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HISTÓRIA: !

! 1 Teoria e metodologia da História. !


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1.1 A natureza do conhecimento histórico. !
- HISTÓRIA É CIÊNCIA DOS HOMENS NO TEMPO - ANNALES, BLOCH.!
- Reflexão do tempo presente que se remete ao passado;!
- Construção (com base em fontes) estabelecida de uma geração para outra;!
- Relaciona-se com o conceito de verdade, é uma interpretação sobre o passado - não existe nada
absoluto; !
- Trabalho histórico não é “descoberta”, mas construção do conhecimento sobre passado a partir de
indivíduos !
- Profissionalização separa o discurso mítico do ofício do historiador;!
- Historicamente se relaciona com poder: quem teve direito à história? Elites, grandes personagens,
indivíduo como projeção do contexto - História vista de cima.!
- Ser humano é um SUJEITO HISTÓRICO, ou seja, ele é a fonte da história; essa é a natureza do
conhecimento histórico, o ser humano, a sua produção cultural e ações em sociedade.!
- Moradiellos: história tem papel fundamental na construção de identidades sociais!
• Apropriar-se do passado é mecanismo de auto-preservação.!
- Se desfaz ilusão do “dado puro”, presença inevitável do sujeito historiador (Concepção subjetivista e
relativista) !
- Inicialmente foi relacionada ao surgimento da escrita;!
- História & Mito - deixa de ser mito e vira racionalidade científica; !
- A autoridade do discurso: quem pode falar sobre o passado?!
- A memória e oralidade como referência para construção do texto científico e para sua fundamentação -
por um tempo a legitimidade inquestionável do texto escrito;!
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1.2 Tempo histórico. !
- Tempo é a duração da realidade social, só existe “dentro” da história!
- É sempre o mesmo, o que varia é percepção sensorial!
- Não é linha contínua e homogênea!
- Anacronismo é a falta de sensibilidade em relação à mudança histórica, deslocamento do tempo e
conceitos.!
- Relação de possibilidades, história é o que aconteceu no contexto do que poderia ter acontecido!
- Processo de distinção entre passado e futuro (experiência e expectativa) constitui o “tempo histórico” -
Koselleck!
• Imprescindível e datação e cronologia, mas interpretação das circunstâncias daqueles conteúdos
sociais vai além!
• Tempo é construção cultural que em cada época determina um modo de relação entre o passado
(experimentação) e as possibilidades do futuro.!
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1.3 O ofício do historiador. !
- o trabalho do historiador é procurar entender o passado e o que ele significa para as diferentes
sociedades!
- o que demarca a história e o ofício é o compromisso com a verdade - necessário defender a supremacia
da evidência (Hobsbawn)!

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1.4 A historiografia e o pensamento histórico. !

Positivismo, séc XIX: Comte, história com rigor científico, autonomia do objeto, observação é base sólida
do conhecimento. Fenômenos sociais submetidos à leis naturais. Fato>Teoria. História econômica social
em oposição à grandes genealogias. História a partir de documentos, dados “extraídos” das fontes!
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Annales, a partir 1929: !
1a geração: Febvre e Bloch, interesse por história social que contemplasse todas as esferas da atividade
humana, protagonizando todos os seres. !
Renovação metodológica e temática. !
Bloch: história é ciência dos homens no tempo. !
Fato histórico é construído pelo historiador. História problema - perguntas para o passado. !
História total: todos os aspectos da atividade humana, não só descrição de acontecimentos, mas estrutura
e conjunto. !
Na escola dos Annales, entrou em jogo a perspectiva de análises sobre as conjunturas!
presentes vinculadas à pesquisa histórica; !
O periódico criado era chamado de Annales d’histoire économique et sociale e foi lançado em 1929.!
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Marxismo remeteu para o mundo dos homens a explicação da história, homens fazem história em
circunstâncias que não são escolhidas por eles. Análise da sociedade deve começar por análise modo de
produção. Forças sociais passam a ser explicação da história. Contradições internas dos sistemas
socioeconômicos fornecem o mecanismo para a mudança que se torna desenvolvimento - existência
simultânea de elementos estabilizantes e perturbadores: (MODELO DIALÉTICO). Marxistas britânicos
recentes (Hobsbawn, Perry Anderson, Thompson): história de baixo pra cima, mulheres, trabalhadores,
minorias. Classes baixas não são vistas!
de forma isolada, mas no contexto das relações e confrontos de classes historicamente específicos. !
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1.5 História oral. !
Problema é que memória é representação seletiva do passado - não é somente do indivíduo, mas sua
inserção no contexto. Relação com a memória, que é fonte e fenômeno social. Surgiu com gravador na

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década de 1950. Espaço de contato e influência interdisciplinares, fenômenos que nos permitam, através
da oralidade, oferecer interpretações qualitativas de processos históricos.!
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1.6 A problemática das fontes e sua diversificação para o enriquecimento da investigação
histórica. !
- Não é a documentação que exige pesquisa, mas problema do historiador que, ao processar
documentos, constituem as fontes. Relação de diálogo, busca de dados é guiada pelo objetivo da
pesquisa.!
- Primária: documentos originais, decorrência direta do acontecimento, hierarquia com fontes
secundárias.!
- Fontes escritas são 2x indiretas: escritas por outros e ligadas à cultura dominante (Ginzburg) !
- A cultura popular existe para além do gesto que a elimina? Não.!
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1.7 O território e a cidade como documentos históricos. !
- Espaço é fruto de operação social, não é dado.!
- Espaço total e local, aspectos da mesma realidade espacial. !
- Espaço é dimensão do acontecer histórico!
- Conceitos recentes: !
• ! Não lugares - antropologia, sociedade atual produz espaços organizados que não proporcionam a
formação de identidades, relações e história como shopping, metrô.!
• ! Globalização - desarticuladora de territórios, desterritorialização (debate se reforça hierarquização
e heterogeneidade do espaço) !
- O ser humano é capaz de transformar um espaço em território ao exercer ali um domínio e uma relação
de poder.!
- O ser humano, ao obter um território, concretiza o ideal de materialidade, fora a materialidade, as
outras representações sobre um território são abstratas.!
- Em um determinado território, os seres humanos conseguem construir sua identidade, e, além disso,
estabelecer relações institucionais.!
- A formação das cidades é importante para explicar a história das diversas sociedades humanas.!
- É muito importante ressaltar que a criação da noção de território e da formação das cidades são
também documentos históricos que devem ser avaliados pelos historiadores ao estabelecerem suas
pesquisas sobre uma determinada sociedade.!
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1.8 Tempo e temporalidade. !
Bagú: Multiplicidade de formas de perceber o tempo!
• ! Tempo organizado como sequência: transcurso, continuidade, ciclos curtos médios e longos,
realidade social gera sucessão.!
• ! Tempo organizado como rapidez de mudanças, riqueza de combinações: intensidade.!
História não pode entrar no campo da profecia, só podemos vislumbrar hipóteses ou possibilidades
identificadas no momento presente. Estruturas e seus processos e mecanismos de reprodução estão
voltadas a restringir o número de coisas passíveis de acontecer !
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1.9 Longa duração. !
Braudel, Annales: relação homem - natureza!

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Fernand Braudel; ele faz uma crítica à História Tradicional, de que a história tem “oscilações breves,
rápidas, nervosas”; para ele, um determinado fato histórico que tem longa duração é quase imóvel.!
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1.10 Regimes de historicidade. !
Hartog: formulação da experiência do tempo que, em retorno, modela nossos modos de dizer e viver
nosso próprio tempo. Regime de historicidade abre e circunscreve um espaço de trabalho e pensamento,
dá ritmo à escrita e apresenta uma “ordem do tempo”.!
! Quando a relação entre passado e futuro era regrada pelo passado, este era o tempo da história
“mestra da vida”, ou o “antigo regime” da escrita da história. A partir da Revolução Francesa não cabe mais
ao passado esclarecer o futuro, quem domina é o ponto de vista do futuro, esse vai esclarecer o passado.
É o regime moderno de historicidade.!
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1.11 Relações interdisciplinares. !
Fronteiras das disciplinas ocorrem no marco das teorias.!
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! 2 História cultural. !
Annales, 1929, propõe história problema através da formulação de perguntas ou hipóteses de trabalho. -
oscilou entre “ciência dos homens no tempo” e “conhecimento cientificamente elaborado” História total:
amplia noção de fonte e promove interdiscipl. !
Passagem da história econ-social p/ história cultural: não é mais estrutura, mas ação do sujeito o
interesse. Idéia de representação, substitui objetividade e veracidade!
O terreno comum dos historiadores culturais pode ser descrito como a preocupação com o
simbólico e suas interpretações. - Burke!
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2.1 Nova História cultural. !
- Conjuntura anos 60.!
- Estudo antigo, Burckhardt em 1860, Chartier é expoente!
- Propõe dar conta das realidades culturais da vida social!
- Influência antropologia!
- “Cultura é um contexto dentro do qual símbolos podem ser descritos com densidade”!
- Rechaça reducionismo história econômica e política!
- Abandona sonho da objetividade e reconhece o papel da imaginação na construção histórica!
- Chartier: história cultural tem por principal objeto identificar o modo como em diferentes lugares e
momentos uma realidade social é construída, pensada - identificar representações da realidade social!
- Representações do mundo social construídas por diferentes grupos e classes dão sentido ao presente,
outro, espaço. !
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2.2 A consolidação do campo disciplinar a partir da Nova História. !
- A Nova História é uma herança da Escola dos Annales; e, nela, as novas abordagens são a micro-
história, a história do cotidiano, a história vista debaixo, a história regional etc.!
- Sem autor central, decomposição da história em práticas parciais/migalhas. !
- Reinvenção e reciclagem das fontes, multiplicidade de documentos.!
- Prática política, Transformação do ensino popular na Inglaterra, livro didático. !
- Thompson e influência no BR: Emilia Viotti da Costa, Laura de Mello e Souza.!
- Historiador vira especialista!
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2.3 Metodologia de investigação histórica. !
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2.4 História serial. !
A Escola dos Annales na segunda fase também criou o conceito de História Serial, que refere-se ao uso de
determinado tipo de fontes (homogêneas, do mesmo tipo, referentes a um período coerente com o
problema a ser examinado) que permita uma forma específica de tratamento historiográfico (a serialização
de dados, a identificação de elementos ou ocorrências comuns que permitam a identificação de um padrão
e, em contrapartida, uma atenção às diferenças, às vezes graduais, para se medir variações).!
! Braudel: perpesctiva longa duração, séries homogêneas de dados para atender necessidades de
pesquisa - criticada.!
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2.5 Micro história. !
- Redução de escala - Ginzburg (Queijo e os Vermes), Levi!
- Recuperar complexidade da realidade histórica, reflexões acerca’da relação entre o indivíduo e a
sociedade, do particular com o geral.!
- Fatos insignificantes e casos individuais podem servir para revelar um fenômeno mais geral!
- Não é disciplina nem técnica, não se baseia em textos ou manifestos teóricos, é prática historiográfica.!
- Não só o coerente, mas o “excepcional normal” dentro do contexto.!
- No BR, Henrique Espada Lima, Vainfas.!
- Construção de um paradigma que, sem abrir mão da perspectiva científica, dependesse do particular
para reconstruir a complexidade do real.!
- Micro é o ponto onde se captam melhor os fenômenos mais gerais.!
- Estudo intensivo das fontes!
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2.6 História e representações culturais. !
Representação é campo de concorrência e competições: são aquelas que grupos modelam de si próprios
ou dos outros (apropriação).!
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3 História e patrimônio cultural. !
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3.1 História e memória social. !
Ricoeur: esquecimento como dimensão da condição histórica humana. Memória não é matriz da hustória,
mas reapropriação do passado histórico por uma memória que história instruiu. !
Memória Social vem para auxiliar o historiador na busca por aqueles fatos que, em determinado momento,
ficaram de lado, não foram considerados “adequados” o suficiente para serem revelados em um
determinado estudo. Com a Nova História houve uma reformulação do estudo da História, e passou-se a
dar importância também a esse tipo de história, das minorias, que são justamente as histórias de pessoas
comuns, que, no silêncio de seus cotidianos anônimos, viveram experiências regadas de sentido e de
sabedoria.!
A memória não é história, é um complexo mecanismo de reconstrução do “passado do presente”, ou
seja, de legitimação no presente das opções de uma sociedade, e dos seus diferentes grupos culturais ou
sociais. A memória é, por isso, um instrumento estruturador de identidades, o que na prática significa que
ela ajuda a segregar: as memórias de uns não são as memórias de outros, pois ambas são informadas por
perspectivas actualistas distintas. A memória é, ainda, um mecanismo ideológico de compensação face a
perdas ou fragilidades de um determinado grupo ou sociedade: a perplexidade no presente e a ansiedade
frente ao futuro, são equilibrados pelas “certezas” sobre o passado.!

