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FILOSOFIA E P~OBLEMATICA (SEGUNDA PARTE/


ALFABETIZAÇAO/CONSCIENTIZAÇÃO)

Coorde!lfldor do Conselho Editorial de &tu.cação


Marcos Cezar de Freitas

Come/ho Editorial de Educação


fosé Cerchi Fusari
Marcos Antonio Lorierl
Marli André
Pedro Goergen
Terezlnha Azerêdo Rios
Paulo Freire
Valdemar Sguissardl
Vítor Henrique Paro

Dados lntemadonal~ de catalogação na Publicação (CIP)


(Clmara Brasileira do livro, SP, Brasil)
CONSCIENTIZAÇIO
Freire, Paulo, 1921-1997.
Conscientlzação / Paulo Freire ; tradução de Tiago José Risi Leme.
-- São Paulo : Cortez, 2016.

Título original: Consclentisation : reecherche d e Paulo Freire :


document de travai!.
Bibliografia. Tr1d1ç1t dt
ISBN 978-85-249-2427-9
Ti111 Jose Risi l111a
l. Alfabetização (Educação de adultos) 2. América Latina - Condi-
ções sociais - 1945- 3. Educação de adultos - América Latina 4. Freire,
Paulo, 1921 -1997 5. Política e educação 1. Título.

,16-00769 CDD-374.0120981

lndtces para catálogo slstenYtlco:


1. Alfabetização de adultos : Método Paulo Freire : Brasil :
Educação 374.0120981
2. Método Paulo Freire : Alfabetização de adultos : Brasil : ~c.oRTEZ
Educação 374.0120981 Ê/EDITORA
.,.........
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t'~ .~,;: ·:,,: ·.

55

fllOSOflA EPROBLEMÁTICA

Visão de mundo

"Costuma-se pensar que sou o autor deste estranho vocá-


bulo, 'conscientização; por ele ser o conceito central de minhas
ideias sobre a educação:• Na realidade, ele fo i criado p or uma
equipe de professores do Instituto Superior de Estudos Brasi-
leiros, em 1964, aproximadamente. É possível citar entre eles o
filósofo Álvaro Pinto e o professor Guerreiro. Quando ouvi pela
primeira vez o termo conscientização, percebi imediatamente
a profundidade de seu significado, pois estava absolutamente
convencido de que a educação, como prática da liberdade, é
um ato de conhecimento, uma abordagem crítica da realidade.
A partir daí essa palavra passou a constituir meu vocabu-
lário. Mas foi Helder Câmara quem se incumbiu de difu n di-la
e traduzi -la em inglês e francês.
Uma das características do homem é ser o único a ~r
'{
hom~m. Só ele é capaz de se distanciar do mundo. Som ente
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J•~-·:
1---:.
·~-···
.
'
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.

56

o homem pode ficar longe do objeto pa_ra admirá -lo. Ao


fia~• f11il1 ' cmtl[NTIZAÇÃD

permanente, o modo de se_r, ou de transformar o mundo, e


57

que é próprio dc:is tlomen~.


objetivar ou admirar - entenda-se admirar no sentido filo -
Por essa razão mesma, a con_5.çien~i?:c1ção é engaj~mento~
sófico-, os homens são capazes de atuar conscientemente.
histórico. Ela é igualmente consci~ncia histórica:, por ser in-
sobre a realidade objetivada. É exatamente isso a "pr~x_i~,
serção crítica na história, ela implica qu e os homens assumam
humana'; a unidade indissolúvel entre minha ação e minha
o papel de ?.ujeitos que. fazem e refazem o mun do, Ela exige
reflexão sobre o mundo.
que os homens criem a própria existência com o material q ue
Num primeiro momento, a realidade não se apresenta
aos homens como objeto que a consciência crítica deles pode a vida lhes oferece ... 1
conhecer. Em outros termos, na aproximação espontânea do A "conscientização" não tem como base uma con sciência,
homem em relação ao mundo, a posição normal fundamen- de um lado, e um mundo, de outro; aliás, ela não busca tal
tal não é uma_posicão críticÇmas uma posição ingênua. \ separação. Pelo contrário, está baseada na relação con sciêp -
Nesse âmbito da espontaneidade, o homem, ao aproximar-se çia-mundo.
da realidade, faz simplesmente a experiência da realidade na Tomando tal relação como objeto de sua reflexão crítica,
qual se encontra, e que ele investiga. os homens lançarão luz. sobre aquelas dimensões obscuras_
Essa tomada de ·-·consciência ai.nda não é a conscientiza- qu~ res~ltam de sua aproximação do mundo. A criação ~a
. -~ ... ~-- -
. ;..;. .. . -~·-········

