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jo interesse que ou, no minim, nestidade cien: 0s & problemas rais aprofunda- eto nao apenas olvimentos em jeria ser, tendo foi a de Jangat nto do debate & ente adequada, t6ria em busca acia 20 imortal Profundo e os nbélicos) exige olos sero para elas a simpatia, 1a qual tenho a Jue todo aquele © e mente aber- ortunas € pelas ado provocar @ ,slicam-se tam objeto de eonsante SOWOLFOANG SARLET 1 PARTE O Sistema dos Direitos Fundamentais na Constituigao: delineamentos de uma teoria geral constitucionalmente adequada damente europeus) ¢ que, a despeito de sua inequivoca relevancia e do interesse que deveriam suscitar também entre nés, continuam sendo desconhecidas ou, no mini subestimadas na esfera do Diteito pétrio. ‘A titulo de adverténcia ao leitor e como exigéncia natural da honestidade cien- ifica, cumpre destacar que cada item deste trabalho encerra aspectos e problemas diversos, todos merecedores de uma andlise individualizada e bem mais aprofunda- da do que aqui pademos fazer, alguns dos quais haverdo de ser objeto nao apenas de um reexame futuro no Ambito desta obra, bem como de desenvolvimentos em artigos ou outras monografias. A nossa inteng&o ~ e outra no poderia ser, tendo em vista a abrangéncia do tema e a limitagdo fisica desta obra — foi a de lancar algumas consideracbes que possam contribuir para o aprofundamento do debate & auxiliar na busca de ums cultura juridica nacional constitucionalmente adequada, mas sempre afinada com a evolucio intemacional na fascinante trajetéria em busca da afirmagao e efetivacdo dos direitos fundamentais 1! PARTE ara finalizar esta introdugio, gostariamos de fazer uma referéncia ao imortal poeta Fernando Pessoa, que, em nota preliminar & sua obra O Eu Profundo ¢ os Outros Eus, sustenta que o “entendimento dos simbolos e rituais (simb6licos) exige do intétprete cinco qualidades ou condigdes, sem as quais os simbolos serdo para O Sistema dos ele mortos e ele um morto para eles”.’ Dentre estas qualidades (séo elas a simpatia, Direitos Fundamentais na Constituigao: a intuigdo, a inteligéncia, a compreensdo e a graca), destaco uma com a qual tenho a esperanga de ser brindado por parte do leitor, qual seja, a simpatia. Que todo aquele delineamentos de uma teoria geral que se propuser a ler esta obra possa debrugar-se sobre ela de espfrito e mente aber- Se tos, além de disposto a formular as criticas e sugestdes que julgar oportunas e pelas constitucionalmente adequada quais, desde ja, somos profundamente gratos. Se este livro tiver logrado provocar a reflexio, j4 poderemos considerar alcangado 0 nosso objetivo. 5 F Pessoa, O Eu Profindo ¢ of Ontros Bu, p. 43:4, condiges que, salvo melhor juz, apticam-setamtém A leita e anise de qualquer obra elaborada pelo ser homano, js gue ado, de cena forms, & objeto de constante interpreta, / 24 NGO WOLFGANG ARLET 1. A problematica da delimitagéo conceitual e da definigao na seara terminoldgica: a busca de um consenso No que conceme a terminologia ¢ a0 conceito adotados, a propria utilizagio da expressio “direitos fundamentais” no titulo desta obra j4 revela, de antemao, a | nossa opeiio na seara terminol6gica, o que, no entanto, nao toma dispensivel uma justificago, ainda que suméria, deste ponto de vista, no minimo pela circunstancia de que, tanto na doutrina, quanto no direito positivo (constitucional ou internacional), sio largamente utilizadas (¢ até com maior intensidade), outras expressdes, tais como “direitos humanos”, “direitos do home”, “direitos subjetivos piblicos”, “liberdades piblicas”, “direitos individuais”, “liberdades fundamentais” e “direitos humanos fun- AE Perez Lato, Derechos Hunanor.p 108 No amit da dutrin nacional sobre a aera cvlutva dos iets fundamentals, imprecindves ent ots 4s conubuigdes de F.K- Compra, Afrmaca Mistrica dos Dirttr Humanos. 1999: 8. R. Bao. Direios Fiona: parados de cits, 243, e pr timo, JA L, Sampaio, Dies Fundamentals, p 342-258, 36 0 WOLADANG SARET ‘ABFICACIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 37 0 mando antigo, por meio da religito ¢ da filosofia, legou-nos algumas das idéias- chave que, posteriormente, vieram a influenciar diretamente 0 pensamento jusnatu- ralista e a sua concepgdo de que o ser humano, pelo simples fato de exist, é titular de alguns direitos naturais ¢ inaliendveis, de tal sorte que esta fase costuma tambérn ser denominada, consoante jé ressaltado, de “pré-histéria” dos direitos fundamen tais. De modo especial, os valores da dignidade da pessoa humana, da liberdade ¢ da igualdade dos homens encontram suas raizes na filosofia eléssica, especialmente ra greco-romane, ¢ no pensamento cristo. Saliente-se, aqui, a circunstincia de que a democracia ateniense constitufa um modelo politico fundado na figura do homem livre e dotado de individualidade.”” Do Antigo estamento, herdamos a idéia de que ‘© ser humano representa © ponto culminante da criaglo divina, tendo sido feito & imagem e semelhange de Deus, Da doutrina estéica greco-romana e do cristianismo, advieram, por sua vez, as teses da unidade da humanidade ¢ da igualdade de todas as homens em dignidade (para os cristaos, perante Deus). De irrefutavel importancia para o reconhecimento posterior dos direitos funda- mentais nos processos revolucionérios do sécuto XVII, foi a influéncia das doutrinas Jusnaturalistas, de modo especial a partir do século XVI. Jé na dade Média, desen- volveu-se a idéia da existéncia de postulados de cunho suprapositivo que, por orien- tarem ¢ limitarem o poder, atuam. como critétios de legitimagao de seu exercicio.” De particular relevancia, foi o pensamento de Santo Tomés de Aquino, que, além da jé referida concepgio crista da igualdade dos homens perante Deus, professava a existéncia de duas ordens distintas, formadas, respectivamente, pelo direito natural, ‘como expresstio da natureza racional do homem, ¢ pelo direito positivo, sustentando que a desobediéncia ao direito natural por parte dos governantes poderia, em. casos extremos, justficar até mesmo o exercicio do direito de resisténcia da populagio.” Também o valor fundamental da dignidade humana assumiv particular relevo no pensamento tomista, incorporando-se, a partir de enti, a tradigdo jusnaturalista, ten- do sido 0 humanista italiano Pico della Mirandota quem, no perfodo renascentista ¢ baseado principalmente no pensamento de Santo Toms de Aquino, advogou o ponto de vista de que a personalidade humana se caracteriza por ter um valor préprio, inato, expresso justamente na idéia de sua dignidade de ser humano, que nasce na qualida- de de valor natural, inaliendvel e incondicionado, como cere da personalidade do homem.* Por sua vez, € no nominalismo do pensador cristio Guilherme de Occam que se busca a origem do individualismo que levou ao desenvolvimento da idéia de direito subjetivo, principalmente por obra de Hugo Grécio, que, no limiar da Tdade Neste sentido, a igo de A.B Prez Lufo, Derechos manos, p- 109, qu também refere a importancia do pen samen sista estico no reeonhecimento das dias da igualdade natura dos homens e da cenga nam sistema de Jets no-esrisantenores superiors dx do Estado eds homens. A respli deste pono, como de modo geal sore 4 volagio dor diets hemanos e fundamen, yale coaferr a esimolane naratva de F.K. Compara, 4 Afir- Imago Histrica dos Diretos Humanos, especialmente p. 1483. Apreseniando wr hstrico a paris da perspectiva ‘Seevolugto do Estado, vente nos, importante conmiburo de R.G. Leal, Perpecivas Hementutcas das Diretes Humane e Fandamensie no Bras p. 398. Cf, AE. Pesez Lio, Las derechos frdameniles, p30 CLA Perez Lo, Lo derechos fundamentales,p. 30. A respeto da doutina de Sano Toms de Aquino, v Juarez Freitas, As Grandes Linhas da Flasofia do Dire, p. 3.55.8 CJ. Frei, Die Philosophie des Recs i hisionscher Perspeltive, p25 8. que sresentam excelente Siopse d pensamento fonts no qe lange 8 ees € ‘outros aspects ligados 8 ilsoia do Dieta ed Face © ssi, enre oatos K Str, is MBSR V,p6 38 nao wot raaNa sae ir ou fazer Moderna, 0 definin como “faculdade da pessoa que a toma apta para poss! algo justamente”.# A partir do século XVI, mas principalmente nos séculos XVII ¢ XVIII, a dou- trina jusnaturalista, de modo especial por meio das teorias contratualistas, chega a0 seu ponto culminante de desenvolvimento, Paralelamente, ocorre um proceso de to natural, que atinge seu apogeu no iluminismo, de inspiracio jusracionalista. Cumpre refer, neste contexto, os tedlogos espanhéis do século XVI (Vitoria y las Casas, Vazquez de Menchaca, Francisco Suarez ¢ Gabriel Vazquez), «que pugnaram pelo reconhecimento de direitos naturais aos individuos, deduzidos do direito natural e tidos como expressio da liberdade e dignidade da pessoa humana, além de servirem de inspiragdo ao humanismo racionalista de H. Grécio, que divul- {g0u seu apelo & razio como fundamento tiltimo do Direito e, neste contexto, afizmou a sua validade universal, visto que comum a todos os seres humanos, independen- temente de suas crengas religiosas. Ainda ao século XVI, merecem citago os, nomes dos justilésofos alemies Hugo Donellus, que, jé em 1589, ensinava seus discfpulos, em Nuremberg, que o direito & personalidade englobava os direitos & vida, & integridade corporal ¢ @ imagem, bem como o de Johannes Althusius, que, no inicio do século XVII (1603), defendeu a idéia da igualdade humana e da sobe- rania popular, professando que os homens estariam submetidos & autoridade ape- nas A medida que tal submissao fosse produto de sua prépria vontade ¢ delegacio, pregando, ainda, que as liberdades expressas em lei deveriam ser garantidas pelo direito de resisténcia.* No século XVII, por sua vez, a idéia de direitos naturais inaliendveis do homem. «eda submissdo da autoridade aos ditames do direito natural encontrou eco ¢ elabora- da formulago nas obras do jf referido holandés H. Grécio (1583-1645), do alemio ‘Samuel Pufendorf (1632-1694) ¢ dos ingleses John Milton (1608-1674) ¢ Thomas Hobbes (1588-1679). Ao passo que Milton reivindicou o reconhecimento dos direitos de autodeterminagao do homem, de tolerancia religiosa, da liberdade de manifesta- ‘cio oral e de imprensa, bem como a supressio da censura, Hobbes atribuiu ao homem atitularidade de determinados direitos naturais, que, no entanto, alcangavam validade ‘apenas no estado da natureza, encontrando-se, no mais, & disposi¢io do soberano." (Cumpre ressaltar que foi justamente na Inglaterra do século XVII que a concepcao contratualista da sociedade e a idéia de direitos naturais do homem adquiriram par- ticular relevaincia, ¢ isto nao apenas no plano tedrico, bastando, neste particular, a simples referéncia as diversas Cartas de Direitos assinadas pelos monarcas desse periodo, ‘Ainda neste contexto, hi que referir o pensamento de Lord Edward Coke (1552 1634), de decisiva importancia na discussdo em torno da Petition of Rights de 1628, 0 «qual, em sua obra ¢ nas suas manifestagdes puiblicas como juiz e parlamentar, susten- tou a existéncia de fundamental rights dos cidadios ingleses, principalmente no que Gita por C. Later, A. Reconstragio dox Divets Hunconor, p. 120-1, onde tami encontamos a refertacia 2 Guithoems do Occam, “ ssim AL, Perez Luo, Los Derechs Fundamemales . 30-1. Sobre a lacizago do del natu, v.C. Lefer ‘AReconsirudo dos Direitos Huamanor.p. 12, de onde asm exalos as palavas sobre aeoncep¢soraconlista ‘do direto natural de H. Gro, OF. K Stam, in: HBS V, p10 © ¥, umbém K. Sex, ABS V,p.9-10 39 A EFICACIA DOS DIREITOS FUNDAMENTA'S diz. coma protegio da liberdade pessoal contra a pristio arbitréria e o reconheciment do direito de propriedade, tenda sido considerado o inspirador da cléssica triade vida, liberdade e propriedade, que se incorporou a0 patriménio do pensamento indivualista burgués."” Decisiva, inclusive pela influéncia de sua obra sobre os autores iluminis- tas, de modo especial franceses, alemaes e americanos do século XVI, foi também a contibuigdo doutrindria de John Locke (1632-1704), primeiro a reconhecer aos direitos naturais ¢ inalienéveis do homem (vida, Lberdade, propriedade e resistencia) uma eficécia oponivel, inclusive, aos detentores do poder, este, por sua vez, basea- do no contrato social, ressaltando-se, todavia, a circunstincia de que, para Locke, apenas os cidadios (e proprictarios, j4 que identifica ambas as situagdes) poderiam valer-se do direito de resisiéncia, sendo verdadeiros sujeitos, ¢ nfo meros objetos do governo-* Na licdo de Perez Lufio, com Locke a defesa dos direitos naturais & vida, A liberdade ¢ A propriedade converteu-se na finalidade precipua da sociedade civil ¢ em principio legitimador do governo.* Cumpre salientar, neste contexto, que Locke, assim como jé o havia feito Hobbes, desenvolveu ainda mais a concepgio contratu- alista de que os homens tém o poder de organizar o Estado e a sociedade de acordo ‘com sua razio e vontade, demonstrando que a relago autoridade-liberdade se funda na autovinculagdo dos governados, langando, assim, as bases do pensamento indivi- dualista e do jusnaturalismo iluminista do séeulo XVIII, que, por sua vez, desaguon 1no constitucionalisma e no reconhecimento de direitos de liberdadade dos individuos considerados como limites ao poder estatal.” Foi principalmente ~ apenas para citar os representantes mais influentes ~ ‘com Rousseau (1712-1778), na Franga, Tomas Paine (1737-1809), na América, ¢ com Kant (1724-1804), na Alemanha (Prissia), que, no Ambito do iluminismo de inspiragao jusnaturalista, culminow 0 processo de elaboragio doutrinéria do contra- tualismo e da teoria dos direitos naturais do individuo, tendo sido Paine quem na sua obra popularizou a expresso “direitos do homem” no lugar do termo “direitos naturais”.*' Eo pensamento kantiano, nas palavras de Norberto Bobbio, contudo, 0 marco conclusivo desta fase da hist6ria dos direitos humans.” Para Kant, todos os direitos estiio abrangidos pelo direito de liberdade, direito natural por exceléncia, que cabe a todo homem em virtude de sua propria humanidade, encontrando-se limitado apenas pela liberdade coexistente cos demais homens." Conforme ensina Bobbio, Kant, inspirado em Rousseau, definiu a liberdade juridica do ser humano como a faculdade de obedecer somente as leis & quais deu seu livre consentimen- to,* concepeiio esta que fez escola no ambito do pensamento politico, filoséfice e juridico. eK. Stern ins OSI Vp. 10 “Neste semido ligt de TF. Sanju, Consttueliny Derechos Fundamentales.p- 15 © K. Ste, i: HBSIR V, pl, © &.B, Paez Lao, Los Derechos Fundamentals, p31. 8 Brea gio de C. Lefer, Reconstr dos Diretos Humanos, p- 122°. 5 Neste sentido v, dente outos, ALE. Perez Lido, Las Derechos Fundamentals, . 31-2 8°, Babi, A Bra dos Dirsios, p73, * Byaa igo de AEE, Perez Lo, Las Derechos Pandamentaes, p. 32 YN, Bobbio, A Bra dos Dirwos, p86. 40 |NOD WOLFGANG SARLET 2.3. O proceso de reconhecimento dos direitos fundamentais na esfera do direite positive: dos direitos estamentais aos direitos fandamentais const do séeulo XVII Como aponta Perez, Lutio.* 0 processo de elaboracéo doutrinéria dos direitos, humanos, tais como reconhecidos nas primeiras declaragées do século XVII, foi acompanhado, na esfera do direito positivo, de uma progressiva recepgiio de direi- tos, liberdades e deveres individuais gue podem ser considerados os antecedentes dos direitos fundamentais. na Inglaterra da Tdade Média, mais especificamente no século XIII, que encontramos o principal documento referido por todos que se dedicam ao estudo da evolugao dos direitos humanos. Trata-se da Magna Charta Libertatum, pacto firmado em 1215 pelo Rei Joao Sem-Terra e pelos bispos e bares, ingleses. Este documento, inobstante tenha apenas servido para garantir aos nobres, ingleses alguns privilégios feudais, alijando, em principio, a populagao do acesso aos, “direitos” consagrados no pacto, serviu como ponto de referéncia para alguns direitos e liberdades civis classicos, tais como 0 habeas corpus, 0 devido processo legal € a garantia da propriedade.”* Todavia, em que pese possa ser considerado o mais impor- tante documento da época, a Magna Charta nao foi nem 0 tinico, nem 0 primeiro, destacando-se, j4 nos séculos XII ¢ XIII, as cartas de franguia ¢ os forais outorgados pelos reis portugueses ¢ espanh6is.” Descle jai, hd que descartar o carter de auténticos direitos fundamentais desses, “direitos” c privilégios reconhecidos na época medieval, uma vez que outorgados pela autoridade real num contexto social e econdmico marcado pela desigualdade, cuidando-se mais, propriamente, de direitos de cunho estamental, atribusdos a certas castas nas quais se estratificava a sociedade medieval, alijando grande parcela da populagio do seu goz0.* Como leciona Vieira de Andrade, referindo-se, a titulo de cxemplo, & Magna Charta, esses pactos s¢ caracterizavam “pela concessao ou reco- nhecimento de privilégios aos estamentos sociais (regalias da Nobreza, pretrogativas a Igreja, iberdades municipais, direitos corporativos), além de que verdadeiramente nio se reconbeciam direitos gerais, mas obrigagdes coneretas daqueles reis que os subscreviam”.** Ainda assim, impende no negligenciar a importancia desses pactos, cde modo especial as liberdades constantes da Magna Charta, para o ulterior desenvol- vvimento e reconhecimento dos direitos fundamentais nas Constituigdes, ainda mais quando justamente no seu ja referido art. 39 que a melhor doutrina — contrariando a ainda prestigiada tese de Georg Jellinck, no sentido de que a liberdade religiosa teria sido o primeiro dirvito fundamental - vé a origem destes direitos na liberdade de & AB, Pees Lato, Los Derechos Fundamentals, p23. Neat sentido, AE. Pevez Luli Lor Derechos Fundamentals, p38, devendo apontar sjmportincia do artigo 39 da Magna Chara, > Retatvamnte wo mesa periodohistuis, podemes citer 0 documento firmade por Afonso IX, em 1188. Bula «de Ouro da Hangria (1222), 0 Privilegio General outorgado poe Pedro Ile 1283 (cores de Zaragoza) eos Privi Vegios da Crido Aragonesa (1286). 5 Asin, por exemplo,Teayol y Sea Lar Derechos Fulamentaes p. 12 31.6. Visrade Andrade, Os Dieitos Purdamentas, p25, Saiene st este contexto, aceferénia de HP. Schnei det in, REP n° (1979), p. 89, no sentido de gue estes privigiosestmentais eliberdades corporstivastnham soa ‘iularidagefundad no nasciment, na ascendeaca familiar ena trsdigho, encanrando-s enquadrados no mbit de ‘ama sciedadeestraticadacestamenta , de moo especial, para A BFIGACIA DOS DIREITOS FUNDAMENTANS a locomogiio e sua protego contra prisio arbitrdria, por con: sirio ao exercicio das demais liberdades, inclusive da liberdade de culto e religi De suma importincia para a evolugao que conduziu ao nascimento dos direitos fundamentais foi a Reforma Protestante, que levou & reivindicago ao gradativo reconhecimento da liberdade de opedo religiosa e de cuito em diversos paises da Europa, como foi o caso do Eddito de Nantes, promulgado por Henrique TV da Frang em 1598, e depois revogado por Luis XIV, cm 1685. Neste contexto, também podem. ser enquadrados os documentos firmados por ocasido cla Paz de Augsburgo, em 1555, e da Paz da Westfilia, em 1648, que marcou o final da Guerra dos Trinta Anos, assim camo 6 conhecido Toleration Act da colénia americana de Maryland (1649) ¢ scu si- milar da coldnia de Rhode Island, de 1663." Igualmente, nfo hé como desconsiderar a contribuicao da Reforma e das conseqitentes guerras religiosas na consolidagZo dos ados nacionais e do absolutismo monarquico, por sua vez. preconk para as revolugdes burguesas do século XVIIL.@ bem como os reflexos jé referidos na esfera do pensamento filos6fico, conduzindo & laicizagdo da doutrina do direito natural, e na elaboragio teérica do individualismo liberal burgués. Cumpre lembiar aqui a ligo de H. P. Schneider, que aponta para a circunstancia de que foi justamente o entrelacamento ¢ a interagio destas duas diretrizes ~ a secularizagdo do direito na- ‘ural e a individualizagio dos privilégios estamentais ~ que propiciaram a formacao as garantias dos direitos fundamentais. De qualquer modo, inobstante a decisiva contribuigo desses documentos concessivos de liberdades, igualmente nao ha como atribuir-Ihes a condigio de direitos fundamentais, pois, consoante jé ressaltado, po- iam ser nova e arbitrariamente subirafdas pela autoridade monérquica Como proxima etapa, impende citar as declaragbes de direitos inglesas do sé- culo XVI, nomesdamente, a Perition of Rights, de 1628, firmada por Carlos I, Habeas Corpus Act, de 1679, subscrito por Carlos Il, ¢ 0 Bill of Rights, de 1689, promulgado pelo Parlamento e que entrou em vigor j4 no reinado de Guilherme Orange, como resultado da assim denominada “Revolugio Gloriosa”, de 1688, ha- vendo, ainda, quem faga mengao ao Establishment Act, de 1701, que definiu as leis, da Inglaterra como direitos naturais de seu povo.* Nesses documentos, os direitos e iberdades reconhecidos aos cidadaos ingleses (tais como o princfpio da legalidade penal, a proibicdo de prises arbitrarias ¢ 0 habeas corpus, o direito de petigio e uma certa liberdade de expresso) surgem, conforme referiu Vieira de Andrade, como enuneiagdes gerais de direito costumeiro,® resultando da progressiva limitagio do poder monirquico ¢ da afirmagao do Parlamento perante a coroa inglesa.” Importa consignar, aqui, que as declaragdes inglesas do século XVII significaram a evolugio ituir o pressuposto neces: Nest sentido v M. Kile FS fr Seapin, p. 205 8 respeito da iberdade eda toleriiarligona nos sEculos XVEe XVII, v, dente tntos,Trayol y Sera, Los Derechos Eundanentals, . 149. Assim tsb M.Krtle, FS fu Scapn,p. 194 es © pesim CEB, Perth ts JURA 1984, p. 5704, 5, dente outos, C.Lafer, A Recanstrupao dos Dieitas tamanes,p. 120-1 SH P Schocider ins REP 07 (1979), 9. 55 a este espeitov, dente tants, T, Freizes Sanu, Contin y Derechos Fundamentals, p. 13. A.B. Perez Lato, Lor Derechos Fundamentals, 34 1, Vieia de Andrade, Or Diretas Fundamercais, p26, © Segundo svetba HP, Schneider, i: REP n° 7 (1979), p. 10, fo eonfonto ene 0 Patlamento a Cora ingless questo inet princes paras poles pra oa emda, ee 42 Ino WoLFGAND SAALET das liberdades e privilégios estamentais medievais e corporativos para liberdades ge- néricas no plano do direito publico, implicando expressiva ampliagao, tanto no que diz com 0 contetido das liberdades reconhecidas, quanto no que toca & extenstio da sua titulasidade & totalidade dos cidadiios ingleses.** Em que pese a sua importincia para a evolugio no Ambito da afirmagao dos, direitos, inclusive como fonte de inspiragio para outras declaragbes, esta positiva- ‘sao de direitos e liberdades civis na Inglaterra, apesar de conduzir a limitagdes do poder real em favor da liberdade individual, nao pode, ainda, set considerada como © marco inicial, isto 6, como o nascimento dos direitos fundamentais no sentido que hoje se atribui ao termo, Fundamentalmente, isso se deve ao fato de que os direitos « liberdades ~ em que pese a limitago do poder monérquico — néo vinculavam 0 Parlamento, carecendo, portanto, da necesséria supremacia e estabilidade, de tal sorte «que, na Inglaterra, tivemos uma fundamentalizagdo, mas néo uma constitueionaliza- ‘580 dos direitos e liberdades individuais fundamentais.° Ressalte-se, por oportuno, que esta fundamentalizac2o nao se confunde com a fundamentalidade em sentido formal, inerente & condigao de direitos consagrados nas Constituigdes escritas (em sentido formal) ‘A despeito do dissidio doutrinério sobre a paternidade dos direitos fundamen: tais, disputada entre a Declaragio de Direitos do povo da Virginia, de 1776, € a Declaragiio Francesa, de 1789, é a primeira que marca a transi¢ao dos direitos de liberdade Jegais ingleses para os direitos fundamentais constitucionais.” As declara! ‘s0es americanas incorporaram virtualmente os direitos ¢ liberdades ja reconhecidos pelas suas antecessoras inglesas do século XVI, direitos estes que também tinbam sido reconhecidos aos stiditos das colonias americanas, com a nota distintiva de que, adespeito da virtual identidade de contexido, guardaram as caracterfsticas da univer- salidade e supremacia dos direitos naturais, sendo-Ihes reconhecida eficécia inclusive ‘em relacdo a representago popular, vinculando, assim, todos os poderes piiblicos.” ‘Com a nota distintiva da supremacia normativa e a posterior garantia de sua justicia bilidade por intermédio da Suprema Corte ¢ do controle judicial da constitucionalida- de,” pela primeica vez os direitos naturais do home foram acolhidos e positivados como direitos fundamentais constitucionais, ainda que este status constitueional da fundamentalidade em sentido formal tenha sido definitivamente consagrado somente 1 partir da incorporagiio de uma declaracio de direitos & Constituicao em 1791. mais cexatamente, a partir do momento em que foi afirmada na pratica da Suprema Corte a sua supremacia normativa.” Igualmente de transcendental importincia foi a Declarago dos Direitos do Homem ¢ do Cidadao, de 1789, fruto da revolugtio que provocou a derrocada do an- posi igh de AE, Perez Lato, Lar Derechos Fundamentales, 24-5 ©, sobetudo, a oli de D. Grima, Die Zukunft der Vergara, p. 79-80. ™ Bae ligao,deate oumos, de D. Grimm, Die Zukut der Verfassun. p. 80. A Deetaagio da Virginia acabou secvinto de inspira prs as deus Deslarages das exenlits nglesss na Amica is como as da Pein, ‘Maryland ¢ Caoliaa do Note (guainente do 1776), boa como as de Massachuscets (1780) e de New Hamphire 1784), acabando por refois na incorpragao ds direitos fondarbentis& Consiuigto de 1787 por meio das emen- fas de 1791, 7, been D. Grime, Dle Zen dr Vrfarsang,p-80-1 Cf D, Grim, Die Zune der Verfaasang, . 82. et espito,v. também B, Pett in: JURA 1984, p. 573 le, FS fr Sep, p- 207-8. Assim a lembranga de M. Ki A BFIGACIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 43° quanto as americanas tinham como caracteristica cc jusnaturalista, reconhecendo ao ser humano diteitos naturais, inaliendveis, inviola veis e imprescritiveis, direitos de todos os homens, e ndo apenas de uma casta ou estamento. A influéncia dos documentos americanos, cronologicamente anteriores, & inegavel, revelando-se prineipalmente mediante a conttibuicéo de Lafayette na confeceao da Declaragio de 1789."* Da mesma forma, incontestivel a influéncia da doutrina iluministe francesa, de modo especial de Rousseau ¢ Montesquien, sobre os revohicionérios americanos, levando & consagragao, na Constituigio Americana de 1787, do principio democrético ¢ da teoria da separagio dos poderes. Sintetizando, ha que reconhecer a inequivoca relago de reciprocidade, no que concemne a influéneia exercida por uma declaracio de direitos sobre a outra, sendo desnecesséria, para os fins deste estado, qualquer andlise que tenha como objeto a mensuracdo da graduagao da intensidade desta influéncia miitua, se é que tal afericao se afigura vidvel E necessétio, contudo, apontar para algumas diferengas rolevantes entre @ Declaragao de 1789 ¢ os direitos e liberdades consagrados pelo constitucionalisino americano. Assim, sustenta-se que 0 maior contetido democrético € social das decla- ragdes francesas & 0 que caracteriza a “via” francesa do processo revolucionério © constitucional.” Atente-se, neste contexto, 20 fato de que a preocupagio com o social com o principio da igualdade transparece nfo apenas na Declaragaio de 1789, mas também na Constituicao de 1791, bem como ~ ¢ principalmente ~ na Constituicao jacobina de 1793, de forte inspiragdo rousseauniana, na qual chegaram a ser reconhe- ‘cidos 0s direitos ao trabalho, & instrugdo e a assisténcia aos desamparados. Costuma referir-se, ainda, a aspiragao universal ¢ abstrata da Declaracao francesa ¢ dos direitos nela reconhecidos, contrastando, assim, com 0 maior pragmatismo das Declaragoes americanas, sendo correto afirmar-se que a Declaracao de 1789 niio postulava a con- digdo de uma Constituicdo, incorporando-se, posteriormente, aos predmbulos das Constituigdes de 1791 ¢ de 1793, integrando também, por meio da técnica de remis- sfo, o preambulo da vigente Constituicdo francesa de 1958, que deu seguimento & iradigao. O certo & que, durante muito tempo, os direitos da Declaragao francesa se encontravam virtualmente 2 disposicao do legislador, visto que néo vinculavam 0 Parlamento, & mingua de um sistema operante de controle de constitucionalidade das leis. Ainda neste contexto, é de lembrar que, enquanto na Franga 0 sentido revolucio- nirio da Declaragio de 1789 radica na fundamentagao de uma nova Constituigaio, no processo constitucional norte-americano este sentido revoluciondtio das declaragdes de direitos radica na independéncia, em conseqtiéncia da qual se faz necesséria uma nova Constituigio.” A contribuigio francesa, no entanto, foi decisiva para o processo de constitucionalizacao e reconhecimento de direitos e liberdades fundamentais nas Constituigdes do século XIX. Cabe citar aqui a ligao de Martin Kriele, que, de forma sintéticae marcante, traduz.a relevancia de ambas as Declaragdes para a consagragdo dos direitos fundamentais, afirmando que, enquanto os americanos tinham apenas direitos fundamentais, a Franga legou ao mundo os direitos humanos.” Atente-se, Ct AE Perez Luto, Los Derechos Fundamentales, . 