente. Contudo, mesmo agora, 0 Espirito nos regenera e concede fé a fim de sermos unidos a Cristo Para a infalivel ressurreicio em gloria. O veredito futuro do juizo final j4 foi proferido no presente. Fomos “... ustificados em nome do Senhor Jesus Cristo € no Espirito do nosso Deus” (1Co 6.11), pelo fato de o Espirito nos conceder a f€ para recebermos a Cristo e sua justica imputada, Mediante a sua propria descida no Pentecostes, o Espirito que atuava em Cristo agora atua em nés por sermos coerdeiros com ele. Por meio da pregagio ¢ dos sacramentos, o Espirito traz os poderes da era vindoura a esta era de pecado e morte (Hb 6.4,5). Ja fomos adotados ¢ somos conformados todos os dias & imagem do Filho de Deus glorificado. Por isso Jesus nos diz que o Espirito nao s6 convence do pecado, do juizo c da justiga, mas também nos anuncia “... as coisas que hdo de vir” (Jo 16.13, KJV). “As coisas que hao de vir”: a conclusio escatolégica é atribuida de forma especifica ao Espirito Santo. O Espirito nos coloca e preserva na intersecgio pre meio a tensao desorientadora entre o “ja” e 0 “ainda nio”. O Espirito que re- nova os fluxos de alegria eterna no sébado eterno de Deus agora habita em ria das duas eras, em 16s, para que nossa historia seja entio “cortada” da triste genealogia do pecado de Adio ¢ de sua morte ¢, mesmo agora, nossa humanidade seja elevada com nosso Salvador ascendido a gloria da era por vir, Nessa maravilhosa unidade fio radiante da vida diferenga, a gloria da santissima Trindade torna-se uma vis no Filho pelo Espirito. que agora vivemos — do P: O Espirito que habita A luz dessa pesquisa biblico-teolégica, podem-se extrair pelo menos duas con- clusdes que serio retomadas em varios pontos ao longo dos capitulos. Primeira, por ser uma Trindade, os atos externos de Deus nao consistem na simples aplicasao de forga bruta sobre um objeto. Pelo menos no mundo antigo, Xx REDESCOBRINDO O ESPIRITO SANTO um soberano governava pela emissiio de estatutos que exigiam certa resposta, a usar subordinados para executar as ordens governante podia pos governados ent apenas de causa e efit, Entretanto, © Deus de .€.a relagio entre g governante —— 9 unico Deus verdadeiro — € Jo eficientes por serem enunciados no seu Filho Israel tripessoal. Sem diivida, cle se comunica Nao obstante, seus decretos ‘os governados tém o FE: jsentimento. Nenhum ministro régio de um reino se- spirito como aquele que a como mediador, € & partir de dentro para obter deles 0 cor cular é capaz de fazer as pe Eapirito pode realizar isso porque ele mes ej obra de reconciliagio do Filho, Essa soberania trinita deuses invocados por outras religides politeistas ou monoteistas. O Fspitito ni é s6 um servo de Deus. Ao contririo, precisumente por ser ninguém menos que Deus, ee pode realizar a vontade do Pai. E pelo fato de ele ser distinto do Pai,é capaz de fazé-lo ao agir em nosso interior a fim de obter nosso con exercido por uma palavra que “sai” da boca do s aquiescerem com alegria ao decreto do rei, mas 0 no 0 rei que nos abre A palavra do Pai ia contrasta fortemente com a dos timento. Assim, o poder de Deus Pai, ¢ mediada pelo Filho — que se torna em pessoa parte da historia —~ e*...atua em vs...”