cão - esta constitui o desenvolvimento crítico daguelª. Logo, .. l'd de tal qual indicada na crítica precedente, nao
nova rea 1 a , .
ak onscientizaçag implica que se passe da esfera espontânea pode esgotar o processo de conscientização. A nova_reah~~de
de apreensão da realidade p w a _ylI_l~U~sf~ra, _çrítica, na qual a . deve ser tomada como objeto de uma nova reflexao cntI~a.
'd d alguma coisa na qu al naQ
realidade se oferece como objeto cogr.19s c:fv~J e na qual ~- Considerar a nova reah a e como - . " .. .
homem assume um ~ionarnento epistemqJ(lgiço seja p~; sível tocar representa uma atitu~e tao !~gen~a
. . na' r·1a quanto afirmar qiie a antiga realidade e mtocave .
f
Assim, a conscientizacão é o teste da realidadt;- Quanto reac10 --
mais n os con scientizamos, mais "desvelamos" a realidade1 co~-scientização enquanto atitude crítica dos homens
e mais aprofundamos a essência fenomênica do objeto dian -
~ . . ais acabará. Se os homens, enquanto seres_d~
na históna 1am " d . ,, o mundo "sobre o qual se agiu ,
te do qual nos encontramos, com o intuito de analisá-lo. Por -o continuassem a a enr a
aça , "obscuridade" nova.
essa ra,-.,ão, a co nscientização não con siste num "estar diante ficariam submersos numa '
da realidade'' assurru ndo urna posição falsamente intelectual. . . . ~• a alfabe tlzação de adultos~
Ela não pode exis tir fo ra da práxis, o u se ·a fora do ato "ação - . ulo Frdre sobre "A consoenoza.,..o e
l scu 1i11áno doJ P8
-reflexão''. Essa u m a e ia ética cons titui , d e m an eir~ . 7 l 9 de abril de t970.
Hot ll ll, l O
59
coNSCllNTlllÇÃO
58 Panlt í'8irt

• t e faz proJ·eto. É ao agir que posso transformar


anteproJe o s . . .
A conscientízação, que se apresenta como um processo ·eto em projeto; em mmha biblioteca tenho um
meu anteproJ . , . _
que se dá num momento determinado, deve continuar, en- • t que se torna projeto mediante a prax1s, e nao
anteproJe o
quanto processo, no momento seguinte, durante o qual a por meiQ _d o blá-bl~-bl~. .
realidade transformada revela um novo perfil. · Além disso, entre O anteprojeto e o momento da realiza-
Dessa maneira, o processo de "alfabetização" poJítica - d concretização do projeto, há este tempo que se
çao ou a . .
- tanto quanto o processo linguístico - pode ser uma práti- histórico; é exatamente a históna que devemos
chama t~IUPº . . . ..... - ,
ca para a "domesticação" dos homens para sua libertação. No . r com nossas mãos e que devemos fazer: e o te.rnpo das
ena .. ··· · ···
primeiro caso, a prática de conscientização não é de modo transfq!maçõ~~ que devemos realizar; é o tempo do meu
algum possível, enquanto no segundo, o processo é em si
; 0 ·g;jamento histórico. . _
mesmo conscientização. Daí uma ação desumanizante, de
Por essa razão, só os utopistas - que fm Marx senao um
um lado, e um esforço de humanização, de outro. 2
. t ? Que •oi Guevara senão um utopista?-podem ser
A conscientização nos convida a assumir uma posição utop1s a. 1'

profétjços e portadores de esperanç_a. ,.