36, Y,, ee setido, K. Sein: BSR V, p13, © Nese sentido, algio de BKM, Caron, i: RILn° 106 (1990), p. 2523. Ch BKM. Cation, in: RIL n° 106 (199), p. 256, valendose das palavas de. Habermas PML Krite,ine 9 furSeopin,p. 190-1 44 INGO WOLFGANG SARLET ncia de que a evolugao no campo da positi fundamentais, recém-tracada de forma suméria, culminow com a afirmaggo {ainda que ndo em carter definitivo) do Estado de Direito, na sua concepeao liberal-burgue- sa, por sua vez determinante para a concepcio classica dos direitos fundamentais gue caractetiza a assim denominada primeira cimensio (geragio) destes direitos. ainda, para a circuns 2.4. As diversas dimensies dos direitos fundamentais e sua importancia nas etapas de sua positivagao nas esferas constitucional e internacional 2.4.1, Generalidades Desde o seu reconhecimento nas primeiras Constituigdes, 08 direitos funda- mentais passaram por diversas transformagdes, tanto no que diz. com o seu contetido, quanto no que conceme & sua titularidade, eficdcia e efetivagio. Costuma-se, neste contexto marcaclo pela auténtica mutacdo hist6rica experimentada pelos direitos fun- damentais,” falar da existéncia de trés geragdes de direitos, havendo, inclusive, quem defenda a existéncia de uma quarta e até mesmo de uma quinta e sexta geragées, Num primeiro momento, é de se ressaltarem as fundadas criticas que vem sendo dirigidas, contra 0 proprio termo “geragdes” por parte da doutrina alienfgena ¢ nacional. Com efeito, no ha como negar que o reconhecimento progressivo de novos direitos fun- damentais tem 0 caréter de um processo cumulativo, de complementaridade,” e no de alternancia, de tal sorte que 0 uso da expresso “geragdes” pode ensejar a falsa im- pressio da substituigao gradativa de uma geragio por outra, razao pela qual ha quem prefira o termo “dimensbes” dos direitos fandamentais, posigio esta que aqui opta- ‘mos por pevfilhar, na esteira da mais modema doutrina.*' Neste contexto, aludiu-se, entre nds, de forma notadamente irdnica, ao que se chama de “fantasia das chamadas geragées de direitos”, que, além da imprecisao terminolégica jé consignada, conduz a entenclimento equivocado de que os direitos fundamentais Se substituem 20 longo do tempo, no se encontrando em permanente processo de expanstio, cumulagio ¢ fortalecimento.® Ressalte-se, todavia, que a discordancia reside essencialmente na esfera terminol6gica, havendo, em princfpio, consenso no que diz. com o contetido das respectivas dimensdes ¢ “geragdes” de direitos.” 7 Nests sentido ig de A. Perea Lo, ns RCEC 10 (1991), 205, paraquem oapareimento de sucessives menses dees tundamentas fo determina justmerse pele mataio histica deste dios © dvogando a complementariedade ds diversas dimensdes (grapes) de dicts fundaments, vente nis © dente outros, os ports de V. Bega Flo, Diretos Pandomentais na Constuio de 198R.., 25 8. § ea oentendimento cle E. Riedel, i: EXGRZ, 1989, . 1. No mbito do det po, ol avez P. Bonssies, Curt de Dive Constaciona,p. 525, em pimeico fez uso eta improssso termizol6pca. Mais recente rent, % no mesmo sentido, B, Galindo, Ditefias Fundamentals... 37, bern como J, Schife, Classificagdo dos Direios Fandomentas, Porto Alegre: Livrara do Advogado, p 9, qu igualmente adi ds eicas por tas js tnderogadas ao temo grades, 8%, A.A. Cangado Trindade, Trade de Direito Inemocional dos Direitos Humanos, vl. 1p. 2 © impor refer este comtexto que 0 peieo terme dense dem sido avo de cticas por parted doutina, eamae ocano de A'S. Roma, Direlios Fundamentas nas RelacGes de Trabalho, p- 89-90, 0 sstentar que ot ‘dimonsces se refer aum significasoefungfo dint do mesino diet, e lo de ur grupo de dios, zo pela (gal pefere falar em “wipes” arias de diets fundameavais(eferindo um toa de sei), ainda que 00 final ‘A EFICACIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 45 Em que pese 0 dissidio na esfera terminoligica, verifica-se crescente conver géncia de opinides no que conceme & idéia que norteia a concepoao das trés (ou quatro, se assim preferirmos) dimensdes dos direitos fundamentais, no sentido de que estes, tendo tido sua trajetdria existencial inaugurada com o reconhecimento formal xnas primeiras Constituigdcs escritas dos classicos direitos de matriz liberal-burguesa, se encontram em constante processo de transformaciio, culminando com a recep¢ao, znos catilogos constitucionais e na seara do Direito Internacional, de mdiltiplas e dife- renciadas posigées juridicas, cujo contetido & tho varidvel quanto as transformagées ‘ocosridas na realidade social, politica, cultural e econémica ao longo dos tempos." Assim sendo, a teoria dimensional dos direitos fundamentais no eponta, tfo-somen- te, para o caréter cumulative do proceso evolutivo e para a natureza complementar de todos os direitos fundamentais, mas afirma, para além disso, sua unidade e indivi- sibilidade no contexto do direito constitucional interno c, de modo especial, na esfera do moderno “Direito Internacional dos Direitos Humanos.”* Pela sua relevéncia para uma adequada compreensio do contetido, importancia € das fimgSes dos direitos fundamentais na atualidade, impbe-sc breve digressio so- bre esta temética, que deveré iniciar com uma visio panorimica sobre as principais, caracter(sticas de cada uma das dimensdes dos direitos fundamentais, encerrando com algumas consideragées sumérias de natureza critica a respeito desta matéria, Além disso, em prol da clareza, € de se atentar para a circunstincia de que a expres sii “dimens6es" (ou “gerages"), em que pese sua habitual vinculagao com a termi nologia direitos humanos, se aplica igualmente aos direitos fundamentais de cuaho constitucional. 2.4.2, Os direitos jundamentais dat primeira dimensdo Os direitos fundamentais, ao menos no Ambito de seu reconhecimento nas primeiras Constituigdes escritas, so 0 produto peculiar (ressalvado certo contetido social caracteristico do constitucionalismo francés), do pensamento liberal-burgués do século XVIHL de marcado cunho individualista, surgindo e afirmando-se como direitos do individuo frente ao Estado, mais especificamente como direitos de defe- ssa, demarcando uma zona de nao-intervengao do Estado e uma esfera de autonomia tig a clasiicago em gorges ou Farias, nagullo qv obits a interdependéci unidae do ssa de direitos fuadamentais (v., p. B8-117). ee * ngui vate refer api deC. Wels, Diets Hunanos ContemporOnct, p37 a0 iendaa cone traional ds “graes" do dros himanne,sinda pontasctcnsinca de que a dsicagen tniconas ‘balay no creed evoluo snes =, ae de prem confuses de Gnho covert pecam por Md “elem pela corespondénla ete as assim designs gags de dios buanos eo proces nstrcade sa. Gimeno dscvelvimento dese ito rato pela ia rope am outa clean casfeater sonra com ‘postivaio no plan nenisioal, deal sane que pear de io ira (vce pole) econ socials condos e cults, aoiandose&termianogin areas sob” pa ses datos que &doutna Ct, também o mapstsio de FJ. Bastida rej, in: Teoria Generate los Derechos Fundementales» ct, 30-33, enidando do que desi Ue fundamentlidage “item” Gridics) dos direitos fndamenat,destacande, Sunda, que, na perspoctvaesitament uric posiva os direitos fondamentse posse esta qualidade indepen, dentemente de quem € eu tur ede qual estratra na gal etn aicladesos cles, o que, detest, nia smpisa ue 0s dietos fundamen elim upadoteminada err jurdc. por esta razdo que, na esteira do que jé foi frisado, o direito & saide (assim como os mais direitos sociais do art. 6) é um direito func onstituigao brasileira Ge 1988, mas no 0 (a despeito de ninguém questionar a fundamentalidade da sadde para a vida ¢ dignidade da pessoa) na Constituigéo Espanhola de 1978, pois naquela ordem constitucional nao Ihe € assegurado o regime jurfdico equivalente aos direitos fundamentais (0 que nfo impede que na esfera dos direitos fundamentais haja pecu liaridades a considerat) ainda que haja importantes desenvolvimentos no que diz. com reconhecimento de eficicia e aplicabilidade aos assim designados princfpios direti- vos da orcem social. Pela mesma razo, apenas pata ilustrar com mais um exemplo, 4 Constituigdes, como novamente ¢ 0 caso da brasileiva, que asseguram 20s direitos dos trabalhadores a sua fundamentalidade, sabendo-se que outras.ordens constitu cionais nfo seguem esta mesina orientacdo, assegurando, e mesmo com variagBes importantes, protegao estritamente legal a tais direitos. Isto nifo significa dizer, como temos insistido, que seja possivel reduzir a nogdo de direitos fundameatais a um conceito meramente formalista ou mesmo nominal, como sendo apenas os direitos expressamente consagrados como tais, que nos leva ao tema da abertura material do catdlogo de direitos, que seré desenvolvido logo mais adiante. Especificamente no que tange 20 direito pitrio, a construgao de um coneeito a9 mesmo tempo formal e material dos direitos fundamentais passa inevitavelmente pela anfilise do alcance e significado do art, 5°, § 2°, da CF, razao pela qual remete- ‘mos o leitor ao préximo capitulo. O que se pretende, como jé frisado alhures, é — além do aspecto terminoldgico ja definido — tragar as linhas-mestras de um conceito cons- titucionalmente adequado dos direitos fundamentals, Importa considerar, ainda, que uma conceituagiio de cunho genérico e universal somente parece vidvel, & medida que propositalmente aberta, de modo a permitir 4 sua permanente adaptagio 2 luz do direito constitucional positive. Assim sendo, poderfamos propor a seguinte definigio, bascada — importa ressalté-lo ~ no conceito de Robert Alexy, mas que no deixa de considerar a abertura material consagrada expressamente pelo direito constitucional positivo pétrio. Direitos fundamentals sto, portanto, todas aquelas posigées juridicas concementes ds pessoas, que, do ponto de vista do direito constitucional positivo, foram, por seu contetido e importiincia (fun- damentalidade em sentido material), integradas ao texto da Constituiggo e, portanto, rotiradas da esfera de disponibilidade dos poderes constitufdos (fundamentalidade formal), bem como as que, por seu contetido ¢ significado, possam Ihes ser equipa- rados, agregando-se & Constituicdo material, tendo, ou nao, assento na Constituicao formal (aqui considerada a abertura material do Catilogo).** De resto, uma cone 2 sR Alay, Fer er Gant: 0 iso anc poe fini amo aes olges qe, do pont de vista do sto consis, 500 relevant, ge su acouhecimento 00 ADT atecineato nls pode ser dead a Ive dposigao do ngsladorodingvo -Gromirecte des Grundgsstars Sind Postionen, de vom Standpusk ds Verfatongeechs sv o wiht sin, dass Gevatrang oder Nicht fewhyung nich dee cnachenpalamentaschen Mets dare werden Kan) Tendo em Vist a stings0 por ass tage ce dito manos e itosfandamentan ¢ de reveal nostofarucul, a cicustcta de {he uma copcetagto de drei bamanos no seid do poses jucaroworgdes aos os homens de {erste ves dio grain deve, eran ey canaries ao en dnc, deovnealago do dicta cnstionl postiv de deteruinad Exado sina ie te), peal [Etgalmats alive om fae da posielcmneidencin ent elenco dos cresos humans eo dos diets in ‘hmm ou J seconecinono, por pare da onde cottacional esteal, de a vig eeficsela po Ambt0 ‘trde ja ners Nese nin gue contre 8 onesie Gist humane Tec el ‘pectin defegt do uaa epee A Perer Lo, oil conte, cones que sa deing tan 76 INGO WOLFGANG SARLET ‘s EFICACIA DOS DIRETTOS FUNDAMENTAIS 7 » de cunho descritivo e que conte: iais indicativos do efetivo conteii do dos direitos fundamentais somente parece visvel & luz do direito positivo e apés identificados os elementos constitutivos da matéria dos direitos fundamentais, tarefa com a qual nos ocuparemos no préximo capftulo, que versa sobre a abertura material do catdlogo constitucional de direitos ¢ garantias fundamentais>” 4.3. O concelto materialmente aberto de direitos fundamentais no direito constitucional positivo brasileiro 4.3.1. Significado e alcance do art. 5°, § 2°, da Constituigdo de 1988: noges preliminares A regra do art, 5°, § 2°, da CF de 1988 segue a tradic&o do nosso direito consti- tucional republicano, desde « Constituigtio de fevereiro de 1891, com alguma varia- ‘io, mais no que diz com a expresséo literal do texto do que com a sua efetiva ratio € seu felos." Inspirada na IX Emenda da Constituigio dos EUA e tendo, por sua vez, posteriormente influcnciado outras ordens constitucionais (de modo especial a Constituigao portuguesa de 1911 [art. 4°}, a citada norma traduz o entendimento de que, para além do conceito formal de Constituicdo (e de direitos fundamentais), hé um conceito material, no sentido de existirem direitos que, por seu contetido, por sua substancia, pertencem ao corpo fundamental da Constituigaio de um Estado, mesmo no possulo condo de formeesrresposta saisfotsra para todos os problemas que sucita & questio da concei- ‘wag des direitos manos (Derechos Hueanos, p31). De acon con a fortulagie 6 reerdo dobsnadoe, “os dteitos humanos aparecem como um conjunte de faculdadeseinstuigdes qu, em cada momeats hstce, ‘oneretzam as exigenclas da digntae, ds liberdadee da igualdade humana, as quai devetn se reeonhowidas Positivamete pelos ortenamentosjuridicas em vel nacional e ateracional” (Derashs Hiemanes, p48) ila no que conceme & conceitiagio de Perez Las, umpora friar a creautinta de que esta abrange tan Seals itemacional (ds direitos humanos),quaoto a nacional (os diets Rundameniai), de acordo com a sting que ‘optams por ada pra efits dest invetigaio, Por outa Indo, convém registar que a referencia fia 0 tao Desods, como tinlaes ds dretos fundamestai. nto implica ~ ao contri do que sigere Pde Tarso Brando, "Refleabes sole a xilidade dos dieitoshndamestas, i: O Direita « o Fura. o Furro do Diretio, p S18 3s (ealizando, neste particular, urna Feitaraequivocads do 10880 pensamenta) a oxclutio de dimmers hensi “iid, coleia e instucional dos dretos hidametais, ching a tulciade por parte de pesos juries (2 26 menmo de ens sem personlidae juraica), come, de te, jf se evidence pla teconbectment> da ahertirs ‘aerial, mulfuncionaldade e mulidinersonalidade dos diets fundaments. Sob ttalaridade das dition fundamen su interpreta inclusive, remetemns 20 capital 6 da presente cs, De outs parte ¢ preciso term ment a circustncia de que to-somente em vrs Contigo onde os dios ‘tnaenas tn sido txatirameasenumeaos ~o qbe a0 aca a Const Malls a usa de eevosdefinidores do conseito material de diets fudamontas nie fra 0 conde de sprexcatar titan rans, ums ver que todos os disitos do ealogo~e stment estes ~ gozaram dtr da ondarpntldade formal cada subentendida sus fundamentalidade no sentido materiale isto pr ais qv determinada dip Sivoo coresponda ao que consensualmeni se considera matrsimentofndamnental,inostnd, pratt spgo pa direitos materiaimentefoadamentas fora do calloge eda Consiga. Aor ea hictese, naplice velo drei po, ¢ preciso lever em conta que, por menos que detrminado iit fandameol postive 20 catilogocorespona is exiéncias da dgnideiberdadeeigualdade, enone le poegid c jicaneste ‘auigaado as diets uniamentas que reenche esto da fundamentaliade natal (eo eno lo ue considers como tala nto sero cas do Constitute er pevist em rep judo diferencias pare os ‘zits conte do catsogo eo sivas fora dese eda Consiuigae. De alquor modo, ea fmitica og meraenteanoncinda ~seemae no primo cpl. 3 Deade a Contigo de 189 (ct 78) e sem excedes nas Cartas gue a suceeram, a tags fl mani na Constnigf vgents. Asin, nas ConiugGes de 1954 1) 1987 (at. 123). 1946 at. 14,1967 Gt 150.8 38) ena Emo {do 1969 (at 183, § 36) 2 ssn ago de F1.Gomes Canto, Direto Contuional 838. 78 Inco WOLFOANS SARLET ‘no constando no catélogo.** Neste contexto, importa salientar que rol do art. 5°, : apesar de analitico, no tem cumho taxativo. A regra, por outro lado, eacontra seme Ihante formulacdo na Constituigio portuguesa de 1976 (art. 16, n° 1),° assim coro nas Constituigdes da Argentina (art, 33), do Peru (art. 4°), da Guatemala (art. 44) e da Venezuela (art. 50), apenas para citar algumas das orcens constitucionais mais préximas de n63.2 ‘A doutrina patria vem dedicando-se ao tema, restringindo-se, contudo (e no ; mais das vezes), a citar a regra, mencionando sua fungio hermenéutica, além de con- sagrar, entre nés, 0 reconhecimento de direitos fundamentais “isnplicitos” e/ou “ée- correntes”, sobre 0 que ainda teremos oportunidade de nos manifestar. Neste sentido, é ligdo pacifica da douttina que a regra citada implica a impossibilidade de aplicar-se 0 tradicional principio hermenéutico do inclusio unius alterius est exclusius, 0 que, : em outras palavras, significa que na Constituigao também esta inclufdo 0 que néo { foi expressamente previsto, mas que implicita e indiretamente pode ser deduzido, outrina esta que se encontra perfeitamente sedimentada em toda a histéria do consti- tucionalismo republicano, mas que, nem por isso (e talvez por isto mesmo), dispensa outros desenvolvimentos."* Os comentérios & Constituicdo atual - em que pese o seu inegavel valor ~ no dedicaram muita atengZo a este fema, chegando, em alguns casos, a no referir exemplos, o que encontra justificativa principalmente no carter analitico do rol de direitos fundamentais positivados em nossa attial Carta.2” Na jurisprudéncia, todavia, hd que registrar algum avango. Aqui, apenas a titulo ilustrativo, cumpre referir a mais ou menos recente decisio do Supremo Tribunal V. também J. Gomes Canatlho, Dire Constituiona, 9, $39. Sobee 0 tems, no diet Istana, v. 2 obra specifica de J.B. Gouveia, Or Diretas Fundamentas atipice, Lis, 195, 2 a este respeito,vejorse J. Miranda ine RDA 199 (1995), , 16, que eferindo-se ao at. 16 da Constiniga0 de Portugal, os fala de uma “ldasla aber” ou de “ndo-ipicidade”,entendimente este que ji havia proposto 10 cu Manual 1, p. 152, Ente nds, hé quem profi liza @exprestio “lista aber efoindose ao piapio da hectra mate, como € 0 caso dD. HL. Ribeiro, “O permanente Reconhecimento do Dieitos Fundament ‘ATURIS n° 79 2000), p 96 es, bem lembeando a inseryi0 dos deitosfondamentis edo ven econhecimento no mbit Jo process hisic, 21 Segundo era este depostvn, acres & Constingso argentina na Reforma de 1860, “Las deslaracones, ere= hos ygiantias que enuner la Constincon, no sarén enenidos como negacion de otros dress yzaranas m0 tenumserads, pero que nacen eel prin de a seer’ del pueblo dela eens repalicana de gabiero" 2 lém dos exemplos citads, val referic também a experdacia gorménice, endo, akém de norma expessare- conhecende a alguns disitos © garanis significado andlogo nos dios fundimentas do eadlogo (at 93, ine. 14, da Lei Pundamenta),« dousinn e a jrsprodGncia vem aceitundo alguas desenvolvimento com base no art. 1 da Lei Fundamental (eto geal da personlidade), que assim tambsm sxercera fungi similar do nosso art 55,8 2 Também ma Espanh, douena © jurigpeaciaconstucinal iam reeeahecdo uma abertura do catego, remetendo-se ag, dene tants, aos desenvolvimentes © exerplos da autora de G, C. Vil, “E sister de los Gerechos." p45 686 [Neste semido, por exemplo, apenas para citar alguns dos mais eminentes vaastis que cuidaran do ema desde & ‘Consiuigdode 1891, 1. Baral, Consttnito Federal Brasileira, p. 344K, Barbosa, Coneradrasd Constiulcd Fe ‘eval Brasileira, WNL p 2638: Makino, Comentdras d Const Brasileira, p. 775 88; AP. ENCE, (Consiga Anotada, lp. 253 ess; Pontes de Mitanda, Comets d Contigo de 1967 (com 2 Exped 1, 8 196), v0. Vp. 638 ess M. G. Fences Fibo, Comentiiosd Constinlgdo Brasileira, vl 1, p. 136.5. 2" No que diz om a Conetitngiovigente, CR, Bustos @1.G. Martins, em sous Comentirios& Consinao do Bro- «i, vol 2, p. 395, refer a ciiuldade e se encontarem exemplos de ditosfundamestais que se enquadrem na hipétse doar. 5% § Pda CP. Aida ma vigénca da Constigso de 1967(68), foram tadas alguns exersplos, ‘ais como of dritos hour, 3 intinidade eA identidade, Neste sentido, dente ours, v.R. Russomano, Curso de Direito Consicional, p14 «ex, Um dos exemplas mais contundenes, oda presuneo de inocencia, oi refedo pelo hoje Presidente do Supremo Tiibunal Federal, Minit 1. de Mella Fito, Conttiigao Federal Anotad,p 491, Também C. A. Mello," § 2 do ar. 5° da Constiugto Federal, in: R.L. Tomes (org), Teoma das Diretias FFundamentis,p sla para 0 poco desenvolvimento do ema ra order constuccea piri 79 ‘AEFIGACIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS Federal, proferida na Agdo Direta de Inconstitucionalidade n° 939-7, publicada no Dirio de Justiga da Unio em 18 de margo de 1994 ¢ relatada pelo eminente Ministro| Sydney Sanches, na quai se discutiu a constitucionalidade da Emenda Constitacional n° 3-93 e da Lei Complementar n° 77-93, no que diz com a criagao do IPMF (Imposto Provis6rio sobre Movimentagdo Financeira). Nesta demanda, além de outros relevan- tes aspectos, reconheceu-se expressamente que o principio da anterioridade, consa- grado no drt, 150, ine. I, alfa b, da CF constitui, por forga do art. S°, § 2°, da Lei ‘Maior, au‘éntico direito e gatantia fundamental do cidado-contribuinte, consagran- do, assim, 0 principio da abertura material do catélogo dos dizeitos fundamentais da nossa Constimuiga0.2"" Importante, neste contexto, é a constatacdo de que o reconhecimento da diferen- ‘ga entre direitos formal e materialmente fundamentais traduz a idéia de que o direito constitucional brasileiro (assim como o lusitano) aderiu a certa ordem de valores e de principios, que, por sua vez, nao se encontra necessariamente na dependéncia do Constituinte, mas que também encontra respaldo na idéia dominante de Constituicio € no senso jurfdico coletivo. Apesar da viabilidade de uma incursao pela seara do Gireito natural, que, contudo, refoge aos limites do presente estuclo, € preciso ter como certo que a construgio de um conceito material de direitos fundamentals (as- sim como da propria Constituigto) somente pode ser exitosa em se considerando a ordem de valores dominante (no sentido de consensualmente aceita pela maioria), bem como as circunstincias sociais, politicas, econdmicas e culturais de uma dada ordem constituefonal."° A distingao entre direitos fundamentais no sentido formal ¢ material niio tem sido objeto de muitos estudos e grandes divergéncias doutrindrias, ao menos no am- bito da literatura luso-brasileira. De modo geral, os direitos fundamentais em sentido formal podem, na esteira de Konrad Hesse, ser definidos como aquelas posigies ju- idicas da pessoa ~ na sua dimenstio individual, coletiva ou social — que, por deci- sto expressa do Legislador-Constituinte foram consagradas no catélogo dos direitos fundamentais (aqui considerados em sentido amplo)2 Direitos fundamentais em sentido material sao aqueles que, apesar de se encontrarem fora do catélogo, por seu contetido e por sua importdncia podem ser equiparados aos direitos formalmente (c materialmente) fundamentais.™ Relembre-se aqui, por oportuna, a vinculagio da concepcio materialmente aberta dos direitos fundamentais consagrada pelo art. 5°, § 2°, da nossa Constituigao com a dupla nota da fundamentalidade 20 mesmo tempo formal e material incrente & nogdo de direitos fundamentais que tomamos como re- ferencial neste estudo. Em principio, com base no entendimento subjacente ao art. 5°, § 2°, da CF, podemos, desde logo, cogitar de duas espécies de direitos fundamentais: a) direitos formal e materialmente fundamentais (ancorados na Constituicao formal); b) direitos, apenas materialmente fundamentals (sem assento no texto constitucional), devendo 2 deci citada fi extra do periodico LEX (STF 9 165, . 69 es. 29 assim o entadimento do J Mirna, i: RDP n° 62.7 2° Tum aga nos socrreres da igh de J Miranda, Manual IV, p. 9, 2 Cf, K. Hesse, Grundsige, 9.125, ® Cf, 4. Gomes Cenoilho, Dirt Consticlonal,p. 339 ¢ $8. V. também 1. Miranda in: RDP r? $2 (1987). 6 35 Esta definigto(conjugano-se oaspecto formal eo material) danses-se coma que proposcroe a0 aor © ‘ema da funamentidade materiale Formal oe diets Ramet. ser referida a respeitavel doutrina que advoga a existéncia de uma terceira categoria, a dos direitos apenas formalmente fundamentais.* Neste contexto, hé que atentar para a diversidade de aspectos controversos decorrentes de uma andlise mais detida da problemitica da concep¢io materialmente aberta dos direitos fundamentais em nossa Constituigdo © que, portanto, devem merecer nossa atenao. Sem qualquer pretensiio de esgotar 0 espectro temético com o qual nos depara- mos, é de se referir que a doutrina ainda nio se encontra completamente pacificada no que diz. com posigdo assurnida pelos direitos materialmente fundamentais (de modo especial os que ndo encontram assento na Constituigao formal) com relago aos di reitos do catélogo, isto é, se podem, ou nfo —e de que maneira -, ser equiparados no que tange ao seu regime jurfdico. Para que 4 nossa posigfo fique désde logo consig- nada, com o intuito de afastar qualquer incompreensio, partiremos do pressuposto que a abertura material do sistema dos direitos fundamentais, que, de resto, reclama a identificago de um conceito material de direitos fundamentais, exige um regime joridico-constitucional privilegiado e em principio equivalente ao regime dos direitos fundamentais expressamente consagrados como tais pelo Constituinte.* Ovtra questio crucial decorrente da abertura material do catélogo reside na ficuldade em identificar, no texto constitucional (ou mesmo fora dele), quais os reitos ~ ¢ aqui deixamos de adentrar o terreno espinhoso da conceituacao do termo “direitos” — que efetivamente retinem as condigdes para poder ser considerados ma- terialmente fundamentais. Ponto que igualmente merece destaque & 0 que diz respeito as fontes dos direitos fundamentais fora do catélogo, que, a0 menos em prinefpio, podem ter assento em outras partes do texto constitucional ou residir em outros tex- tos legais nacionais ou intemacionais. Além disso, ha que considerar a problematica da abrangéncia da regra, visto que topograficamente situada no capitulo dos direitos individuais e coletivos, sendo, no minimo, prudente a indagagao a respeito da via- bilidade de sua extensao aos direitos fundamentais econdmicos, sociais e culturais, ‘comumente e genericamente denominados de direitos sociais. Tentaremos, portanto, ‘enfocar (respeitando os limites da presente abordagem) cada um desses aspecios, iniciando pelo ponto que nos parece o primeio, qual seja, 0 da abrangéncia da norma contida no art. 5*, § 2°, da CF de 1988, aspecto vinculado a necessaria identificagao € permanente (re}construgtio de um conceito material e constitucionalmente adequado de direitos fundamentais, A resp dest rio de classifiago, conmite-s J.C. Viera de Andra, Os Diretos Fundamentas . 78 1s, qo Justamentedefene s exitcia de Girstos apenas forralment fundaentis, qe seri os constants n0 Catiogo, masque por so bstincin impertnca nan sx enquadram no coneeto material de ets fondamentas Saliente-s, contd, que Vein de Andre paste de uma pesungdo de materildade dos dceies fundamentals ‘onsigraros na Contigo, Posigio semehante €apreentda por J. Gomes Canotiho,Direa Consinetonal, ps3 as Também advogando a vnclagto da materadadefupdamena oer da esencialsade, bem como ‘min acxistncia deen apenas formalmente consti, mai reventecotibg, na downs Sana, de . Feet d Cinha, Feat da Contac do I~ DirtesHranas, Dititoe Fun. 251-2 Sead diverso, 1 Miranda, Manual V,p-9, que defend p pot de visa de acordo cem o gual dos os Seto fundamen em seid formal Gregan do caslogo) amen sso miterment undsment, pong, ‘qe os parece «mals adequads Todvia, anda que se acite a ese de Viera de Andrade ofan de este die ths apendsndamentas em seni femal a tora qe ej tata de era cea, aso que coins otegldos pelo mesmo regime judi dos emai, de al sate que 8 isting, neste content, se roveladesttuda de miorimpetinci prac, 2* Neste sea, vente ousesJ.R. Novis, As resis as direitos fundamentais no expressarente anor das pele Consign, Coimbra: Coiba Bir, 2003. 