(1Ts 2.13) por meio do Espirito, Isso é evidente nao s6 na redengio (em que o Espirito é 0 agente da graga santificadora), mas também na criaglo ¢ na providéncia, dreas em que o Espirito age mesmo nos inerédulos pela grasa comum afim de restringir 0 pecado e cumprir seus chamados comuns. Segunda, aprendemos que o Espirito normalmente emprega meios da cria- gio com o fim de liberar as criaturas para a “producio” do fruto que hes foi ordenado dar pelo Pai, no Filho. Desde 0 inicio, o Espirito estava em a¢ao na realidade do mundo, moldando-o ¢ fertilizando-o para produzir tipos especi- ficos de existéncia, cada qual com vida propria e ainda contribuindo com sua parte para a sinfonia da criagio. Ele pairava sobre as aguas, as dguas divididas, desceu sobre os profetas de modo que seus escritos procedessem de Deus, ¢ pairou por sobre as aguas do ventre de Maria para que o nascido dela nao fosse nada menos que o Filho de Deus. O mesmo Espirito atua hoje por intermedio dos frageis meios das criaturas, que consistem na pregacio, na agua ¢ no pao ¢ vinho, unindo sinais fisicos a realidade: Cristo com todos os seus beneficios. A oposi¢ao quase gndstica entre “espirito” e “matéria” nao tem lugar na identifi- casio biblica do Espirito ¢ em sua relagio com o mundo material. A naturezt € sua paleta. Ele se sente em casa no mundo, como se sentia no temple € come hoje se sente no santusrio do tempo do fim, que ele edifica e habita. O Espirito também ilumina sua igreja para compreender e recebera Es c 2 i omo sua palavra, entretanto sem coercao. A regeneragio nao ¢ eficiente nem “SENHOR E DOADOR DA VIDA . sim, arbitrio humano, mas do livre alizar, segundo por causa da coergio divina, nem por cau pirito ®... produz em v6s tanto @ querer como o re © Espirito mio o faz ao agir de modo coercive porque o E: a sua boa vontade” (Fp 2.13). F sobre nds nem ao apresentar a narrativa historica de Jesus, proprio Cristo se faz presente 1s pelos meios da graca ligados a criagdo. Por causa do Espirito, 0 ra (Rm 10,8),¢ todos somos lavados e alimentados entre nos mediante sua py durante nossa peregrinagio por seus sacramentos. O mesmo Espirito que revestiu o Filho com nossa carne nos trouxe de volta da morte espiritual e também nos ressuscitara 0 corpo ¢ o glorificard — de fato, cle nos deificara. Nao se trata de alge divino que habita em nés como garantia de nossa glorificagao final, mas do proprio Deus. Essa ligagao com a doutrina da salvagao tornou-se uma das mais importantes defesas da divindade do Espirito Santo entre os pais da igreja: se o Espirito nao for Deus, entao ele nao podera nos glorificar no iiltimo dia. O Espirito Santo ¢ransforma todas as coisas. Ele € 0 Espirito do futuro — o sabbath eterno — que nos apresenta os premincios da era vindoura. O Pai se move em nossa diregio no Filho, mesmo entre nés, e o Espirito opera dentro de nds a fim de nos unir a Cristo para a justificagio ¢ santificagao. Como John Owen diz: “Em toda grande obra de Deus, 0s atos de conclusio, remate e aper- feigoamento sao atribuidos ao Espirito Santo” E o Espirito realiza isso ao operar, como sempre fez, por meios comuns, ligados 4 criagao, ordenados por Cristo para nos conceder a si mesmo aqui e agora. Sera meu prazer explorar com vocé nos capitulos seguintes o “Senhor e Doador da vida” — que ¢ Deus e, mesmo assim, diferente do Pai e do Filho — , para que possamos adori-lo ¢ glorifica-lo com todo 0 povo de Deus ¢ as hostes celestiais nesta era e na era vindoura. John Owen, A discourse concerning the Holy Spirit, in: William H.. Goold, ed, The works of Jobn Owen (Edinburgh: Banner of Truth, 1965), vol. 8, p. 93-9, 16 vols, Depois de demonstrar 0 quanto isso € verdade na criasao, Owen demonstra o papel de apertcigoador do Espitito na nova criagdo. Ele procede da mediacio do amor do Pai e de Cristo, mas “tata-se de uma obra peculiar do Espirito Santo tornar essas coisas, pertencentes a0 Pai e a Filho, eficazes na alma dos eleitos, para o louvor da gloria da graga de Deus’ (p. 190).

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