utópica perante o mundo; posição essa que transforma o
.- . m e denunciam podem ser profeticos,
conscientizado em "fü,tor. utópiçg:. Só os que an11i:i~1~ . .• . .
estand~-permanentemente engajados num processo radical
Para mim, a utopia não consiste no irrealizável, nem é
de transformação do mundo parc1 que os homens possam s:r
idealismo, mas, sim, a dialetização dos atos de q~ll.4I?Sia.r . , . homens opressores, na9
e- ·.anuncie!!', os atos de denunciar mais. os homens reac1c:manos, os ·· _
-··- ... ···-······· ... a estrutura desumanizante e
~~~~lll ~er 11topista&. Não podem ser profético\ e, por nao
. .. . . . · ·-··· • .. . .. ..........,....
·········"•·"' · ·· ··· ··· ,•, -.

de anunciar a estrutllra humaajz_i:lilt~- Por essa razão, a utopia


também é engajamento histórico. poderem ser proféticos, n.fio pod~m ter espernnç : , .
, .d nte ligada a utopia,
A utopia exige o conhecimento crítico. É um ato de co- A conscientização esta evi enteme . . d
. Q to mais consc1ent1za os
nhecimento. Não posso denunciar a estrutura desumani- de modo que implica a utopia. _uan _ e
. to de transformaçoes qu
zante se não a perscruto para conhecê-la. Não posso anun- somos, sobretudo pelo engaJamen . d nos torna-
. . d denuncia ores 1 .
ciar se não conheço. No entanto, entre o momento do assumimos, mais anuncia ores e · tir do
· . _ permanente: a par
anúncio e a realização dele, há algo que precisa ser posto mos. Mas essa posiçao deve ser desumani-
.- ·· a estrutura
em evidência: o anúncio não é o anúncio de um projeto, mas, momento em que denunciamos um rt· do momento
sim, de un:_i_ anteprojeto, pois é na práxis histórica que o • ealidade, a pa ir
zadora, sem nos enga1ar na r . _ d oJ·eto acab amoS,
·enuzaçao O pr ' ·
em que alcançamos a consc1 topistas. É esse o
· mos de ser u •
2. The Political literacy Process, Gcn elira, outubro d e 1!170.
por nos buro~ratizar se d ei,,xa ·

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Pnl1f11i11 CHSClENTIZAÇ.10 61
60

propriamente dita tendem a ser m i tificados, enquan to se


perigo das revoluções, quando cessam de ser permanentes.
Uma das respostas geniais é da reno_yªç.ã q_çultµral : esta estabelece um clima de irracion alidade e de sectarismo. Esse
dialetização que não é - propriamente falando - de ontem, clima ameaça desprover os tem as d e seu significado profun -
nem de hoje ou de amanhã, mas uma t..i~efa pennílnent!! do e privá-los do aspecto dinâmico q ue os caracteriza. Em tal
de transformação. situação, a própria irracionali<:ladec:riadora de mitos se torna
A ~Q:r.!§_cj~!]Ji~ç-ªQf i1>Jo: apossar-se da realida~e; por essa um tema fÜndame~taL O tema a ela oposto, qual seja, a visão
razão e por causa do enraizam~~t~ ~tópico que ~ informa, é crítica e dinâmica do mundo, permite q ue se de svele a reali -
1:1m fQI_Il.P!m.e-QJ<>._çiªrealiqªcJf:. A conscientização produz a dade, que se desmascare sua mitificaçã o e q ue se atinja a
~~~giitjfiçélçã_Q. É evidente e impressionante, mas os opresso- p~~na rea}i_zaç~o do traba),ho h µmano : a transfo rmação p er::-
res jamais poderão provocar a conscientização para a liber- °-1ª'º-~~te da realidaqe com vistas à Hbertação dos h o_!Tien§. 'r
tação: conw desmitificar se eu oprimo? Ao contrário, pelo fato Em última análise, os temas são conteúdos e contin entes
de que s~':!-~:P~~~~~!- .~~nhg_~_!E:1.!º'~~ç{a. g~ !:Ili~Q.fi.<:.é!f a reali- de situações-limite; as tarefas por eles implicadas exigem
dade que se dá à apreensão dos oprimidos, para os quais ações-limite. Quando os temas são escondidos pelas situa -
então essa apreensão se dá de maneira mítica, e não crítica. ções-limite, de modo que não são claramente percebid os, as
Q tral:li!Qlp huz_n_ªgjz_a q9r!1~0p9çforáseroutrn qu.e11ã9g qe tarefas correspondentes - ou seja, as respostas dos h omens
q~s~~ caç~9.. : Por isso mesmo, a conscientização é a abor- mediante uma ação histórica - não podem ser rea lizadas de
dagem da realidade mais crítica possível, desvelando-a para
modo autêntico, nem de modo crítico. Em tal situaçã o, os
conhecê-la, e para conhecer os mitos que enganam e ajudam
homens são incapazes de ultrapassar as situações-limite p ara
a manter a realidade da estrutura dominante.3
descobrir que, adiante delas - e em contradição com elas - ,
Confrontados com um "universo de temas" 4 em contra- encontra-se 1::1.1.P possíyel nã() experimentado.
dição dialética, os homens assumem posições contraditórias:
Em suma, as ~ttµªçQ~5i ;-lil]lite implicam a existência d_e
uns trabalham para manter as estruturas; outros, para que elas
pessoas qt1e sã9 servidas diret~ ~u indiretamente pelas mes-
mudem. À medida que cresce o antagonismo entre os te-
mas ... ( e outras para
. ··· ·s1·tuações .. . quem
. elas têm um caráter nega-
mas que são a expressão da realidade, os temas da realidade
··. · · e su bJ·_u gador
ttvo . _ .- Quando estas últimas identificam tais situa-
-= · · · mo a fronteira
çoes c0
entre ser.e ser f!13.~~ h umanq, m ais d,_o
--- -·----- - - .
3. Seminá rio de Pa ulo Freire sobre "A conscienrlzaçâo ., a alfabetiza ão d ,,
.
- t·ro
- ~ teira entre ser e não ser, começam a agir q~
Roma, 17 a 19 de abril d~ 1970. ç e adultos,
que corno 'a 11
· -, " , -
4. Segundo Paulo Freire, o co11ju11u) dos ti,rnas cm ln teraçª é
maneira . ca d a vez m'iis crítica ' para .alcançar o poss1veI na9
constituiseu u_n h·erso temático. . . .. uO numa poca dcterml
· · · .,
naua
e - . . . .
.
expertrnenta , d o_" contido nessa percepça(). · · · Por o utro lado,
63