47-8 80 NGO WOLFGANS SAALET |ABFICACIA DOS DIREITOS FUNDANENTASS 43 2. Abrangéncia da concepeio materialmente aberta dos direitos fundamentais na Carta da 1988 E inquestionavel que a abertura material do catélogo abrange os direitos indi viduais, considerados como tais ¢ para 0s efeitos deste trabalho os direitos funda- mentais de cunho negativo, dirigidos prima facie & protecao do individuo (isolada ou coletivamente) contra intervencdes do Estado, isto é, centrados numa atitude de abstencdo dos poderes pifblicos, o que pade ser deduzido tanto da expressio literal da norma, quanto da sua localizacio no texto Que a citada norma igualmente abrange 08 chazmados direitos sociais, identificados como direitos essencial ¢ preponderan- temente ditigidos a prestagbes positivas do Estado, sejam normativas ou féticas.”* pode ser inferido basicamente das seguintes constatages. Em primeiro lugar, da ex- pressto literal do art. 5°, § 2°, da CF, que menciona, de forma genérica, 08 “direitos € _garantias expressos nesta Constituiclo”, sem qualquer limitago quanto 2 sua posicao 10 texto, Em segundo lugar (mas no em segundo plano), da acolhida expressa dos direitos sociais na CF de 1988, no titulo relativo aos direitos fundamentais, apesar de regrados em outro capitulo, inserindo a nossa Carta na tadigio que se firmou 20 constitucionalismo do segundo p6s-guerra, mas que encontra suas origens mais, remotas na Constituigdo mexicana de 1917 e, com particular relevo, na Constituicao alemi de 1919 (Constituigao de “Weimar”), Da mesma forma, virtualmente pacifica- da na doutrina internacional a nogao de que — a despeito da diversa estrutura norma- tiva e de suas conseqtiéncias jurfdicas ~ ambos os “grupos” de direitos se encontram reyestidos pelo manto da “fundamentalidade”. Por derradeiro, ¢ evidente que a mera localizago topogrdfica do dispositivo no capitulo I do Titulo IT nao pode prevalecer diate de uma interpretagao que, particularmente, leve em conta a finalidade do dis- positivo. Allém destes argumentos, encontramos a norma do art. 6° da CF, que emuncia os direitos sociais bésicos (educagio, satide, trabalho, etc.), encerrando com a expressi- va formulagio “na forma desta Constituigio", deixando, portanto, em aberto a possi- bilidade de se considerarem inclufdos, no Ambito dos citados direitos sociais, alguns outros dispositives dispersos no corpo do texto constitucional, nomeadamente os in- sertos nos titulos “Da Ordem Econdmica” e da “Ordem Social”. Da mesma forma, verifica-se que a regra do art. 7°, cujos incisos especificam os direitos fundamentais, dos trabalhadores, prevé expressamente, em seu caput (“Sao direitos dos trabalhado- res urbanos ¢ rurais, além de outros que visem & melhoria de sua condiggo social”), a abertura a outros direitos similares, inclusive sem restri¢ao quanto & origem. Aliés, na doutrina nacional ja foi virtualmente pacificado o entendimento de que 0 rol dos direitos sociais (art. 6°) € 0 dos diteitos sociais dos trabalhadores (art. 7°) so — = Uiiizamos neste contero, a express “rcitos individuals” apenas por earmos iis & teminoogia to Cons inte, nodstnie estejamos cess de que ob aubriea “iets indivi” ext send contderndos, en prineh- ‘io, os taicionais drtesfondameatais de hiberdade igualdae, também deporsinados de disitoy-dees, 2 Aqui estamos ating a um dos mals consagratos cities de dstngao ene os aires funéamentais de Uber- “ade igualdode abitolmentembéz denorainado de direitos individual (de cunb negativo, visto que dno ALabstngGes do Estado) e s ass chamaos dieitos sis, tds coro dietesprimordalmene diigo pes tapes estas positivas, Esta dstingo, inclusive sob o pont de vista tenninoGaica, enconta-e suet cnieas © ace de adapts a0 dit positivo, de modo especial em fae dus peullaridadessprsenadas pela CF de 1988 rests motives, hi que ta aqui por mero panto derefeéncia Outossm,remetemes oto ao prsnimn capil, ‘no qual ns ceupamos do probeina da clasificacio do direitos Sundamsatas em nossa Const 82 INGO WOLFCANG SARLET exemplo do art. 5°, § 2°, da CF - meramente exemplificativos" de tal sorte que am- ’bos podem ser perfeitamente qualificados de cléusulas especiais de abertura. Também nio pode ser olvidado que a nossa Reptiblica se apresenta como um Estado social e democratico de Direito,** cujos contornos bésicos se encontram a corados no preambulo, nas normas dos arts. 1° a 4° da CF (Principios Fundamentais), pela consagracdo expressa de um catélogo de direitos fundamentais sociais (arts. 6° a 11) ¢ em face dos principios norteadores dos titulos que versam sobre as ordens ¢co- némica e social (aris. 170 e 193), isto sem falar nas diversas aormas concretizadoras destes princtpios que se encontram dispersas pelo texto constitucional. J4 por este motivo, a existéncia de direitos sociais fundamentais ndo poderia ser sumariamente desconsiderada, visto que inetente & natureza e substincia de um Estado social, Neste sentido, especialmente valiosa a contribuigzo do mestre de Lisboa Jorge Miranda” que, além de acentuar a relagdo dos direitos sociais com as exigéncias de um Estado Social, leciona que a existéncia de direitos sociais materialmente fundamentais, mes. ‘mo localizados fora da Constituigo, no conduz. necessariamente a restrigdes no campo das liberdades individuais, de modo especial quando os direitos sociais cons- tituem importante instrumental para um intensivo e eficaz exercicio das liberdades & alavanea para a concretizacdo da igualdade material. Na esteira desta argumentagio 1, além disso, como afirmar-se que também os assim denominados direitos politicos (ou direitos da cidacania) se encontram abrangidos pelo principio da abertura mate- rial do catélogo dos direitos fundamentais. Também eles integram o rol do Titulo I © gozam da mesma dignidade fundamental material e formal. Além disso, encontram sua vertente direta no prinefpio demoerético consagrado por nossa Carta (art. 1°, ca put eines. 1, Ie V). Por derradeiro, a jé apontada ngo-taxatividade (no sentido de uma abertura material) do Catélogo de dircitos fundamentais resulta inequivocamente, como bem lembrou Juarez Freitas, da circunstiincia de que o artigo 5°, § 2°, da CF, encerra uma auténtica norma geral inclusiva, impondo até mesmo o dever de uma interpretagso sintonizada com o tear da Declaracio Universal dos Direitos do Homem,2” em que ese ~¢ 0 registro é necessairio ~o fato de esta ndo ter as caracteristicas de um tratado {Convenciio) internacional e, portanto, no poder ser tratada exatamente do mesmo modo, seja em virtude de sua vinculatividade, seja em face da referéncia expressa dos tratados internacionais efetuada pelo citado dispositivo constitucional, Nesta quadra, assume relevo a ico de Menelick de Carvalho Netto, o artigo 5°, § 2°, da nossa Carta Magna traduz, a nogao de que a Constituigio de apresenta como “a moldura de um processo de permanente aquisigao de novos direitos fundamentais” 2" Neste ‘mesmo contexto, partindo da premissa de que os direitos fundamentais sio varidveis, 3 este espeit,v, MG. Feria Fin, Comentirios & Consiladgco de 1988, vol. Ip. 89 « 92, seyundo 0 qu 0s tis dos at. 6 ¢ 7 de CF sé0 merumenteexemplificaivos, No mesmo sentido, v.P.Feteira, Comentdrias & Consteuigdo Brasera, vol 222 5 respto da cracteraago do Esto basic, tl como pasado ma Coneiigio de 1988, como antic Estado Socal (ou Fstado democriic e social de Diteio), dente outes,P. Bonavdes, Curso de Diveto Cons ‘ucla, 336 es. Neste sentido amb, emibora com ligetadivergéncta quant &terminologa, JA. da Siva, (Curso de Dirito Constiscinal Positivo,p. 1023 2 Jorge Miran, Manual IV, p. 1540s. CEI. Freis, A Interretgdo Sitemétien do Divito, 3 ep. 20612. Cf. M. de Carvalho Neto,“A hermenéuia constituional eos desafis posts aos dios Fundaments™ in: 3A. Sampaio (Org), Jurtsdgdo Constucionl e Direlas Fundarendas, p. 158. [A EFICACIA.DOS DIREITOS FUNDANENTAIS 83 no “espago” e no “tempo”, a necesséria abertura do catélogo con tos conexiona-se, como leciona Cristina Queiroz, com a circuastan como inexiste um elenco exaustivo de possibilidades de tutela, também nao exi rol fechado dos riscos para a pessoa humana ¢ os direitos que Ihe so inerentes,?” nao sendo & toa, portanto, que ja se afirmou que “no ba um fim da histéria ern matéria de dizeitos fundamentais” 2 Nesta mesma linha, vale colacionar a licfo de Laurence Tribe, aévogando que a IX Emenda (da Constituicio dos BUA) contém um regra de interpretagio, j4 que a omissio de uma previsio formal no texto constitu niio implica necessariamente a impossibilidade do reconhecimento de determinado direitos fundamental, precisamente em face da ndo-exaustividade (inclusividade) do catélogo constitucional.*¥ De qualquer modo, a despeito da possibilidade de se apro- fundar aqui o tema da abrangéncia da regra do art. 5°, § 2°, da CB, patece-nos que (08 argumentos deduzidos sdo suficientemente idéneos a sustentar o ponto de vista adotado. Problema completamente distinto — e af encontraremos reais dificuldades — € 0 da identificagao do contetido do conceito material dos direitos fundamentais, bem como dos critérios referenciais para a localizacio destes direitos na Constitui¢io e fora dela 4.3.3. Contornos de un conceito material de direitos fundameniais na Constituigao 4.3.3.1. Consideragées preliminares Apesar da quase unanimidade que milita no seio da doutrina sobre a abertura material do catilogo de direitos fundamentais na CF de 1988, constata-se a existéncia de uma auténtica lacuna, no sentido de uma auséncia de propostas com relagao & de- finigao do contedido de um conceito substancial de direitos fundamentais caleado em nosso direito constitucional positive. Como se cuida, consoante jt demonstrado, de campo relativamente inexplorado entre nds, mas de intrinseca relagdo com o objeto de nossa investigagao, tentaremos tragar, ao menos, algumas consideragdes que ~ em que pese seu cunho necessariamente genético ~ talvez. possam servir de referencial para eventual desenvolvimento posterior na doutrina e na jurisprudéneia, Antes de adentrarmos o exame propriamente dito dos critérios de identificagao da fundamentalidade material, impde-se breve exame do leque de opcOes que nos oferece o art. 5°, § 28, da nossa Carta Magna, andlise que se faz necessdria até mesmo pela redagao do dispositivo. Neste contexto, hé que levar em conta a categoria dos assim denominados “direitos implicitos”, de acordo com a formulagdo consagrada pela nossa doutrina © que deve ser considerada em nossas ponderagdes em torno do significado ¢ aleance do art. 5°, § 2°, da nossa Lei Fundamental. Tomando-se, a titulo exemplificativo, a conceituacio de José Afonso da Silva, verifica-se que este renomado publicista distingue (ao lado dos direitos individuais expressos) os direitos Ch C. MM, Queitor, Dietos Fundamentas (Teoria Geral 9.49 °° Cf. ogto de R, Medeiros, “O estado de diets undamensas portaguds aleance, imitese desafos” i: Anus ‘io Portus de Direito Consttacional vl I, 2002.25 (pif 30 a. 2 grence Tribe, American Constitutional La 9. 34, Sobre 0 ems, sinda, do mesmo autor 9 ecene ein Uigante he ivisite Consiaion, Oxford University Press, 2008, especaimentap. 14S es, onde examina apes reatvos IX emenda, Ente a6, colaconando exemplos 6a jurgpmidéaia ncxt-americana no campo dos esis mplicies,v. por dime, F. Appia, Direitos das Minaras, Sao Palo: RT, 2008, p. 95 es. implicitos, que seriam aqueles subentendidos nas regras das garantias fundamentais, dos direitos individuais decorrentes do regime e dos constantes nos tratados interna- cionais € que (a0 contrério des implicitos) néo se encontram expressa ou implicita- mente enumerados."* Esta aparente distingZo (entre direitos implicites e decorrentes) nos revela parte das indagacbes que suscita a exegese do art. 5°, § 2°, da nossa Carta. Ao contrétio da Constituigo portuguesa (art. 16/1), que, no ambito da abertura material do catélogo, se limita a mencionar a possibilidade de outros direitos fundamentais constantes das leis e regras de direito internacional, a nossa Constituigio foi mais além, uma vez que, ao referir os direitos “decorrentes do regime e dos prinefpios”, evidentemente ‘consagrou a existéncia de direitos fundamentais ndo-escritos, que podem ser dedu. idos, por via de ato interpretativo, com base nos direitos constantes do “‘catélogo”. bem como no regime ¢ nos principios fundamentais da nossa Lei Suprema. Assim, sob pena de ficar desvirtuado 0 sentido da norma, cumpre reconhecer ~ a despeito de todas as dificuldades que a questio suscita— que, paralelamente aos direitos fun- damentais fora do “catélogo” (com ou sem sede na Constituigo formal), o conceito materialmente aberto de dircitos fundamentais abrange direitos nao expressamente positivados, Além disso, em se tomando a distingao tragada por José Afonso da Silva, verifica-se que a categoria dos “direitos implicitos” (pelo menos na conceituagio que este autor Ihes deu) constitui, na realidade, apenas uma das possibilidades de desen- yolvimento calcadas na eldusula de abertura do art. 5°, § 2°, da CF. Ademais, salta 420s olhos que 0 citado preceito abrange, além de direitos fundamentais escritos fora do catilogo (com ou sem assento na Constituigo), os direitos nio-escritos,* ou, se; preferirmos a terminologia usual, os direitos “implicitos” ou ‘“decorrentes”, com a) ressalva de que estes devem ser considerados em sentido amplo (direitos subentendi dos nas normas definidoras de direitos e garantias e os decorrentes do regime e dos prineipios). : Sobre este assunto convém, ainda, Iangar um olhar sobre os clissicos do nos- so direito constitucional. Além da funco hermenéutica atribufda ao dispositivo que consagrou entre nds a nogio de direitos implicitos (decorrentes) ¢ que jé havia sido, dentre outros expoentes da cultura juridica nacional, objeto de licido comentario por parte de Ruy Barbosa , posteriormente, por Pontes de Miranda, cumpre referir a igo da doutrina no que tange ao desenvolvimento interpretativo dos direitos no-es- critos, Neste particular, vale lembrar a ligdo de Carlos Maximiliano que, ao comentar ‘art. 144 da CF de 1946 (repisando as suas anotagdes & Constituigdo de 1891), apon- tou 0 seguinte: « Constituigao “ndo pode especificar todos os direitos, nem mencionar 25x 1A, Silva, Curso de Direto Constitcional Positive, . 17, com a ressalva eiiea de gee 0 witorresrings A nogan de devtos impose decorentes ao eicitos ice. Além do mas da enteder que os detos fmplisioeconstinem categoria nko nscersanamenta vind 20 ac, § 2% da nossa CE 2% 4 utilizagio ~ que se reconhece como passvel de questinamentos sob vos dngulos da expresso dizcitos ‘o-esrits, no sentido de defo io dirt expicitamenteprevsts no texto constticional, também encanta reeeptvidade por outros autores, como ¢ o caso, na Aleman apeaas para stat um exemple de H. H. ROPE, “Ungoschobane Grandreche bet dem Grusdgeset" in: JZ 300, 157 © ss, © autor tod, dstingse tis Agios nfoeseitos (ngerchriebene Grundrecie) das pasgocsfandamontisdcduzidas, no sentido de abrangias, po imbito de protego do creito geal de personlidale edo drcto geal de literdade,atrbuindo, além disso, 0 Benerlizado dsineresse pelo ema dos dats “ao eacitos”prcisarpente 3 ago dvtrinii ejurspeusencial de extra uma série de direitos dojérefeia liasula ger do artigo 2, ines da Lei Fundamental Ale, cola Conando, de resto, uma sie de exemplos, como &o caso do dit prdpeia imagem, da liberdade contaial edo Aleit 8 Suodeterninago iret 84 ‘GO WOLFoMNG SARLET ‘ABFICAGIA DOS DIRETTOS FUNDAMENTASS idades, A Tei ordindvia, a doutrina e a jurisprudéncia completam a obra, Nenhuma inovagio se tolera em antagonismo com a indole do regime, nem com os principios firmados pelo oédigo supremo. Portanto, néio é constitucional apenas o que esti escrito no estatuto basico, e , sim, o que se deduz do sistema por ele estabeleci- do, bem como 0 conjunto das franguias dos individuos ¢ dos povos universalmente consagrados”.2” Seguindo este entendimento, Alcino Pinto Falco (igualmente co- mentando 0 art, 144 da Carta de 1946), apés citar exemplo extraido da jurispradéncia argentina (diteito de reunido), salientou que o dispositivo citado, além de sua “finali- dade reveladora de direito tem, também, a conservadora de direitos outrora expressos, © que, por passarem de atualidade, nao mais passaram, na Declaragfo de Direitos, a ser expressos”.* Ainda a este respeito, importa transctever 0 que taivez tenha sido a posiglo mais contundente, entre nds, em favor desta tese. Para Paulino Jacques, “o Legislador- Constituinte, a0 referir os termos ‘regime’ e ‘prinetpios’, quis ensejaro reconhecimen- toca garantia de outros direitos que as necessidades da vida social e as circunstancias dos tempos pudessem exigir, E uma clausula, por conseguinte, consagradora do prin- cipio da ‘equidade’ e da ‘construcdo jurisprudencial’, que informam todo o direito anglo-americano, € que, por via dele, penctram no nosso sistema entre nés, no € a Jei a nica Fonte do direito, porque o ‘regime’, quer dizer, a forma de associagao politica (democracia social), 0s “prinepios” da Constituieao (republi- ca federal presidencialista) geram direitos" © que se conelui do exposto € que o conceito materialmente aberto de direitos fandamentais consagrado pelo art. 5°, § 2, da nossa Constituigao & de uma amplitude ‘impat, oncerrando expressamente, ao mesmo tempo, a possibilidade de identificagtio construcdo jurispradencial de direitos materialmente fundamentais nao escritos (no sentido de nao expressamente positivados), bem como de direitos fundamentais cons- tantes em outras partes do texto constitucional e nos iratados internacionais, De fato, como je se afirmou em relacao a experiéncia lusitana, mas que, neste particular (visto existirem importantes diferencas) guarda sintonia com o sentido amplo que assume a “cldusula de abertura” do art. 5°, § 2°, da Constituigo Brasileira (ainda ~ e precisa- mente por isto - que nao se cuide da tnica “porta de entrada” para direitos fundamen- tais ndo expressamente positivados como tais no texto constitucional), a abertura do sistema de direitos fundamentais, nas palavras de José de Melo Alexandrino, abrange tanto a previstio expressa de uma abertura a direitos nao enumerados, quanto a d ugio de posigdes jusfundamentais por meio da delimitagZo do Ambito de protegio dos direitos fundamentais, a incluso dos direitos de matriz internacional, bem como a dedugio de normas de direitos fundamentais de outras normas constitucionais,”* No caso da férmula adotada pelo Constituinte brasileiro, verifica-se que a referéncia a direitos decorrentes do regime ¢ dos principios ¢ a inclusdo expressa dos direitos positivados em tratados internacionais, se nao esgota as possibilidades inerentes a °° CEC. Maninliano, Comentiiosd Const de Brasileia, vol. Mp. 175 284. A.P Fleso, Contigo Anoada, ol, p. 254 ®°C1.P. Jacques, Curso de Direto Constcuiona,p 453, Salewe-e qu o autor tanbeim eitica veementemente @ significa esto que a doutria tedicional tera cmpresado ap dispostivo em exe, anaisndo-o meanest sob enfoque de sua fang afastadora do principio do inclsins unas alteius et exclu, CE 1.M, Alexandrino, A Esturaro do stoma de direitos, berdades¢garentias na Constinigdo Portuguesa, vol tl p. 37475, noo WoLFBANG SALET abertura material, assume wm caréter por si s6 relativamente abrangente, mas que 80 ddispensa anélise mais detida quanto & sua efetiva amplitude. Tal constatagio é, por outro lado, de suma relevancia para viabilizar a delimitagio de certos critérios que possam servir de pardmetro na atividade “reveladora” destes direitos. Neste sentido, 0 citado dispositive reza que “os direitos e garantias expressos nesta Constituigo no excluem outros decorrentes do regime e dos princfpios por ela adotados, ou dos tra- tados internacionais em que a RepUblica Federativa do Brasil seja parte”. Com apoio no sentido literal da norma e com o objetivo de propiciar um exame mais sistemético da problemética do conceito materialmente aberto de direitos fundamentais em nossa Constituigao, ha que visualizar as diversas alternativas com as quais nos deparamos na anélise do significado e alcance da norma contida no art. 5°, § 2°, da CF. Neste contexto, ousando divergir, em parte, da proposta classificatéria de José Afonso da Silva, ¢ com base no que ja foi exposto relativamente a este ponto (des- considerados, aqui, outros critérios vidveis de classificagao), j4 podemos sustentar a existéncia de dois grandes grupos de direitos fundamentais, notadamente os direitos expressamente positivads (ou escritos), no sentido de expressamente positivados, © 08 direitos fundamentais nao-escritos, aqui genericamente considerados aqueles que nao foram objeto de previsdo expressa pelo dircito positivo (constitucional ou internacional). No que concerne ao primeiro grupo, ndo existem maiores dificuldades para identificar a existéncia de duas categorias distintas, quais sejam, a dos direitos expressamente previstos no catélogo dos direitos fundamentais ou em outras partes do texto constitucional (direitos com status constitucional material e formal), bem como os direitos fundamentais sediados em tratacios internacionais e que igualmente foram expressamente positivados. J4 no que conceme ao segundo grupo, podemos distinguir também duas categorias. A primeira constitui-se dos direitos fundamentais implicitos, no sentido de posigdes fundamentais subentendidas nas normas definido- ras de direitos e garantias fundamentais (aproximando-se da nogio atribuida por J.A. da Silva), ao passo que a segunda categoria corresponde aos direitos fundamental que a propria norma contida no art. 5°, § 2°, da CF denomina de direitos decorrentes do regime e dos principios.** Tal classificagdo deverd, doravante, servir de referen- cial para 0 desenvolvimento da andlise da concepgao materialmente aberta dos direi- tos fundamentais em nossa Lei Fundamental, ora intentada. Ainda no que tange a classificagdo caleada no art. 5°, § 2°, de nossa Lei Fundamental, cumpte aludir & problematica relativa a existéncia de direitos funda- mentais com assento na legislacdo infraconstitucional. A respeito da existéncia de direitos materialmente fundamentais otiundos de textos legais infraconstitucionais (hipstese que, a0 menos a priori nio deve ser exclufda, no mfnimo diame do que reza 0 art, 7° da CF), hé que tor a devida cautela, porquanto o texto do art. 5°, § 2°, da CE, a0 contrério do art. 16/1 da Constituigao portuguesa, nao utiliza a expres- silo “lei”. Neste sentido, lembra Canotilho que Marnoco e Souza, relativamente 3 averberse, no que tange 3 propotelassifcatcia aqui emunciada, 2 qual, de forma Higuiramente diverse, i haviamosexbocado em estodo pubhcado em marco de 1906 aa revista AJURIS n° 66 (portrormente publicado na FIL 131, que, mals recsotamente, a eatiioagio de J. A da Siva foi também avo de acetate por prt {de F Piovesan, Direitos Humanas e Direito ConsttcionalIermacional,p. 87-9, da qual apenssdivergimos 29 ‘que concere circunstinca de que esa renorada aera agra rob denominago de mmpitos tanto os direitos subentendidos nas regras de garanias, quauto os dacoentes do regime dos prinepios de nossa Lei Fondant, ‘ategorias que. por seem dstinas en si, preferimos enquadrar ao grupo des dzeitos noeserios (0 sentido de ‘no expressament ponitivdos) ‘A EFICACIA DOS DIREITOS FUNDAMENTASS a0 art, 4° da Constituigo portaguesa de 191 1, j4 havia assumido posigao bastante cética a respeito do caso, alertando para a falta de sentido de se cogitar de direitos fundamentais legais, que ndo poderiam simplesmente, como num “passe de miigica’ (© termo é nosso), ser guindados eo mesmo patamar das garantias constitucionais»? O fato € que & legislagio ordinéria — e esta parece ser a interpretagio mais razodvel —cumpre o papel de concretizar e regulamentar os direitos fundamentais positivados na Constituigao, tornando-os (em se cuidando de normas de cunho programitico, isto &, de eficécia limitada) diretamente aplicdveis. Também a tradigéo (sem qual- ‘quet excego) dlo nosso direito constitucional aponta para uma exclusao da legistagao infraconstitucional como fonte de direitos materialmente fundamentais, até mesmo pelo fato de nunca ter havido qualquer referéncia & lei nos dispositivos que consagra- ram a abertura de nosso catélogo de direitos, de tal sorte que nos posicionamos, em principio, pela inadmissibilidade dessa espécie de direitos fundamentais em nossa ordem constitucional.™" Todavia, a despeito deste entendimento, ndo nos parece de todo desarrazoada uma interpretaedo de cunho extensivo que venha a admitir uma abertura do catélogo dos direitos fundamentais também para posigdes juridicas re- yeladas, expressamente, antes pela legislagao infraconstitucional, jé que, por vezes, € 20 legislador ordinrio que se pode atribuir o pioneitismo de recolher valores fun- damentais para determinada sociedade e asseguré-los juridicamente, antes mesmo de uma constitucionalizagio.* Ainda no que diz. com a controvérsia em torno da existéncia de “direitos fun. damentais legais” e observadas as razSes ja colacionadas, também importa registrar ue aquilo que para muitos pode ser considerado um direito fundamental fundado na legislacao infraconstitucional, em verdade nada mais é—em se cuidando, convém fri- sar, de direitos fundamentais ~ do que a explicitaco, mediante ato legislativo, de di- reitos implicitos, desde logo fundados na Constituigéo. Tal ocorre, por exemplo, com © direito fundamental (constitucional) aos alimentos, consoante, aligs, jé reconhecido por alguma doutrina,** onde, em siltima anilise, est4 em causa um direito fandamen- tal a prestagées de cardter existencial, que — independentemente de previsio legal = jd poderia ser deduzido do direito & vida com dignidade.* Ao legislador coube, neste caso, a tarefa de reconhecer no plano legal a obrigacdo, definindo parametros, ‘Cr 1. Gomes Cenaiho,Dieito Conticional p. 39-0. No mesmo sentido, .,com maior deseavaviment, aposigocalicade 1M Alexandrina, A esiruuragde do ssiona de dros, iberdades egoranis na Conic Pores, vl. 391-398 29 propésito de noms Jas Ginfeaconsttcionss)materialmente constiucionsis, pode terse como iexivel a existincia de dicto comsiacional apenas no seaide material na ese da legisla erdndria, exempio do gue come com a Lei Orga dos Patios Plicose 0 Coigo Eletml, hipdteseshabivlmente cits em nivel de {isto comparado, O que agu temas por inadaissvel, ao menos em principio a pesiiidade de reconheser se & ‘outorge do status de autatieos dietesfandaments (mesmo que es seatdo spenas materi) x posgGesjudicas ancoradas cm preceitos legis gaimpedos em texts legas desta nature7a 4 ata paoce sero entencmoato de L. F, Suess, Direar¢ Garantes Fandementas utravagotes, Porto Al are: Seo Fabris, 2008, p. 31 eS, que uizaa expresso dios exteavagants refendo ap dias sen sen onstitbconsl 25J,Spagneto, “Uma visio dos alimentos aavés do prisma fundamental da dignidade da pessoa human: SG. Porto eD. Usa (Or), Tendéncias Contitncionas no Dircito de Fama, p. M7 es, 2% Neste semi, também explorando uma fundamentagho vincaada a principos dires fundamenais (anda sue no exatamente ra sentido aqui sustentide,¥. a contibuicko de FM. Spenser, Alimentos da apo @erecucdo Port Alegre: Livrara do Advopaso, 2002 (bem meneionando 2 parata d= una enstnca dgra came fundamen ao deveralinentay, ber como, ais ecentemente em sibel ee de Dovtorde R.A, G,Facin, Dever alimentar para um novo Direto de Familia, Ria de Saneir: Renovar,p. 34, com refetecia também além da dgnidade dt pessoa humans) ao principio da solidariedade como um dos fundampentcs consttucionus do deveralimpent. 88 INgO WOLFaANG SARLET i ; | sujeitos passives e ativos, bem como dispondo sobre questées processuais, entre ou- tos aspectos. O mesmo se poderé afirmar em relagdo aos direitos de personalidade consagrados no novo Cédigo Civil, visto que estes diteitos jé poderiam também ser deduzidos de uma cléusuta geral de tutela da personalidade ancorada no direito geral de liberdade e no principio da dignidade da pessoa humana" como, de resto, ocorme com o dircito ao nome, j4 consagtado pelo proprio Supremo Tribunal Federal.