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3.2 Lugares de memória. !
Lugares de Memória remetem a locais onde são construídas as fontes históricas. !
Pierre Nora, os Lugares de Memória devem ter um simbolismo para um determinado grupo social:!
Mesmo um lugar de aparência puramente material, como um depósito de arquivos, só é lugar de memória
se a imaginação o investe de aura simbólica. Mesmo um lugar puramente funcional, como um manual de
aula, um testamento, uma associação de antigos combatentes, só entra na categoria se for objeto de um
ritual. Mesmo um minuto de silêncio, que parece o extremo de uma significação simbólica, é, ao mesmo
tempo, um corte material de uma unidade temporal e serve, periodicamente, a um lembrete concentrado
de lembrar. Os três aspectos coexistem sempre (...). É material por seu conteúdo demográfico; funcional
por hipótese, pois garante ao mesmo tempo a cristalização da lembrança e sua transmissão; mas
simbólica por definição visto que caracteriza por um acontecimento ou uma experiência vivida por pequeno
número uma maioria que deles não participou.!
Na década de 1990 houve o avanço do campo do patrimônio cultural no sentido de criar novas categorias
e instrumentos para a proteção e valorização de uma gama mais plural e diversificada culturalmente de
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bens, passando a coexistir, junto ao tombamento, o instrumento do registro (Decreto nº 3.551, de 2000).
Nesse processo, a categoria Lugar se consolidou como forma de compreender um referencial cultural
especializado, cujo valor não se concentra estritamente em seus aspectos construtivos ou históricos.
Desse modo, a categoria diz respeito a um recorte espacial dotado de significação cultural e social
expressas no tempo presente por meio da relação que pessoas e grupos estabelecem com ele. Nesse
sentido, a categoria Lugar compreende demarcações físicas e simbólicas no espaço, “cujos usos
qualificam e lhes atribuem sentidos de pertencimento, orientando ações sociais e sendo por estas
delimitadas reflexivamente” (LEITE, 2004, p. 35).!
Um elemento importante para a compreensão da categoria diz respeito a sua unidade. Nesse sentido,
diversas composições são possíveis. O Decreto nº 3.551 determina que no Livro de Registro dos Lugares
“serão inscritos mercados, feiras, santuários, praças e demais espaços onde se concentram e reproduzem
práticas culturais coletivas”. Mas as possibilidades são múltiplas, como um bairro, um conjunto de prédios,
uma zona de mata, uma casa, um conjunto de cavernas, um estádio de futebol. Não necessariamente
deve haver uma contiguidade espacial na definição da unidade. Como Lugar se pode entender, por
exemplo, um conjunto de fontes de água em uma região ou de caminhos que estejam relacionados entre
si, pois, mesmo não estando em contato físico direto, o valor cultural de cada um apenas se constituiria no
interior do conjunto. !
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3.3 Cultura e identidade. !
! O termo identidade se presta a diversas definições segundo as diversas áreas disciplinares. As
discussões sobre o termo na teoria social frequentemente foram apropriadas pelo campo do patrimônio
cultural. Assim, é útil acompanhar a dinâmica de transformação dessa expressão no campo das ciências
sociais. Nesse caso, identidade se relaciona com a concepção que o indivíduo tem de si mesmo e do seu
pertencimento e sua afiliação a grupos. !
! É possível dizer que, nos Estados pré-modernos, as identidades eram proporcionadas pelo
nascimento. Fazer da “identidade” uma tarefa para toda a vida foi, segundo Bauman (2005, p. 56), um ato
de “libertação da inércia dos costumes tradicionais, das autoridades imutáveis, das rotinas
preestabelecidas e das verdades inquestionáveis”. O “sujeito do Iluminismo” é a noção do ser humano
considerado um indivíduo totalmente unificado, “dotado das capacidades de razão, de consciência e de
ação” (HALL, 2001, p. 10). Nesse caso, o núcleo interior do indivíduo, que nascia com ele, desenvolvia-se,
mas permanecendo, em essência, o mesmo ao longo da vida da pessoa, era a sua identidade. !
! Entretanto, é consenso nas ciências sociais pensar que nem o indivíduo se constitui alheio a seu
contexto social e nem a sociedade é um todo exterior e alheio às especificidades das trajetórias
individuais. Berger e Luckmann (2004, p. 179) afirmam que “a identidade é um elemento-chave da
realidade subjetiva e [...] encontra-se em relação dialética com a sociedade”. Nesse caso, a
individualização é entendida como o resultado da socialização e a identidade é formada na interação entre
o “eu” e a sociedade (HALL, 2001). Portanto, as identidades são sociais e os indivíduos se projetam nelas,
ao mesmo tempo em que internalizam seus significados e valores, contribuindo assim para alinhar
sentimentos subjetivos com as posições dos indivíduos na estrutura social. !
! Identidades podem ser partilhadas em sistemas mais vastos, como, por exemplo, a identidade
nacional, que tem uma relação densa com a noção de patrimônio cultural. A consolidação dos Estados
nacionais resultou de processos, ao longo dos séculos XVII, XVIII e XIX, que envolveram disputas e
estratégias diversas para o estabelecimento de um sentimento de cultura partilhada entre os membros da
nação. A identidade nacional dependeu, sobretudo, do reconhecimento de um “passado comum”
sustentado por “tradições inventadas” (HOBSBAWM, 2012) ou reapropriadas, mitos fundadores da nação,
lendas de tradição oral, versões oficiais da história no espaço geograficamente delimitado do Estado-