62 Pnltí111li .

, um excelente exemplo desse movi mento do pensamento


aqueles que são servidos pela situação-limite atual olham para dialético pode ser encontrado na análise de uma situação con -
o possível não experimentado como uma situação ameaçadora, ~ ·stencial "codificada''. A "decodificação" dela exige que
/ ereta, ex1 '
cuja realização deve ser impedida, e atuam para manter o , do abstrato ao concreto, ou seja, da parte para o todo, para
seva . . _ ..
status quo. Consequentemente, as ações libertadoras, num amente às partes; isso 1mphca entao que o su1e1to se
voltarnov . . .
contexto histórico determinado, devem corresponder não obJ' eto _ a situação concreta existencial cod1fi-
reconheça n 0 . -
apenas aos temas geradores, mas também à maneira pela qual nheça o obJ. eto como uma s1tuaçao na qual ele se
cada-ere Co . -
esses temas são percebidos. Tal exigência implica outra: a com outros sujeitos. Se a decodificaçao for bem -su-
pesquisa de temáticas significativas. encontra
. ento de fluxo e refluxo do abstrato ao con-
cedida, esse movun _ ..
Os temas geradore~ podem se sitµar em ç(rculos concên- duz na análise de uma situaçao codificada, leva
ereto que se pro
triÇO.$, que vão do ger.c:11 ao particuJc1r. A unidade histórica mais à su~stituição da abstração pela percepção críti_c a do con~reto,
ampla compreende um conjunto diversificado de unidades - o deixou de ser uma realidade densa, impenetravel.
e subunidades (continentais, regionais, nacionais etc.), de queent a _
Entretanto, porquanto o código é a representaçao de uma
modo que comporta temas de caráter universal. Considero
situação existencial, aquele que o decodifica t en de a fazer ~
que o tema da dominação é o tema fundamental de nossa
época e pressupõe seu oposto, qual seja, o tema da libertação, percurso da representação à situação bem c_oncreta na _qua
a Assim é possível explicar por me10 de
como objetivo a ser alcançado. eooma~al trabalh · ' d
. . divíduos começam a se comportar e
É esse terna preocupante que dá a nossa época o caráter conceitos por que os m .
antropológico que já mencionei. Para realizar a humanização modo diferente em relação à realidade objetiva, d~pms que
0 um impasse e
que pressupõe a eliminação da opressão desumanizadora é essa realidade deLxou de se apresentar com l
. . m desafio ao qua os
absolutamente necessário ultrapassar as situações-limite, nas manifestou seu verdadeuo aspecto . u
5
quais os homens são reduzidos ao estado de coisas. homens precisam respo nder. • , •