** Tal cléusula geral de tutela da personalidade, da qual decorre um direito geral de persona- lidade ou, como na Alemanha, um direito ao livre desenvolvimento da personalidade, assume, por sta vez, a condigdo de direito fundamental implicito na nossa ordem constitucional, como voltard a ser referido logo adiante. Considerando, todavia, que 0 10550 intuito no € o de desenvolver esta questi, os exemplos colacionados servem apenas para demonstrar as possibilidades que encerra a abertura material do catilogo de direitos fundamentais também nesta seara Atente-se, ainda neste contexto, para o significado da expresstio “implicitos”, que, no sentido etimotégico, pode ser considerado 0 que esta subentendido, o que esta envolvido, mas nio de modo claro Neste sentido, verifica-se que a categoria dos direitos implicitos pode corresponder também — além da possibilidade de dedugao de um novo direito fundamental com base nos constantes do catélogo — a uma extensio (mediante o recurso & hermenéutica) do Ambito de protegdo™ de determinado direi- to fundamental expressamente positivado, cuidando-se, nesta hip6tese, nfo tanto da criagdo jurisprudencial de um novo direito fundamental, mas, sim, da redefi do campo de incidéncia de determinado direito fundamental j4 expressamente po- sitivado." Jé 08 direitos decorrentes do regime e dos prineipios nao se confundem ‘com a categoria dos direitos implfcitos, considerados estes na acepgao estrita de po- sigdes jurfdicas fundamentais subentendidas nas normas de direitos fundamentais da Constituigio, no sentido de referidas ao seu ambito de protegio. Com efeito, nao restam diividas de que, sob o titulo de direitos decomrentes, 0 Constituinte reconhecen — como jé frisado ~ expressamente a possibilidade de se de- duzirem novos direitos fundamentais (no sentido de ndo expressa ou implicitamente previstos), com base no regime e nos principios da Constituicao. Assim, constata-se que a nocao de direitos implicitos assume cardter especial em relagdo & amplitude dos direitos ndo-escritos reconhecidos pelo art. 5°, § 2°, da CF, nao sendo, na ver- 27 a repeto dente tpico, v- também 0 nosso Dignidade da Pessoa Human... ep. 106-7. Explorand Bert este aspen, confi se emsaiodeC. A, Mel, “Contmbuigo pas vata eda dos direitos de persoaliade” {ns LW. Sarit (rg), 0 Novo Cig Civil ea Contnagdo, 2003. Desenvovendo o tent na perspectiva do diito compara, indispensvel 0 estndo de P Mola Pint, “iseos de Pesnaldade no Cig Civil Portugues ¢ 9 ‘Novo Osdigo Civil Brae" ns Revista da AJURUS a 96, De. 2004p. 407-438, 48. gacéndso prolatado no Recurso Extrsondinirio n° 248 869-1 (7.082003), teado como relator 0 Minis “Mauricio Coca, onde resto mss uma Vez consign gue “o dieto ao ome insere-e o coneio de igre da pessos human ctaduz a sua seaidae,vrigem de a ancestalidae, oeconkermseato da fafa, razio pola Aq estado de igo & dito indsponive Cr. A.B, de Holanda Feira, Novo Dicionari Auréio da Lingus Porrguesa, 923 2 Os seme, so ge refer so fmbito de prego de determinado dito fundamental vale se da expresso Schuscberech, nog Fundamental para a problema das reigdes 20s sito fundamentals, que agh nib pode ser analiade, 251 gu essumem relevo exemplos extras da experéncaconsttuioal fem. ondeo sito gerald iberdade © lprsnoida,cosagrat expressamente st pe. L.da La Pomel abrange asa vials posites Suc fundamen, tis como Hherdadecontatual a automa priv. bea de ago na sara econ 2 Neste sentido, die tants, HU, risen i: HBSIR VI, p 1195 ess ABFICACIA 00S DIRETTOS FUNDAMENTAIS 89 dade, apropriado o uso da expressio de maneira genérica, que, como demonstrado, é dissonante de seu real significado, de tal sorte que entendemos mais apropriada a denominagdo direitos nio-escritos (ou ndo-expressos), que abrange igualmente os direitos implicitos e decorrentes. Seja qual for 0 critério utilizado (direitos implicitos ou direitos decorrentes do regime e-dos prinefpios), distingzo que se justifica, tal como frisado, pelo menos ‘em face do enunciado seméntico do artigo 5°, § 2°, da CF e da circunstancia de que 08 prinefpios fundamentais do Titulo IT e outros dispersos na Constituigao mio ne- cessariamente podem ser considerados, em si mesmo, normas definidoras de direi tos fundamentais (que atuariam, quando explicitadas no texto constitucional, como fundamento dos direitos implicitos em sentido estrito), o fato é que para o art. 5°, § 2° para o efeito de dedugdo de posigdes juridicas fundamentais — assume caré- ter essencialmente declaratério (jé que, em principio, desnecesséirio, pelo menos se considerarmos que implcito é 0 que j4 est subentendido). De outra parte ~ ¢ neste ponto nao hé como desconsiderar a rélevaincia da previsao no texto constitucional de “ direitos decorrentes do regime ¢ dos prinefpios” - também é certo recordar que além de atuar como uma espécie de autorizagdo expressa e permanente “lembrete” para 0 reconhecimento de diteitos implicitos em sentido amplo (na condicao de direitos nao expressamente positivados) a legitimar e até mesmo vincular positivamente a atuacio dos drgios jurisdicionais nesta seara, que, nesta perspectiva, ndo poderiam deixar de reconhecer um direito implicito no minimo quando tal reconhecimento corresponder, em face das circunstancias, 2s exigéncias do sistema constitucional No campo dos direitos implicitos c/ou decorrentes do regime dos principios, vale mencionar alguns exemplos que tm sito citados na doutrina, mas que também ja encontraram aceitagéo na esfera jurisprudencial, ainda que se esteja longe de alcangar um consenso, especialmente (mas nao exclusivamente, importa destacar) no concer- nente ao contetido ¢ alcance destes direitos. Assim, verifica-se que na doutrina m: recente voltou a ser referido o direito de resisténcia®* ou 0 direito & desobediéneia civil? que, embora também possam ser tratados como equivalentes (desde que haja concordncia em termos conceituais) tém sido apresentados com tragos distintos pela doutrina nacional. Também o diteito & identidade genética da pessoa humana. 0 direito a identidade pessoal,” as garantias do sigilo fiscal e bancério (em geral dedu- Zidas, por expressiva parcela da doutrina e jurisprudéneia nacional, do direito a pri- vacidade), assim como, mais recentemente, um direito & boa administragio paiblica* contre outros, revelam no apenas o quanto ja tem sido feito neste esfera, mas também ()aposanao no dicho de resistnci,conta-se o importante contrite de J.C. Buzanelo,Direito de Resistencia ‘Constrciona, 2003. £2 Sobre o tam, . a poneira aba de M, Garcia, Desobedioncia Csi. Ditto Fundamental 2, 2004, Em lingua poragues, vente tates, onotive enssio de CS G, Loreto, “O dirito A idetiade genta do ser bumato”, in: Portega-rasil no 2000, p. 263-389. No Brasil, confra-se a recente e importante camtnibuigso eS. R Peuede, 0 Direlo Fusdancenial 0 Tentidade Genetica na Costin Brastelr, Pore Alegre: Livia 4 Advogado, 2007, bem exparando a fundameniaco deste arto na Constugio apresentando ses contornos dozmiticos zd tosis dos dls fursamentas, sem descurar da abordagem de exermplosatuaise relevant, 75 Sobre o tema, vo recent estado de MLC. de Almeida, DNA eextado de iliac & lc da digidade humana, 117 ess, ublnhando nests quadrao dieto ao conhecimento da rizem genstice, quo, de cera forma, guardn ome 0 com o pripco deito (ais umpla) a ideatidadegondicae sua pote. Cf propos, nt és inpirado ns Carta de Dieios Pundamenas da Usizo Faropei, J Preiss, iscrcton: viedade edminivrciva eo dreto fundamental d boa adninisragao public, S30 Paulo: Malic, 2007 90 |GO WOLFGANG SARLET as possibilidades de desenvolvimento da abertura material do catdlogo também no que diz. com os direitos nio expressamente positivados No que concerne a0 contetido, significado ¢ aleance do conceito material de ireitos fundamentais, remetemos a0 préximo item, onde nos ocuparemos ce maneira mais detida destas questées. 4.3.3.2. Critérios referenciais para um conceito material de direitos fundameniais 4.3.3.2.1. Consideragdes introdutérias: 0 critério implicito da equivaléncia € seu significado. Nada obstante nossa Constituigaio nao conheca regra expressa similar A contida no art. 17 da Constituicdo Portuguesa, que trata dos “direitos andlogos”,>” fo restam dividas de que direitos fuadamentais em sentido material somente pode- ‘Go ser 05 que por stia substincia (conte‘ido) € importancia possam ser equiparados aos constantes do catdlogo." nogaio esta que — muito embora nao tenha 0 condo de, por si $6, clarifiear quais os critérios para aferir esta equiparacdo — deverd servir de fio condutor para 0 nosso intento de investigar quais as linhas-mestras do conceito material de diteitos fundamentais em nossa Constituiglo: toda e qualquer posig Juridica, seja ela enquadrada na nogao de direitos implicitos ou decorrentes, seja ela encontrada na Constituigéo (fora do catélogo), ou em algum tratado internacional, deverd, para ser considerada auténtico direito fundamental, equivaler — em seu con- totido ¢ dignidade — aos direitos fundamentais do catélogo. Cuida-se, aqui, de autén- tico prinefpio constitucional implicito deduzido diretamente do art. 5°, § 2°, da nossa Carta Magna, de tal sorte que, a0 menos neste sentido, também hé como falar de di- reitos fandamentais “andlogos” no direito constitucional pitrio, Em outras palavras, esta relagio de similitude deve, de certa forma, reger todas as categorias (expressos, ‘ou nio-escritos) de direitos fundamentais abrangidas pela regra em exame. Cumpre frisar, contudo, que a equivaléncia entre os direitos integrantes do catélogo e as po- sigdes juridicas que se encontram em condig&es de, com base no art. 5°, § 2°,da CF, ser contemplados pela nota da fundamentalidade™ inerente aos primeiros, néo afasta eventuais situagdes de concorréncia e/on conflitos, por sua natureza inerentes ao sis- tema dos direitos fundamentais, situago com a qual, por Sbvio, no se confunde. 7 Os direitos fusumentais “andloges” mencionados no an 17 da Constgio Portuguesa de 1976 referer se to-somente ses dios, ibetdadese garantie do ilo Te nio os direitos socas (Titulo I. Somente para 0 Primero grupo (iitos analogos) apie o regime espetfico e mls rigoroso dos Ditelos,Liberdades e Garis, ‘emo, por etempl,o fo de constitute limites materiis para arevisdocoasuconal. Neste sentido, para eles tie uma visio sinttcae panorimica sobre o asunt,vdenkre ous, J Mian, i: RDP n° 82 (1987), 9, 17 es bem como 1. Nabais, de BMI x 400 (1980), p. 21 65 Tal eonosiuasao poe se encontrad igulmente no dieito constucionlslemo, oe tam se fala em d= ‘eitos fundamanias aquiparado (grandrrehrgriche Rechte), emboranio jam consenso sobre a ecivologia liza, bem como a respeito do sleance da linsula de abotara. Restle que Oat. 9, ine, n° 4, linen 2, 4a Lei Fundamental de 1989 equpara sigan dispositivos da Const aoe distor fundamentis da cxtdlogo, ‘a medida em que prevé soa protegs judcial mediante a Reclama Consttuciona ( Verfassingsberchwerde) ‘andi process interpost por qaliver tla de um diet fundamental dtetament pant a Tibal Federal CCanssinconal, com 9 objervoeepeifca de garamtira pote lou etetvagio de dterminado dete fundameatl ‘A reselodasesditeitosfinatneatas fora docatlogo no dria constitucinalalemio, «dene cuts, K. Stem, ‘Stootirech HI, 9.358 ee Perth Sen, Grundrechie, p16 7 Também lembrando que a fusdamentalidade material € essencial para a evelagio de distos fora do eatslogo ‘expressamente enunciado polo Coustiuinte,v. W.C. Rothenburg, “Dirites Pundamentisc suas Cartteristics”, In Cadernor de Dirt Cnstucional Cicia Paltca n° 2, 556 AEFICACIA DOS DIRETTOS FUNDAMENTASS 91 No que tange especificamente aos direitos funcamentais niio-escrivos (implici- tos ou decorrentes do regime ¢ dos prinefpios), ha que atentar para alguns aspectos distintivos. Referentemente ao primeiro grupo, que engioba posigdes juridicas fum- damentais subentendidas nas normas de direitos fundamentais integrantes do catf- logo nao hé, salvo methor juizo, equiparagio a fazer, uma vez que a propria norma constitucionel j4 reconhecé ~ ainda que ndo expressamente — 0 direito fundamental ndlo-eserito (implicito), nela subentendido. Trate-se, portanto, de extrair do texto que nele jé est contido.* Ainda no que diz com os direitos implicitos, desimporta a averiguacio de sua decorréncia do regime e dos principios de nossa Carta, na medida fem que esta se refere apenas — a0 menos segundo o que leva a crer a redacio do art. 58, § 2°, da CF — a categoria dos direitos fundamentais decortentes. Por derradeiro, convém atentar para a citcunsténcia de que a existéncia de direitos fundamentais implicitos, no sentido ora emprestado ao termo, mesmo que possa, sob certo ponto de vista, ser tida como abrangida pela norma contida no art. 5°, § 2°, da nossa Carta, dela nao depende. Os direitos fundamentais implicitos tém, isto sim, sua existéncia indiretamente reconhecida pelo citado preceito constitucional. Assim sendo, tenho para mim que a dedugao de direitos implicitos € algo inerente ao sistema, existindo, ou nfo, norma permissiva expressa neste sentido. Clarificada a situagao peculiar dos direitos fundamentais implicitos, centrar- nnos-emos, em nossa anélise, nos direitos fundamentais fora do catilogo, os quais, como visto, podem ser escritos (previstos na Constituigaio ou em tratados interna- cionais), ou decorrentes do regime e dos principios (n&o-escritos), excluindo-se os implicitos, na medida em que subentendidos nas normas definidoras de direitos € arantias fundamentais do catélogo. Aqui sim hé que retomnar, novamente, a0 prin- io diretivo j4 enunciado alhures: direitos fundamentais fora do catélogo somente poderdo ser os que ~ constem, ou nao, do texto constitucional — por seu contetido € importancia possam ser equiparados aos integrantes do rol elencado no Titulo TT de nossa Lei Fundamental. Ambos os ctitérios (substincia e relevancia) se encontram agregados entre si ¢ so imprescindfveis para o conceito materialmente aberto de direitos fundamentais. ‘Nao hé como olvidar, neste contexto, que a opco do Constituinte, ao erigir certa matéria & categoria de direito fundamental, se baseia na efetiva importancia que aquela possui para a comunidade em determinado momento hist6rico, circunstancia sia indispensavel para que determinada posigo juridica possa ser qualificada como fundamental. Nao € & toa que autores do porte de um Alexy conceituam os direitos fundamentais como sendo aquelas posigdes juridicas que, do ponto de vista do direi- 10 constitucional, sio de tal sorte relevantes para a comunidade, que no podem ser deixadas na esfera da disponibilidade absoluta do legislador ordindrio.** Ressalta, aqui, por outro lado, a dimensio axiolégica dos direitos fundamentais, expressando valores consensualmente reconhecidos no meio social, salientando-se, todavia, que 3 No dicta consttucional geminico, onde tmibém se reconheccu, na doutina ena jrisprudéncia, nexisténca de Airitos fundaentas nio-escritos, a prablemsia da dedi destas posibesjuidicas fundarmentas subentendids (ou implictas watada como uma operagiohermenéutca, ineistindo norma expessa a este tespeito. Tato &, que Alexys core der Grandrecte, 9.4585, ainda que linitago ao dito dos dios socials diteitosaprstagées om sensi est), nos fla de crits fundamentaisinterpretativarentsdeduaidesinterprettivugeordnate Grandre- te). Nese sentido, reprtamo-nos aqui aos exemplos etude, pide erosta das possibldades nesta sears 2% CER. Alexy, Theorie der Grundrechte 407 92 tal consenso pode, como de resto ndo incomum que aconteca, corresponder apenas, uma solugao de cunho compromissario e contingencial, fruto do embate das forcas politicas participes do processo constituinte, sem que, de fato, radique na vontade auténtica ¢ dominante do povo, titular por exceléneia do Poder Constituinte. Na iden- tificagdo dos direitos fundamentais fora do catélogo, ¢ isto convém seja novamente frisado, importa, portanto, que se tenha sempre presente o eritério da importincia, atentando-se para a efetiva correspondéncia com o sentido juridico dominante, cuja avaliagao dependerd, sem divida, da sensibilidade do imtérprete. No que diz com 0 segundo critério de equiparagio, qual seja, 0 do contesido, impde-se, preliminarmente, a referéacia de que nos movemos, também aqui, em ter- reno marcado por forte dose de subjetividade, Num primeiro momento, ha que aten- tar para a circunsténcia de que a decisio de se ter determinada posicao juridica tida como equiparada & dos direitos fundamentais do catélogo pressupde um minimo de clareza no concernente ao paradigma escolhido. Em oatras palavras, que saibamos identificar 0 que caracteriza a matéria dos direitos fundamentais de acordo com o di- reito constitucional positivo vigente. Nao se cuida de efetuar andlise isolada de um ou ‘outro preceito do catdlogo, mas, sim, de langar um pouco de luz sobre os elementos comuns, em principio, ao contesido de todos os direitos fundamentais do Titulo IT de nossa Carta Magna e que, portanto, pode ser considerado como matéria dos direitos fundamentais, ¢ nao de um ou outro dispositivo isolado, Importante, por ora, 6 termos, bem presente aquilo a que nos referimos quando sustentamos a necesséria equipara- Go (04, no minimo, similitude), no que diz com seu contetido ¢ importincia, entre 08 direitos fundamentais localizados em outras partes do texto constitucional, nos tratados internacionais, ou mesmo decorrentes do regime dos prinefpios de nossa Constituicio, com as posigdes juridicas fundamentais contempladas expressamente no catélogo. 4.3.3.2.2. Principios fundamentais e direitos fundamentais, com especial aten- (edo para o prinetpio da dignidade da pessoa humana. Uma primeica tarefa com a qual nos deparamos ao tentar fazer a exegese do art. 5°, § 2°, da CF, diz com o sig- nificado e alcance das expressdes “regime” e “princfpios”. A luz das consideragdes tccidas, parece razoavel 0 entendimento de que o citado preceito constitucional se refere as disposigGes contidas no Titulo I, arts. 1° a 4° (Dos Principios Fundamentais), onde também se encontram delineados os contomos basicos do Estado social e demo- ctdtico de Direito que idemifica a nossa Repablica. Neste titulo, além do regime da democracia social (ou simplesmente democritico, para utilizar terminologia menos sujeita a controvérsias), consagrado pela nossa Carta,** encontram-se expressos 03 fundamentos, objetivos e princfpios fundamentais que regem 0 Estado brasileiro, seja em nivel intemo, seja na esfera das relacGes internacionais. Somente nesta acepdo, 28 Retembre-se, nese sent lgso de P. lscques, Curso de Direlio Consttuctonl, . 483, qu, inabstanteWined- Jas 4 Constiuigo de 1967 (69), mane sus aualidae, ra medida em que a expresio “Tepe” cvidentemete se refee a regime politic da socal demncracia que (a0 menos ands) caracterzapreponderamemenie 3 nossa erdem ‘onsinconal,independentemente de eventusis mudaagassubstnciais que pssam sarge no decore do atl pro- ‘sso de reforina da Coostulg, Atewe-se, coatado, pa a crews de que est tent ovtrgado 30 term “regime” nfo enconra supe em norma costcionl expresa,decorendo de ura excgese siserica das iver- sas nonnas que itera o Tilo Ida nosse Carta, Al disso, cumprelembrar que a CF consagrou de forma ‘iret egine da social democrcia,o qual ~indepeadentemeate da cmpescao das fous policas que exercem 0 poder eabstrao de qualquer conota pofico-paidia~ defi da indscutiel earacierizacao da nossa repUblica Tederatva como um Esta sociale democxsic de iret, xo menos po plano urd posiivo. 93 ‘A BFICACIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS salvo melhor juizo, as expressdes “regime” ¢ “principios” podem ser inseridas no contexto de um conceito material, Caso contrério, tendo em mente que a Constitui se encontra, mesmo fora do atmbito do Titulo I. repleta de normas de caréter princi pioldgico, poderfamos chegar ao extremo de criar novos direitos fundamentais com apoio em qualquer outra disposiga0 contida na Constituigao, de modo especial nas diversas (¢ no so poucas) nonmas de cunho organizacional e programitico, 0 que certamente conduziria a uma ampliagéio nao muito dtil ¢, certamente, ainda menos desejével do catilogo. Assim, verifica-se que 0s direitos fundamentais decorrentes do regime ¢ dos prinefpios, conforme denominacio expressamente cutorgada pelo art. °, § 2°, da CF, stio posiedes juridicas material ¢ formalmente fundamentais fora do catélogo (Titulo TD, diretamente deduzidas do regime e dos principios fundamentais da Constituigio, considerados como tais aqueles previstos no Titulo J (arts. 1° a 4°) de nossa Carta, exegese que se impée até mesmo em homenagem a especial dignidade dos direitos fundamentais na ordem constitucional. Além disso, importa relembrar que também 05 direitos decorrentes do regime ¢ dos principios devem guardar, de acordo com 0 critério j4 enunciado, a necesséria relacdo de sintonia (importéncia equiparada) com 08 direitos do catélogo. De acordo com a redagiio do art. 5°, § 2°, da nossa Constituicio, poder-se-ia, 20 menos em principio, sustentar que apenas os direitos fundamentais decorrentes do regime e dos principios se encontram umbilicalmente vinculados aos principios fundamentais consagrados no Titulo I de nossa Lei Fundamental, no sentido de que os demais direitos fundamentais localizados fora do catélogo (na Constituigao ou em tratados internacionais) nao sio ~ ou nao precisam ser ~ necessariamente decorrentes daqueles. Todavia, ainda que se cuide, como jé ressaltado quando cnunciamos nossa proposta classificat6ria dos direitos fundamentais, de categorias distintas entre si, 0 fato 6 que tanto os direitos integrantes do catélogo, quanto os que Ihe so estranhos (escritos, ou niio) guardam alguia relago — ainda que diversa no que tange ao seu contetido e intensidade ~ com os principios fundamentais de nossa Carta Magna, Neste contexto, basta apontar para alguns exemplos para verificarmos esta estreita vinculagao entre os direitos ¢ os prinefpios fundamentais. Assim, nao hd como negar {que os direitos & vida, bem como os direitos de liberdade e de igualdade correspon- dem dirctamente as exigéncias mais elementares da dignidade da pessoa humana. Da ‘mesma forma, 08 direitos politicos (de modo especial, 0 suftégio, o voto € a possi bilidade de concorrer a cargos publicos eletivos) so manifestagbes do principio de- mocritico ¢ da soberania popular. Igualmente, percebe-se, desde logo, que boa parte dos direitos sociais radica tanto no principio da dignidade da pessoa humana (satide, educaciio, etc.), quanto nos prinefpios que, entre nés, consagram o Estado social de Direito. Ainda que seja invidvel o aprofundamento de todos os aspectos ligados a esta problematica, que, alids, refoge em muito aos estreitos limites desta investigagio, no nos podemos furtar ~ sob pena de pecarmos por flagrante omissio ~ a tecet a0 menos algumas consideragdes em torno do tema. No minimo, impée-se breve exame dda maneira pela qual os prinefpios fundamentais integram (se é que é este 0 caso) a matéria dos direitos fundamentais. Pela sta particular relevancia para esta andlise, centrar-nos-emos no principio fundamental da dignidade da pessoa humana. No que coneerne & construgao dos elementos de identificacio de um conceito I de direitos fundamentais, é na doutrina constitucional Tusitana que pode- mos encontrar uma das formulagdes mais interessantes ¢ préximas de nés, de modo especial em face da similitude de ambas as ordens constitucionais ¢ da notéria in- fluéncia do direito constitucional portugués sobre 0 10880, 0 que por si 86 jé justifica a nossa escolha. Cuida-se da proposta formulada pelo Professor Vieira de Andrade, da Universidade de Coimbra, que, entre outros aspectos a serem analisados, iden- tifiea 08 direitos fundamentais por seu contetido comum baseado no principio da ignidade da pessoa humana que, segundo sustenta, é concretizado pelo reconhe- cimento e positivagio de direitos ¢ garantias fundamentais.%* Posigiio semethante i, recentemente, adotada na doutrina pétria, sugcrindo que 0 principio da dignidade da pessoa humana, expressamente emunciado pelo art, 1°, ine, IIL, da nossa CF, além de constituir 0 valor unificador de todos os direitos fundamentais,** que, na verda- de, so uma concretizagio daquele principio, também cumpre fungdo legitimatdria | do reconhecimento de direitos fundamentais implicitos, decotrentes ou previstos em | tratados internacionais, revelando, de tal sorte, sua intima relagdo com o art. 5, § 2°, | de nossa Lei Fundamental. Cuida-se de posigdes exemplificativamente referidas e/ que expressam 0 pensamento de boa parte da melhor doutrina, de modo especial no ‘que tange a intima vineulagdo entre o principio da dignidade da pessoa humana ¢ os direitos fundamentais. Embora nfo soja nossa intengao adentrar aqui de forma aprofundada o faseinan- ‘te exame que sem diivida merece o principio da dignidade da pessoa humana, hd que apontar, no mfnimo, para a circunstancia de que a tese enunciada, no sentido de que todos os direitos fundamentais encontram sua vertente no principio da dignidade da pessoa humana ¢ de que este — justamente por este motivo ~ pode ser tido como elemento comum 3 matéria dos direitos fundamentais, merece ser encarada, 20 menos de inicio, com certa reserva. Em primeiro lugar, parece oportuna a mengo— de modo especial & luz de nosso dircito constitucional positivo ~ de que se revela no mfnimo passivel de discussio a qualificacdo do principio da dignidade da pessoa humana, considerado em si mesmo, como um auténtico direito fundamental auténomo, em que pese sua importante funcao, seja como elemento referencial para a aplicagio e interpretagio dos direitos fundamentais (mas no s6 destes),*” seja na condigio de fundamento para a dedugao de direitos fundamentais decorrentes. De outra parte, € 25 Tendo em conta» edigdo do nosso Digntade da Pessoa Humana e Dirctos Furdamentais na Consiuio Federal de 1988, Porto Alegre: Livia do Advogado, 2001 (com sus stm edgto reves, stalizada lana et 2009) éixsrnos aqui de proeder salvo em alguns panos, ums revisioestslzngo da parte relativa ao pinepio {a dgnidage da pesoa humana, remetendoo ler intoresnada ex mais informagdes e refetnsiasespectees pars ‘eit da va oa eferida ™ Cf 1.€. Vieira de Andrade, Dieitos Fundamentals, 0.83 €56. * Cf, entre ns, lembranga de F.Piovesn, “Diritos Hamsnos eo Principio da Dignidade Human”, i: G. Salo ilo Leite (Org), Dos prinipos consttuclonls,p. 192. c, 0 tuna da dotiea portuguesa, P. Ferreira da Cunha, Teoria da Constwigae I, 268. No meso sentido, J. L. Cea Egata, Derecho Consticienalchileno, Tomo Il, P 40, tefere que a dignidade du pessoa humana atu came font e cimoaio dos diitsfundamentas ©, B Peretade Fats, Cols de Direitos. 54 °C, dente tanog, a enfitieafarmulagéo de J. Machado , Liberdade de Expresso, p. 359, wo sentido de que © principio da dignidade da pessoa Humana “consshstanin win limite axiligico ao poder eonstiiate am paseo Valeaivo das actividades de cristo, interpreta eapieapo das norms jurdicas™ Sua incluso no Tilo 1, ao lado dos demaisprncipics fundanens,sugere que 0 Constituine oatrpou 20 brnefpio da digniade da pessoa hamand fungSo due rancende a de um Grito fundamental. De qualquer modo, ‘Reaphecendo-se que do pincpio da dignidade da pessoa humana decor posgdes jurdio fundamen, 03008 parece vive falar dew diteito 3 dgnidal, no sentido de queso ser humano sejaconcedia a digidde qu Ihe & Inerente Sobre tal ponte, contudo,vllaremos a os manifestar INGO oUF SARLET 95 [ABFICACIA DOS DAREITOS FUNDAMENTAIS agui centramos a nossa crftica, basta um breve olhar sobre 0 nosso extenso catSlogo dos direitos fundamentais para que tenhamos chividas fundadas a respeito da alega- gio de que todas as posigdes juridicas ali reconhecidas possuem necessariamemte um contetido diretamente fundado no valor maior da dignidade da pessoa humana. No pretendendo polemizar especificadamente as diversas hipdteses que aqui podem ser referides, reportamo-nos, a titulo meramente exemplificativo, a0 art. 5*, ines. XVIII € XXI, XXV, XVII, XXIX, XXKI, XXXVI, bem como ao art. 7%, ines. XI, XXVI, XXIX, sem mencionar outros exemplos que poderiam facilmente ser garimpados no catélogo constitucional dos direitos fundamentais."