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nação. Os bens que formam o patrimônio histórico e artístico viriam objetivar, conferir realidade e legitimar
a “comunidade imaginada” (ANDERSON, 2008) que é a nação, materializando a sua ancestralidade. !
! No Brasil, nos anos finais da década de 1930, no regime do Estado Novo, o país passou a ter uma
política cultural voltada para a construção de uma identidade unificada de nação. Diversas leis e
instituições governamentais foram criadas com o objetivo de possibilitar uma intervenção sistemática do
Estado no imaginário nacionalista da sociedade. Em 1937 foi criado o Serviço do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (Sphan) e promulgado o Decreto-lei nº 25, de 30 de novembro, organizando a proteção
do patrimônio histórico e artístico nacional. Nesse contexto, tínhamos um campo intelectual nacionalista
associado ao movimento modernista que pensava tradição e modernidade de forma associada e
conformou o discurso sobre o patrimônio histórico e artístico no Brasil. Chuva (2003) ressalta que somente
nomear esses intelectuais como “modernistas” acaba por esconder os debates em torno da criação da
nação que estiveram em pauta desde os anos 1920 e foram incorporados pelo Estado na década de 1930.
O discurso sobre patrimônio só era homogêneo e consensual para o grupo de intelectuais do Sphan,
tratando-se, nesse período, do campo cultural mais amplo a vários grupos em confronto e conflito sobre o
que seria a identidade da nação brasileira. (SANTOS, 1996).!
! O pensamento que se consolidou em relação ao patrimônio constituía a nação brasileira,
afastando-se dos regionalismos no sentido de permitir o pertencimento brasileiro no rol das nações
modernas. Partindo da crença na universalidade da arte e da cultura, o grupo do Sphan valorizou o
passado colonial, que representava as “origens” da nação, de matriz portuguesa, mas, a partir desta, iria
se configurar num universo típico do Brasil. A produção artística do Barroco mineiro foi considerada como
a primeira arte genuinamente brasileira e enquadrada na classificação tradicional da história da arte do
mundo ocidental (CHUVA, 2003). !
! Na segunda metade do século XX houve uma reorientação dos discursos e estratégias das
instituições associadas à preservação dos patrimônios culturais. No mundo do pós-guerra e da
descolonização das colônias africanas, as primeiras ações da Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) se relacionavam com os domínios culturais tradicionais, como
os museus, a literatura e a música. Na década de 1970 surgiu a noção de “patrimônio da humanidade”,
que se tornou categoria chave para as políticas da Unesco, e questões como a dimensão cultural do
desenvolvimento e a diversidade das culturas nacionais como base essencial do progresso humano
emergiram (UNESCO, 2011). No campo das políticas culturais, a discussão dos direitos humanos se
centrou, nesse período, no debate entre a universidade de determinados valores e o relativismo cultural. !
! Em 1982, a Conferência Mundial de Políticas Culturais, realizada no México, foi o marco de uma
redefinição dos conceitos de cultura e patrimônio nessa esfera. O conceito de cultura incluiu modos de
vida, direitos humanos fundamentais, sistemas de valores, tradições e crenças e, desse modo, a nova
definição de patrimônio passou a envolver tanto criações tangíveis e intangíveis como aquelas de tradição
oral. A discussão da questão nacional foi associada à ideia de que identidade e diversidade culturais são
inseparáveis e a noção de pluralismo cultural se relacionou ao reconhecimento da coexistência de
diversas identidades culturais e tradições associadas a grupos sociais específicos. Posteriormente, em
1989, a Recomendação sobre a salvaguarda da cultura tradicional e popular foi o primeiro instrumento
legal da Unesco orientado para o patrimônio imaterial. Mais tarde, em 2003, foram consolidadas as
diretrizes para a valorização, identificação e reconhecimento desse patrimônio com a Convenção para a
salvaguarda do patrimônio imaterial (UNESCO, 2011).!
! As discussões sobre a cidadania passaram a se articular com práticas e concepções de identidade
social que descentraram “princípios de estruturação universalizantes (como os de classe e nação)
fortalecendo politicamente as minorias raciais, étnicas ou de gênero e suas alianças
transnacionais” (ARANTES, 1996, p. 9). Cada vez mais, a socialização finita e estável que definia a
personalidade pessoal e a integrava ao espaço social deu lugar a um processo permanente de
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socialização e adaptação a novos contextos. A identidade se tornou uma “celebração móvel”,
continuamente transformada em relação às formas pelas quais os indivíduos são interpelados nos
sistemas culturais (HALL, 2001; BAUMANN, 2005). As práticas de preservação do patrimônio cultural
passaram a ser apropriadas como instrumento de construção de cidadania e afirmação social de
identidades de grupos que demandam visibilidade social e acesso a direitos.!
! No Brasil, desde a saída, em 1967, de Rodrigo Melo Franco de Andrade da presidência do Sphan,
as mudanças em relação às práticas de preservação caminharam no sentido de apresentá-las como
compatíveis ao processo de desenvolvimento e aos novos parâmetros internacionais de preservação. Mais
tarde, no período de redemocratização do país, noções como “participação da comunidade” e “direitos
culturais” se tornaram importantes recursos para a legitimação de uma política cultural que se pretendia
democrática (FONSECA, 1996). A criação, em 1975, do Centro Nacional de Referência Cultural (CNRC),
que buscava entender as diversas formas de produção cultural e seus modos de circulação e consumo
nas comunidades e grupos sociais locais, e depois sua integração, em 1979, à Fundação Nacional Pró-
Memória, foram importantes na ampliação da noção de patrimônio e na representação mais plural da
cultura brasileira. A noção de referência cultural reconhece o “povo” como coautor das políticas culturais e
se expressa nos artigos 215 e 216 da Constituição Federal promulgada em 1988. !
! O Decreto 3.551, de 2000, que instituiu o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial, veio
reconhecer que o campo cultural diz respeito à totalidade da vida social e como tal é preciso considerar
que as expressões culturais que fazem referência a identidades, tal como essas se redefinem no dia a dia,
não devem ser tratadas como algo cristalizado. A ideia de continuidade do patrimônio imaterial se
relaciona com a reiteração e a recriação constante das manifestações culturais pelos grupos e
comunidades. Nessa perspectiva, é possível pensar que a identidade é “um caminho para a emancipação,
mas também uma forma de opressão” (BAUMANN, 2005, p. 94) e cada vez mais tem sido recurso retórico/
metonímico dos processos de patrimonialização que nem sempre visam a fins que se relacionem com a
preservação de uma identidade, pois muito do que distingue identidades permanece num estatuto de não
reconhecido (PEIXOTO, 2004).!
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3.4 Identidades culturais e pós- modernidade. !
! Ao mesclarmos os dois termos anteriores,
temos a criação do conceito de identidade cultural.
Ela está relacionada com a forma como vemos o
mundo exterior e como nos posicionamos em
relação a ele. Nesse processo, ao mesmo tempo
que projetamos nossas particularidades sobre o
mundo exterior (ações individuais de vontade ou
desejo particular), também internalizamos o
mundo exterior (normas, valores, língua…). É
nessa relação que construímos nossas
identidades.!
! A pós-modernidade trabalha a questão do
indivíduo atual e a globalização, mudando os
parâmetros de identidade cultural, pois, com a globalização, ocorreu o processo de migração cultural, ou
seja, houve uma mistura entre as diferentes culturas existentes no mundo. Assim, os indivíduos não
mantêm mais somente suas identidades nacionais, eles mesclam suas culturas a outras, criando novos
modelos culturais, e novas identidades culturais.!
Todas as migrações conduziram a redefinições identitárias (integradoras ou segregadoras), assentes
em complexos equilíbrios entre tradições diversas e valores emergentes. Continuidade e mudança
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marcaram esses períodos, em que normas jurídicas ancestrais, como a pena de Talião, foram sendo
substituídas pelo Direito racional: a conformidade com a Lei, e não apenas a reacção emotiva. !
As identidades são estruturadas por essas migrações (que disseminam valores, mas reforçam os
mecanismos de exclusão), em processos de afirmação pela negativa de exclusões mútuas de natureza
espacial (locacional), étnico-cultural e tecnológica. No mundo actual, o desenraizamento locacional é muito
forte, a fragmentação de ethos é exponencial e a iliteracia tecnológica é igualmente dominante. Estas
tendências afectam directamente a percepção cultural dos valores patrimoniais culturais, sobretudo em
comunidades que procuram uma ruptura com as suas anteriores experiências de vida: para estas, a
dinâmica segregadora e por vezes xenófoba do património intangível é mais interessante do que os
processos que fazem do património material uma realidade concreta, “síntese de múltiplas
determinações.” (KOSÍK, 1969) Também neste quadro, valorizar o entendimento histórico, antropológico e
filosófico do património cultural, para além da sua conjuntural versão memorialista, possui implicações
estratégicas de médio e longo prazo que são essenciais. !
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3.5 Referência cultural e diversidade. !
Ao falarmos do conceito de Referência Cultural, estamos querendo dirigir um olhar para as
representações que configuram uma identidade da região para os seus habitantes, e isso remete
às paisagens, edificações, objetos, afazeres, saberes, crenças hábitos etc. Não ao objeto ou a
ação em si, mas a relação deles com a uma representação coletiva a que cada membro do grupo
de algum modo se identifica.!
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Encontramos uma definição mais sucinta de Referência Cultural na própria Portaria n. 200/2016, que
dispõe sobre o PNPI:!
São os sentidos e valores, de importância diferenciada, atribuídos aos diversos domínios e práticas da
vida social (festas, saberes, modos de fazer, lugares e formas de expressão etc.) e que, por isso mesmo,
se constituem em marcos de identidade e memória para determinado grupo social.!
[...] falar sobre referências culturais pressupõe sujeitos diferenciados para os quais certos bens
são significativos. O que significa essa perspectiva? De alguma maneira se desloca o foco dos
bens que costumam se impor por sua monumentalidade, por sua riqueza, pelo seu peso
simbólico, para a dinâmica de atribuição de sentidos e valores, ou seja, para o fato de que os
bens culturais não valem por si mesmo, não têm um valor intrínseco. O valor desses bens é
sempre atribuído por sujeitos particulares, em função de determinados critérios e interesses
historicamente determinados – e é muito importante não perder de vista esse condicionamento
histórico. !
[...] são sentidos atribuídos a suportes tangíveis ou não. Elas podem estar nos objetos assim
como nas práticas, nos espaços físicos assim como nos lugares socialmente construídos. São
como as relíquias históricas e os legados de família, os bens de raiz, as joias e as obras de
arte, ou as fotografias, as narrativas, os conhecimentos e objetos de valores afetivo e pessoal. !
Conseguimos perceber que para os dois autores, a utilização do termo referências culturais parece
contemplar o que Chuva (2011) denominou de noção de patrimônio cultural integradora e, que
principalmente, surgem novas vozes, novos saberes anteriormente esquecidos nas práticas de
reconhecimento dos bens culturais. 65 !
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3.6 Tradição e modernidade. !
3.7 Ruptura e continuidade. !
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3.8 Narrativas e representações. !
A narrativa histórica, como a escrita da história, em uma formulação, de De Certeau,!
tem uma função simbolizadora, permite a uma sociedade situar-se, dando-lhe na linguagem um
passado e abrindo um espaço próprio para o presente: marcar um passado é dar lugar à morte,
mas também redistribuir o espaço das possibilidades, determinar negativamente aquilo que está
por fazer e, consequentemente, utilizar a narratividade que enterra os mortos como meio de
estabelecer um lugar para os vivos.!
Uma narrativa que não visaria à acumulação completa e ordenada dos fatos históricos propriamente ditos,
mas que seria relativa a um estatuto do acontecimento histórico que não o identifica com a dimensão do
episódico na história. Uma construção do acontecimento histórico, produto do próprio questionamento da
relação entre memória e esquecimento, que implica um trabalho de construção de temporalidades
diversas e entrecruzadas. Mesmo porque essa possibilidade de construção emerge de um trabalho
interrogativo dessa história-memória que parta de um apelo do presente, desde que esse não se constitua
num “igualamento amnésico da história” (SARLO, 1997, p. 40).!
Para Sandra Pesavento, as representações são operações mentais e históricas que criam sentidos ao
mundo. Sem elas, esse, em si, não possui significado. É por meio delas que se age no mundo, que se
constroem identidades. Nesse sentido, a representação fica no lugar da realidade, porém, não como uma
imagem perfeita do real: o representante não é o representado, ele guarda relações de semelhança,
significado e atributos com esse. As representações se expressam nos discursos, assumindo múltiplas
configurações, as quais se tornam concorrentes, estabelecendo relações de poder. Assim, a percepção
dominante acaba ganhando foro de realidade, de verdade, sendo naturalizada.!
!
11
!
3.9 Preservação do patrimônio cultural no Brasil e a construção do discurso historiográfico
nacional; A constituição da noção de patrimônio imaterial no Brasil. !
!
TOMBAMENTO, REGISTRO, VALORAÇÃO PATRIMÔNIO FERROVIÁRIO, CHANCELA DA PAISAGEM
CULTURAL!
PRESERVAÇÃO DA COISA TOMBADA (até anos 70) -> BEM CULTURAL (70/80) -> DIVERSIDADE
CULTURAL (90-?)!
!
Fundamentação Conceitual!
Conceito antropológico de cultura; relativismo, diversidade e patrimônio: Cultura, do ponto de vista da
antropologia, é uma característica da espécie humana, tal como a vida em sociedade. Compreende os
sistemas de significados, os valores, crenças, práticas e costumes; ética, estética, conhecimentos e
técnicas, modos de viver e visões de mundo que orientam e dão sentido às existências individuais em
suas coletividades. As sociedades possuem complexos sistemas culturais próprios, nos quais coexistem
vários sistemas simbólicos, conflitantes e/ou harmônicos, criados, incorporados e compartilhados de
maneira particular em cada contexto. Não obstante as semelhanças conjunturais e estruturais, históricas e
culturais, as trocas e assimilações de elementos entre diferentes sociedades, uma das características mais
marcantes da espécie humana é a diversidade de configurações socioculturais observadas e possíveis no
tempo e no espaço. !
!
Patrimônio cultural imaterial e a Unesco!
O conceito de patrimônio, na cultura ocidental moderna, de modo geral, se refere a uma gama de coisas,
bens de grande valor para pessoas, comunidades ou nações ou para todo o conjunto da humanidade.
Patrimônio cultural remete à riqueza simbólica, cosmológica e tecnológica desenvolvida pelas sociedades,
e que é transmitida como herança ou legado. Diz respeito aos conjuntos de conhecimentos e realizações
de uma sociedade ou comunidade que são acumulados ao longo de sua história e lhe conferem os traços
de sua identidade em relação às outras sociedades ou comunidades. A proteção deste patrimônio comum
à toda a humanidade – a diversidade cultural – é desenvolvida por políticas públicas e instituições
específicas em cada Estado-Nação, e por meio de organismos internacionais que promovem convenções,
acordos e programas de cooperação internacional para este fim.!
!
A primeira convenção internacional, no século XX, voltada à proteção do patrimônio cultural foi a Carta de
Atenas (IPHAN, 2000, p. 13-19), elaborada pelos países membros da Sociedade das Nações (atualmente
Organização das Nações Unidas – ONU) em 1931; período entre as duas grandes guerras mundiais. Esse
documento traz a preocupação com a deterioração de monumentos históricos, artísticos e científicos, e
sugere meios de salvaguarda e preservação. Em 1946, um ano após o fim da Segunda Guerra - fruto da
exacerbação do etnocentrismo no plano mundial – dá-se a criação da Unesco (United Nations Educational,
Scientific and Cultural Organization/ Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura) com o objetivo de contribuir para a paz e segurança no mundo por meio da educação, a ciência, a
cultura. Dentre as preocupações e atividades da instituição, destacam-se a salvaguarda do patrimônio
cultural por meio da preservação das identidades culturais e tradições orais. A Unesco é a principal
organização internacional que atua promovendo convenções, documentos, programas e projetos com
vistas à proteção do patrimônio cultural.!
!
No âmbito da Unesco foram elaborados, a partir de experiências desenvolvidas nos países membros,
quatro documentos relevantes e balizadores para a salvaguarda do patrimônio imaterial na virada para o
12
século XXI. São eles: Recomendação sobre Salvaguarda da Cultura Popular e Tradicional de 1989
(IPHAN, 2000, p. 293-301; e Portal do IPHAN), no qual é reconhecida a importância da cultura tradicional
popular (o folclore) como patrimônio cultural; o Programa “Tesouros Humanos Vivos” de 1993, que
estimula o reconhecimento, o apoio e fomento aos mestres dos saberes tradicionais nas atividades de
atualização e transmissão dos conhecimentos às novas gerações; a Declaração Universal sobre a
Diversidade Cultural (UNESCO, 2002), que proclama a necessidade de política de salvaguarda da
diversidade cultural e dos direitos humanos na perspectiva do relativismo cultural; a Convenção sobre a
Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial (UNESCO, 2003), que sintetiza as indicações sistematizadas
e aprimoradas a partir de experiências realizadas em vários países, ao longo da segunda década do
século XX. !
!
Patrimônio imaterial no Brasil!
No Brasil, a ideia de patrimônio cultural foi construída ao longo de um processo histórico que conformou
um campo da política pública e também um campo de estudos acadêmicos. Embora o marco legal para a
política de patrimônio imaterial seja a Constituição Federal de 1988, Fonseca (2005, p. 99) observa que o
anteprojeto de criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), elaborado por
Mário de Andrade em 1936, já apresentava a ideia de que fatos culturais, hoje chamados de imateriais ou
intangíveis, teriam interesse patrimonial para os poderes públicos. Entretanto, o projeto efetivo de criação
da instituição não deu ênfase a este aspecto. !
!
O tombamento, a restauração, a conservação e a fiscalização foram instrumentos aplicados desde a
criação do SPHAN, sob a perspectiva restrita de um grupo de intelectuais que privilegiava as referências
do processo de colonização europeia e da cultura modernista nacional. Era, então, definido o patrimônio
cultural nacional no qual “(...) um grupo muito reduzido se reconhece, e referido a valores estranhos ao
imaginário da grande maioria da população brasileira” (FONSECA, 2005, p. 27). Tais instrumentos não se
aplicaram aos fatos culturais dos segmentos populares (como os folguedos, os credos, os saberes) que,
então, eram sistematicamente documentados pelos pesquisadores e divulgadores das culturas tradicionais
populares também nominadas folclore. !
!
Por um lado, os estudiosos do folclore, como Sílvio Romero, Amadeu Amaral, Edison Carneiro, Mario de
Andrade, dentre outros, apresentavam um Brasil de ricas e variadas tradições, raízes da cultura brasileira.
Por outro lado, anunciavam o risco de desaparecimento desta diversidade cultural em detrimento de uma
cultura tecno-industrial homogeneizante. Em 1947 foi criado um movimento envolvendo artistas,
intelectuais, pesquisadores, diplomatas, professores: a Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro –
origem institucional do atual Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular/CNFCP. O trabalho
desenvolvido pela Campanha não era o de declarar fatos culturais como patrimônio nacional de interesse
público, mas o de implementar ações para salvaguardar o folclore e os conhecimentos tradicionais das
camadas populares por meio de pesquisa, documentação, difusão, apoio e fomento das práticas culturais. !
!
Assim, as duas políticas de Estado, a patrimonialização das referências históricas e artísticas e a
salvaguarda do folclore, desenvolveram-se paralelamente e voltadas à campos distintos. As culturas
indígenas ficaram à margem das políticas de Estado de preservação e salvaguarda. Desde o final da
década de 1970, foi acontecendo uma mudança de paradigma, tanto nas políticas de Estado para a
cultura, quanto na percepção geral da ideia de patrimônio nos fóruns internacionais. A dimensão intangível
das culturas, notadamente as expressões do folclore e/ou das culturas populares tradicionais, passa a ser
enfatizada como passível de ações patrimoniais. A noção de tradições populares deixou de ser vinculada
à ideia de passado histórico remoto, a partir da observação de que, de fato, são referências culturais
13
vívidas na contemporaneidade, signos de identidades de grupos e comunidades formadoras da sociedade
brasileira com relevância e potencial tecnológico, econômico e cultural. O Centro Nacional de Referências
Culturais/ CNRC, criado em 1975 e extinto em 1979 (incorporado no organograma do então SPHAN),
dentre outras ações, implementou esta perspectiva em uma experiência que proporcionou, também, a
confluência de estudos acadêmicos e políticas culturais no âmbito federal. !
!
Esta e outras experiências nacionais e internacionais serviram de base para técnicos especialistas do
Estado e representantes de segmentos da sociedade debaterem durante a Assembleia Nacional
Constituinte; e, como resultado, o conceito de patrimônio imaterial foi apresentado no artigo 216 da
Constituição Federal de 1988 como complementar ao conceito de patrimônio material em uma definição
relativista e inclusiva de Patrimônio Cultural Nacional.!
!
Com a proclamação da Constituição Federal, intensificou-se o debate técnico sobre o patrimônio cultural
em suas dimensões material e imaterial, no sentido da implementação de uma política federal. Um dos
marcos desse processo é a Carta de Fortaleza, de 1997, resultado do Seminário Patrimônio Imaterial:
estratégias e formas de proteção (IPHAN, 2000, p. 363). Posteriormente, o Decreto 3551 de 2000 instituiu
o Registro dos bens culturais de natureza imaterial e o Programa Nacional de Patrimônio Imaterial/ PNPI
(IPHAN, 2006 p. 129). Foram, então, implementados os primeiros instrumentos de proteção do patrimônio
de natureza imaterial: o Registo nos Livros específicos: (Saberes, Celebrações, Formas de Expressão,
Lugares); Programa Nacional de Patrimônio Imaterial; e o Inventário Nacional de Referências Culturais/
INRC. Atualmente somam-se dois outros instrumentos: o Inventário Nacional da Diversidade Linguística/
INDL e o Plano de Salvaguarda.!
!
Em 2001 iniciaram-se projetos piloto de inventários e processos de Registro em algumas
Superintendências do IPHAN e no CNFCP. E os estados e municípios passaram a elaborar e estabelecer
suas próprias legislações e políticas para o patrimônio cultural, seguindo alguns parâmetros dados pelo
Estado e pela Unesco. Como observam Fonseca e Cavalcanti (2008) em documento sobre políticas
estaduais de patrimônio imaterial, algumas unidades federativas já implementam políticas específicas que
não adotaram integralmente os instrumentos do Estado, como inventários e livros de Registro. Alguns
estados e municípios desenvolveram politicas especificas para o patrimônio vivo ou mestres das culturas,
conforme recomendações da Unesco – perspectiva não adotada pelo Estado brasileiro até o momento.!
Desde o início do Século XXI houve impacto significativo das políticas para o patrimônio cultural em todo o
país, na medida em que se deu a inclusão de referências culturais das tradições populares de matrizes
culturais africanas e indígenas, as quais foram historicamente excluídas das políticas de patrimonialização. !
!
Patrimônio imaterial e participação social !
Destaca-se que as políticas de patrimonialização da cultura imaterial se fazem a partir do consentimento
prévio e informado, e do diálogo do poder público com grupos, comunidades e segmentos sociais
interessados nesses processos de pesquisa, instrução de Registro e salvaguarda de fatos cultuais. A
participação social nesses processos de produção de conhecimento, reconhecimento oficial e
salvaguarda, é fundamental para o sucesso da política de patrimônio imaterial, posto que os bens dessa
natureza só podem ser preservados por meio da ação de seus atores sociais, detentores dos sentidos e
significados. São as pessoas, em suas práticas cotidianas, que atualizam permanentemente suas
tradições e fazem espontaneamente a salvaguarda de suas referências culturais. Aos poderes públicos
cabe a interlocução estreita com as bases sociais, no sentido da implementação dos processos de
patrimonialização; em cada caso, em função e em respeito às dinâmicas socioculturais de cada grupo,
atuando para facilitar os meios ou as condições de permanência. !
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A política que vem sendo implementada para o patrimônio imaterial pelo Iphan é potencialmente inclusiva.
Por um lado, inclui no rol dos bens patrimonializáveis bens culturais que, no Século XX, não eram
abarcados pelas ações do Instituto. Inclusiva também, pois tem como base o diálogo entre Estado e
detentores das tradições em torno da salvaguarda das referências culturais. As leis e a vontade política
dos poderes públicos, sem dúvida, podem favorecer as condições para a preservação do patrimônio
cultural. Mas, não são suficientes, especialmente para a proteção do patrimônio imaterial. Os documentos
técnicos, os inventários, a descrição dos bens contidas nos livros de Registro, são apenas referências
sobre os bens, mas não dão conta da natureza dinâmica e processual dos bens. Os patrimônios
imateriais, como as festas e celebrações, as músicas, danças, comidas, saberes e técnicas próprias da
diversidade cultural só́ se conservarão, efetivamente, se vivenciados pelas pessoas; pelos sujeitos com
motivações em suas comunidades, em condições, com garantias, liberdade e interesses em vivenciar e
preservar, de modo dinâmico e criativo, as expressões de suas identidades culturais.!
!
3.10 Contradições e disputas no interior do campo da preservação do patrimônio cultural
no Brasil. !
Nesse contexto, o patrimônio cultural ressurgiu como signo de uma identidade urbana progressivamente
articulada à ideia de diversidade cultural e com uma nova função econômica. Esses projetos urbanos
obtiveram, inicialmente, grande repercussão midiática e grande sucesso em termos de público visitante, o
que reforçou o discurso que os alimentava. Não tiveram, na maioria dos casos, vínculo com o
planejamento urbano global das cidades, nem consideraram, ou trataram adequadamente, os fatores
estruturais responsáveis pelo esvaziamento e degradação dos setores e equipamentos que focalizaram, o
que selou o seu fracasso – já perceptível no final dos anos de 1990 – em termos de reversão dos quadros
de deterioração de modo durável e sustentável. Produziram, em geral, enclaves turísticos, culturais ou de
lazer frequentemente desvinculados da dinâmica social e comercial das áreas onde se localizam, mantidos
utilizáveis ou “visitáveis” por meio de forte esquema de segurança (pública ou privada). Contudo, a
incapacidade que esses projetos tiveram, muitas vezes, de atrair novas dinâmicas socioeconômicas para
as áreas objeto de sua intervenção, favoreceu sua disputa por sujeitos sociais distintos e portadores de
outros projetos, fundamentados na apropriação de imóveis vazios ou abandonados dessas áreas para a
produção de habitações de interesse social.!
O panorama das práticas de preservação do patrimônio durante as duas últimas décadas mostra a
urgência da articulação entre patrimônio, política e planejamento urbano, mas não da maneira
eventual, fragmentada e insuficiente com que tem sido feita até o momento, mas em bases legais e
institucionais sólidas e permanentes, como de resto foi a tendência mundial a partir dos anos 1960 e 1970.
Nesse sentido, os planos diretores e a legislação urbanística devem estabelecer as bases e as formas
dessa articulação, com vistas à gestão compartilhada do patrimônio entre Estado e sociedade. Com isso, é
forçoso reconhecer que não faz
sentido a permanência no Brasil de
um sistema de preservação do
patrimônio ancorado principalmente
no instituto do tombamento, como
vem sendo feito há quase 80 anos.
É urgente a complementação desse
instrumento, o que inclui pensar
também em “mecanismos que
reflitam a concepção ampliada de
patrimônio cultural”, assim como