Entretanto, quando os homens percebem a realidade Em nosso método, a codificação assume, no m1c10, ~
d enho que representa uma s1-
como densa, impenetrável e envolvente, é indispensável forma de ll.Ill~Jotografia _ou es · ~ . ·a1 construída
realizar essa pesquisa por meio da abstração. Esse método . . 1 simaçao existenc1
tuação existencial rea ou uma - os alunos
não implica que se reduza o concreto ao abstrato (o que sig- . ta essa representaça 0,
pelos alunos. Quando se proJe base do ato de
nificaria que o método não é de caráter dialético), mas, ao ~ se encontra na
efetuam uma operaçao que
contrário, que se mantenham os dois elementos como con-
trários em inter-relação dialética no ato reflexivo.
5. Ped{lgogia do oprimido, rapínilo Ili.

·wtrttn @à ~t -:.· Stt trt


1•
·. ·1\ ~
msCIEITIZAÇÃI GS
1'1~1f11h1
64

encontrar seus temas geradores. Um grupo que não expressa


conhecimento: tomam distância do objeto cognoscível. Os
concretamente temas geradores - o que pareceria significar
educadores também fazem a experiência do distanciamentoi
que não tem temas - sugere, ao contrário, um tema trágico :
de modo que tanto educadores quanto alunos podem refletir
o tema do silêncio. Este, por sua vez, sugere uma estrutura de
juntos, de maneira crítica, sobre o objeto cognoscível que os
mutismo em face da força destruidora das situações-limite.
intermedeia. A finalidade da decodificação é atingir um nível
crítico de conhecimento, começando pela experiência que o Pesquisar o tema gerador é pesquisar o pensamento do
~-'
t

aluno tem da situação em seu "contexto real''. home_rr_1_sobre a realidade e sua ação sobre essa realidade que
Enquanto a representação codificada é o objeto cogrios- está em sua pníxis. Quanto mais os homens se posicionam
cível que intermedeia sujeitos cognoscentes, a decodifica - com atitude ativa na exploração de suas temáticas, mais pro-
ção - decompor a codificação em seus elementos constitu- funda se torna sua consciência crítica da realidade e, ao
tivos - é a operação pela qual os sujeitos cognoscentes enunciar essas temáticas, mais se apoderam dessa realidade.
percebem as relações entre os elementos da codificação e Devemos nos convencer de que as aspirações, os motivos
outros fatos apresentados pela situação real, relações essas e os objetivos que estão contidos nas temáticas significativas
que antes não eram percebidas. são aspirações, motivos e objetivos humanos. Não existem em
A codificação representa uma dimensão determinada da algum lugar "fora'; como se fossem entes estáticos, mas são
realidade, tal qual vivida pelos indivíduos, e essa dimensão é históricos, como os próprios homens; por conseguinte, não
proposta à análise deles num contexto diferente daquele no podem ser apreendidos fora dos homens. Apreender esses temas
qual eles a vivem. Assim, a codificação transforma o que era e compreendê-los é compreender, ao mesmo tempo, os homens,
uma maneira de viver no contexto real em um "objectum'; no que os encarnam, bem como a realidade à qual se referem.
contexto teórico. Os alunos, em vez de receber uma informa- Mas, exatamente por não ser possível compreender esses
ção acerca disto ou daquilo, analisam aspectos de sua própria temas fora dos homens, é necessário que os homens, neles
experiência existencial representada na codificação. s concernidos, também os compreendam. A pesquisa temática
~~ .toda~. as fases da clecodifica.ção, os ho:roeris revela:m se torna, assim, uma luta comum, para uma consciência da
sua visao de ~undc:>. _conforme pensam o mundo e o abordam realidade e uma consciência de si que fazem dessa pesqttisa
- de maneITa fatahsta, estática ou dinâmica , ponto de partida do processo de educação e da ação cultu-
- , e possível 0
ral de caráter libertador.
6. Paulo Freire, "Cultural action for freedom•; em Hart,ard Ed
Massachuseus, 1970. ucatlan Review, Cambridge,
o perigo real de tal pesquisa não é que os objetos pressu-
post os d ela, ao se descobrirem copesqttisadores, falsifiquem
cn
Vl
-·. 1