* Sem adentrarmos, ainda, 0 exame de mérito dos questionamentos efetuados © que sc legitimam em face das especifidades decorrentes do direito constitucional pitrio, verificamos, desde logo, ser indispensivel uma compreensio prévia do sig- nificado e do contetido do principio da dignidade da pessoa humana, bem como de sua eficécia juridica. Assim, mesmo nao sendo possivel ~ no contexto deste estudo ~ muito mais do que uma suméria andlise destas questdes, no hé como negligenciar por completo o exame da matétia, sob pena de pecarmos por omissio e prejudicar- mos substancialmente a compreensdo do concaito material de direitos fundamentais consagrado pela nossa Lei Fundamental A Constituigdo de 1988 foi a primeira na hist6ria do constitucionalismo pé- trio a prever um titulo préprio destinado aos princfpios fundamentais, situado — em homenagem ao especial significado ¢ fung3o destes ~ na parte inaugural do texto, Jogo apés o preambulo ¢ antes dos direitos fundamentais. Mediante tal expediente, ‘© Constitainte deixou transparecer de forma clara ¢ inequivoca a sua intengio de outorgar aos prinespios fundamentais a qualidade de normas embasadoras e infor- mativas de toda a ordem constitucional, inclusive dos direitos fundamentais, que também integram aquilo que se pode denominar de nticleo essencial da Constituig2o material. [gualmente sem precedentes em nossa evolugo constitucional foi o reco- nhecimento, no Ambito do direito positivo, do principio fundamental da dignidade da pessoa humana (art. 1°, inc. IIT, da CF), que no foi objeto de previso no direito anterior. Mesmo fora do ambito dos principios fundamentais, o valor da dignidade da pessoa humana foi objeto de previstio por parte do Constituinte, seja quando estabeleceu que a ordem econdmica tem por fim assegurar a todos uma existéncia digna (art. 170, caput), seja quando, no Ambito da ordem social, fundou 0 plane- jamento familiar nos prinefpios da dignidade da pessoa humana € da paternidade responsdvel (art. 226, § 6°), além de assegurar a crianca e ao adolescente o dircito A dignidade (art, 227, caput). Assim, ao menos neste final de século, o principio da ignidade da pessoa humana mereceu a devida atencao na esfera do nosso direito constitucional. Importa consignar, neste contexto, que 0 constitucionalismo nacional no che- ‘g0u a constituir excego, em se tomando como parfimetto a evolucio constitucional nna esfera internacional. A positivacdo do prinefpio da dignidade da pessoa humana & relativamente recente, ainda mais em se considerando as origens remotas a que pode 2 No mesmo seatio, manifestando fandado ceticismo cm tego & coment afizmago de qu os direits fnda- rmenisis (ainda mais quando compreendides come direitos constucionalmenteassegurados) encontram loos 8 fundamentadirco ne dignidade da pessca humana v..com azbesadiionas, J. M. Alexaning, A exruuragto do sister de drier, iberdaderegarantas na Constinigas Porteguera, vl lp. 325.38. 96 ao wouraNs SARLET -_ ser reconduzido. Apenas neste século 6, ressalvada uma ou outra excegio,” tio somente a partir da Segunda Guerra Mundial, o valor fundamental da dignidade da pessoa humana passow a ser reconhecido expressammente nas Constituigdes, de modo especial apés ter sido consagrado pela Declaragao Universal da ONU de 19482" Ainda assim, muitos Estedos integrantes da comunidade internacional no chegeram a inserir o principio da dignidade da pessoa humana em seus textos constitucionais. Para fins ilustrativos, parece oportuno seja langado um olhar sobre o direito compara- do, Dente os pafses da Unio Européia, apenas as Constituigdes da Alemanksa (art. 1°, inc. D, Espanha (preambulo e art. 10.1), Grécia (art. 2°, inc. Inlanda (preaimbulo) Portugal (art. 1°) consagraram expressamente o principio.” No ambito do Mercosul, apenas a Constituigao do Brasil (art. 1°, inc. II) e a do Pataguai (preémbulo) guinda- ram o valor da dignidade ao status de norma fundamental. No que tange aos demais Estados 2 cumpre citar as Constituigdes de Cuba (art. 8°)¢ da Venezuela (predmbulo), além de uma referencia indireta ao valor da dignidade da pessoa hu- ‘mana encontrada na Constituigio do Peru, na qual sdo reconhecidos outros direitos além dos expressamente positivados, desde que derivem da dignidade humana, da soberania popular, do Estado Social e Demoerético de Direito e da forma republicana (art. 4°), Na Constituigdo da Guatemala, fala-se, no preémbulo, da primazia da pessoa humana, ao passo que no art. 4° se consagra o principio da isonomia (todos sao iguais em dignidade ¢ direitos), Também a Constituicao do Chile estabelece, no seu artigo 1°, que os homens nascem livres ¢ iguais em direitos, Assim, ainda que incompleto © quadro apresentado, estes exemplos garimpados no direito comparado ilustram de forma representativa que o valor da dignidade da pessoa humana, ao menos nesta formulagio e no que tange & sta expressa previsio pelo direito positivo, ainda ndo se integrou de forma definitiva e preponderante as Constituigdes de nosso tempo. Enire os intimeros aspectos que poderiam ser analisados nesta abordagem do prinefpio da dignidade da pessoa humana, iremos priorizar trés, que reputamos de especial relevincia para os propésitos deste capitulo, Assim, num primeiro momento, impée-se que tegamos algumas consideragdes em tomo do significado e do conteddo do principio da dignidade da pessoa humana, Numa segunda etapa, haveremos de nos ocupar com a caracterizagao do prinefpio da dignidade da pessoa humana como norma juridica, bem assim com as fungdes que exerce como tal. Por derradeiro, de- veremos dispender algum tempo com a posi¢ao ocupada pelo prinefpio da dignidade 7 Consinigio Alem de 1919 (Constmigio de Weimay) éhaviapevisto em seu texto 0 pincipio da dignidade human, exabsleendo em sau ar. 131, ac, qu o objetivo maior da ordem econGmica &¢ de garantie uma exis tGncia humana dignn. Tamm poder ser itadas os exeinpls da Consiugao Portapuesa de 1983 (ar. 6, 07 3)2a ‘Constuigso da Panda de 1937 preambul) 1 Neste sentido, v.E, Deosinger, in: AK T, p. 275-6, 6 onde foram extratdos a exemploscitados na nota antece: ext 7 As Constiuiges da Ilia (rt. 27, ne) 64 Targa (at 17, ine. ID), em que pese no trem reconbecido ‘ prnsipio da digniae da pesca hamans em diepostiva automo, mio desxaram de meneions-ln,proibindo @ fplicag de pense dessmants (lis) ov que avenom coir dgnidade da pesca numana (Targa). as Const ligt da Belgica, Dinamavea, Holanda eLxemburgo azo mencicnam o vals ta dignidae da pessoa humana ent ‘08 princiios oa cet uname 75 Os exemplos relatives aos Exadosamzricanos foram extras das dversos consibuigSes individ relaros os pulses) que iategran a obra celtvaorgonizada por D. Garcia Balainds, F, Feenundez Sogado e R. Hermandes Valle, Lav Sistemas Consttucionaler beroanericant, ade pedemos enecnta interessante snaps das crdens Nest enti, a ponderagho de H.C, Nippeiey, a: Neumana/Nipperdey/Scheuner (Ore). Die Grandrece, vo Lp 25005 Miranda, Manual, p. 168 7 Decisto exe da bea cle F. Rubio Lorete (Org). Derechos Fundamentolesy Principlos Cnstcionaes, p72. "Ct 0, Datg, i AOR w 81956), p.125.1Na medida em qu fizmos uma tro lve 6 texto original em ate pra cue se poss fer a come do eblbo, passames a anscrever 0 woeho wai: “leder Mensch iseensc hat seines Geistes, do nab von der unpersblishen Natur nd ihn aus cigener Enscheidung daa ‘etihigeacner selbst bewusst za werden, sich els mu bestimmen und sich und de Urawel 2a gstlen" ®t, A. Blckmann, De Gravirechte,. 54. ‘A EFIGACIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 101 conduta, no dependendo da sua efetiva realizagio no caso da pessoa em concreto, de tal sorte que também 0 absolutamente incapaz (por exemplo, 0 portador de grave deficiéncia mental) possui exatamente a mesma dignidade que qualquer outro ser humano fisica ¢ mentalmente capaz.>” Ressalte-se, por oportuno, que com isso no estamos a sustentar a cquiparacio entre as nocdes de dignidade ¢ liberdade, jé que, como veremos, a liberdade e, por conseqUéncia, o reconhecimento e a garantia de direitos de liberdade constituer uma das principais (se nfo a principal) exigéncias do principio da dignidade da pessoa humana. Por outro lado, hd quem aponte para o fato de que a dignidade da pessoa humana niio deve sez considerada exclusivamente como algo inerente & natureza do homem (no sentido de uma qualidade inata), na medida em que a dignidade também possui tum sentido cultural, sendo fruto do trabalho de diversas geragdes ¢ da humanidade em seu todo, razZo pela qual a dimensto natural e a dimensiio cultural da dignidade da pessoa humana se complementam ¢ interagem mutuamente.”™ E justamente neste sentido que assume particular relevancia a constatago de que a dignidade da pessoa humana € simultaneamente limite e tarefa dos poderes estatais, Na condigao de limite da atividade dos poderes piblicos, a dignidade necessariamente é algo que pertence a cada um e que néo pode ser perdido ou alienado, porquanto, deixando de existir, ‘iio haveria mais limite a ser respeitado (considerado o elemento fixo e imutével da dignidade). Como tarefa imposta ao Estado, a dignidade da pessoa humana reclama que este guie as suas acdes tanto no sentido de preservar a dignidace existente ou até mesmo de criar condig6es que possibilitem o pleno exercicio da dignidade, sendo, portanto dependente (a dignidade) da ordem comunitéri, ja que 6 de se perquirir até que ponto é possivel ao individuo realizar, ele préprio, parcial ou totalmente suas necessidades existenciais basicas ou se necessita, para tanto, do concurso do Estado ou da comunidade (este seria o elemento mutavel da dignidade).** Ainda no que tange & clarificagio do sentido da dignidade da pessoa humana, importa considerar que apenas a dignidade de determinada (ou de determinadas) pes- soa é passfvel de ser desrespeitada, inexistindo atentaclos contra a dignidade da pes- soa humana em abstrato.”* Vinculada a esta idéia, que ja transparecia no pensamento kantiano, encontra-se a concepcdo de que a dignidade constitui atributo da pessoa humana individualmente considerada, € no de um ser ideal ou abstrato, néio sendo licito confundir as nogdes de dignidade da pessoa humana e dignidade humana (da bumanidade)2 Verifica-se, neste contexto, que 0 Constituinte de 87/88 acolheu esta disting%o, consagrando o prinefpio da dignidade da pessoa humana (e niio da dignida- de humana) entre os prinefpios fundamentais de nossa Carta Por outro lado, nilo se descarta uma dimensao comunitaria (ou social) da dig- nidade da pessoa humana, na medida em que todas so iguais em dignidade e como tais convivem em determinada comunidade ou grupo. Neste contexto, assume relevo © Neste sentido, gto de G. Dri, fe: ADR a” 81 (1986), p. 125, que, com hase neste pono de vista, sustenta qe mesa 0 consentiento do ofendigo no descaaceciza ues eleva agressio& gnidace da pessoa Pelo mesmo snotvo, mlm onsscitro, send que os reflevos da dignidade anger aé mes o corp harano af a ote 5 Esta aligdo do, Haber, in: HBS I, p. $60. [Aes d daa d pesca hua sob o apt de mie ret do Bid, Paes, AK I. © Fata jd er algo do H.C. Nippendey, in: Neumana/Nipperdey'Schevenet (Org). Die Grandvecle, volt, p.3 Neste seo, v. J. Miranda, Manual IV. 169, Assim também K. Str, Staasrecte IM, p. 11-2. 102 INO WOLFBANG SARLET a ligdo de Pérez Luiio, que, attimado na doutsina de Werner Maihofer, sustenta uma " Nao se cuidando, portanto, de auténtico ¢ tipico direito funda- mental, tal no significa, por outro lado, que do prinefpio fundamental da dignidade da pessoa humana no possam ser deduzidas posigées juridico-fundamentais nio- esctitas, inclusive de natureza subjetiva, o que, aliés, foi expressamente considerado pelo art. 5°, § 2°, da CF de 1988, que trata dos direitos decorrentes do regime e dos, principios, bem como dos constantes em tratados internacionais. Da mesma forma, dio se deve esquecer o fato de que 0s direitos fundamentais, ao menos de modo geral, podem (¢ assim efetivamente o sio) ser considerados concretizagdes das exigéncias do principio da dignidade da pessoz humana, aspecto sobre 0 qual voltaremos a nos smanifestar. Num primeiro momento, a qualificagiio da dignidade da pessoa humana como prinefpio fundamental traduz a certeza de que o art. 1°, ine, IIL, de nossa Lei Fundamental nfo contém apenas uma declaragio de contetido ético e moral (que cla, em ltima andlise, no deixa de ter), mas que constitu norma juridico-positi- va com status constitucional e, como tal, dotada de eficécia, transformando-se de tal sorte, para além da dimensio ética jé apontada, em valor juridico fandamental a comunidade.” Importa considerar, neste contexto, que, na condigao de principio fundamental, a dignidade da pessoa humana constitui valor-guia no apenas dos di- reitos fundamentais, mas de toda a ordem constitucional, razio pela qual se justifiea plenamente sua caracterizagtio como prineipio constitucional de maior hierarquia axiol6gico-valorativa (hichstes wertsetzendes Verfassungsprinzip).™ Nesta perspec de, propota esta que, mt esos gras, armenia plenamente com os diversos elementos da dignidade da pesca Fhumana (eos rspecives dios fndamentai) jf apentades. 316 assim acome, por exemplo, nt Alemanka, onde, inexstino titulo sutdaomo para os pinipos fundamentals a tignidade da pessoa mana conta a catilogo dos direitos fundamen an. Pn.) sendo Gonsderada smut ‘peamente um dei fundarertal eum pricipio fundamental da ordem de valores objetiva, havendo, conto, quem ‘egbe o carior de diet fundareatal Ga dignklad da pessoa humana Sobre este toma, ¥, dete tants, K. Stern, Staatsechs HUT, p. 22 es. Assim aan Mauzz Zipplivs, Deatsches Staairech . 10, Polech te AK Zp 13, eHatling, 1 M Sachs (Org), Grandgesez, py, 102 5° Ef, ent ab, E Perera de Fates, Calis de Dirt, . 482. No cist lusitano, v. espcialinente asides ‘de J Miranda, jn: Esuda sobre Constindgo, p48 st bem como 4. Gomes Cato eV. Moreir, Const- it da Replica Portgurse Anotada, v1 P70. SIF Neste sentido, por exemplo, AE. Péez Laie, Derechos Hunanos, p. 180.3, qu se refere&dignidade da pesson Inumans come “peiacipio gun del Estado de Detecho"e “valor bisco (Grandvert)fandamentador de fos derechos manos 3° ta, em outrespalesras, liso de. Bend, in: HAVER Lp, 168, que, Inchstante drgid wo at 1 ne. Ide ‘Lei Fundamental de Bown (1040), sc ovela plerarente compaiel com a psigdo tore pelo Constante de 1087/88 so principio da dgnidad da pessea humana CE K, Stem, Staatarecé IMM, p23. _AEFICACIA DOS DIREITOS FUNDANENTA'S 105 tiva, verifica-se ampla convergéncia a respeito da nogio de que a dignidade da pessoa humana, designadamente como princfpio fundamental estruturante (0 que no exclui sua condiglo de regra), confere e assegura uma certa unidade axiolégica ou unidade de sentido ao sistema dos direitos fundamentais, 0 que, todavia, como bem aponta José de Melo Alexindrino, nao afasta uma série de aspectos probleméticos, a come~ gar pela ampla gama de contetidos e dimensGes que se atribui & nogao de dignidade da pessoa humana em si, bem como na ndo nécessariamente linear e incontroversa relagio entre a dignidade e os direitos fundamentais.™ De acordo com a ligdo de Pérez Lufo, “a dignidade da pessoa humana cons- titui nao apenas a garantia negativa de que a pessoa no sexé objeto de ofensas ou humilhagGes, mas implica também, num sentido positivo, o pleno desenvolvimento da personalidade de cada individuo”.™ Partindo-se desta afirmagio e de tudo o que até agora foi exposio, hé que delinear ao menos os contornos do significado juridico o principio fundamental da dignidade da pessoa humana, partindo-se, desde ja, da preimissa de que todas as normes constitucionais, inclusive as que expressam princf- ios, so dotadas de alguma cficécia jurfdica. Neste contexto, nao restam dGvidas de que toda a atividade estatal ¢ todos 08 érgios piiblicos se encontram vinculados pelo princfpio da dignidade da pessoa humana, impondo-Ihes, neste sentido, umn dever de Tespeito e protego, que se exprime tanto na obrigagiio por parte do Estado de abs- ter-se de ingeréncias na esfera individual que sejam contrérias & dignidade pessoal, quanto no dever de protegé-la contra agressdes por parte de terceiros, seja qual for sua procedéncia.™ Assim, percebe-se, desde logo, que o principio da dignidade da pessoa humana ago apenas impée um dever de abstengdo (respeito), mas também condutas positivas tendentes a efetivar e proteger a dignidade do individuo. Sustenta- Se, nesta linha de pensamento, que a concretizagao do programa normativo do prin- ipio da dignidade da pessoa humana incumbe aos drgios estatais, especialmente, contudo, ao legislador, encarregado de edificar uma ordem jurfdica que cortesponda as exigéncias do principio.™ Neste contexto, agrega-se a nogo de que a dignidade {da pessoa humana integra a assim designada ordem pablica dos Estados que a con- sagram, cuidando-se (notadamente no que diz com 0 micleo essencial do principio da dignidade humana e dos direitos fundamentais que Ihe sao inerentes) tanto de um fundamento para a limitagao de direitos fundamentais (restringem-se direitos em prol da garantia da dignidade) quanto de um limite dos limites, ou seja, de uma barreira contra limitagbes efetuadas em proveito de outros bens fundamentais."* De outra ©CLJ.M, Alenandino, A Esruuraeto do sistema de direitos, Hnrdadesegarantas na Consitucdo Porteguesa 1p. 30668, 2% Cf, AE, Pérez Luo, Derechos Humanos,p. 318, arimado 4 conhecida obra de Emit Bloch sobs 0 disto ‘satura dignidade hm, = Neste set, ligho de K. Ste, Stootrech II/, p. 289, e, mais rventenente, Hlng ie: M. Sachs (Org). Grundgeser.p. 114, Aocontirio da Lei Fundamental és Alem, onde hi disposi express ipod 20 Estado ‘dever de espeio«proes80 (at. * inc.) a Contig pra sleacia aes respeit Todavia. 30s sare qualquer dice a extsexepese do significado jurico do principio mesmno entre nds. Sobre a vinculago dete © stiviade estat! ao prncpio da dignidade da pessoa, v, ene nos, expeialiicate J. Freitas O Contre dor to ‘Adninsiraivos os Principioe Pundamentas, . 52.058 Cf. tng in: M, Sochs (Og. Grandgeseep. 114 22 Neste end, v. expeialimenteo nosso Digndade da Pessoa Heenan. p18 st No mesmo send, Vy enb ‘ouwesespcialnente. F.C. Frets, Diretos Pasdamentais Limite Resrgdes,p. 220 6, bem cars, Noval, Os préxiptosconsituconas extrturante da Repiblica Portuguese p. 6263, enor oer dos ast esignados lms aos limites dos direitos fusamentas taka sido objeto de estidaespeifice, om emplo desenvelv iter, ta 106 ~ eNOLFOM SET | | i | ; | parte, como oportunamente registra Nadia de Araijo, assume relevo a fungi da dig nidade da pessoa hurnana (na condicZo de clemento da ordem publica) como critério material para impedir a aplicagio de normas € atos jurfdicos estrangeiros na ordem interna, quando ofensivas & dignidade da pessoa e aos direitos fundamentais, tudo a ensejar uma releitura do proprio Direito Internacional Privado.™* De outra banda, impSe-se seja ressaltada a fungZo instrumental integradora & hhermen2utica do principio,” na medida em que este secve de pardmetro para a aplica ‘gio, interpretacio e integracao nfo apenas dos diteitos fundamentais e do restante das normas constitucionais, mas de todo o ordenamento juridico, imprimindo-Ihe, além disso, sua coeréncia interna." Um exemplo desta aplicagao do prinefpio da dignia- de da pessoa humana pode ser identificado na leitura necessariamente ampliada do ‘enunciado textual do artigo 5°, caput, da Constituigdo Brasileira de 1988, naquilo em que se pode sustentar que todos os direitos fundamentais inerentes & protegao e pr mogio da dignidade da pessoa humana também devem ser assegurados aos estrangei- ros nao residentes no Pais, na perspectiva do que reza o principio da universalidade tal qual aplicado a titularidade dos direitos fundamentais.™ Esta eficécia de natureza jusidico-objetiva nao se restringe a estes aspectos, assumindo ainda maior relevancia quando se verifica que o prine‘pio da dignidade da pessoa humana constitui, em ver- dade, uma norma legitimadora de toda a ordem estatal e comunitéria, demonstrando, em tiltima andlise, que a nossa Constituigao é, acima de tudo, a Constituicao da pes- soa humana por exceléncia.* Neste sentido, costama afirmar-se que 0 exereicio do poder ¢ a ordem estatal em seu todo apenas serio legitimos caso se pautarem pelo respeito e protegao da dignidade da pessoa humana. Assim, a dignidade constitui verdadeira condigo da democracia, que dela no pode livremente dispor.™" Questo complexa e que inevitavelmente assume crucial importancia diz.com a possibilidade de se fixarem limitagies & dignidade da pessoa humana. Ao contrério, por exemplo, da Lei Fundamental da Alemanha, onde o principio (e dircito funda- mental) foi incluido no rol das assim denominadas “clausulas pétreas", constituindo limite material expresso ao poder de reforma constitucional (art. 79, inc, IM, tal nfo se verifica nossa Constituigao. Além disso, também ndo previu 0 nosso Constituinte de 1987/88 a intangibilidade do principio, assim como expressamente 0 fizeram 0s pais da Lei Fundamental Alem de 1949, Assim, se na doutrina e na jurisprudéncia alemiis a posi¢lo majoritéria ~ mas nfo absoluta ~ sustenta a impossibilidade de fu ese dutoral Ar Restrgdes os Direitos Fundamental expressament ozs pela Constwigti, Cokn- tia: Coimbra Editors, 2003, p. 727 ess; Por limo, sustestano eta fungao~ ere otras ~dadignidae da peso bumena JM. Alexandsian, “Pel eontisonal da dignidade de pesos haan” p510. B% CF, N, de Arai, Dire Internacional Privado. Teoria ePritca Brasileira, 3 Rio de Jano: Renova, 2006, 104. © idem, p16. ou oe dnntnewi Nese sentido, lectonava H.C. Nippedey nz Neumann Nippectey/Scheuner (Org), Die Gnandrecre, ol I, 1.23. Mas tentenente,¥ Matns-Zpeln, Deutsches Starch, p. 183, R. Zips, be BK, p19. Bae a, vB sia de Fain Clio ce Diets, p 4-Popondo ta exgese rsa pela digi d pessoa, Sreceate contigo de J rea, "Tendéacias Ata Perspectives da ermenutca Chnstitucionl i: Ajis 176 C999). 406 e, mals ecentemente na sua agit Oba, substancialments revista, atualzadn¢armpiada, A Ihnerpreagto Sisematica do Dire, je p- 206 59 Cf sponta A.C. Nunes, A Tulare dos Diretos Fundamentals na Constngdo Federal de 1988, Porto ANe- ge! Lira do Advosade, 2007.7 088 5° Neste sentido, a Tigh de Hof, in: M Sachs (Org), Grandgest, p 11S 2 Ct Podkeh in: AK Ip. 28, ‘A EFICAGIA 008 DIREITOS FUNDAMENTAIS se estabelecerom restrigdes (mesmo com base em outros valores constitucionais) 20 principio da dignidade humana ou no conteiido de dignidade dos demais direitos fundamentais,™ entre nés ~ & mingua de disposigio expressa ~ tal constatagio (da intangibilidade da dignidade da pessoa humana) merece alguma reflexto. Em primeiro ligar, constata-se que a auséncia de norma expressa dispondo so- bre a intangibilidade do principio da dignidade da pessoa humana nfo significa, por si 6, que esta se enconire sem protegao em nossa ordem constitucional, Na medida em que os direitos e garantias fundamentais (ao menos boa parte deles) podem ser con- siderados expressbes e concretizagées do principio da dignidade da pessoa humana, verifica-se que ~ pelo menos de forma indireta— o conteico de dignidade dos direitos fundamentais constitui limite material ao poder de reforma constitucional (art. 60, § 4°, ine. IV, da CF), tema sobre o qual voltaremos a nos debrugar na sltima parte desta obra. De outra parte, é possivel argumentar-se que, sob o aspecto de decisio funda- ‘mental sobre a posico da pessoa humana em nossa ordem constitucional, o principio (fundamental) da dignidade da pessoa humana integra a esséncia e, conseqilentemen- ‘e, a prOpria identidade da Constituigao, razio pela qual parece razodvel sustentar-sc © ponto de vista segundo 0 qual o principio da dignidade da pessoa humana (art. 1°, inc. II, da CF) pode ser tido como verdadeira limite material implicito auténomo ao poder de reforma da Constituigdo. Todavia, ainda que se possa sustentar a sua condiciio de limite ao poder consti- tuinte derivado, tal constatagiio néo conduz, por si s6, a uma intangibilidade do prin- cfpio, j4 que pela sistemética de nossa Constituigdo apenas sio vedadas emendas (ou propostas de emendas) que revelem uma tendéncia & abolieao das normas elencadas no rol das “‘clausulas pétceas”, principio que evidentemente hi que aplicar aos limites, implicitos. Na medida em que a problemitica da protego dos dircitos fundamentais, contra 4 ago erosiva do legislador, notadamente do Poder Constituinte reformador, constitui capitulo especifico deste trabalho, importa aqui apenas delinear alguns as- pectos da problematica. Especificamente no que tange ao prinefpio da dignidade da pessoa humana, sua absoluta intangibilidade deve ser buscada em outra esfera. Com efeito, na medida em que a dignidade € algo inerente a esséncia do ser humano ¢ que 0 qualifica como tal, sustenta-se que a dignidade da pessoa humana é algo do qual nem este pode livremente dispor, sendo, portanto, irrenunciével, inaliendvel e intangfvel™ Relembre-se, neste contexto, que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade, e é a dignidade de cada pessoa que deve ser objeto do respeito © protecdo por parte do Estado e da comunicde. Pode afirmar-se, portanto, & luz do exposto, que o principio da dignidade da pessoa humana constitui o reduto intangfvel de cada individuo e, neste sentido, a Ultima fronteira contra quaisquer ingeréncias externas. Tal nao significa, contudo, a impossibilidade de que se estabelegam restrigdes aos direitos e garantias fundamen- tais, mas que as restrigdes efetivadas nao ultrapassem o limite intangivel imposto pela dente tates, Holling, ns ML Sachs (Org.), Gnundgeact, p. 104, Poleh, in AK I, p, 297. Em favor de ‘esrigfes reciprocas em fungi da digisnde de uma cura pestog, .C, Starck in: von Mango Kei, p39. % A este respito, va igo de Poles, a: AK J, p. 296-7. Assim também | lecioniva HC. Nipper, in: New= ‘manu/Nippecdey/Scheunes (Or), Die Granirecue, vl Il, p. 21-3. Versando presisiméate sobre» indisponbil de da dana edo nleo cm dignidade dos drcit fundamesias, vette nis, o recente esto de}, Pres Gesiel, "8 irenuncabiliade a dvitos da personalidad pelo abulhador, i |. W. Sart (ong), Constiigdo, Direitos Fundamentae¢ Direta Private. 199. digridade da pessoa humana. Admitindo-se a viabilidade de eventuais restrigoes 20 proprio princfpio (mas no ao valor!) da dignidade humana — como accita parte da douttina, inclusive entre nds" — no hé como transigit no que tange & preservacio de sua esséncio, ja que sem dignidade o ser humano estaria renunciando & propria huma- nidade. De qualquer modo ~e insistimos nisso ~ causa espécie a tentativa de graduar a dignidade para fins de admuitir sua restrigao, j& que 0 reconhecimento de diversos niveis de dignidade constitui, em verdade, uma contradictio in terminis, uma vez que 6a dignidade das pessoas que as toma iguais em hemanidade. Da mesma forma, 10 se trata de refutar a possibilidade de alguma relativizagto inerente & dignidade como princfpio juridico, jé que — pare além da dimensio axiolégica ~ so os érgios (pes- soas) encarregados da aplicagao da Constituigdo que sempre acabardo por definir se houve, ou néo, uma ofensa a dignidade,"* de tal sorte que definir o que é a dignidade sempre 6, de certo modo, delimitar seu Ambito de protegiio normativo. Por derradeiro, ha que tecer algumas consideragdes sobre a intima vinculagao entre 0 principio fundamental da dignidade da pessoa humana ¢ 0s direitos ¢ garantias fundamentais. Neste sentido, importa salientar, de infcio, que o princfpio da digni- dade da pessoa humana vem sendo consideraco fundamento de todo o sistema dos direitos fundamentais, no sentido de que estes constituem exigéncias, concretizagées ¢ desdobramentos da dignidade da pessoa humana e que com base nesta devem ser interpretados.** Entre n6s, sustentou-se recentemente que principio da dignidade dda pessoa humana exerce o papel de fonte juridico-positiva dos direitos fundamen- tais, dando-thes unidade e coeréncia."” Nao se pode desconsiderar, neste contexto, que a liberdade c a igualdade sfio nogbes indissocisveis da dignidade de cada pessoa humana, justificando ~ como ja visto ~ 0 reconhecimento de direitos fundamentai iretamente vineulados & protegZo das liberdades pessoais e da isonomia. Que o di- a vida e & imtegridade fisica ¢ corporal garante, cm tiltima andlise, o substrato indispensdvel & expresso da dignidade também ja ficou evidenciado e pode ser tido ‘como incontroverso, O mesmo, relembre-se, ocorre relativamente & protegio da in- timidade ¢ ca esfera privada dos individuos.