15
estudar e refletir mais sobre a possibilidade de adaptação, à nossa realidade, de sistemas de preservação
mais abrangentes, integrados e articulados ao planejamento e à política urbana, a exemplo dos que
existem em países como França, Itália, Inglaterra e Estados Unidos. Não se trata, contudo, de se propor a
retirada da gestão do patrimônio da área da cultura, mas, ao contrário, de promover a inclusão da área da
cultura no planejamento e no desenvolvimento urbano, cumprindo-se, assim, uma vocação de
transversalidade que é também a do patrimônio.!
Uma coerência que, porém, permaneceu como edifício inacabado, por ser incapaz de assumir como
consequência a necessidade de superar a noção restrita de “gestão patrimonial” no quadro mais amplo da
gestão territorial, como temos defendido noutros textos. Assim, a expansão actual do conceito de
património cultural visa consolidar a expansão da fronteira da globalização, e a sua operacionalização é
feita através da afirmação de um direito difuso de apropriação intelectual. Subsiste, porém, uma
dificuldade jurídica: não apenas a noção de direito difuso está ausente na maior parte dos ordenamentos
jurídicos (que, ao contrário do contexto brasileiro, apenas concebem direitos públicos e direitos privados),
como colide com o direito de estrita propriedade privada, que se aplica potencialmente a todos os bens
culturais (exceptos os detidos pelo Estado) . Este é o quadro da contradição, que atravessa todos os
países, entre a determinação política em fazer avançar a fronteira da globalização superando as fronteiras
nacionais, e o direito dos Estados, que é nacional. !
!
Patrimônio e desigualdade social!