. 66 P11f1F11ilt ::. . CIISCIUllllÇÃO 67

·:ós resultados analíticos, mas está, ao contrário, no risco de análise do contexto de vida concreto do homem concreto que
desviar o eixo da pesquisa dos temas significativos para os se quer educar (ou, para dizer de modo mais apropriado: que
próprios homens, considerando assim os homens objetos se quer ajudar a se educar).
da pesquisa. Na ausência de tal reflexão sobre o homem, corre-se o
Para ser mais exato: a pesquisa d~s temáticas impHca a grande risco de adotar métodos educacionais e procedimen-
pesquisa do pensame_n to d()s homer1s, pensc1m,ento que se tos que reduziriam o homem à condição de objeto.
e~~ontra somente junto aos ~ome11~ q~e investigarn ju11t~s Ora, a vocação do homem é ser sujeito, não objeto. Na
essa realidade. Não quero pensar pelos outros ou sem os ou- falta de uma análise do contexto cultural, corre-se o risco de
tros, e outros também não podem pensar pelos homens. Como realizar uma educação en gessada, sob reca rregada - por
"seres em situação~ os homens se encontram enraizados em conseguinte, inoperante ... que não está adaptada ao homem
condições de tempo e espaço que os marcam e são igualmen- concreto, ao qual se destina.
te marcadas por eles.
Ora, o que há são apenas homens concretos ( "não há
Eles refletirão sobre a própria "sit:Ué,\Cionalidade" à me-
homens no vácuo"). Cada homem está situado, datado, no
dida que ela os desafiar a tomar uma atitude em relação a ela.
sentido de que vive numa época determinada, num lugar de-
Os homens são, porque estão numa situação. Quanto mais
terminado, num contexto social e cultural preciso: "o homem
refletirem de maneira crítica sobre a própria existência, mais
é um ser com raízes tempo-espaciais''.
agirão sobre ela, mais serão.
Para ser válida, a educação precisa levar em conta, ao
A educação e a pesquisa temática numa concepção
crítica da educação são apenas diferentes momentos do mesmo tempo, a vocação ontológica do homem - vocação
mesmo processo.7 a ser sujeito - e as condições em que ele vive: em deter-
minado local, em determinado momento, em determina-
do contexto.
Ideias -força Em palavras mais exatas, para ser um inSt rumento válido,
_ precisa
a educaçao . a1u. d ar o h orne m , a partir de tudo o que
-
1 - Para ser válida, toda educação deve necessariamen- · ·t
constitui sua vida, a se tornar su1e1 o. É O que manifestam
te ser precedida por uma reflexão sobre o homem e uma .
frases como as segumtes: "A ed uca ção só é um instrumento
válido se estabelece uma relação dialética com O contexto
7. Pedagogia do oprimido, capítulo Ili.
social em que o homem está enraizado''.
CONSCIENTIZJC}O
,.~. f11ill
68