™ Neste sentido, hé que compartithar 0 ponto de vista de que os direitos e garantias fundamentais (20 menos a maior parte deles) constituem garantias especificas da dignidade da pessoa humana, da qual sao — em certo sentido ~ mero desdobramento.® Em relagio aos direitos fundamentais, a posigao do principio da dignidade da pessoa humana assume a feiglo de lex gene- ralis, #4 que, quando suficiente o recurso a determinado direito fundamental (por sua ver jé impregnado de dignidade), inexiste razio para invocar-se autonomamente 0 3 bare psco nvonna pr Pal de Ful, Cols de Dip 53 por sax imi enn a jsf pac, alsa Ensaio ops, else se de Reto Noes, Opin comt seine ape Dora rad. advogidn qu orn rates Se ree at ean tea coe its vee a ier Eye ida 3 ess. Sobre o pont nbém, O. SS age tens ovament 20 one Digi de pos nna... 123 Sb ope! ¥. bi Dire Fusdanono Si Pals Macon 2008p 8 ica, nln so, tm ede Soles Sositnte ene se Niocuma gtd Se n:Stare 6.38 >” Ct. B, Peveira de Farias, Calisto de Direitas, p. 54. 5 Sobre este vinculo, v. especialmente a recente contribuigdo de T. Limberger, O Direito & Intimidade na Era da ij Puta Aisa ae dae. 2807. fives 5S Resend, Ben renal (On). BY. 108 NcoWoLFGANS SAWLET 109 ‘AEFIGACIA DOS DIFETOS FUNDAMENTA'S Principio da dignidade da pessoa hamana, que no pode propriamente ser conside- ado de aplicacdo meramente subsididria, até mesmo pelo fato de que uma agressio a determinadlo dizeito fundamental simultaneamente pode constituir ofensa a0 seu contetido de dignidace.>® O esireito entrelagamento entre o principio da dignidade da pessoa humana e os reruagdo de consivionalidade (Pondamenaliede) em sentido materia, verificase que est fundamentliade rater pode, defalo, na existe. Porta, pxer-te-ssastertar que moda mp que se considerem,paraefeios de ‘Senlicagt de direitos fora docatitgo, materslmente fundamen, apenas as posigbes que consttem exigeneas «iets (0, 0 mimo, ites), do pztpi da digndade pessoa himana |AEFICACIA DOS DIREITOS FUNDANENTAIS m1 fundamentais de nossa Constituigao, especialmente o da dignidade da pessoa huma. ‘na, € 08 direitos fundamentais expressos ¢ nio-escritos localizados fora do Titulo Tl, podemos identificar outros referen-ciais relativos & construgio de um conceito material de direitos fundamentais. Aqui voltamos a nos socorrer da ligo do mestre Iusitano Vieira de Andrade, que, ao Jado da jé referida e analisada vinculagao ao prin- cipio da dignidade da pessoa humana, identifica a matéria dos dircitos fundamentais primordialmente pela existéncia da que denominou de um “radical subjetivo”, na medida em que todos os direitos fundamentais se diferenciam das demais categorias Por outorgarem ao individuo (isoladamente ou na condigéo de integrante de uma co- letividade) certas posigdes subjetivas. Este subjetividade, segundo sustenta Vieira de Andrade, constitui caracterfstica essencial e preponderante da estrutura normativa de todos os direitos fundamentais."" Como terceiro e tiltimo critério distintive proposto pelo autor, todos os direitos fundamentais possuem fungao protetiva (ainda que de intensidade variavel), j4 que necessariamente objetivam assegurar ¢ proteger certos bens individuais ou coletivos considerados essenciais.” Importa salientar, por der- radeiro, que todos os trés critérios permitem, em seu conjunto (na acepeao do citado. publicista), definir a matéria dos direitos fundamentais no contexto de sua autonomia relativa na sistemética da Constituigao e aleangar, de tal modo, a identificagiio de um conceito material de direitos fundamentais. A tentativa levada a efeito por Vieira de Andrade foi criticada por parte da doutrina lusitana, de modo especial sob a acusugo de no ser constitucionalmen- te adequada, censura esta que também deveria aplicar-se ao caso brasileiro, dada a similitude entre ambos os sistemas, particularmente pela acolhida de direitos fun- damentais sociais nos respectivox textos. critica de Gomes Canotilho,"* embora parcialmente procedente, nao desqualifica os eritérios formulades, que, no entanto, devem ser complementados e devidamente adaptados no sentido de englobarem os direitos sociais e para encontrarem a devida insergio no contexto global do regime e dos princfpios fundamentais dos arts, 1° a 4° da CF, além de guardarem relaco com as normas contidas no catélogo da Constituigao (arts. 5°, 6° ¢ 7°, especialmente). Neste sentido, cumpre lembrar que o respeito e a protegao da dignidade humana sio, também para o Estado brasileiro (ainda que nao de forma exclusiva), valores funda mentais subjacentes ¢ informativos de toda a ordem constitucional, € no apenas do titalo relativo aos direitos fundamentais." Outro ponto de partida relevante para a construgo de um conceito material de direitos fundamentais & luz da nossa atual Constituigdo é a circunstincia (jé de- {C¥.J.C. Vier de Anicade, Os Drees Fandamenas p88. Eacantanes semetante posiao 90 dircitoslemdo, ‘ade se aon par a nscestii intima conexdo cate» noraa em exace ("ena se guindata& psi & Giro fundamental) com norma constiucional que eanaapa dito sev. K. Stem, Saaareekt HUT 361), cnsigando se agu o sentido clsicoc nao limitado& iia de eto subjetvo na candiga de Giretamente stiével,O mesmo ator (0b. it, 367) ainda apont para eset eae ao care a male pte (para no cae uase qu calidad) dos diets fandamentais «pessoa inva, esakano, este contin a existe de ea Fadia subjetivo, no sentido advogao por Vicia de Andrade. *SC¥.J.C. Visita de Andrade, Os Dretos Fundamentas, p88 ‘Segundo a igo de J. Gomes Canotlho, Direto Contacional, p $422 propst de Vie de Andrade nt comesponde&realidadsconsiucional portuguese, px neligeacar a abrangénca do ctdlogo dos ition funda ‘eras, qo contemplaexpeesamente os dieton coon, sans e alta 2 Nese send EP de Fai, Colt de Dire, 48 es natn exist -conscants risa ~a possi lidade de contoverer-seacaracetstica ificadors do prinip da dgndade humana com elagaoa todo Oiatema os ios fundaenias, Here eae i SA reac ~~ vidamente explicitada) de que podemos encontrar tanto direitos materialmente fun damentais de cunho negativo (direitos de iberdade, igualdade e as correspondentes garantias), quanto direitos prestacionais, sem excluir aqui os direitos e liberdades de patticipacio politica, Relembre-se, neste contexto, a intima vinculacéo dos direitos, fundamentais com os principios fundamentais que caracterizam 0 nosso Estado como democratico € social de Direito. Tal constatagzo € de suma relevancia para a com- preensio de que a nossa Constituicdo contempla um conceito unitério ¢ abrangente de direitos fundamentais, englobando os diferentes grupos de direitos nas suas mais, variadas fungdes e sentidos. Critério que também pode auxiliar na identificagiio da matéria dos direitos fun- damentais é a distingdo que deve ser tragada entre as norms definidoras de direitos garantias fundamentals, vinculadas & regulamentagéo da posigo do homem na so- ciedade €, principalmente, perante o Estado, ¢ as normas da parte organizatéria da Constituigao, porquanto, apesar da interpenetragao e fluidez entre ambas as esferas, no hé como sustentar, a0 menos em principio, a existéncia de preceito de cunho tipi- ‘camente organizat6rio ¢ que possa ser, ao mesmo tempo, auténtica norma definidora de direito ou garantia fundamental locatizada fora do catélogo da Constituigao."* Cuiida-se, contudo, de critério meramente supletivo e indicidrio, ainda mais no caso brasileiro, em gue no proprio catélogo dos direitos fundamentais podem ser encontra- os alguns exemplos que, salvo melhor juizo, mais adequadamente deveriam constar na parte organizat6ria da nossa Lei Suprema. Ainda no que conceme & identificagio dos eritérios para defini a matéria dos direitos fundamentais no direito constitucional patrio, cumpre fazer referéncia a dois parametros desenvolvidos pela doutrina e pela jurisprudéncia espanholas com base do direito constitucional positivo daquele pais, quais sejam, o da tutcla jurisdicional outorgada aos direitos fundamentais e a teoria do contesido essencial destes. Cuida- se, outrossim, de critérios, ao menos em prinefpio, aplicaveis também aos direitos constitucionais alemo e portugués, na medida em que também a Lei Fundamental de Bonn prevé o direito ea garantia fundamental da ampla protegdo judicial (art. 19, ine. 1V) e a preservacio do contetido essencial (Wesensgehalt) dos direitos fundamentais, contra a ago do legistador (art. 19, inc. TID, normas complementadas pelo art. 93 inc. I,n® 4, alinea a, onde se prevé a possibilidade de uma agio individual para defesa dos direitos fundamentais constantes do catdlogo, bem como dos direitos equiparados ‘ou andlogos elencados na citada norma, perante o Tribunal Federal Constitucional, além da protegao expressa outorgada pela inclusdo (ainda que indireta) dos direitos fundamentais nas assim denominadas “clausulas pétrees” da Lei Fundamental (art. 79, ine. 11)” 5 ronpelto dese ero dtnivo,. K. Sten, Das Statrect INV, p 363 > 0 art 98 da Let Fundamental da Adsmanha consagra a exséacia de dreltosfundamentas fora do eatlog,n30 havendo cansenso no que concern &cireunstnca de exes estarem Lnitados ao expresameaie eferidos ma cal " A nota distintiva entre a nossa or- dem constitucional ¢ a dos pafses referidos reside tanto no contetido da cléusula de abertura consagrada no art, 5°, § 2°, que no restringe os direitos fundamentais fora do catélogo 2 direitos expressamente positivados em outras partes do texto constitu- ional, quanto ~ e principalmente ~ na circunstincia de inexistir um regime jurfdico diferenciado para determinado grupo de direitos fundamentais fixado com base neste ctitério. Na verdade, o que se verifica é que a doutrina espanhola recorre & nogio do contetido essencial para identificar quais as posigies juridicas da Constituigao que ‘merecem a protecio reforcada, dentre outros aspectos, da garantia do contetido essen- cial e do recurso de amparo 20 Tribunal Constitucional, na medida em que somente estas posigbes pertencem 2 categoria dos direitos fundamentais, ¢ nio, por exemplo, classe dos “principios rectores de 1a orden econémica y social” do Capitulo I (arts. 39.52 da Constituigao Espanhola):" interpretagao mais Iitera em pol da herr cuts dieters fundamentais que no os expressamente consagrados De qualquer modo, exise convergéncia sstancial nas poses quo ao fato de smmente os diet Funes constantes do cailogo e nominados ao art. 93, nc I, 4 alien a, da Let Fundamental podevem se objet de pro tego jul pela Cove Consnaional Federal por interméain da Verfassungsbescloere especie de eslanigto consitucioalsemelhante ao recurs de amaro espana), Neste seni, por tos, Maure Zippel, Dendches Staasreche, 9.128 5" Sobee a proteyo do mteoessencial no disito brasileiro, etre utes, a recente contibuigho de G.F. Mendes, inc Hermenturica Consituconale Diretos Fundamentts,p. 21 €58, "Sobre once essen como eri dentheaar ca hindamentaidade dos direitos fandamentas na Contin so Expanhole de 1978, v, dent outs, J. Cossio Disz, Evad Social y Derechos de Prestacton p. 688. 114 INGO WOLFGANG SARLET A tese da identificago dos direitos fundamentais com base no eritétio do con- tesido essencial c sua aplicagio como critério aferidor da fundamentalidade mate~ rial dos direitos fundamentais no diteito brasileiro deve igualmente ser rechacada, porque, além de todos os direitos fundamentais possuiter um nécleo essencial que deve remanescer intocado (lembre-se das “cléusulas pétreas”), cumpre referir que este contetido (que também poderia ser denominado de nicleo duro) ndo idéntico para todos os direitos fundamentais, identidade esta que sequer pode ser reivindicada para o valor da dignidade humana presente nos direitos fundamentais, mais ou menos intenso, 20 menos no que diz com as diferentes posicdes.>* De tudo que até agora foi exposto, niio pode ser olvidado que, apesar das difi culdades de se obter um critério geral, unificado e definitivo para um conceito mate- rial de direitos fundamentais, ha que considerar a existéncia de critérios distintivos e calcados de forma direta ou indireta aa ordem constitucional positiva, os quais pro- piciam, no caso concreto, uma identificaco constitucionalmente adequada e, portan- to, relativamente segura, dos direitos materialmente fundamentais.*® Cuida-se, por cesto, de atividade essencialmente cometida ao Poder Judicifrio, tratando-se de uma espécie de criagio jurisprudencial do Direito, verdadeira “Rechisfindung” * embora possa haver grande divergéncia sobre seus limites. Os critérios, ora sucintamente esbocados ¢ indiscutivelmente catecedores de uma avaliagao critica e aperfeigoa- mento, objetivam, num primeito momento, demonstrar o quo complexa e rdiia € a tarefa de identificagio dos elementos integranics do conceito material de direitos fundamentais subjacente a nossa ordem constitueional. Além disso, cumprem fun- do meramente instrumental e auxiliar, como referenciais demarcando 0 caminho a percorter pelo intérprete numa atividade inevitavelmente caracterizada por alta dose de subjetividade. Se puderem de alguma forma facilitar 0 trabalho no caso concreto, certamente ja tera justificado sua existéncia. 4.3.4, Direitos fundamentais localizados fora do catéiogo da Constituicdo: as diversas categorias ea busca de exemplos 43.4.1. Consideragdes preliminares O enunciado deste item traduz, em verdade, mais uma interrogacdo do que uma afirmativa categérica, porquanto a busca de exemplos concretos de direitos funda ‘mentais fora do catélogo™ pressupde, como ja apontado, elevada dose de subjetivi- dade, esbarrando, ainda, numa caréncia de exemplos no seio de nossa doutrina. Neste particular, cumpre tragar uma linha divis6ria entre os direitos situados no texto cons- 2? Reportando-nbs, no mais, ao que fo objeto de alive, apontamos aqui apenas para um singel exemple. Neste sentido, no hi como negara inquivocadisingio eae o centeddo de dignldade humana © o nieleo essence 60 ict ao 13" sli ew saliio mismo (eepectvamente, at. nce IV e VII. da CF), 3 Neste seta, J. Gomes Canoio eV. Moreira, Fundanient da Consiadgde, . 12S 088, 2 Aqui abo citar oontondmento de IMM. Cardoso da Costa in: BMI n 3951990), p13 et ° 9 expresso “ctilogo” val aqui iad (pac que Fe tenha em clara do que 8 et falar como signin o ‘ol dos dreosegaranas fundamen expeessamemedesignados como ts pelo Consitunt e que so localizados em todos as exptues do Titulo Ta nossa Carta Mag, Assim, rest evidencbdo que se admitimos a exiséncin de ‘utos diets fundamentis aim dos expressamentepetivados no Tilo Il, € de 4 admitir qe & expresso "eae "logo" poss também um sentido mais amp, como ehrangendo todas 2 psiges unio fundaments,dento forado ToT, sejam elas exprestas oa implicit, ncisive ts previstas no ito intracional somvencioal 115 ‘A BFIGACIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS titucional e os que podem ser encontrados nos tratados ou convengées intemacionais. A distingto se faz necesséria pela evidente diferenca de tratamento que envolve cada uma das categorias. Nesta atividade investigatéria hd, contudo, como adotat alguns critérios que nos parecem titeis, no minimo no gue conceme a0 método do trabalho a ser desenvolvido, atentando, inclusive, para critérios ligados & facilidade. Assim, cremos deva ser dada a preferéneia aos direitos fundamentais expressamente positi- vados io texto constitucional, partindo-se, aps, para os ttatados intemacionais sobre direitos humanos firmados pelo nosso Pats. Poder-se-ia argumentar aqui que a circunstancia de nos depararmos, no que tange aos tratados internacionais, com posigdes juridicas universalmente (no mini- imo em cardter regional) reconhecidas como direitos humanos, recomendaria, justa~ mente, fosse percorrido o caminho inverso, Apesar da pertinéncia da argumentagéo, tenho para mim que esta esbarra tanto no fato de que o art, 5°, § 2°, de nossa Lei Fundamental no privilegia os iratados intemnacionais, que apenas constituem uma das fontes de direitos fundamentais fora do catdlogo (ao lado dos nio-escritos © dos localizados em outras partes da Constituigao), quanto na controvérsia que gira em tomo do status jurfdico dos direitos fundamentais de origem internacional. De qual- quer modo, havendo como iniciar a busca no texto constitucional, com todas as pr rogativas da fundamentalidade formal e das garantias juridicas que Ihe so inerentes, parece-nos ser esta asolugo a set privilegiada. Além disso, fica aqui a adverténcia de que 0s dispositivos a serem referidos ndo passam de algumas sugestées, assumindo, portanto, cunho meramente exemplificativo, além de estarem sujeitas individualmen- te a ertticas e & anilise mais aprofundadas. 4.3.4.2. Direitos fundamentais fora do catélogo, mas com status constitucional formal e material ‘A mera posigdo constitucional dos direitos fundamentais fora do catélogo néo facilita em muito a tarefa de sua correta identificagao, inobstante a sua condicao de direito constitucional no sentido formal possa diminuir os riscos de equivoco. Os exemplos em nossa literatura so, também aqui, bastante escassos. Os poucos que localizamos se encontram — salvo excegdes — em manuais € comentétios anterio- res a vigéncia da atual Constituigo, sendo que nesta passaram a ser expressamente consagrados, perdendo assim sua atualidade. Em parte, parece vidvel a utilizacdo de exemplos garimpados no direito constitucional comparado, cotejando-os com 0 texto de nossa Constituigao ¢ observando o regime e os principios por ela consagrados. No mais, a pesquisa deverd sempre priorizar o direito constitucional positivo patrio, tornando-se indispensével que seja devidamente justificada a opgo tomada, a luz dos ctitérios referenciais para a identificagao de direitos fora do catélogo j4 analisados. De qualquer modo, ndo se deve esquecer a jé referida circunstincia de que também os assim designados direitos “dispersos na Contituigio” comungam do mesmo regime jucidico (da fundamentalidade material e formal) dos direitos constantes do Titulo IT da nossa Carta. No campo dos direitos de defesa (direitos de liberdade e igualdade, bem como demais direitos de cunho preponderantemente negativo), a invulgar abrangéncia e ca- 35 et seatido want L.A David AraoeV.S. Nunes Tino, Curso de Divo Consttacionl 82-4 ge, ga de denice agus importants exempls, alta a expresso deicos dsprns na Conse Ingo WOLFGANG SARLET suistica do elenco do art. 5° da CF no deixa muito espago para a revelagdo de outros, direitos similares fora do catSlogo. Fica ressalvado, neste sentido, que a maioria dos direitos eleacados no art. 7° (direitos dos trabathadores) so, tos de liberdade e de igualdade e que se enquadram no grupo formado pelos direitos de defesa. No minimo, ha que teconhecer uma manifesta similitude quanto a sua estrutura normativa."” Todavia, devemos exclui-los de nossa anélise, uma vez que integrantes do catélogo, Ainda assim podemos arriscar alguns exemplos. O dircito de igual acesso aos cargos piblicos (art. 37, inc. 1), também citado na doutrina ger manica, os direitos de associacao sindical ¢ de greve dos servidores piiblicos (att. 37, ines. VEe VID, assim como o direito dos servidores piiblicos a estabilidade no cargo (art. 41) que, ademais, constitui verdadeira garantia da cidadania, Poder-se-ia cogitar, ainda, da legitimagao ativa para a iniciativa popular legislativa (act. 61, § 2°), que, agre- ‘gada a0 art. 14, ine. THI, pode ser considerada como auténtico direito de participagao politica, Da mesma forma ocorre com a garantia da publicidade e fundamentagao das decisécs judiciais (art. 93, inc. DO, bem como com as limitagdes constitucionais a0 poder de tributar (ert. 150, ines. 1a VD," 0 diteito & manifestagao do pensamento, criagio, expressto e informatio (art, 220), a igualdade de direitos e obrigagses entre os cOnjuges (art. 226, § 5°), € 0 direito dos filhos a tratamento igualitério e nzo-dis- criminat6rio (art, 227, § 6°), que, som divida, constituem dispositivos formalmente constitucionais capazes de se caracterizarem como posigdes subjetivas e permanentes do individuo (isolada ou coletivamente). Além disso, os preceitos referidos revelam nitida preocupagao com a protegao da dignidade humana, da liberdade e da igual dade, constituindo, portanto, direitos materialmente fundamentais ou, no minimo, passiveis de se enquadrarem nesta categoria. Na csfera dos direitos sociais, considerados aqui na sua acepgdo mais ampla (© no meramente prestacional), também podemos garimpar alguns exemplos na CF de 1988, Relativamente problemética é, contudo, a interpretag2o que se pode conferir ao sentido € extensdo dos arts. 6° e 7, uma vez que ambos os dispositivos exercem influéneia direta sobre a identificagao de outros direitos fundamentais dentro ou fora da Constituigdo. O art, 6° reza que “Sao direitos sociais a educagio, a satide, a mo- radia, o trabalho, 0 lazer, a seguranea, a previdéncia social, a protegdo & materni dade € & infncia, a assisténcia aos desamparados, na forma desta Constituigio”.” Levando-se em conta que a educagdo (também a cultura ¢ 0 esporte), a satide, a pre~ vidéncia social, a familia (igualmente abrangida a proteg4o da infaincia e dos idosos) se encontram novamente previstas nos diversos capitulos do Titulo VIII (arts. 193 a 232), poder-se-ia especular a respeito da possibilidade da extensio da condigio de ‘materialmente fundamentais a todos os direitos af considerados, uma vez que se trata de preceitos que dispoem especificamente sobre a concretizagdo das categorias gené- por sua esséncia, direi- 7 Por cca da primeira evista da Consinigo portugues de 1876, levada a sto cm 1982, pate dos ditos los uabathadores antes consgrados como Dssitos Socias (por exemplo, 2 ibeedae de assoiagio sii) foi ‘uasfria para o tule dos “Dirt, Libs ¢ Garant 3 Com relagh so prnepio da antroridad (at 150, ine. anes 9.68 CF, mas também no qu di com as ‘munidatesprevisas no in. Vi. anes a, bce d do mesmo dsposiivo (ura vex que igualmexte abrangias pela ‘om o¢ mals importantes juss do nes € de todos os tempos que se debeugaram sobre a problema ds here néwics (a Hstagem evela apenas uma amostragem da fra eimportante bibliog), desde os ldssios Arties © Plas, passando por Pasa, Bacon, Kent e Hegel at alesngar os modemos (aso menos “elissios") Keen, Larenz, Bobbio, Conaris, sscr, Habermas, Rawls, Popper, sem olvidar os mas ustres repeesentantes da dour nacional, tis como Maximilano, M. Reale, Pontes de Miranda, denice outs anos 51 esp do atgo 162 da Constinigt pormiguesae sobre arecepgo eo Ylorursico da Declargto Universe 4 Diretes do Homen, oe Codes, J Miran, lt RDA n° 79941993) 9. |e, 3. Remtemes aqui aoe exemplos colacionidos po F Piva, Divetos Humanos eo Divito Contiicional I temacionaly ps LL es Neste sentido, entre outros, v.CR. Basis eG. Martins que, ns seus Comentios a Consiga de 1988 vol. 1p, 3956, advogam o ponte de visa segundo oq aorta doart 87, 82°, dspensaria s necessidde de quer proceeiment formal reprando a fecepea0 das normasinemacionas emibors nso tenam fandamentado mals espe- ‘eamente se entendivent, 121 ‘ABFICACIA DOS DIREITOS FLNDAMENTANS 70! dos dircitos fundamentais reconhecidos em nosso diteito constitucional positivo inclui também posigdes juridicas fundamentais oriundas de tratados internacionais, ndo fez. qualquer referéncia expressa 2 forma de sua recepeao. Além disso, 0 citado preceito constitucional refere expressamente os “tratados intemnacionais em que a Repliblica Federativa do Brasil seja parte” (grifei), revelando, de tal sorte, a neces sidade inequfvoca de uma adesto formel ao tratado para que possa enquadrar-se na hipétese prevista pelo art. 5°, § 2°, de nossa Carta Magna, o que, alids, ¢ reconhecido pela doutrina, que condiciona a recepgdo & ratificagao do tratado.™ Ora, justamen- te quando 0 Constituinte, objetivando evidentemente coibir excessos por parte do Executivo no que tange & celebragiio de tratados intemacionais, previu a necessidade de procedimento legislativo prévio para a sua incorporago definitiva ao direito in- temo, regra esta embasada, adlemais, em abalizada doutrina sobre a matéria, torna-se ‘no mfnimo de dificil sustentagao o ponto de vista segundo o qual, no concernente aos ttatados internacionais sobre direitos humanos (fundamentais), bastaria meramente 0 aval do Executivo. Considerar-sc a regra contida no art. 5°, § 2°, da CF, em que pese a auséncia de disposigao expressa sobre o tema, como tendo carter excepcional, quando justamente restringe a legitimago democrética na recepgtio de normas inter- nacionais, no nos parece ser a melhor soluso, ao menos sob a ética do direito cons titucional positivo patrio e por mais que se cuide de um debate que envolve também uma releitura da nogao de soberania no ambito de uma sociedade internacional cada vez mais conectada ¢ interdependente, aspecto que, a despeito de sua transcendental relevncia, refoge aos propésitos deste trabalho,” Ainda neste contexto, cumpre fazer referéncia A construggo doutrindria susten- tada na doutrina nacional posterior a vigéncia da CF de 1988, Neste sentido, afirma-se a adogo de um sistema misto no que conceme a recepciio dos tratados intemnacionais, no diteito interno, De acordo com esta tese, embasada numa exegese combinada do art. 5%, $§ 1° 2°, da nossa Lei Fundamental, ficou consagrada a teoria monista,”* da recepgiio automitica de todos os tratados internacionais ratificados pelo Brasil que versarem sobre direitos humanos, dispensando qualquer ato formal complementar para que possam ser diretamente aplicados até mesmo pelos Tribunais internos, 20 asso que para os demais tratados internacionais continuaria vigorando a teoria dua lista, segundo a qual a incorporagio ao direito interno somente se aperfeigoaria apés procedimento legislative. A concepeo doutrindria ora citada, em que pese sua sin- 2 Assim, dente ous, oentondmento dF, Povesan, Dries Humana eo Divito Constincional Internacional, ». 