!
3.11 Políticas públicas e agentes sociais. !
Segundo aponta Maria Cecília Londres Fonseca, uma política de
preservação ou de reconhecimento de um patrimônio vai além de
medidas protetivas. Faz-se necessário “questionar o processo de
produção deste universo que constitui um patrimônio, os critérios
que regem a seleção de bens e justificam sua proteção”. A
salvaguarda desse patrimônio vai além da salvaguarda de
resquícios do passado.!
A proteção do patrimônio cultural consiste em um trabalho de
reapropriação, restituição e reabilitação do próprio presente, em
prol de um futuro de relações sociais mais justas. Para a autora,
as transformações no conceito e na forma de gerenciar o
patrimônio, enquanto objeto de políticas públicas, indicam sua

16
progressiva apropriação como tema político por parte da sociedade, trazendo conflitos a uma prática!
tradicionalmente exercida pelo Estado, com o concurso de intelectuais de perfil definido e à margem das
pressões sociais.!
!
3.12 Patrimônio cultural e cidadania. !
Em algumas cidades históricas tombadas ocorrem processos de gentrificação, do inglês
gentrification, que corresponde ao enobrecimento de áreas históricas deterioradas com a expulsão direta
ou indireta da população local, o que leva a refletir sobre a legitimidade de se preservar um amontoado de
pedra e cal (CHUVA, 2011, p. 163). !
Essas formas de representações individuais e coletivas participam dos processos de formação da
identidade de um indivíduo, um grupo ou nação. Assim, a atribuição de valores a bens culturais não pode
ser delegada apenas aos agentes que trabalham na área de patrimônio, pois se trata de reduzir a
complexidade do comportamento humano. !
Muitos bens considerados como integrantes do patrimônio cultural brasileiro não cumprem sua
função social, tampouco são sustentáveis. Restaura-se um edifício histórico e ele permanecerá estático,
por vezes mais do que antes já era. Não oferecem à população local possibilidades do seu pleno usufruto,
uma vez que não são levados em conta seus anseios e aspirações. E, por fim, são poucos os casos em
que o potencial cultural do bem edificado é utilizado como forma de proporcionar sua manutenção para o
futuro !
O exercício da cidadania deve ser priorizado, no sentido de que o patrimônio, por ser diversificado e
de interesse coletivo, deve ser definido por diferentes sujeitos e grupos, pois, nas palavras de Tuan (2013,
p. 239), !
O entusiasmo pela preservação nasce da necessidade de ter objetos tangíveis nos quais se
possa apoiar o sentimento de identidade. Esse tema já foi explorado. Se pensarmos nas
razões pelas quais o preservacionista quer conservar as coisas do passado, parecem ser de
três tipos: estético, moral e aumento da confiança. Alega-se que um edifício velho deve ser
conservado para a posterioridade porque tem valor arquitetônico e porque é um feito de nossos
antepassados. A razão está baseada na estética, com uma pincelada de devoção. Uma casa
velha deve ser preservada porque antes foi a casa de um famoso estadista ou inventor. Nesse
caso apela-se à devoção e com o propósito ‘e levantar a moral de um povo, seu sentimento de
orgulho. Um velho bairro deteriorado deve ser protegido da reconstrução urbana porque parece
satisfazer às necessidades dos residentes locais, ou porque, apesar do ambiente físico
decadente, ele incentiva certas virtudes humanas e um estilo de vida pitoresco. O encanto pelo
bairro se deve às qualidades inerentes aos hábitos arraigados e ao direito moral que as
pessoas têm de manter seus costumes típicos contra as forças de modificação !
!
3.13 Fundamentos teóricos da preservação do patrimônio cultural: processos de atribuição
de valor e as narrativas do patrimônio cultural. !

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Paradigmas dos objetivos da preservação:!
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4 Legislação aplicada ao patrimônio cultural: Convenção sobre a Proteção e Promoção da
Diversidade das Expressões Culturais (2005). Portaria no 200/2016 (Dispõe sobre a
regulamentação do Programa Nacional do Patrimônio Imaterial – PNPI). !
!
CONVENÇÃO SOBRE A PROTEÇÃO E PROMOÇÃO DA DIVERSIDADE DAS EXPRESSÕES
CULTURAIS, 2005!
!
! Sabendo que a diversidade cultural cria um mundo rico e variado que aumenta a gama de
possibilidades e nutre as capacidades e valores humanos, constituindo, assim, um dos principais motores
do desenvolvimento sustentável das comunidades, povos e nações,!
! Recordando que a diversidade cultural, ao florescer em um ambiente de democracia, tolerância,
justiça social e mútuo respeito entre povos e culturas, é indispensável para a paz e a segurança no plano
local, nacional e internacional,!
! Celebrando a importância da diversidade cultural para a plena realização dos direitos humanos e
das liberdades fundamentais proclamados na Declaração Universal dos Direitos do Homem e outros
instrumentos universalmente reconhecidos,!
! Destacando a necessidade de incorporar a cultura como elemento estratégico das políticas de
desenvolvimento nacionais e internacionais, bem como da cooperação internacional para o
desenvolvimento, e tendo igualmente em conta a Declaração do Milênio das Nações Unidas (2000), com
sua ênfase na erradicação da pobreza,!
! Considerando que a cultura assume formas diversas através do tempo e do espaço, e que esta
diversidade se manifesta na originalidade e na pluralidade das identidades, assim como nas expressões
culturais dos povos e das sociedades que formam a humanidade,!
! Reconhecendo a importância dos conhecimentos tradicionais como fonte de riqueza material e
imaterial, e, em particular, dos sistemas de conhecimento das populações indígenas, e sua contribuição
positiva para o desenvolvimento sustentável, assim como a necessidade de assegurar sua adequada
proteção e promoção,!
! Reconhecendo a necessidade de adotar medidas para proteger a diversidade das expressões
culturais incluindo seus conteúdos, especialmente nas situações em que expressões culturais possam
estar ameaçadas de extinção ou de grave deterioração,!
! Enfatizando a importância da cultura para a coesão social em geral, e, em particular, o seu
potencial para a melhoria da condição da mulher e de seu papel na sociedade,!
! Ciente de que a diversidade cultural se fortalece mediante a livre circulação de idéias e se nutre
das trocas constantes e da interação entre culturas,!
! Reafirmando que a liberdade de pensamento, expressão e informação, bem como a diversidade da
mídia, possibilitam o florescimento das expressões culturais nas sociedades,!
! Reconhecendo que a diversidade das expressões culturais, incluindo as expressões culturais
tradicionais, é um fator importante, que possibilita aos indivíduos e aos povos expressarem e
compartilharem com outros as suas idéias e valores,!
! Recordando que a diversidade lingüística constitui elemento fundamental da diversidade cultural, e
reafirmando o papel fundamental que a educação desempenha na proteção e promoção das expressões
culturais,!
! Tendo em conta a importância da vitalidade das culturas para todos, incluindo as pessoas que
pertencem a minorias e povos indígenas, tal como se manifesta em sua liberdade de criar, difundir e
distribuir as suas expressões culturais tradicionais, bem como de ter acesso a elas, de modo a favorecer o
seu próprio desenvolvimento,!

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! Sublinhando o papel essencial da interação e da criatividade culturais, que nutrem e renovam as
expressões culturais, e fortalecem o papel desempenhado por aqueles que participam no desenvolvimento
da cultura para o progresso da sociedade como um todo,!
! Reconhecendo a importância dos direitos da propriedade intelectual para a manutenção das
pessoas que participam da criatividade cultural,!
! Convencida de que as atividades, bens e serviços culturais possuem dupla natureza, tanto
econômica quanto cultural, uma vez que são portadores de identidades, valores e significados, não
devendo, portanto, ser tratados como se tivessem valor meramente comercial,!
! Constatando que os processos de globalização, facilitado pela rápida evolução das tecnologias de
comunicação e informação, apesar de proporcionarem condições inéditas para que se intensifique a
interação entre culturas, constituem também um desafio para a diversidade cultural, especialmente no que
diz respeito aos riscos de desequilíbrios entre países ricos e pobres,!
! Ciente do mandato específico confiado à UNESCO para assegurar o respeito à diversidade das
culturas e recomendar os acordos internacionais que julgue necessários para promover a livre circulação
de idéias por meio da palavra e da imagem,!
! Referindo-se às disposições dos instrumentos internacionais adotados pela UNESCO relativos à
diversidade cultural e ao exercício dos direitos culturais, em particular a Declaração Universal sobre a
Diversidade Cultural, de 2001,!
Adota, em 20 de outubro de 2005 , a presente Convenção.!
!
I. Objetivos e princípios diretores!
!
Artigo 1 – Objetivos!
!
Os objetivos da presente Convenção são:!
• proteger e promover a diversidade das expressões culturais;!
• criar condições para que as culturas floresçam e interajam livremente em benefício mútuo;!
• encorajar o diálogo entre culturas a fim de assegurar intercâmbios culturais mais amplos e equilibrados
no mundo em favor do respeito intercultural e de uma cultura da paz;!
• fomentar a interculturalidade de forma a desenvolver a interação cultural, no espírito de construir pontes
entre os povos;!
• promover o respeito pela diversidade das expressões culturais e a conscientização de seu valor nos
planos local, nacional e internacional;!
• reafirmar a importância do vínculo entre cultura e desenvolvimento para todos os países, especialmente
para países em desenvolvimento, e encorajar as ações empreendidas no plano nacional e internacional
para que se reconheça o autêntico valor desse vínculo;!
• reconhecer natureza específica das atividades, bens e serviços culturais enquanto portadores de
identidades, valores e significados;!
• reafirmar o direito soberano dos Estados de conservar, adotar e implementar as políticas e medidas que
considerem apropriadas para a proteção e promoção da diversidade das expressões culturais em seu
território;!
• fortalecer a cooperação e a solidariedade internacionais em um espírito de parceria visando,
especialmente, o aprimoramento das capacidades dos países em desenvolvimento de protegerem e de
promoverem a diversidade das expressões culturais.!
!
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Artigo 2 - Princípios Diretores!
!
Princípio do respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais!
! A diversidade cultural somente poderá ser protegida e promovida se estiverem garantidos os
direitos humanos e as liberdades fundamentais, tais como a liberdade de expressão, informação e
comunicação, bem como a possibilidade dos indivíduos de escolherem expressões culturais. Ninguém
poderá invocar as disposições da presente Convenção para atentar contra os direitos do homem e as
liberdades fundamentais consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos e garantidos pelo
direito internacional, ou para limitar o âmbito de sua aplicação.!
!
Princípio da soberania!
! De acordo com a Carta das Nações Unidas e com os princípios do direito internacional, os Estados
têm o direito soberano de adotar medidas e políticas para a proteção e promoção da diversidade das
expressões culturais em seus respectivos territórios.!
!
Princípio da igual dignidade e do respeito por todas as culturas!
! A proteção e a promoção da diversidade das expressões culturais pressupõem o reconhecimento
da igual dignidade e o respeito por todas as culturas, incluindo as das pessoas pertencentes a minorias e
as dos povos indígenas.!
!
Princípio da solidariedade e cooperação internacionais !
! A cooperação e a solidariedade internacionais devem permitir a todos os países, em particular os
países em desenvolvimento, criarem e fortalecerem os meios necessários a sua expressão cultural –
incluindo as indústrias culturais, sejam elas nascentes ou estabelecidas – nos planos local, nacional e
internacional.!
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Princípio da complementaridade dos aspectos econômicos e culturais do desenvolvimento!
! Sendo a cultura um dos motores fundamentais do desenvolvimento, os aspectos culturais deste
são tão importantes quanto os seus aspectos econômicos, e os indivíduos e povos têm o direito
fundamental de dele participarem e se beneficiarem.!
!
Princípio do desenvolvimento sustentável!
! A diversidade cultural constitui grande riqueza para os indivíduos e as sociedades. A proteção,
promoção e manutenção da diversidade cultural é condição essencial para o desenvolvimento sustentável
em benefício das gerações atuais e futuras.!
!
Princípio do acesso eqüitativo!
! O acesso eqüitativo a uma rica e diversificada gama de expressões culturais provenientes de todo
o mundo e o acesso das culturas aos meios de expressão e de difusão constituem importantes elementos
para a valorização da diversidade cultural e o incentivo ao entendimento mútuo.!
Princípio da abertura e do equilíbrio !
Ao adotarem medidas para favorecer a diversidade das expressões culturais, os Estados buscarão
promover, de modo apropriado, a abertura a outras culturas do mundo e garantir que tais medidas estejam
em conformidade com os objetivos perseguidos pela presente Convenção.!
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III. Definições!
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Artigo 4 – Definições!
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Para os fins da presente Convenção, fica entendido que:!
!
"Diversidade cultural" refere-se à multiplicidade de formas pelas quais as culturas dos grupos e sociedades
encontram sua expressão. Tais expressões são transmitidas entre e dentro dos grupos e sociedades.A
diversidade cultural se manifesta não apenas nas variadas formas pelas quais se expressa, se enriquece e
se transmite o patrimônio cultural da humanidade mediante a variedade das expressões culturais, mas
também através dos diversos modos de criação, produção, difusão, distribuição e fruição das expressões
culturais, quaisquer que sejam os meios e tecnologias empregados.!
!
"Conteúdo cultural" refere-se ao caráter simbólico, dimensão artística e valores culturais que têm por
origem ou expressam identidades culturais.!
!
"Expressões culturais" são aquelas expressões que resultam da criatividade de indivíduos, grupos e
sociedades e que possuem conteúdo cultural.!
!
"Atividades, bens e serviços culturais" refere-se às atividades, bens e serviços que, considerados sob o
ponto de vista da sua qualidade, uso ou finalidade específica, incorporam ou transmitem expressões
culturais, independentemente do valor comercial que possam ter. As atividades culturais podem ser um fim
em si mesmas, ou contribuir para a produção de bens e serviços culturais.!
!
"Indústrias culturais" refere-se às indústrias que produzem e distribuem bens e serviços culturais, tais
como definidos no parágrafo 4 acima.!
!
"Políticas e medidas culturais" refere-se às políticas e medidas relacionadas à cultura, seja no plano local,
regional, nacional ou internacional, que tenham como foco a cultura como tal, ou cuja finalidade seja
exercer efeito direto sobre as expressões culturais de indivíduos, grupos ou sociedades, incluindo a
criação, produção, difusão e distribuição de atividades, bens e serviços culturais, e o acesso aos mesmos.!
!
"Proteção" significa a adoção de medidas que visem à preservação, salvaguarda e valorização da
diversidade das expressões culturais."Proteger" significa adotar tais medidas.!
!
"Interculturalidade" refere-se à existência e interação eqüitativa de diversas culturas, assim como à
possibilidade de geração de expressões culturais compartilhadas por meio do diálogo e respeito mútuo.!
!
IV.Direitos e obrigações das partes!
!
Artigo 5 - Regra geral em matéria de direitos e obrigações!
!
As Partes, em conformidade com a Carta das Nações Unidas, os princípios do direito internacional e os
instrumentos universalmente reconhecidos em matéria de direitos humanos, reafirmam seu direito
soberano de formular e implementar as suas políticas culturais e de adotar medidas para a proteção e a