agricultura em geral, em recomendar o uso de fertilizantes químicos,


"A instrumentalidade da educação" - e Paulo Freire máquinas agrícolas e a formação de sindicatos. Mas consiste, ao
explica que sua intenção é, por meio dessas palavras, denotar contrário, em fazê -los compreender o mecanismo da produção
"algo maior que a simples preparação dos quadros técnicos agrícola ao qual eles se submetem por simples tradição, em fazê -los
em função da vocação de desenvolvimento de uma região" examinar e criticar todos os atos diários que realizam por força do
- depende da harmonia obtida entre a vocação ontológica hábito. O que um homem talvez tenha mais dificuldade para co-
nhecer de modo inteligente é sua própria vida, pelo fato de ser tão
deste ser "situado" e "datado'; que é o homem, e as condições
marcada pela tradição e a rotina, por atos inconscientes. Para ven-
particulares dessa "situalizaçào" e dessa "datação''.
cer a tradição e a rotina, a melhor atitude prática não é difundir
Todas as concepções de Paulo Freire sobre educação e ideias e conhecimentos externos e longínquos, mas fazer a tradição
toda a sua ação educacional - tal qual pôde ser observada raciocinar por meio dos que a ela se conformam e a rotina, por
no Nordeste do Brasil - são orientadas por essa convicção, aqueles que a seguem.
por essa ideia-força.
Por caminhos diferentes e mais fecundos - mais fecun -
2 - É mediante reflexão sobre sua situação, sobre seu
dos porque integram uma preocupação de promoção global
ambiente concreto, que o homem se toma sujeito. Quanto
da pessoa - , Paulo Freire encontra esse ensinamento de
mais refletir sobre a realidade, sobre sua situação concreta,
Ch. Guyesse, do qual se falou muito pouco até aqui .
mais ele "emergirá': plenamente consciente, engajado, pron-
to a intervir sobre e na realidade, a fim de mudá-la. Uma "Se - ele escreve - a vocação ontológica do homem é
educação assim - cuja finalidade seja desenvolver a tomada ser sujeito, não objeto, ela só pode se realizar à medida que
de consciência e a atitude crítica em virtude da qual o homem [... ] refletindo sobre as condições espaço-temporais, mergu -
escolhe e decide - liberta o homem, em vez de subjugá-lo, lhamos nelas e as analisamos com espírito crítico."
domesticá-lo, colocá-lo de acordo, como faz amiúde a edu- 3 - É à medida que o homem, integrado em seu contex-
cação que vigora em grande número de nações do mundo, to, reflete sobre esse contexto e se engaja, que ele mesmo se
visando a ajustar o indivíduo à sociedade, bem mais do que constrói e se torna sujeito. Essa ideia-força pode ser decom-
a promové-lo em sua própria trajetória. posta em duas afirmações :
Deparamoi; aqui com uma ideia que não é nova. Já no a) o homem, pelo fato de ser homem, é capaz de reco -
início do século, wn amigo de Péguy, dirigindo-se a educa- nhecer que existem realidades que lhe são exteriores. Sua re-
dores, escreveu: flexão so bre a realidade o faz descobrir que ele não apenas
, t·ct· ade nns com ela. Ele descobre que, além dele
Ü[tr consciência ao~ c11rnpone1,e1, de sua situação, a funde que eles esta na rea 1 , , ' " . .
. .. • outros seres e mesmo "órbitas" existenc1rus
rnci,mo ~ St' Cb ÍOrccm parti rnu dá-w, não con.sisLe em lhes falar da própno, existem 0 :s '

1
hi1ínlrí · ;:; -; CDNSCl[NllUÇÃO
71

::dif~r;nt~s·: um mundo de coisas inanimadas, um mundo social, quer do mundo das coisas da nature - _
za - sao re1açoes
· vegetal, um mundo animal, outros homens ... Essa capaci- de enfrentarnento: a natureza se opõe ao ho . -
. mem, e1e se opoe
dade de discernir o que é próprio ao homem lhe permite contmuamente a ela; as relações do homem com os outros
inclusive descobrir a existência de um Deus, e de estabele- homens, com as estruturas sociais, são também relações de
cer com ele uma relação. O homem, por ser homem, também enfrentamento, na medida em que o homem é constantemen-
é capaz de reconhecer-se vivendo não num eterno presente, te tentado, nas relações humanas, a reduzir os outros homens
mas num tempo constituído por ontem, hoje e amanhã. Essa à categoria de objetos, de coisas que se utilizam para benefí-
tomada de consciência de sua temporalidade (que lhe vem cio próprio. Assim, toda relação do homem com a realidade
de sua capacidade de discernir) lhe permite tomar cons- é um desafio ao qual se deve responder de maneira original:
ciência de sua historicidade, o que não pode ser feito por não existe modelo -padrão de resposta, mas tanto respostas
nenhum animal, porquanto não possui a mesma capacidade diferentes quanto desafios diferentes, e mesmo inúmeras
de discernimento. respostas diferentes possíveis a um mesmo desafio; por exem-
Enfim, o homem, pelo fato de ser homem - logo, capaz plo, diante do desafio permanente que a vegetação parasita
de discernir - , pode entrar em relação com os outros seres. representa ao agricultor, este pode responder de variadas
Isso também é específico dele. O animal pode unicamente maneiras: arar a terra no inverno, capinar, fazer uso de her-
estar "em contato" com a realidade. O homem, particular- bicidas, práticas mágicas, resignar-se etc. Diante do desafio
mente, uestabelece relações" com a realidade (as relações que constitui uma tentativa de utilização dele como um
implicam - ao contrário do contato - o exercício de uma objeto, o trabalhador pode responder com resignação passiva,
inteligência, de um espírito crítico, de um saber-fazer... Enfim, um trabalho malfeito, greves, a obediência ou a revolta, uma
de todo um comportamento que não é apenas reflexo e que organização profissional, um diálogo com os patrões etc. Cada
se encontra somente no homem, ser livre e inteligente). um desses tipos de resposta é suscetível de se traduzir em
b) É por meio de suas relações que o homem se torna múltiplas manifestações concretas.
sujeito. Exercendo sua capacidade de discernir, ele se desco- É importante perceber que a resposta dada pelo homem
bre em face desta realidade que não lhe é apenas exterior a um desafio não muda somente a realidade que se opõe a ele
(aliás, ele só pode estar em relação com algo ou alguém que - essa respos ta também muda ele
e à qual ele mesmo se opoe;
lhe é exterior, não consigo mesmo), mas que também o desa- . d · diferente a cada desafio.
··1 .- próprio, um pouco mais e e maneira
homem se altera no
fia, o enfrenta, o provoca. As relações do homem com a rea- ' f~ "No jogo constante de suas respo st as, 0 , .