114, pra quem, desde que ratiieados, os watads inceracionis sobre Dirsitos Humanosirudiansutonaicn Iente seus efeitos no ondenamento juridioo infer, pussando imedistamente 4 assepuarem diceltos dstamene cnigives 2 & espeto deste pont, remetemos, em eater meramenteexemplifcstvo, a0 trabalho de JA Casi Saeed, Soberania de los Estados y Derechos Humanos en Derecho Internacional Contempordneo especalmtte 56-113, Especiticamente no que diz com a nodose soberaia no mundo atu. vale confer 0 insliganteensio de. Feta Jolh Derechas y Gavanias. La ley Del mds debi, 125 es 8 Nao sendo o nosso propio ~adespito da inquestonSvel elevancia do tema —adectrar ogi a discs ares pio ds sdogto da teria monists ou duals (ou meso de agua de sas varagces), remem 0 letor hteratira especaizca, Neste sentido, vale conferr as racemes e atualizadas conibugtes de N, de Arajo, Disc Ierna ional Privado, 3 el. Rio de Janez: Renova, 2006, 9. Lab. a8 © V.C. Maza Curso de Dire Intomacional Pubic, Sto Paul: RT, 2005,p. 47 es Neste sentido, entre outs, a5 igs de A. A, Cangado Trindade, bom como em deus esrangeitae exempos ‘ara de auras Constiuigées ene vige o principio da vecepeto auomtics. Assim mbm A. A, Cangado Trn- ‘ade, Tratado de DiretoIntemacional dos Diretos Humans, p. A © 420 e s, seu, receniemente, por C Praheiro, Dito Internacional e Diretos Fundamentals. p74 122 ING WOLFGANG SHA tonia com o prinefpio de uma interpretagio mais favordvel aos direitos humanos, niio afasta, contudo, a pertinéncia dos argumentos contrarios jé referides, rao pela qual no pode ser aceita sem maior zeflexio. De qualquer modo, o tema é fascinante e por demais controverso para que aqui se possa esgotar a discussio, de tal sorte que, uma vez enunciadas nossas breves consideragées sobre o assunto, remetemos o leitor A literatura especializada>” Outro aspecto que se impSe seja enfrentado (de longe o mais controverso entre 1nés) diz com a posigfo hierérquica das normas internacionais no ordenamento inter no, Em outras palavras, pergunta-se se um direito fundamental extrafdo de tratado ‘ou convengao internacional possui forga normativa idéntica aos direitos consagrados ‘no catélogo ou, em sendo negativa a resposta, se é hierarquicamente superior (neste caso, subordinado somente & Constituigo), ou equiparado zo direito infraconstitu- cional. A resposta a estas questdcs constitui pressuposto para a definigtio do starus Jurfdico dos direitos fundamentais com sede nos tratados internacionais, inclusive no ‘que conceme & possibilidade do controle de sua constitucionalidade, bem como sua sujeigo, uma vez incorporado ao direito interno, & protegtio das assim denominadas “cléusulas pétreas” da Constituigao. No que diz. com a posigio hicrérquica do direito internacional com relagio a0 direito infraconstitucional intemo, a doutrina encontra-se dividida. Ao passo que uma corrente sustenta a supremacia lo direito intemacional (que, a exemplo do constitu- cionalismo portugués, se encontraria somente sujeito A Constituigao), outros con- Sagram a teoria da paridade entre as normas internacionais e a legislago interna, sob ‘0 argumento de que, em face da auséncia de uma disposi¢io constitucional expressa que consagre a supremacia do diteito internacional, deve prevalecer, no caso de con- Alito entre tratados internacionais ¢ leis internas, o principio do lex posterior derrogat priori, ressalvada a possibilidade de responsabilizagao do Estado no plano interna- ional, o que, inclusive, vem senclo consagrado pelo Supremo Tribunal Federal desde © julgamento do RE n° 80.004, em 1977, apesar da opiniio divergente de alguns de seus mais ilustres integrantes. No que diz. com a hipétese especifica dos direitos fundamentais que, por via da abertura propiciada pelo art. 5°, § 2°, da nossa Carta, passam a integrar 0 nosso catélogo (no importando aqui se de forma automitica, ou nao), a solagio ndo se revela tio singela ou, pelo menos, tao adequada. Na tealidade, parece viével con- cluir que 0s direitos materialmente fundamentais oriundos das regras internacionai ~embora no tenham sido formalmente consagrados no texto da Constituigao — se aglutinam & Constituigiio material e, por esta razfio, acabam tendo status equivalen- te, Caso contrério, a regra do art. 5°, § 2°, também neste ponto, teria 0 seu sentido parcialmente desvirtuado. Nao fosse assim, virtualmente néo haveria diferenga (20 menos sob 0 aspecto da hierarquia das normas) entre qualquer outra tegra de direito 2 Para kgm das obras refers, vale contri respeito da ncorprsjo 6s tratads internaconss, os ecentes contibues de G. R. Bandeira Galindo, Tratados Incracionals de Direitos Humanos ¢ Consinaga Drs, 137 es. e de A.C. Pasa, Conituicaoe Direto Imernacional: cedéncias passives mo Brae no ands slobaizado,p. 137 e6, °° saa posigho de A. Sdsokin, in Dirt Constiucional do Trabao, vo. Ip. 309 mais recentemente re innada por AA. Cangado Trindade, Tratado de Direzo Internacional de Dirits Hamuanos. 40S oss aaa ‘amhém por F. Povesan, Diretos Humans ¢o Direto ConsttuclonalIteracional,p. 90 ¢38 SP Neste sentido, igSo de IF. Rez, Direto das Traais, p. 463 es. gta eprosazo poo de visa dos {ue propagnam a supemacia dos trtadosntemacionais sobre legisla interna. "A BFICACIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 123 internacional incorporada 20 direito nacional e os direitos fmdamentais do homem consagrados nos textos internacionais. Apenas para citar um exemplo, um dispositi- Yo de urn tratado internacional qualquer (por que nao o acordo do GATT?) poderia, em tese, ter o mesmo valor hierérquico de um direito fundamental zeconhecido pela Convengo Americana sobre Direitos Humanos. Certamente nfo é este o sentido que © Constituinte quis atribuir ao art. 5°, § 2°, de nossa Carta ao nele referir expressa- ‘mente os tratados internacionais Consoante lapidar ensinamento de Antonio A. Cangado Trindade, hé como sus- tentar que a Constituigdo de 1988 aderiu & tendéncia do constitucionalismo contem- porineo de dispensar um tratamento privilegiado aos tratados de direitos humanos, tendéncia esta que € “sintomética de uma escala de valores na qual o ser humano passa a ocupar posig#o central”.*" A este ponto de vista podemos agregar o entendi- mento de Flévia Piovesan, que, arrimada em ligao de Hesse e de Canotilho, advoga a tese de que, em homenagem zo prinefpio hermenéutico da méxima efetividade das normas constitucionais, a0 art. 5°, § 2°, de nossa Lei Fundamental deve ser outorgada a interpretacio que lhe venha conferir a maior realizagio, ou seja, que estenda aos direitos fundamentais constantes de tratados intemacionais forga juridica equivalente 208 direitos do catilogo.* Outro argumento colacionado pela prestigiada jurista en- contra sustentagdo na nogio de que os tratados sobre direitos humanos integram um universo de prinefpios com a especial forya obrigatéria de um autEntico jus cogens, que 0s coloca em posigdo hierarquicamente superior em relagZo aos demais tratados intemnacionais, justificando, assim, a diferenga de tratamento também na ordem juri- dca imterna>® A luz dos argumentos esgrimidos, verifica-se que a tese da equiparacio (por forga do disposto no art. 5°, § 2°, da CF) entre os direitos fundamentais localizados em itatados internacionais e as sediados na Constituigdo formal & a que mais se har- moniza com a especial dignidade jurfdica ¢ axiolégica dos direitos fundamentais na ordem juridica interna e internacional, constituindo, ademais, pressuposto indispen- sfvel a construgao e consolidagao de um auténtico direito constitucional internacional dos direitos humanos, resultado da interpenetragdo cada vex maior entre os direitos fandamentais constitucionais e os direitos humanos dos instrumentos juridicos inter- nacionais. No mfnimo, contudo, para preservar sua condigio especifica de direitos materialmente fundamentais e no remeté-los a um plano idéntico as leis ordinéias, hhé que admitir (a exemplo do que entende a doutrina majoritéria em Portugal, nfo obstante sucumbente entre n6s) sua supremacia com relagio ao direito interno infra- constitucional.* (CLA. A. Canad Trine, Tratada de DiretoIermacional dos Direitas Humana, Vt. p08. S8.C6 F. Povetan, Os Dirsitos Huanor eo DireitoConstiuciona ntericional, . 3990. Nexe testo, sabou se posicionando a dona nacional majoiae epressivajunsprodzaca, sina qu o Supemo Taibucal Fede “rit embora ot voto avergentes de lpn: Minvsten hen como alguns iste autores, iar intend pos ‘lonamenta da peradehierauica ene Watados (mesmo os que dspam sobre Dirt Humans) e el oda Dene ox onto autres aio qe ustentan Rerarguia cena, lmbramas, em care exerpliisiva, as importantes contibughes de C. Piet. DiretoIteracionale Drei Puredamentas,p. 76 ease V. de Ol ‘eita Mazauoi, Direito Inernaional: Tratado eDiretas Humanos Fundamtentas na Onde Juridica Braieira Rio de Janeiro: Amen Sid, 2001, bem como, com maior desenvolvimento, no seu recente Cursa de Dito Invertaconat Pac, S40 Paulo: RT, 306. "8 CEP. Powesan, OsDiritos Hunanos eo Direito Constneional Intemational, p. 5638. Dente es ators portguess, cabo eta .M.M. Cardoso da Cost, BMI n* 396 (1990) p. 2 es. 124 INGO WOLFGANG SARLET ‘Ainda no que conceme & forca juridica dos direitos fundamentais extraidos dos tratados intemacionais, impende considerar que, em se aderindo a tese da paridade com os demais direitos fundamentais da Constituiglo, incide também o princfpio da aplicabilidade direta destas normas pelos poderes ptiblicos nacionais (att. 5°, § 1°, da CE), Além disso, é de cogitar-se da sujeigio destes direitos fundamentais, de matriz internacional & protegio das assim denominadas “cléusulas pétreas” de nossa Constituic2o, posigio esta que ja haviamos sustentado em outra ocasifo e que também encontra respaldo na mais recente doutrina.** Neste particular, contudo, im- poe-se certa cautela, jd que a incluso dos direitos fundamentais constantes de tra tados internacionais no rol dos limites materiais & reforma constitucional, ainda que integrados formalmente ao dircito patio, nfo se revela destitufda de problemas. No minimo, causa espécie a possibilidade de se alterar, mediante emenda & Constituigao, ispositivo de tratado internacional. Importa salientar, neste contexto, que a atwacao do poder de reforma constitucional atua sobre a Constituicéo formal, ressalvada a possibilidade de incluir-se no texto constitucional algo que nele no foi expressamen te contemplado e que com ele guarde a devida sintonia. Cuida-se, portanto, de mais tum aspecto carecedor de maior digressiio do que a viabilizada nesta abordagem.* Outrossim, cumpre salientar que apenas os dispositivos intemacionais compa- tfveis, no sentido de néo contrérios a um direito fundamental constitucional, ou dele subversivos, podem ser objetos de cogitagio."” Reafirme-se, neste particular, que a abertura propiciada pelo art. 5°, § 2°, da CF de 1988 objetiva a complementagao ou mesmo a eventtal ampliagao do catélogo dos direitos fundamentais. Eventuais (€ até mesmo inevitéveis) colisdes, a exemplo das que podem ocorter, inclusive, entre 0s prdprios diteitos integrantes do catitogo, devem ser resolvidas pela aplicagdo das regras préprias, sem que se possa partir da premissa de uma solugio sempre favorsvel a prevaléncia de um ou outro, no sentido de uma solucdo aprioristica ¢ aplicavel a todas as hip6teses. A doutrina e a jurisprudéncia nacional tém adotado habitualmente ocritério da ope mais benéfica & pessoa. Alguns falam até mesmo da solugao mais favordvel a vitima, exegese esta que entendemos questionavel, jé que, cuidando-se de. 5 Neste semi, v0 nosso anigo "Valor de Alea e Duplo Grau de Jurisdigo: Problematiagao em Nivel Cons. tisetonal@ La de Coneeito Material de Diretos Fundamentals”, pablcado a evista AILS t 65 (1996) p. Sess Assim tambon F Povessn, Os Diretas Humana eo Direto Consticionalintemaciona,p-98 ©. ie ‘forma aproprina, fz a resslva de que, apear de invisel a sopesso po va de erbencaconsiilona. see & vivel a deninca posterior do uatado,acaretando, dest forma, um raters no minim parialmentedferenciado ‘em relago aos diets fundamentas da Consttuig, Com rela & posigi sustetada por F.Provesan,onsam0s Aivergir no que conceme 8 abrangéncia material da protegdo outorguda elas “cléusaas press” Ao pesso que a conceit jursia excl os iets colesivos desta prego, entendemos quo el se exendea to qualquer dro Jursament, individual og clei, de co negatvo ou prestacinal aspect qe ser cbjeto da nossa ateacao no ‘imo segmmero desta ov 2% aqui também remetemos par os ecentesaportes de GR. Bandera Galindo, Taradas Iuernaconais de Direias ‘henanos.p. 303288, 0 A.C. Paglia, Constinigdoe Direto Intemacional.p. 211, ambos segundo 3 imenies¢ advogande a impossibilidage a mesmo de denineia dos watacos internacional em materia de dzetos Inumanos,matéia quo, de resto, esd sendy disctida wo Supeeo Tribunal Fedesl, aa ADI n 1625, reitor Mi, Mavsice Cores (sbsitid pelo Min. ros Grau) onde se sce «inconstitucionalidads da danicia niseral ds CConvengao n” 138 da O1T- Solve o tema, sinds 2 agumertasio de V.O. Maz2voli, Curse de Direito Internacional Piblico,p 503, destacano que caso aprovado por emeada consucional, os watads de dieites hamanes pode ram mais sr denunciades nem mexmo mediante aprovagio pelo Coagresso Nacional. No mesmo sent, ¥ ings Ide Ara, DivetoInrernacionalPriado, Rio de Janeiro: Renova, 2006, p16. 2 Nese sentido, embora com a resalva de ques cuida 6 entadmentoconcerpente & Consiuigo Portuguese, & e apoveiar-se io de J. Miranda, n RDA n” 199 (1995). 18. Também merece referencia oeaendmento de ‘que. em matéeia de dreitesfandamentais, a6 meso a Consituigioesariasuberdinada aes tates inernacionss, ‘inalizando, de tl sot, o carter supmanional do dicitos fundamen, AEFICACIA 005 DIREITOS FUNDAMENTAIS. 125 ‘um conflito entre posigdes fundamentais de pessoas diversas, em muitos casos, tere mos “vitimas” ~ isto é, pessoas atingidas em seu direito pela conduta de terceiro ~ em ambos os polos da relacdo. Certo é que também aqui havers de se buscar uma harmo- nizago das posigdes conflitantes, no Ambito de uma concordaneia pritica (tal como proposta por Konrad Hesse) ¢ que inevitavelmente passa por uma hierarquizagao dos valores e prinefpios em pauta Guarez Freitas). Para nfo nos omitirmos aqui no que diz com uma tomada de posigao pessoal e sem que se possa aqui aprofundar este aspecto, adotamos 0 entendimento de que na diivida impOe-se a opciio pela solugao mais afinada com a protegio da dignidade da pessoa humana (in dubio pro dignitate), tal qual nos propoe Juarez Freitas, ainda que em outro contexto.™* No que diz, com as restrig6es & recep de direitos fandamentais oriundos de normas internacionais, ainda que no se cuide de matéria de cunho constitucional, poder-se-ia cogitar, ao menos em tese, da aplicagdo do disposto no art. 17 da Lei de Introdugto 20 Cédigo Civil (Decteto-Lei n° 4.657, de 4 de setembro de 1942) de acordo com o qual “as leis, atos ¢ sentengas de outro pais, bem como quaisquet declaragbes de vontade, ndo teriio eficécia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem piiblica © os bons costumes”. Aqui, embora niio se trate de res- trigio efetuada pela Constituigio & recepgdo de normas internacionais, cuida-se de limites expressos a0 reconhecimento da eficdcia interna de normas alienigenas no Ambito do direito positive nacional. Todavia, hd que levar em conta algumas diividas que podem surgir quanto & real importancia do citado preceito no cuso especttico da problemitica que envolve a abrangéncia do art. 5°, § 2, da CF. Em primeiro lugar, 0 art. 17 da Lei de Introdugio do Cédigo Civil nao menciona expressamente os tratados ‘ou convengées internacionais, embora aqui uma exegese mais elfstica, abrangendo as normas legais alienfgenas em sentido amplo como regras juridicas nio-nacionais, seja perfeitamente viavel. De outra banda, poder-se-ia questionar se um tratado ou convencio firmado pelo Brasil (quanto mais se jé tiver sido ratificado) ainda se en- quadra no campo de abrangéncia do referido dispositivo, uma vez que, nesta segunda hipotese, jé se trata de norma incorporada ao ordenamento interno. A barreira fixada pela Lei de Introdugio, neste caso, poderia ser interpretacia como obsticulo a ser considerado no préprio procedimento de recep¢do da norma internacional. Por outro lado, verifica-se, em tese, um possivel conflito de hierarquia entre as normas. Em se considerando 0 tratado internacional, uma vez ratificado e transformado em lei interna, como norma de hierarquia superior aos atos legislativos infraconstitucionais, estaria ele sujeito as restrigdes previstas na Lei de Introdugo ao Cédigo Civil? Eem se tratando de direito fundamental reconhecido em documento legislativo interna- cional? Sao questies que, dentre outras, ora nos escapam, mas que indubitavelmente merecem analise mais detida ¢ que tefoge aos limites e objetivos do presente estudo. ‘De qualquer modo, hé como sustentar, no Ambito de uma interpretagao mais eléstica, que o art. 17 da Lei de Introdugaio ao Codigo Civil justamente reforca o entendimen- to de que os direitos fundainentais no sentido meramente material, caso tidos como hierarquicamente inferiores & ConstituicZo ¢ superiores as normas infraconstitucio- iio podem conffitar com os princfpios fundamentais dos arts. 1° a 4° ou com os direitos expressamente consagrados no catélogo da Constituigéio, 8 CF, J. Freitas A Inverpretacao Sstematica do Direito, 3 ep. 207,lembrno que “mais do ue in dbo pro ‘erste, prnepia significative nas relapses do cdo perante o Poder Pin, a2 einetoruivel o aandameato segundo 0 cual em favor da dignidade, nan deve haver civida 126 noo WoLFaANG SARLET A tarefa de identificacao dos direitos fundamentais com fonte no dircito inter- nacional assume dimensio especialmente penosa, de modo especial em face do gra de mimero de diseitos contemplados pela nossa “Carta Magna” e pela necessidade de se pesquisar nos textos internacionais firmados pelo Brasil e em toda a legis na busca de exemmplos concretos. Tal tarefa, todavia, no constitui o objeto precipuo deste estudo. Um dos direitos habitualmente referidos pela doutrina € 0 direito de resisténcia, nada obstante seja pteciso fazer a ressalva de que muitos autores, dentre ‘0s quais Pontes de Miranda, o tenham garimpado no terreno do direito natural.” Um outro exemplo, que se revela especialmente stil para o presonte estudo, é 0 “direito de recorrer da sentenga para juiz ou tribunal superior”, tal como previsto no art. 8, item 1, letra A, da Convencio Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de Sé0 José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969, incorporado ao direito patrio pelo Decreto 678, de 6 de novembro de 1992, a respeito do qual jé tivemos oportunidade de nos manifestar em outro estudo,™ Também o direito do preso de ser apresentado sem demora 2 autoridade judicial (art. 7°, item 5, do Pacto de Sio José) merece des que neste contexto, inobstante se possa controverter a respeito de sua mais adequada exegese. 4.3.44, Algumas notas sobre 0 novo § 3° do art. 5° da Constituigao e seus possiveis reflexos no que diz com a incorporagao ¢ hierarquia dos direitos com sede em tratados internacionais Dentre as alteragdes constitucionais relevantes para os direitos fundamentais, jjustamente no concemente ao regime dos tratados internacionais de direitos huma- nos, destaca-se a insergdo, pela Emenda Constitucional n° 45 de dezembro de 2004 (doravante simplesmente EC n° 45), que cuidou da reforma do Poder Judicisrio, de um § 3° ao artigo 5° da nossa Constituicao. Segundo este dispositivo, “Os tratados convengées internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por trés quintos dos votos dos respec tivos membros, serdo equivalentes as emendas constitucionais”. Tal preceito acabou por inserir no texto constitucional uma norma procedimental dispondo sobre a forma de incorporacdo ao direito interno dos tratados em matéria de direitos humanos, que, interpretada em sintonia com o artigo 5°, § 2°, pode ser compreendida como assegu- rando — em principio e em sendo adotado tal procedimento — a condigio de direitos formal, € materialmente constitucionais (e fundamentais) aos direitos consagrados rng plano das convengGes internacionais. A exegese referida, todavia, nfo é a tnica possfvel (do que dé conta a controvérsia que viceja na doutrina), além de nfo afastar uma série de outros aspectos controversos que tém sido discutidos a partir do novo dispositive constitucional. Aqui empreenderemos uma tentativa de colacionar ~ re- nunciando & qualquer tentativa de esgotamento da matéria — os principais t6picos ventilados ¢ discutidos pela doutrina, buscando apresentar pelo menos algumas alter~ nativas hermenéuticas que permitam um enfrentamento constitucionalmente adequa- do da problemética, aqui inserida no contexto mais amplo da abertura material dos direitos fundamentais na nossa Constituigao. 2 ptes de Mirands, Comertivar IV, 9. 625. CF o nosso i refeido estado publicado na revista AJURIS 0°65 (1996), especialmente p. 116. [A ERICACIADOS DIREITOS FUNDAMENTAIS Em primeiro lugar, convém destacar que € pelo menos questionavel o entendi- mento — por mais sedutor que seja — de que por forga da EC 45/04 todos os tratados em matéria de direitos humanos ja incorporados ao sistema juridico brasileiro possam set considerados como equivalentes As emendas constitucionais, j4 que niio hd como aplicar neste caso o argumento da recep¢ao quando se trata de procedimentos legisla- tivos distintos, ainda que haja compatibilidade material, como se fosse possivel trans mutar um decteto legislativo aprovado pela maioria simples do Congreso Nacional ‘em emenda constitucional que exige uma maioria reforgada de trés quintos dos votos, sem considerar os demais limites formais das emendas & Constituigtio. Em sentido diverso, contudo, hé quem advogue, fundado em respeitével doutrina, a recepgtio dos tratados anteriores — naquilo que efetivamente versam sobre direitos humanos (no sentido bens jurfdicos indispensdveis & natureza humana ou A convivéncia social) om s¢ tivessem sido incorporados pelo rito mais rigoroso das emendas consti- tucionais, assegurando-Ihes a respectiva supremacia normativa, no Ambito do que se ‘costuma designar de recepgdo material..” Tal entendlimento somente se revela como sustentével ~ considerando a incompatibilidade total de rito dos Decretos Legislativos € das Emendas Constitucionais ~ em sendo 0 caso de se aderir aos argumentos dos que, mesmo antes da EC 45/04, j4 vinham — consoante jé referido no item preceden- te ~ defendendo a condicao de direitos fundamentais em sentido material, dotados, portanto, de hierarquia constitucional, mas sem integrarem o direito constitucional ‘em sentido formal, que € precisamente a posicio também por nds sustentada.®® Em cardter alternativo, ha quem defenda a tese de que os tratados intemacionais (que ja materialmente constitucionais) também poderio ser formaimente constitucionais, caso forem aprovados, a qualquer momento, pelo procedimento reforgado instituido pelo art. 5°, § 3°" Hé que observar, neste contexto, que a recepeo ~ com qualidade de emenda ‘constitucional - dos tratados anteriores acabaria sendo, em determinadas circunstan- CE V.0. Mazzuoli,“O novo § 3° do at. 5° da Const € sum efccia, in: Revo da AJURRS 1° 99, juno de 2008, p. 323. “© este seid, detre argumenuagfo bem susteniada por V.0. Mazzioi,“O novo § 3° doa. 5° da CConsitngioe sus eile, especialmente p, 325 96 destacando, com persica que, uma vez incarprado pelo sto inrodusdo pela BC 45, a dendncie pasaia 2 scares a0 consi do que podena ocorrer ao sistema do art. 5% € 2° a responsablizaco do denunciane, No mesmo seatdo, jt dscortendo sobre a EC 45, v. AR, Tavares, 09, it, pe 'NERICACIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 131 ciam determinado direito seriam acrescidos ao catélogo constitucional (consoante a natureza do direito), se 0 texto do tratado seria simplesmente acrescido 2o final da Constituig4o, ou mesmo se o texto incorporaco pelo procedimento das emendas simplesmente representaria um texto constitucional em separado. A indagaco, que ja seria no minimo procedente em termos de técnica legislativa, também 0 € pelo fato de que a distincio entre constitui¢ao formal e instrumental viabiliza a existéncia de ‘mais de um texto (instrumento) com status de direito constitucional em sentido for- ‘mal, como poderd ocozrer, a depender da técnica adotada, na hipstese de aplicagao do novo regime de incorporacdo dos tratados, Ainda no concemente ao procedimento, consoante pereebido por Valério de Oliveira Mazzuoli, existe questio relativa ao momento da incorporagio pelo rito da ‘emenda constitucional (se vier a ser 0 caso), jf que onovo § 3° do art. 5° no suprimiu a fase prevista no art. 49, inc. I, da Constituiedo, de tal sorte que a aprovagio da emen- da de incorporagdo deverd sempre ser posterior A ratificagio (portanto, pressuposta também a celebragZo pelo Presidente da Repsblica, a teor do ax, 84, inc. VII, da CF) do tratado regularmente vigente no Ambito internacional.*" Como igualmente bem aponta o referido autor, compromete a seguranga juridica (nacional e internacional) © 08 prinefpios que regem as relagdes internacionais deixar ao alvedrio do legislador nacional a escotha de oplar, ou ndo, pela outorga do status de emenda constitueional 0S tratados,* 0 que justamente parcce representar, no fundo (pelo menos legitimo 0 raciocinio), mais um argumento em pro! da cogéncia do novo procedimento a partir da entrada em vigor da EC 45. Além disso, agora no tocante ao problema da iniciativa legislativa e da partici- pacio do Presidente da Replica no procedimento, registra-se a ressalva - apontada por André Ramos Tavares — de que ~ justamente em virtude da sistemética pré~ pria dos tratados (que reclamam regular € prévia ratificago, que implica automatica submissao ao Congreso Nacional), a iniciativa do processo de emenda constitucio- nal, haverd se ser, no caso dos tratados em matéria de direitos hurpanos, sempre do Presidente da Reptlica, que detém tanto a competéncia privativa para a celebragio do iratado, quanto a prerrogativa (em regra ni exclusiva, a excecdo, agora, dos tra- tados de direitos humanos) da iniciativa das emendas constitucionais (art. 60. inc. Il, da CF), dispensada, por bvio, a ratificagao presidencial, de vez que as emendas centram em vigor a partir de sua promulgagao pelo Congresso Nacional (art. 60, § 3°, da CF). Cumpre notar, todavia, que a exegese sugerida também parece apontar para o carter cogente da deliberaciio por meio do procedimento qualificado das emendas constitucionais. A vista do exposto, percebe-se que a discusso em tomo da obrigatoriedade ow facultatividade da adogao do rito qualificado das emendas constitucionais a partir da vigéncia da EC 45 segue merecendo um pouco mais de atengao. Com efeito, a preva- lecer 0 entendimento de Valério Mazzuoli, no sentido de que — a despeito das criticas enderegaclas contra esta sistemstica pelo proprio autor — no concernente 2 incorpora- iio dos tratados de direitos humanos, passou-sc a ter um procedimento diiplice (pré- via ratificagdo e, posteriormente, aprovacdo — ou no ~ por emenda constitucional) "CE, V.0. Mazauali,“O novo §3°do at. $°da Contig." p. 316 €88. *®° Cr novamene V'0, Mazzoli"O novo § 3° doar 5° da Constinigio.”, 319. "CL A.R. Tovares, Reforma do Judiciro no Brasl P88 9.5, a tramitagio de um projeto de emenda constitucional poderia até mesmo independ de uma iniciativa especifica, pelo menos no sentido de um projeto formalmente regularmente encaminhado nos termos do art, 60 da CP. Poderia, portanto, bastar que — uma vez aprovado o Decreto Legislativo nos termos do art, 49, inc. I, da CF — este fosse encaminhado (e, neste sentido, transformade) em projeto de emenda const tucional, j4 no proprio Congreso, 0 que acaba por conflitar com a tese apresentada por André Tavares no sentido de que a iniciativa deveria sempre ser do Presidente da Reptblica. Isto, de fato, poderia ser o caso na hipstese de restar inaltereda a atual posicdo do Supremo Tribunal Federal no que diz. com a exiggncia de Decreto do Executivo para a incorporacao definitiva dos tratados, inclusive no ceso dos direitos bbumanos. Neste caso, haveria que resolver o problema de eventual negativa por parte do Presidente da Repaiblica em encaminhar 0 projeto de emenda constitucional (ou 2 comunicagao formal impulsionando 0 procedimento) para viabilizar, nos termos do art. 5°, § 3°, da CF, a sua aprovagaio com sams de emenda constitucional, de tal sorte que a posigo em prol da iniciativa privativa do Presidente nestes casos se torna ainda mais questiondvel. Agrega-se &s ponderagdes até 0 momento tecidas, a circunsténcia de que. no caso de que a forma eleita para a aprovacio do tratado de direitos humanos pelo Congresso Nacional seja efetivamente a da emenda constitucional, nao hé razio al- guma para se restringir a iniciativa de tal projeto de emenda & pessoa do Presidente da Repiiblica. Este, alids, poderd simplesmente remeter o tratado ao Congresso e, no fm- bito deste, preenchidos os pressupostos do art. 60, incisos I a III, da CF, ser apresen- tado projeto de emenda constitucional. O art. 5°, § 3°, da CF, ao prever a aprovacéo dos tratados pelo procedimento agravado das emendas constitucionais (ainda que néo em toda a sua extenistio), ndo poders, salvo melhor jufzo e com base nos argumentos {4 deduzidos, ser interpretado como restringindo 0 leque de legitimados ativos para © projeto de emenda constitucional. Tal linha de entendimento acaba sendo refor- ada por outro argumento que nao poders ficar negligenciado, Com efeito, importa consignar que 0 art. 5°, § 3°, da CF, em momento algum exige que sejam observados ~ como jé referido ~ todos os requisitos formais, cireunstincias ¢ temporais (quando fags materiais, impde-se maior cuidado no exame da questao) atinentes ao procedi- mento regular (ordinério) das emendas constitucionais. Aliés, € preciso enfatizar que a aprovagao do tratado de direitos humanos, para os efeitos do disposto no art. 5°, § 3°, niio necessita ser levada a efeito por meio de emencla constitucional (ou seja, de projeto de emenda que siga, desde o seu nascedouro, a integralidade do rito proprio estabelecido no art. 60, da CF), pois basta que a aprovacdo observe 0 disposto no art. 60, § 2, da CF (votacdo em dois tumos, nas duas casas do Congreso, com