22
promoção da diversidade das expressões culturais, bem como para o fortalecimento da cooperação
internacional, a fim de alcançar os objetivos da presente Convenção.!
!
Quando uma Parte implementar políticas e adotar medidas para proteger e promover a diversidade das
expressões culturais em seu território, tais políticas e medidas deverão ser compatíveis com as
disposições da presente Convenção.!
!
Artigo 6 - Direitos das Partes no âmbito nacional!
!
No marco de suas políticas e medidas culturais, tais como definidas no artigo 4.6, e levando em
consideração as circunstâncias e necessidades que lhe são particulares, cada Parte poderá adotar
medidas destinadas a proteger e promover a diversidade das expressões culturais em seu território.!
Tais medidas poderão incluir:!
(a) medidas regulatórias que visem à proteção e promoção da diversidade das expressões cultuais;!
(b) medidas que, de maneira apropriada, criem oportunidades às atividades, bens e serviços culturais
nacionais – entre o conjunto das atividades, bens e serviços culturais disponíveis no seu território –, para a
sua criação, produção, difusão, distribuição e fruição, incluindo disposições relacionadas à língua utilizada
nessas atividades, bens e serviços;!
(c) medidas destinadas a fornecer às indústrias culturais nacionais independentes e às atividades no setor
informal acesso efetivo aos meios de produção, difusão e distribuição das atividades, bens e serviços
culturais;!
(d) medidas voltadas para a concessão de apoio financeiro público;!
(e) medidas com o propósito de encorajar organizações de fins não-lucrativos, e também instituições
públicas e privadas, artistas e outros profissionais de cultura, a desenvolver e promover o livre intercâmbio
e circulação de idéias e expressões culturais, bem como de atividades, bens e serviços culturais, e a
estimular tanto a criatividade quanto o espírito empreendedor em suas atividades;!
(f) medidas com vistas a estabelecer e apoiar, de forma adequada, as instituições pertinentes de serviço
público;!
(g) medidas para encorajar e apoiar os artistas e todos aqueles envolvidos na criação de expressões
culturais;!
(h) medidas objetivando promover a diversidade da mídia, inclusive mediante serviços públicos de
radiodifusão.!
!
Artigo 7 - Medidas para a promoção das expressões culturais!
As partes procurarão criar em seu território um ambiente que encoraje indivíduos e grupos sociais a:!
(a) criar, produzir, difundir, distribuir suas próprias expressões culturais, e a elas ter acesso, conferindo a
devida atenção às circunstâncias e necessidades especiais da mulher, assim como dos diversos grupos
sociais, incluindo as pessoas pertencentes às minorias e povos indígenas;!
(b) ter acesso às diversas expressões culturais provenientes do seu território e dos demais países do
mundo;!
As Partes buscarão também reconhecer a importante contribuição dos artistas, de todos aqueles
envolvidos no processo criativo, das comunidades culturais e das organizações que os apóiam em seu
trabalho, bem como o papel central que desempenham ao nutrir a diversidade das expressões culturais.!
!
!
!
!
23
Artigo 8 - Medidas para a proteção das expressões culturais!
!
Sem prejuízo das disposições dos artigos 5 e 6, uma Parte poderá diagnosticar a existência de situações
especiais em que expressões culturais em seu território estejam em risco de extinção, sob séria ameaça
ou necessitando de urgente salvaguarda.!
As Partes poderão adotar todas as medidas apropriadas para proteger e preservar as expressões culturais
nas situações referidas no parágrafo 1, em conformidade com as disposições da presente Convenção.!
As partes informarão ao Comitê Intergovernamental mencionado no Artigo 23 todas as medidas tomadas
para fazer face às exigências da situação, podendo o Comitê formular recomendações apropriadas.!
!
Artigo 9 – Intercâmbio de informações e transparência!
As Partes:!
(a) fornecerão, a cada quatro anos, em seus relatórios à UNESCO, informação apropriada sobre as
medidas adotadas para proteger e promover a diversidade das expressões culturais em seu território e no
plano internacional;!
(b) designarão um ponto focal, responsável pelo compartilhamento de informações relativas à presente
Convenção;!
(c) compartilharão e trocarão informações relativas à proteção e promoção da diversidade das expressões
culturais.!
Artigo 10 - Educação e conscientização pública!
!
As Partes deverão:!
(a) propiciar e desenvolver a compreensão da importância da proteção e promoção da diversidade das
expressões culturais, por intermédio, entre outros, de programas de educação e maior sensibilização do
público;!
(b) cooperar com outras Partes e organizações regionais e internacionais para alcançar o objetivo do
presente artigo;!
(c) esforçar-se por incentivar a criatividade e fortalecer as capacidades de produção, mediante o
estabelecimento de programas de educação, treinamento e intercâmbio na área das indústrias culturais.
Tais medidas deverão ser aplicadas de modo a não terem impacto negativo sobre as formas tradicionais
de produção.!
!
Artigo 11 - Participação da sociedade civil!
As Partes reconhecem o papel fundamental da sociedade civil na proteção e promoção da diversidade das
expressões culturais. As Partes deverão encorajar a participação ativa da sociedade civil em seus esforços
para alcançar os objetivos da presente Convenção.!
!
Artigo 12 - Promoção da cooperação internacional!
As Partes procurarão fortalecer sua cooperação bilateral, regional e internacional, a fim de criar condições
propícias à promoção da diversidade das expressões culturais, levando especialmente em conta as
situações mencionadas nos Artigos 8 e 17, em particular com vistas a:!
!
(a) facilitar o diálogo entre as Partes sobre política cultural;!
!
(b) reforçar as capacidades estratégicas e de gestão do setor público nas instituições públicas culturais,
mediante intercâmbios culturais profissionais e internacionais, bem como compartilhamento das melhores
práticas;!
24
!
(c) reforçar as parcerias com a sociedade civil, organizações não-governamentais e setor privado, e entre
essas entidades, para favorecer e promover a diversidade das expressões culturais;!
!
(d) promover a utilização das novas tecnologias e encorajar parcerias para incrementar o
compartilhamento de informações, aumentar a compreensão cultural e fomentar a diversidade das
expressões culturais;!
!
(e) encorajar a celebração de acordos de co-produção e de co-distribuição.!
!
Artigo 14 - Cooperação para o desenvolvimento!
As Partes procurarão apoiar a cooperação para o desenvolvimento sustentável e a redução da pobreza,
especialmente em relação às necessidades específicas dos países em desenvolvimento, com vistas a
favorecer a emergência de um setor cultural dinâmico pelos seguintes meios, entre outros:!
(a) o fortalecimento das indústrias culturais em países em desenvolvimento:!
(i) criando e fortalecendo as capacidades de produção e distribuição culturais nos países em
desenvolvimento;!
(ii) facilitando um maior acesso de suas atividades, bens e serviços culturais ao mercado global e aos
circuitos internacionais de distribuição;!
(iii) permitindo a emergência de mercados regionais e locais viáveis;!
(iv) adotando, sempre que possível, medidas apropriadas nos países desenvolvidos com vistas a facilitar o
acesso ao seu território das atividades, bens e serviços culturais dos países em desenvolvimento;!
(v) apoiando o trabalho criativo e facilitando, na medida do possível, a mobilidade dos artistas dos países
em desenvolvimento;!
(vi) encorajando uma apropriada colaboração entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, em
particular nas áreas da música e do cinema.!
(b) o fortalecimento das capacidades por meio do intercâmbio de informações, experiências e
conhecimentos especializados, assim como pela formação de recursos humanos nos países em
desenvolvimento, nos setores púbico e privado, no que concerne notadamente as capacidades
estratégicas e gerenciais, a formulação e implementação de políticas, a promoção e distribuição das
expressões culturais, o desenvolvimento das médias, pequenas e micro empresas, e a utilização das
tecnologias e desenvolvimento e transferência de competências;!
(c) a transferência de tecnologias e conhecimentos mediante a introdução de medidas apropriadas de
incentivo, especialmente no campo das indústrias e empresas culturais;!
(d) o apoio financeiro mediante:!
! (i) o estabelecimento de um Fundo Internacional para a Diversidade Cultural conforme disposto no
artigo 18;!
! (ii) a concessão de assistência oficial ao desenvolvimento, segundo proceda, incluindo a
assistência técnica, a fim de estimular e incentivar a criatividade;!
! (iii) outras formas de assistência financeira, tais como empréstimos com baixas taxas de juros,
subvenções e outros mecanismos de financiamento.!
!
!
!
Artigo 15 – Modalidades de colaboração!
As Partes incentivarão o desenvolvimento de parcerias entre o setor público, o setor privado e
organizações de fins não-lucrativos, e também no interior dos mesmos, a fim de cooperar com os países
25
em desenvolvimento no fortalecimento de suas capacidades de proteger e promover a diversidade das
expressões culturais.!
!
Artigo 18 - Fundo Internacional para a Diversidade Cultural!
Fica instituído um Fundo Internacional para a Diversidade Cultural, doravante denominado o "Fundo" .!
O Fundo estará constituído por fundos fiduciários, em conformidade com o Regulamento Financeiro da
UNESCO.!
Os recursos do Fundo serão constituídos por:a) contribuições voluntárias das Partes;!
b) recursos financeiros que a Conferência-Geral da UNESCO assigne para tal fim;!
c) contribuições, doações ou legados feitos por outros Estados, organismos e programas do sistema das
Nações Unidas, organizações regionais ou internacionais; entidades públicas ou privadas e pessoas
físicas;!
d)juros sobre os recursos do Fundo;!
e)o produto das coletas e receitas de eventos organizados em benefício do Fundo;!
f)quaisquer outros recursos autorizados pelo regulamento do Fundo.!
A utilização dos recursos do Fundo será decidida pelo Comitê Intergovernamental, com base nas
orientações da Conferência das Partes mencionada no Artigo 22.!
O Comitê Intergovernamental poderá aceitar contribuições, ou outras formas de assistência com finalidade
geral ou específica que estejam vinculadas a projetos concretos, desde que os mesmos contem com a sua
aprovação.!
As contribuições ao Fundo não poderão estar vinculadas a qualquer condição política, econômica ou de
outro tipo que seja incompatível com os objetivos da presente Convenção.!
As Partes farão esforços para prestar contribuições voluntárias, em bases regulares, para a
implementação da presente Convenção.!
Artigo 19 - Intercâmbio, análise e difusão de informações!
!
!
Artigo 20 - Relações com outros instrumentos: apoio mútuo, complementaridade e não-subordinação!
As Partes reconhecem que deverão cumprir de boa-fé suas obrigações perante a presente Convenção e
todos os demais tratados dos quais sejam parte. Da mesma forma, sem subordinar esta Convenção a
qualquer outro tratado:(a) fomentarão o apoio mútuo entre esta Convenção e os outros tratados dos quais
são parte; e (b) ao interpretarem e aplicarem os outros tratados dos quais são parte ou ao assumirem
novas obrigações internacionais, as Partes levarão em conta as disposições relevantes da presente
Convenção.!
!
VI. Órgãos da Convenção !
!
Artigo 23 – Comitê Intergovernamental!
Fica instituído junto à UNESCO um Comitê Intergovernamental para a Proteção e Promoção da
Diversidade das Expressões Culturais, doravante referido como "Comitê Intergovernamental". Ele é
composto por representantes de 18 Estados-Partes da Convenção.O Comitê Intergovernamental se reune
em sessões anuais.!
O Comitê Intergovernamental funciona sob a autoridade e em conformidade com as diretrizes da
Conferência das Partes, à qual presta contas.!
Os número de membros do Comitê Intergovernamental será elevado para 24 quando o número de
membros da presente Convenção chegar a 50.!

26
A eleição dos membros do Comitê Intergovernamental é baseada nos princípios da representação
geográfica eqüitativa e da rotatividade.!
Sem prejuízo de outras responsabilidades a ele conferidas pela presente Convenção, o Comitê
Intergovernamental tem as seguintes funções:(a) promover os objetivos da presente Convenção, incentivar
e monitorar a sua implementação; (b) preparar e submeter à aprovação da Conferência das Partes,
mediante solicitação, as diretrizes operacionais relativas à implementação e aplicação das disposições da
presente Convenção;(c) transmitir à Conferência das Partes os relatórios das Partes da Convenção
acompanhados de observações e um resumo de seus conteúdos;(d) fazer recomendações apropriadas
para situações trazidas à sua atenção pelas Partes da Convenção, de acordo com as disposições
pertinentes da Convenção, em particular o Artigo 8;(e) estabelecer os procedimentos e outros mecanismos
de consulta que visem à promoção dos objetivos e princípios da presente Convenção em outros foros
internacionais;(f) realizar qualquer outra tarefa que lhe possa solicitar a Conferência das Partes.!
Artigo 24 – Secretariado da UNESCO!
!
Portaria no 200/2016 (Dispõe sobre a regulamentação do Programa Nacional do
Patrimônio Imaterial – PNPI).!
RESOLVE:!
Art. 1° Regulamentar o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial - PNPI, em atendimento ao parágrafo
único do art. 8° do Decreto nº 3551/2000, como instância de implantação e execução de política específica
de salvaguarda do patrimônio cultural imaterial em nível federal.!
Art. 2º Para efeitos desta portaria entende-se por:!
I - PNPI – Programa Nacional do Patrimônio Imaterial!
II - DPI – Departamento de Patrimônio Imaterial!
III - Patrimônio Imaterial – “(...) são os usos, representações, expressões, conhecimentos e técnicas –
junto com os instrumentos, objetos, artefatos e espaços culturais que lhes são inerentes- que as
comunidades, os grupos e em alguns casos os indivíduos reconheçam como parte integrante de seu
patrimônio cultural. Este patrimônio cultural imaterial, que se transmite de geração em geração, é recriado
constantemente pelas comunidades e grupos em função de seu entorno, sua interação com a natureza e
sua história, infundindo-lhes um sentimento de identidade e continuidade e contribuindo assim para
promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana”. (Convenção para a Salvaguarda do
Patrimônio Imaterial/UNESCO – 2003)!
IV - Salvaguarda – “(...) entende-se por “salvaguarda” as medidas que visam garantir a viabilidade do
patrimônio cultural imaterial, tais como a identificação, a documentação, a investigação, a preservação, a
proteção, a promoção, a valorização, a transmissão – essencialmente por meio da educação formal e não
formal - e revitalização deste patrimônio em seus diversos aspectos.” (Convenção para a Salvaguarda do
Patrimônio material/UNESCO – 2003)!
V - Referência Cultural – São os sentidos e valores, de importância diferenciada, atribuídos aos diversos
domínios e práticas da vida social (festas, saberes, modos de fazer, lugares e formas de expressão, etc.) e
que, por isso mesmo, se constituem em marcos de identidade e memória para determinado grupo social.
(Manual de Aplicação do INRC, 2000).!
VI - Detentores – denominação dada às comunidades, grupos, segmentos e coletividades que possuem
relação direta com a dinâmica da produção, reprodução de determinado bem cultural imaterial e/ou seus
bens culturais associados, e para os quais o bem possui valor referencial, é parte constituinte da sua
memória e identidade. Os detentores possuem conhecimentos específicos sobre esses bens culturais e
são os principais responsáveis pela sua transmissão para as futuras gerações e continuidade da prática ao
longo do tempo.!

27
VII - Gestão compartilhada - modelo de gestão que, em contraposição ao modelo de gestão centralizada, é
realizada em conjunto por diferentes atores, órgãos e instituições com vistas ao atingimento de metas e
objetivos comuns, a partir de estratégias de cooperação e do engajamento dos diversos entes nos
processos de tomada de decisão, planejamento de ações, solução de problemas, análise e avaliação de
resultados!
!
Art. 3º O Programa Nacional do Patrimônio Imaterial tem como objetivos:!
I - Implantar, executar, monitorar e avaliar a Política de Salvaguarda do Patrimônio Imaterial; !
II - Contribuir para a preservação, promoção e valorização da diversidade étnica, cultural e linguística do
país, assim como para a disseminação de informações sobre o patrimônio cultural brasileiro;!
III - Captar recursos e promover a constituição de redes de parceiros com vistas à execução e gestão
compartilhada de ações de salvaguarda do patrimônio cultural imaterial;!
IV - Incentivar e apoiar iniciativas e práticas de salvaguarda desenvolvidas pela sociedade civil.!
Dos Princípios!
Art. 4º O Programa Nacional do Patrimônio Imaterial tem como princípios:!
I - a participação social dos atores que produzem, mantêm e transmitem este patrimônio nos processos de
identificação, reconhecimento e apoio e fomento, como condição sine qua non;!
II - a descentralização e socialização de instrumentos de salvaguarda e de gestão com vistas à autonomia
dos atores sociais na preservação do seu patrimônio cultural;!
III - a articulação institucional e intersetorial para execução coordenada de políticas públicas e ações,
envolvendo diferentes níveis de governo e sociedade civil, considerando a natureza transversal do
patrimônio imaterial.!
Das Diretrizes!
Art. 5º O Programa Nacional do Patrimônio Imaterial tem como diretrizes:!
I - Promover e difundir a Política de Salvaguarda do Patrimônio Imaterial, para todos os grupos,
coletividades e segmentos que compõem a sociedade brasileira.!
II - Fortalecer e difundir as bases institucionais, conceituais e técnicas do reconhecimento e valorização da
dimensão imaterial do patrimônio cultural.!
III - Contemplar, na sua execução, a diversidade e heterogeneidade dos contextos socioculturais
existentes, priorizando, sempre que possível, grupos, segmentos e regiões menos atendidas pela ação
institucional;!
IV - Promover a salvaguarda dos bens culturais por meio do apoio às condições materiais que propiciam
sua existência, aos processos de transmissão de saberes e práticas constituintes da sua dinâmica e do
fortalecimento dos seus detentores enquanto coletividades; !
V - Promover a gestão compartilhada do patrimônio cultural imaterial, articulando sociedade civil e
instituições governamentais, respeitando as diferentes possibilidades de atuação e responsabilização dos
atores envolvidos;!
VI - Apoiar, por meio de mediação junto às instâncias competentes, o reconhecimento e a defesa de
direitos difusos, coletivos, autorais e conexos e de propriedade intelectual no que se refere ao patrimônio
cultural imaterial e seus detentores. !
Art. 6º O Programa Nacional do Patrimônio Imaterial possui quatro linhas de atuação:!
I - Pesquisa, documentação e informação – contempla ações de produção de conhecimento e
documentação nas suas diferentes modalidades – inventário, mapeamento, etc. -, assim como aquelas de
sistematização de informações, constituição e implantação de banco de dados, incluindo o apoio à
produção, conservação de acervos documentais e etnográficos, considerados fontes fundamentais de
informação sobre o patrimônio cultural imaterial.!

28
II - Reconhecimento e valorização - contempla ações que visam reconhecer do valor patrimonial dos bens
culturais imateriais que são referenciais culturais para comunidades detentoras, possuem continuidade
histórica e relevância nacional, por meio dos instrumentos legais de reconhecimento, ocasionando a ampla
divulgação e promoção desses bens culturais reconhecidos e valorados.!
III - Sustentabilidade – contempla ações que têm como objetivo apoiar a sustentabilidade de bens culturais
de natureza imaterial, considerando focos de atuação diversos, que incluem desde a transmissão de
conhecimentos e saberes, até o fortalecimento das condições sociais e materiais de continuidade desses
bens, incluindo ainda o apoio a atividades de organização comunitária e a constituição de instâncias de
gestão compartilhada da salvaguarda, envolvendo instâncias públicas e privadas.!
IV - Promoção e Difusão – contempla ações de divulgação visando à apropriação, pela sociedade civil, da
Política de Salvaguarda do Patrimônio Imaterial, através do desenvolvimento de programas educativos, de
ações de sensibilização para a importância do patrimônio cultural imaterial e da promoção das ações
desenvolvidas e dos bens culturais imateriais reconhecidos ou inventariados.!
V - Capacitação e fortalecimento institucional - contempla ações de formação e capacitação de agentes
para gestão da salvaguarda do patrimônio cultural imaterial, incluindo apoio a instituições e centros de
formação públicos ou privados, voltados para o desenvolvimento metodológico no campo da preservação
e transmissão de conhecimentos tradicionais. !
!
!
5 História do Brasil. !
5.1 Formação social brasileira e diversidade dos atores sociais. !
5.2 Tempo, espaço e territorialidade - frentes de expansão e estratégias de ocupação e
defesa do território brasileiro. !
5.3 Formação das redes de cidades. !
5.4 Construção de identidades e formação da nação. !
! !
6 Historiografia brasileira, suas fontes e representações de Brasil. !
Em linhas gerais, identificam-se dois momentos específicos nos estudos sobre historiografia brasileira no
século XX: o período que vai do fim dos anos 1940 até os anos 1960, quando as obras de José Honório
Rodrigues estabeleceram um modelo que se tornou referência obrigatória nos cursos de graduação; e os
anos 1970, quando outras propostas de escrita dessa história entraram em cena.!
!
6.1 Historiografia do século XIX. !
! No Brasil, sobretudo a partir da independência, configura-se o processo de disputa em torno do
passado, evidenciado nos diversificados projetos para a nação recém-emancipada. Assim, o contexto das
produções letradas oitocentistas foi marcado pelo debate acerca da escrita de uma história afinada aos
desígnios do Estado monárquico imperial, quando não se havia fixado ainda um modelo canônico para a
sua elaboração!
! Nos começos do século XIX, a bem dizer-se, apenas existia uma História geral do Brasil (6): a de
Sebastião da Rocha Pita. (1660-1738) . Sob o título de História da América portuguêsa, desde seu
descobrimento até o ano de 1724, publicou-se ela em 1731.!
! O grande marco na nascente historiografia do século XIX foi a criação do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro (IHGB) (1838). Este foi o pioneiro no trabalho de coleta e catalogação da
documentação histórica produzida aqui desde os primórdios do período colonial.!
! Francisco Adolfo Varnhagem, conhecido como o pai da história brasileira, foi o!