maioria de 3/5 em cada casa e tumo de votacdo) para que 0 tratado seja considerado equivalente uma emenda constitucional. Ora, equivalente ndo € necessariamente igual, visto que os demais requisitos do provesso de emenda constitucional nao foram previstos no art. 5*, § 3°, Assim sendo, nada obsta que seja eleita outra espécie legislativa para a aprovagiio dos tratados, hipétese na qual, desde que preenchidos os requisitos do art, 5°, § 3°, este, uma vez aprovado, gozaré da mesma hierarquia das emendas cons titucionais e agregar-se-4 a Constituigao formal. Do exposto, como se poderd perceber sem muito esforgo argumentativo, de- corre (pelo menos em tese, ja que nio vislumbramos fundamento constitucional im- peditivo) que os tratados de direitos humanos tanto poderao ser aprovados por meio 132 'ABFIGACUA DOS DIRETTOS FUNDANENTAIS 133 de uina emenda constitucional convencional, isto &, que siga o rito do art. 60, da CF, fem sua plenitude, quanto mediante outta figura legislativa, observado, neste caso, 0 previsto no art. 5°, § 3°, da CF, Indicativo de que tal poderd ser, na pritica politico- legislativa, a orientagto a ser seguida, é a circunstncia de que o Congresso Nacional, valendo-se da figura do Decreto-Legislativo, mas observando 0s requisitos do art. 5°, § 3°, aprovou o texto da Convencio sobre os direitos das pessoas portadoras de deficiéncia (Decreto Legislative n° 186/2008). De todo modo, resulta evidente que 0 Congresso Nacional (desde cue tal orientagdo seja observada pelos legitimados para 4 propositura de projeto de emenda constitucional) poderd, a partir deste primeiro caso, seguir utilizando apenas a figura do Decreto Legislativo para a aprovago dos tratados internacionais, observando, no caso de tratados de direitos hamanos, os pard- metros do art. 5°, § 3°, da CF, deixando de lado a possibilidade de aprovar 0s tratados clo procedimento das emendas & Constituigdo. De qualquer modo, cuida-se de uma evolugiio que esti apenas nos seus primérdios e que voltard a nos ocupar. Em favor da obrigatoriedade do novo procedimento das emendas constitucio- nais, para além dos aspectos ja ventilados, fala também uma (jé referida) interpretacio fcleolégico-sistemiética a partir da combinagto das diretrizes textuais ¢ normativas dos arts. 5°, § 2°, ¢ 5*, § 3°, todos da CF, Note-se, nesta perspectiva, que — adotadas as conregies hermenéuticas possfveis, com a deliberaco uniformizada pelo tito qua- lificado das emendas & Constituigao, evita-se, em primeiro lugar, a possibilidade de existirem tratados em matéria de direitos humanos submetidos a um processo de legi- timagao mais reforgado e outros néo, sem falar nas consequéncias juridicas atreladas uma aprovago por emendas. A nao aprovagio do tratado como emenda constitu cional, por sua vez, em virtude do procedimento diplice (ratificagio, com aprovacao por Decreto Legislativo), niio inviabilizaria — a nfo ser por forga de manutengao da jurisprudéncia equivocada do Supremo Tribunal Federal nesta seara~a possibilidade de se thes outorgar, nos termos do art. 5, § 2°, hierarquia de normas constitucionais ( fundamentais) em sentido material, posigo esta que, ao contrério do que tem sus- tentado parte da doutrina, resulta reforgada e no diminufda para insergao do novo § 3°, jd que este —em que pese a sua formulagao altamente problemética ~ apenas vi para afastar a possibilidade de 0 Supremo Tribunal Federal, pelo menos nos casos de vir a ser promulgada a emenda constitucional relativa a tratado internacional de di- reitos humanos, questionar a hierarquia constitucional dos mesmos, salvo a hipétese de conflito direto e insandvel com as assim designadas cldusulas pétreas de nossa Constituigio, que nos remete novamente ao problema da hierarquia normativa desses tatados na ordem interna. Abordados os problemas selecionados e preponderantemente atinentes a ques- thes formais (procedimentais) da incorporagao, resta discorrer brevemente sobre a questio da hierarquia dos direitos fundamentais (j4 incorporados ao texto constitu cional) em relago ao direito interno, constitucional ¢ infraconstitucional No tocante a essa problemética € possivel afirmar que 0 novo § 3° represen- tou ~ neste sentido ~ um significativo avango ao assegurar, desde que observado 0 procedimento nele estabelecido, uma hicrarquia supralegal dos direitos consagrados nos tratados, impedindo, nestes casos a manutengao da tese da paridade entre lei 134 INGO WOLFGANG SARLET ordindria ¢ tratado, que foi recentemente revista pelo Supremo Tribunal Federal." também é correto afirmar que com isso ainda nfo foi resolvida (pelo menos no como tem anunciado alguns entusiasmados defensores da reforma) a questo da bierarquia constitucional, em se considerando as relagdes entre 0 tratado incorporado (equiv. lente &s emendas) e 0 texto constitucional originétio. Convém relembrar, especial- mente nesta quadra, que as emendas constitucionais podem sempre ser declaradas inconstitucionais em caso de conflito com as assim designadas cidusulas pézreas da nossa Constituigo, que abrangem tanto os limites materiais explicitos (art. 60, § 4°), quanto os limites materiais implicitos, estes reconhecidos pela maioria da doutrina, ainda que no haja consenso quanto aos direitos que integram o rol los limites mate- riais implicitos. Ainda que se parta do pressuposto de que uma eventual restrigzo ou ajuste do contedido dos limites materiais ndo necessariamente enseja uma inconstitu- cionalidade da emenda (aplicando-se a tese da imunidade apenas do nticleo essencial de cada principio ou direito fundamental)" € certo que a possibilidade de conflito € real, j4 que inevitaveis inclusive as colisoes entre os préprios direitos fundamentais originariamente assegurados pelo Constituinte, bastando relembrar aqui a tio discu- tida quest2o da pristo civil do depositétio infiel e do duplo grau de jurisdigao, entre outras possibilidades. No minimo, ndo se pode deixar de admitir a possibilidade de uma inferpretagdo que yenha a reconhecer tm conflito insandvel por uma interpreta- ‘edo conforme e que, por via de consequéncia, possa resultar em uma declaragio de inconstitucionalidade de um ou mais aspectos do tratado (emenda) por violacdo das cléusulas pétreas. Seguindo esta linha de raciocfnio ¢ em se partindo da premissa de que no ha necessariamente uma hierarquia abstrata entre normas formalmente (e, em regra, ma- terialmente) constitueionais normas apenas materialmente constitucionais, a pro- pria incorporagao mediante emenda poderia até mesmo, a depender da exegese do novo § 3°, ser desvantajosa em relagio ao sistema anterior, a nfo ser que o Supremo Tribunal Federal passasse a assegurar ~ como de ha muito deveria té-1o feito ~ a hierarquia constitucional (em sentido material) dos tratados em matéria de direitos humanos, ainda que incorporados por Decreto Legislativo. Neste caso, a solugio de eventual contflito entre os direitos da Constituigao ¢ os dos tratados incorporados deveria observar, consoante jf sustentado no segmento anterior, os prinefpios herme- néuticos que regem as conflitos entre os direitos e principios originariamente reco- nhecidos pelo Constituinte, portanto, que exigem uma exegese t6pico-sistemitica € direcionada por uma adequada ponderacao dos interesses (valores) em pauta, sempre privilegiando, como destacado alhures, uma solugio mais favorével & garantia da dignidade da pessoa. De qualquer modo, no nos parece correto argumentar ~ notadamente em favor da inconstitucionalidade substancial do § 3° do ast. 5° - que o simples fato de os tra tados posteriores & EC 45 poderem (ou deverem, a depender da posigdo adotada) ser aprovados por emenda constitucional, ou, pelo menos, com observancia dos requisi- tos do artigo 5°, § 3°, conduziria inexoravelmente a uma deciséo em prol da hierar- ‘quia meramente legal dos tratados anteriores, No tocante a este ponto, considerames +08 Com ecto, embora ainda no tea ccortid ojlgamentodefinitvo endtacia jf rvelada pelos votos jt pro- fexdos(. RE a" 466.343/8P) indica x adogdo date dahirarguissupalegal dos tratados de dreltos hamsanos, que, vedavia coder em face da Contig. * Sobne 0 panto, v.0 nosso A Bfciia dee Ditrtos Pandanentis, especialmente p. 406 es ‘A EFIOACIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 135 estar diante de um falso problema, visto que, como ja demonstrado, a nova disposigao introduzida pela EC 45 pode ser compreendida como reforcando o entendimento de ‘que os tratados anteriores, ja por forga do art. 5°, § 2°, da CF, possuem hierarquia ma- terialmente constitucional, sem falar na interpreta ~ igualmente colacionada, m aqui questionada — de acordo com a qual os tratados anteriores teriam sido recepcio- tnados como equivalentes &s emendas constitucionais pelo novo § 3° do art. 5° Por outro lado, remanesce problemética a situacdo envolvendo eventual conflito tre 0s tratados incorporados por emenda e as eldusulas pétreas da Constituigao, j4 que, nesta hipétese, poderia a nossa Corte Suprema declarar a inconstitucionalidade da emenda que incorporow o tratado. Embora comreto o argumento, igualmente nao nos parece que esta seja a tinica conclusio possivel, ainda mais em se privilegiando uma exegese teleolégico-sistemitica, que parte do principio da prevaléncia dos di reitos humanos nas relagies internacionais (art. 4°, inc. II) e, de modo especial, de ‘uma leitura conjugada do conteido normativo dos arts. 5°, § 2°, € 5°, § 3°, todos da CP. Neste sentido, hé que destacar a tese de que a inovagio trazida pela Reforma do Judicifrio pode ser intexpretada simplesmente como assegurando hierarquia pelo menos materialmente constitucional jusfundamental a todos os direitos fundamentais (j4 que, uma vez incorporados, os direitos humanos passam também — ¢ acima de tudo — a serem todos fundamentais) e também formalmente constitucional aos tra- tados incorporados pelo rito de emenda constitucional, que, de resto, receberiam (de vez que alguma diferenciacdo nos parece inevitével) um tratamento distinto (no sentido de mais reforgado) quanto ao fato de se integrarem 4 Constituigao textual ¢ enrobustecerem a tese da impossibilidade de uma posterior dentincia do tratado ¢ da responsabilizagio até mesmo interna se este vier a ocorrer. Com isso, mediante a chancela da tese de que sempre todos os direitos fundamentais (incorporadas, ou no, or emenda constitucional) possuem status materialmente constitucional - compre- endido sempre no sentido de uma igual dignidade constitucional — eventual situagao conflitiva (mesmo em se cuidando de contraste entre emenda e disposig6es funda- ‘mentais da Constituicéo originéria) haveria de se resolver, até mesmo para impedir ‘um tratamento incoerente inconsistente de tais contflitos no ambito do sistema cons titucional, pelas mesmas ditetcizes hermenéuiicas, tendo como norte a solugdo mais afinada com a maxima salvaguarda da dignidade da pessoa humana, mais de uma vez ©, convém que assim 0 seja — colacionada neste contexto. Assim, se € certo que comungamos do entendimento de que talvez melhor tives- se sido que o reformador constitucional tivesse renunciad a inserirum § 3° no art, 5° ‘ou que (0 que evidentemente teria sido bem melhor) em entendo de modo diverso, ti- ‘esse se limitado a expressamente chancelar a incorporacio automética (apés prévia ratificagiio) ¢ com hierarquia constitucional de todos os tratados em matétia de direitos hhumanos, com a ressalva de que no caso de eventual conilito com direitos previstos pelo Constituinte de 1988, sempre deveria prevalecer a disposigio mais benéfica para © ser humano (proposta formulada por Valério Mazzuoli), também é correto que vis- Jumbramos no dispositivo ora analisado um potencial positivo, no sentido de viabilizar alguns avangos concretos em relagio a prixis ora vigente entre nés. Que uma poste~ rior alteragio do pr6prio § 3°, por forga de nova emenda constitucional, resta sempre ‘8€ Nese sentido, a posito sustentads, entre cutos, especialmente por F.Pivesso, “Reform do udlliioe Dit to Humanos' p 72-73, 136 ‘NGO WOLFOKNG SARLET aberta, ainda mais de for para reforear a protegio dos direitos fundamentais oriundos dos tratados intemacionais de direitos humanos, justamente nos parece servir de esti- mulo para vm esforgo hermenéutico consirutivo também nesta 4.3.4.5. Direitos apenas formalmente fundamentais? ‘Tendo em vista que a CF de 1988 aderiu a um conceito materialmente aberto de direitos fundamentais, hé que se cogitar, ao menos em tese, da existéncia de disposi tivos que, apesar de contidos no catélogo dos direitos fandamentais da Constituicio, nio sfo (por sua importancia, natureza ¢ substancia) direitos fundamentais no sentido material, ressalvando-se a existéncia (jé referida) de acirrada controvérsia a este re ppeito. Muito embora compartilhemos a opinido de que todos os direitos do catilogo Cconstitucional sio 20 mesmo tempo formal e materialmente fundamentais, é preciso reconhecer que 0s adeptos da posigao divergente, como € o caso de Vieira de Andrade «, entre 16s, Manoel Goncalves Ferreira Filho, encontrariam em nossa Constituigo uum terreno fértil para a identificagao de preceitos em condigdes de serem enquadrados na categoria dos direitos apenas formalmente fandamentais, visto que, na verdad, poderiam constituir normas de cunho organizatério, ou mesmo regras que poderiam simplesmente constar da legislagto infraconstitueional. Nao se pode, outrossim, des- considerar 0 fato de que hi direitos fundamentais que, em virtude de sua forma de positivagao, assumem a aparéneia de normas organizacionais. ‘Como exemplos, poderfamos citar, cientes do empirismo da opgao, 0 art. 14, 88 1a II (que dispe sobre o alistamento eleitoral, inelegibilidades, etc.) ¢ os diversos incisos ¢ parégrafos que integram 0 art. 17, com excegdo, talvez, do § 1°, que garan- te a autonomia aos partidos politicos. Também no elenco dos direitos individuais & coletivos do art. 5°, bem como no rol dos diteitos sociais (arts. 6° a 11), se detectam dispositivos de fundamentalidade material no minimo controversa, tais como 0 art. 5°, ines. XXVIII e XXIX, bem como o art. 7, ines. XI e XXIX, além de alguns dos incisos do art. 8°, que versa sobre a liberdade de associagio sindical. So dispositivos ‘que, sem difvida, nfo guardam relagio direta com a protegio da dignidade humana ou ‘que decorram de forma inequivoca dos prinejpios e do regime da nossa Constituigio como posicdes essenciais do individio na sua dimen: idual e social. Em summa, cuida-se de normas gue no se enquadram nos pardmetros (reconkecidamente empi- ricos e eldsticos) tragados para a identificagdo dos direitos materialmente fundamen- tais, muito embora nao estejam em discussao a importincia da matéria (ao menos no que diz.com alguns dos dispositivos) ¢ a pertinncia de sua previsio na Constituicio formal com 0 objetivo de evitar sua disponibilidade ampla por parte do legislador ordinario. Nao se podera deixar de considerar que incumbe ao Constituinte 2 opgio de guindar A condigio de direitos fundamentais certas situagdes (ou posigdes) que, na sua opinio, devem ser objeto de especial protecao, compartilhando o regime da fundamentalidade formal e material peculiar dos direitos fundamentais, 4.3.5, Possibitidades ¢ limitagdes do conceito material de direitos fundamentais Quanto mais se avanga na andlise do tema, mais nos deparamos com uma va- riada gama de indagag6es ¢ um niio menos diversificado espectro de problemas. Um AEFICACIA DOS DIREITOS FUNDAMENTASS 137 pecto que merece, 20 menos, menco tangencial é 0 que diz respeito aos limites do conceito material de dircitos fundamentais. A pergunta que se coloca, neste contexto, 6 até onde vai a competéncia criativa do intéxprete no que tange a identificagtio de posiges jurfdicas expressamente positivadas ou nio-escritas, constem, ou no, da Constituigao formal No que concemne & possibilidade de o poder constituinte derivado elevar deter- minadas posig6es juridicas & categoria de direitos fundamentais, em princfpio no parece que possa haver maiores problemas, a nao ser no caso de eventual ofensa as “cldusulas pétreas”, o que, em termos gerais, ndo ocorre com o acréscitno de outros direitos aos enunciados no catélogo positivado pelo constituinte origindrio. Todavia, Jéino que se zefere ¥ atividade judicifria, que assume especial relevancia no tocante & problematica apresentada neste estudo, a situacio assume contomos nitidamente dis- tintos. Sob um primeiro Angulo, podemos encontrar um evidente limite em conside- rando que a distribuigo de competéacias inerente a0 Estado democritico de Direito, de modo especial na formulacdo do principio da divisio de tarefas entre os diversos 6rgaos do poder estatal, nao permite que o Judiciério substitua 0 legislador na sua tarefa precipua de criagdo do direito, quanto mais em se tratando de direito constitu- cional. E evidente que a linha divisdria entre a atividade judicante e legislativa nio é nuito precisa, o que se evidencia ainda com maior intensidade na seara constitucio- nal, onde se multiplicam 08 exemplos de conceitos abertos ¢ fluidos, carecendo de concretizagao pela via interpretativa, Por mais que se possa (e deva) colocar em dis- cussio essa problemética, devemos ter em mente que a tarefa do Judicisrio, no campo da identificagio c localizagio dos direitos fundamentais situados fora do catalogo da Constituiga0, é, acima de tudo, a de idemificar revelar o que ja existe, ainda que de forma implicita, sem prejuizo de uma atividade criadora de cunho suplementar € ampliativo. Assim, em prinefpio, acreditamos que a busca de direitos fumdamentais situados fora do catélogo deve ater-se preferencialmente & Constituigao, iniciando pelos expressamente positivados (ainda que fora do catélogo), deixando os implicitos e decorrentes para um segundo momento, voltando-se, apés, para as regras de direito internacional (especialmente tratados). Esta ordem de preferéncia revela sua van- tagem quando se cuida de aquilatar o regime juridico que compartilham os direitos fundamentais fora do catilogo, de modo especial, 0s direitos com sede em tratados intemacionais que, em regra, sio tidos como apenas materialmente fundamentais. Outro aspecto a ser consideraclo, de modo especial no caso brasileiro, é a ex- tensio do catélogo dos direitos fundamentais (individuais e sociais), que recomenda = para além dos motivos j4 ventilados — extrema cautela na busca de outros dircitos substancialmente equivalentes, inclusive para evitar uma vulgarizagdo da categoria dos direitos fundamentais, que devem integrar 0 mticleo material da Constituigao, Aqui assume particular relevo o eritério ja referido da equivaléncia, seja no que diz com 0 contetido, seja no que tange & importincia de determinada matéria para o sen- timento juridico dominante em dado momento histérico. Ainda no que concerne aos limites da concepca0 materialmente aberta de di- reitos fundamentais consagrados pelo direito constitucional pittio, importa frisar a distingdo entre as diversas opgdes que nos oferece o art. 5°, § 2°, da nossa Lei Fundamental. Neste sentido, niio devemos negligenciar a evidente diferenga entre a operagdo realizada pelo intérprete quando, com base em norma expressamente posi= 138 INGO WOLFGANG SARLET | | | | | tivada na Constituig&o, mas fora do catélogo, examina se esta contém, & Juz do prin- cipio da equivaléncia em contesido ¢ importéncia, auténtico direito fundamental (em sentido material ¢ formal), ou quando é instado a teconhecer como direito fundamen- tal alguma posi¢ao juridica previamente qualificada como direito humano em tratado intemacional devidamente ratificado pelo Brasil. Aliés, nesta itima hipétese, € mes- mo de questionar-se a necessidade de se proceder a uma avaliaeao da equiparagio ou se, do contrétio, bastaria apenas uma andlise a respeito da auséncia de um contlito direto com os direitos fundamentais do catélogo. De qualquer modo, vislumbra-se, desde ja, tratar-se de situagdes que no podem ser tidas como totalmente equivalen- tes. Tratando-se de direitos escritos, ou nao, a decistio que erige determinada posicio juridica & condigdo de direito fundamental deve ser devidamente fundamentada, jus. tificando a opgio tomada e os critérios utilizados, Diversa também € a atuago do intérprete quando se trata da identificagio de direitos fundamentais nao-escritos, mais especificamente, dos assim denominados Gireitos implicitos ou decorrentes do regime e dos prinefpios. Na primeira hipétese, cuida-se de analisar se determinada posicao juridica, por subentendida em alguma norma expressa do catdlogo constitucional, pode ser tida como abrangidas pelo seu Ambito de protegio, considerando-se assim implicitamente nele contida, Neste caso, conforme frisado alhures, hé que ter em mente que a hipstese de se incluir certa posigo no campo de abrangéncia de determinada norma de direito fundamental no equivale & criagio propriamente dita de um novo direito, mas, sim, & definigto (ou redefinigo) do campo de incidéncia de um direito fundamental jé consagrado na Constituigo, ampliando 0 seu Ambito de protegao. Esta solugao, salvo melhor juizo, se harmoniza com a sistemética adotada pela nossa Carta, além de nao conflitar ne- cessariamente com as limitagdes tragadas pelos prinefpios da separacdo de poderes € do Estado de Direito, ‘Todavia, néo ha como deixar de considerar que a nogio de direitos implicitos, tomada em sentido amplo e nao restrita aos direitos subentendidos nas normas defi- nidoras de direitos e garantias, inclui os direitos decorrentes do “regime” e dos “prin- cfpios” consagrados pela nossa Constituigio. Aqui, conforme demonstrado alhures, exercendo plenamente sua competéncia criativa, 0 intérprete atua na “construgao ju- risprudencial do direito”, revelando os direitos fundamentais que se encontram em. estado latente em nossa Caria e que podem ser deduzidos diretamente do regime (democracia social) nela consagrado e dos principios fundamentais que informam a ordem constitucional (arts. 1° a 4°). Aligs, na esfera dos direitos fundamentais niio- escritos, é de se indagar a respeito da prdpria necessidade da existéncia da norma contida no art. 5, § 28, da CF, jé que a dedugdo de direitos implicitos (subentendidos) 0 desenvolvimento de direitos nao-escritos com base nos princfpios fundamentais da Constituigao, em decorréncia da forga expansiva destes, podem ser considerados algo inerente ao sistema. Neste sentido, o art. 5°, § 2°, passaria a exercer fungaio pre- ponderantemente didatica nesta seara, chamando a atengaio do intérprete para esta possibilidade de identificagdo de direitos implicitos e construgao jurisprudencial de novos direitos ndo-escritos, além de autoriz4-lo expressamente a tanto. Outra limitago importante para uma compreensio e aplicago constitucional- mente adequada do conceito material dos direitos fandamemtais diz respeito & ne- cesséria harmonizagao entre os direitos “revelados” pelo intérprete ¢ a sistematica AEFIOACIA 00S OIREITOS FUNDAMENTANS 139 da Constituigtio, Assim, deve-sc atentar para a problemética que diz com a forma de incorporagao a0 direito intemo ¢ a posigdo hiersrquica dos direitos fundamentais de origem internacional (¢ até mesmo legal, para aqueles que os admitem), uma vez que 08 rumos a serem tomados dependem, em diltima andlise, do posicionamento a este espeito. Mesmo que se outorge 20s direitos sediados em tratados intemnacionais po- sido equivalente aos dieitos fundamentais constitucionais, a solugio jamais poderd ser a de sacrificar um dos diteitos em rota de colisao, aplicando-se, neste particular, as regras de praxe, procedendo-se & ponderagtio dos valores em paula, A luz do pr cipio da concordancia prética e da proporcionalidade:*" © problema crucial reside, portanto e acima de tudo, em como conciliar os direitos humanos (cansagrados em ‘normas internacionais) com os direitos fundamentais constitucionais, Todavia, em se tratando da extensio do Ambito de protegio (ou dos direitos “implicitos”, se preferirmos fazer uso desta terminologia) ¢ dos direitos decorrentes do regime e dos prinefpios fundamentais de nossa Carta Magna, parece inequivoco que as posigdes enquadradas nesta categoria se revestem da mesma forca juridica dos direitos fundamentais do catélogo da Constituigdo, constituindo dircito imediatamen- te aplicavel (art. 5*, § 1°, da CF) e passando a integrar o rol das “cléusulas pétreas” (art. 60, § 4°, ine, IV, da CF), 0 que se aplica igualmente os direitos expressamente Positivados na Constituigo, mas fora do catilogo, consoante, aliés, ja decidiu 0 nos- so Supremo Tribunal Federal no jé referido aresto envolvendo a constitucionalidade do IPMF. Também as hipéteses de colisdes entre direitos fuadamentais (de origem internacional, ou no), como jé frisado, podem suscitar diversos problemas, campo onde assumem relevancia princfpios hermenéuticos como os da proporcionalidade, concordancia prética, otimizagdo dos valores constitucionais em jogo, entre outros que no cabe aqui aprofundar, mas que se impe sejam mais explorados. O que deve- ‘mos ter em mente é a existéncia de restrigdes impostas pela ordem constitucional ao conceito material de dircitos fundamentais, de tal sorte que podemos perfeitamente falar de “limitagdes imanentes” também nesta sea ‘© A resto do principio da proporcionalidade, v. ence ousos a eceaee expresiva contigo cca de H.B, Avila, “Acting entre principio eregras ea redeTnico do ever de poporcionalidae in: RDA w 218 (1999), 152s, suzntando que a proporciopaldade atua mas precise cum postalado nonnativo-alicaive en ropiamente como principio, sguindo-se a concepstoprncipioiiica de Aleny soe opincpi da propenional ste, por um carte diddico, vale ands Iembraroensie de H. Scholle, "opineipia ds poporcioaldade no diel. ‘sonstitucioal eadminsttiva da lemanka in: Rent Interese Paco a2 (1999), 140 eo WoLFoMesALET 5. A perspectiva subjetiva e objetiva dos direitos fundamentais, sua multifuncionalidade e classificacao na Constituigao de 1988 5.1. A dupla perspectiva dos direitos fundamentais na condi normias objetivas ¢ direitos subjetivos: significado e alcance 5.1.1. Consideragdes pretiminares ‘A constataco de que os direitos fundamentais revelam dupla perspectiva, na ‘medida em que podem, em principio, ser considerados tanto como direitos subjetivos individuais, quanto elementos objetivos fundamentais da comunidade,"® constitui, sem sombra de ditvidas, uma das mais relevantes formulagées do direito constitu- cional contemporiineo, de modo especial no 2mbito da dogmitica dos direitos fumda- mentais.* Neste contexto, cumpre referir a ligio de Biickenfrde, que, em classico ensaio sobre a teoria dos direitos fundamentais, j4 havia alertado para a circunstancia de que o reconhecimento de uma perspectiva objetiva dos direitos fundamentais en- controu eco em todas as modemas teorizagdes sobre este tema." No que concei ze 20 direito patrio ~ ao contrério das doutrinas espanbola ¢ lusitana, onde o tema {6 encontrou maior receptividade -, impende reconhecer, no entanto, que a referida perspectiva objetiva dos direitos fundamentais ainda nio foi objeto de estudos mais aprofundados, encontrando, por isso, t{mida mas crescente (em termos quantitativos € qualitativos) aplicagio." “© Bsa, porexemplo, formulacio de K. Hesse, Grandoe p. 127 “© Neate sentido, D, Grin, Die Zant der Verasning, p. 2 “8 BW, Bockeafbrde in: IW 1974, p. 15296 ae “4 problemaien foi objeto ds oportuna refeéncia m8 celativamentecente obra de R.D. Stumm, Principle da Propercionaldade no Dire Constuionl Bratieiro,p. 124 «ss, embor 0 tena sido aalsads com mae ‘rofundidede e sob todos os sausngulor, em vitide do lems espacio da investigagao da entra. Tamm S. {Ge Toledo Bastos, © Principio da Proporcionalidede e o Controle de Consttuionaldade das Lets Restiivas de Diretos Fundamentats p. 128 04, fer slasto dupa prspectiva objeivaesubjenva dos direitos fundamen Higa congas arid .Bonavise, um dx expen do contocienalsm pi ae, com ine tno epfundade Ie so pares, mis deta ene o ema een, centanda si ae tn dimensi institutional dos direitos fundamentise, num segundo momento desta obi, no problema de Sua Inerptetagio (Curso de Direta Constiueional 9.481 88, e P93 088). Mais Fecetemente, 25 Comilg es 'AEFIGAGIA DOS DIREITOS FUNDAMENTASS 141

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