29
maior representante do IHGB, responsável por catalogar as primeiras documentações disponíveis desde a
ocupação portuguesa a Independência do Brasil. Ele não só compilou documentos como propôs sua
sintetize que foi reunida em História Geral do Brasil, vols. I e II.!
Enorme foi o número de trabalhos deixados por Varnhagen (70), destacando-se, entre os estritamente
históricos, a História das lutas contra os holandeses (1871) e a História da Independência do Brasil, não
terminada, publicada na Revista do Instituto Histórico sômente em 1917 .!
A história desempenhada pelo IHGB e seus representantes, assim como todo a história, traziam consigo a
marca do seu tempo, ou seja, foi uma história escrita nos moldes eurocêntricos e positivistas e por mais
que reconhecesse negros e indígenas como atores sociais dotados de cultura, ainda colocava o homem
branco como ator principal responsável por conduzir a sociedade brasileira.!
Se nos detivemos na pessoa de Rocha Lima, é porque a julgamos azada a nos dar uma idéia das
locubrações do próprio Capistrano, que lhe votava ilimitada admiração, a ponto de confessar tomá-lo
como exemplo (105). Taine, Buckle, Comte e Spencer foram também etapas marcantes na sua formação
(106), além de autores alemães, então conhecidos através de traduções francesas (107) . Já no Rio, em
1883, seus estudos permitiram-lhe conquistar a cátedra de História do Brasil no Colé-!
gio Pedro II, graças a uma tese relativa ao descobrimento e desenvolvimento da região no século XVI
(108); outros trabalhos revelavam-no como uma verdadeira novidade no campo da historiografia nacional.
A partir daí permaneceu êle no Rio, dedicando-se exclusivamente às atividades intelectuais. Suas cartas,
em tão boa hora editadas por J. Honório Rodrigues (109), !
mostram à saciedade a constante preocupação com a pesquisa histórica e o esfôrço de manter-se ao par
do que de importante se publicasse na Europa.O cuidado com a documentação, assim, é nele de primeira
ordem (124), cabendo-lhe um excepcional lugar como pesquisador da história brasileira.!
!
CAPISTRANO DE ABREU: Os Capítulos de história colonial são a mais perfeita síntese jamais realizada
na historiografia brasileira. O livro nascia do desêjo de divulgar e atualizar, em forma !
simples, o conhecimento de nossa história, mais social e econômica do que política, liberta o mais
possível da seriação de datas e nomes, livre da cronologia dos vice-reis e governadores... Ninguém lerá
os Capítulos sem ver de imediato que Capistrano se preocupa com "o povo duran- te 3 séculos capado e
recapado, sangrado e ressangrado". !
Por isso êles são uma síntese social e econômica limpa e enxuta... Os Caminhos antigos e o povoamento
definiram os roteiros da época colonial, explicaram a articulação de várias capitanias, mostraram um
campo novo na historiografia. Ninguém atribuira, como Capistrano, desde o fim do século, tanta
importância à conquista e ao povoamento do sertão... Êle (Capistrano) viu o sertão e o caminho como
processo de incorporação e dilatação da fronteira ocidental: era um campo novo, um método de
investigação e interpretação original da formação colonial do Brasil.!
Dedicou-se ao estudo da história colonial brasileira, elaborando uma teoria da literatura nacional, tendo por
base os conceitos de clima, terra e raça, que reproduzia os clichês típicos do colonialismo europeu acerca
dos trópicos, invertendo, todavia, o mito pré-romântico do «bom selvagem». Renegando a visão positivista
e factual da história, Capistrano foca sua escrita nas lutas e costumes do povo brasileiro, na geografia e
miscigenação da nação denunciando abusos portugueses durante a colonização.!
!
6.2 A renovação historiográfica das décadas de 1930 e 1940. !
O grande marco da renovação historiográfica iniciada nos anos 1930 é o fato de que o Império deixa de
ser o sujeito central dando lugar ao que seria a história do povo brasileiro.!
Outro expoente historiador desse período foi Sérgio Buarque de Holanda, crítico da colonização
portuguesa ansiava pela superação da cultura lusitana. Em seu celebre livro Raízes do Brasil, Sérgio

30
Buarque busca compreender a partir das origens culturais e sociais, a forma como a sociedade brasileira
se estruturou e quais suas possibilidades de modernização.!
Embora tenha sido um período dominado pelo positivismo como linha teórica, vemos surgir duas correntes
históricas que viriam a ter grande destaque e que já influenciavam os historiadores brasileiros citados, elas
foram a Escola dos Annales e o Materialismo Histórico. Nascida na França, a Escola dos Annales mescla
saberes da psicologia, antropologia e filosofia e também ficou conhecida como História das Mentalidades.
Já o materialismo histórico ou marxismo utiliza-se do ponto de vista econômico material como fio condutor
para analisar a história e a sociedade. Diferente do positivismo que praticamente não conta com mais
adeptos, ambas vigoram até hoje no meio acadêmico.!
!
6.3 Historiografia dos anos 1950 e 1960. !
O artigo analisa a história da historiografia brasileira, segundo a perspectiva de José Honório Rodrigues
(1913-1987), como parte dos esforços que na década de 1930 começaram a investir nos aspectos
profissionais da História como disciplina no Brasil – enfatizando, por exemplo, a função central da
metodologia histórica como diferencial frente às escritas amadoras. Uma das principais contribuições de
Rodrigues consistiu na organização e periodização de uma história para a pesquisa histórica brasileira. Ao
construir essa narrativa histórica, ele organizou um passado, mas também indicou um futuro possível para
aquilo que idealizava como um campo profissionalizado. Seu projeto de um Instituto de Pesquisa Histórica,
que asseguraria a formação teórica e metodológica adequada aos jovens historiadores brasileiros, faria a
escrita histórica se afastar das visões mais conservadoras e tradiciona listas e desvendar os verdadeiros
caminhos para uma revolução no processo histórico nacional.!
José Honório procurou desenvolver um exercício crítico que considerava fundamental: o revisionismo.
Este procedimento deveria ser aplicado tanto aos fatos históricos quanto às ideias, ou melhor, às
ideologias.12 É interessante notar que um dos significados do termo revisar é “ver com atenção, examinar
cuidadosamente”, fazendo correções. Outro significado é “trazer à memória, relembrar, recordar”. O duplo
viés, crítico e memorialístico, ajuda a dimensionar o projeto de José Honório. Nesse sentido, caberia ao
historiador da historiografia denunciar a ideologia subjacente à escrita da história e, ao mesmo tempo,
estabelecer um cânone por meio da catalogação de autores e obras consideradas mais importantes, a
partir dos quais seria possível estabelecer a cronologia evolutiva da disciplina!
!
O segundo comentário refere-se à permanência, pelo menos por três décadas, da noção de ideologia
como categoria-chave dos estudos sobre a historiografia, o que pode ser compreendido levando em conta
a experiência vivida por esses intelectuais, pensadores da história, entre as décadas de 1950 e 1970,
quando a temática da “questão nacional” retornou à cena sob novo prisma, suscitando interpretações
diversas e exigindo novos instrumentos teóricos. A noção de ideologia permitia relacionar texto!
e contexto, frequentemente a partir de uma relação de subordinação do primeiro ao segundo, além de
atender à necessidade de explicitar os presum!
!
6.4 As correntes historiográficas recentes. !
O terceiro comentário relaciona-se à observação da presença de Antonio Candido, cuja amplitude ainda é
difícil de ser medida, como referência para pensar um novo rumo para o estudo da historiografia nos anos
1970. Na década anterior, ao compreender a história da literatura como uma história social, com uma
proposta de método, Candido permitia romper com a abordagem norteada pelo materialismo histórico, que!
opunha estrutura e superestrura, considerando as manifestações culturais (superestruturais) como reflexos
da primeira. O autor forneceu novas coordenadas para os estudos de história da cultura no Brasil,
difundindo e sofisticando noções como a de geração, influência e tema, que contribuiriam para a

31
abordagem da literatura como um todo “orgânico”. Candido afastou-se, assim, da perspectiva tradicional
de uma história fundada na perspectiva geracional e na sucessão cronológica direta de autores e!
obras. Além disso, considerou o estudo da obra em um contexto histórico sem perder de vista a noção do
texto literário enquanto dotado de caracteres formais próprios.!
Por fim, nos anos 1970, a emergência de uma preocupação em desenvolver a história da historiografia
parece estar relacionada, ao menos em parte, com uma transformação interna do campo dos estudos
históricos no Brasil. Como observou Amaral Lapa em 1977, naquele momento era notório o crescimento
do interesse dos historidores a respeito do desenvolvimento do próprio conhecimento que produziam,
indicando certa preocupação epistemológica.!
!
Uma visão marxista ou estruturalista do Brasil anterior a 1808, com uma economia baseada na
exportação de escravos, vinculada ao desenvolvimento de um capitalismo mercantil de uma Europa em
plena expansão, é o paradigma que domina o pensamento histórico sobre o Brasil desde a década de
1930. Autores tais como Oliveira Viana, Gilberto Freyre, Roberto Simonsen, Caio Prado Jr. e Florestan
Fernandes, nem todos eles marxistas, contribuíram de diversas formas para uma visão do Brasil dos
primeiros tempos, que enfatiza as relações sociais patriarcais e semifeudais, o “imperativo econômico
inelutável” da escravidão e os aspectos negativos da sua orientação exportadora e da sua dependência
dos mercados mundiais.!
Essa visão, estreitamente ligada à teoria da dependência, tem vantagens indiscutíveis. Ela forneceu uma
interpretação coerente do passado brasileiro,!
que eliminou as noções extravagantes das cronologias políticas, e colocou os problemas duradouros de
dependência econômica, de classe e raça no coração da História brasileira. Esta interpretação,
enfatizando a situação do Brasil colonial, orientou grande parte do trabalho realizado a partir da década de
1960 até a década de 1980,!
A reação a esta interpretação estruturalista veio em duas fases. Na década de 1970, houve uma série de
estudos!
enfatizando os contextos sociais e as atividades de diferentes instituições, bem como a composição e as
ações de vários grupos sociais, tais como comerciantes, lavradores de cana, plantadores de açúcar,
Cristãos Novos ou!
homens livres de cor. Como parte da História Social daquele tempo, esses estudos foram, muitas vezes,
caracterizados por um enfoque metodológico sobre comportamentos coletivos e uniformidades, que atraiu
a atenção dos estudiosos brasileiros sobre o uso de métodos quantitativos, apesar do fato de que eles,
frequentemente, procuravam (com relativo sucesso) voltarse às teorias, geralmente marxistas, para evitar
as piores deficiências do!
positivismo norte-americano. De várias maneiras, o movimento da História Social no Brasil não foi uma
rejeição do paradigma estruturalista, mas um desenvolvimento dentro dele, que transferiu o foco para a
colônia e a agência para grupos e indivíduos locais.!
Na década de 1980, a guinada para a História Social e a História Econômica gerou uma série de
importantes estudos sobre instituições e grupos sociais, que tentaram analisar a forma como os atores
coletivos históricos responderam às limitações estruturais do regime colonial. Isso fica evidente nos
estudos da escravidão, em que uma série de análises fundamentais do sistema escravista, elaboradas na
década de 1960, foram seguidas, nos anos 1970 e 1980, por um aumento da produção de estudos sobre a
resistência, a rebeldia, a família, a demografia e a alforria.!
!
O movimento da História Social na História do Brasil colonial foi ultrapassado, na década de 1990, por
uma segunda leva de estudos que demonstraram descontentamento com predominantes interpretações
que pareciam enfatizar conformidades, o poder do estado e pressões sobre ações humanas. Influenciados
por abordagens mais recentes na Europa e por estudos de gênero, pela História das mentalités , pela
etno-história e pela crítica literária e cultural, estudiosos no Brasil – como no resto do mundo – começaram
a se voltar para temas como infância, corpo, sexualidades, linguagem, representações e identidades.
História da vida privada.!
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6.5 Produção acadêmica e renovações teórico-metodológicas.!

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