lidade, com seu contexto de vida - quer se trate da realidade ,, Paulo Freire. No propno
próprio ato de responder , escreve
r

·-::\ ::: CONSCIEITIZAÇÃQ 73


72
Pltdoí11ira 1.··

esforço criador e recriador do homem, de se u tra balho para


ato de responder aos desafios que seu contexto d e Vl·ct a lhe
apresenta, o homem se cria, se realiza como sujeito, pois essa transformar e firmar relações de diálogo com os outros ho-
resposta exige dele reflexão, crítica, invenção, escolha, decisão, mens. Constitui também a aquisição sistemática da experiên-
organização, ação etc., ou seja, coisas pelas quais a pessoa se cia humana, mas uma aquisição crítica e criadora - e n ão
constrói, e que fazem dela um ser não mais somente "molda- uma justaposição de informações que seriam apen as arma-
do" à realidade e aos outros, mas, sim, "integrado''. Observe- zenadas na inteligência ou na memória, e não "incorporadas"
mos de passagem que aqui se encontra uma ideia cara ao em todo o ser e em toda a vida do homem.
marxismo, o qual não a descobriu, mas teve o mérito de Nesse sentido, pode-se dizer que o homem se cultiva e cria
evocá-la de modo vigoroso: é por sua ação e em sua ação que a cultura no ato de firmar relações, no próprio ato de responder
o homem se constrói como homem. aos desafios que a natureza lhe apresenta, como também no
Observemos também que a resposta aos desafios cria o ato mesmo de criticar, de incorporar em seu próprio ser e de
homem, na medida em que o força, ou pelo menos o convida, traduzir numa ação criativa o produto da experiência h umana
a estabelecer relações humanas que não sejam de dominação, feita pelos homens que o rodeiam ou que o precederam.
porém de simpatia e reciprocidade.
5 - O homem não somente é criador de cultura por suas
4 -À medida que o homem, ao integrar-se às condições relações e suas respostas aos desafios que a realidade lhe
de seu contexto de vida, reflete sobre elas e encontra respos- apresenta, como também faz história, por meio dessas m es-
tas aos desafios que elas lhe apresentam, ele cria sua cultura.
mas respostas e de suas relações.
A partir das relações que estabelece com seu mundo, ao
"À medida que o homem cria e decide, as épocas vão se
criar, recriar, decidir, o homem dinamiza esse mundo, acres-
formando e se reformando'; afirma Paulo Freire.
centando-lhe algo do qual é o autor. Por conseguinte, ele faz
sua cultura. A história- história na acepção plena do termo; história
de todo O povo, e não apenas dos exércitos e govern os - , com
De fato, a cultura tem em Paulo Freire um sentido com-
efeito, nada mais é do que a série de respostas que os homens
pletamente diferente e muito mais rico que o sentido habi-
dão aos desafios com que se deparam, provenientes da natu-
tualmente aceito.
reza, d os ou tros homens e das estruturas sociais. Ela nada
A cultura - ao contrário da natureza, que não é uma . e, d o que, a busca do homem _ mediante a resposta a
mais
criação do homem - é a contribuição dada por ele à nature-
esses d esa fi os. e as. relações que estabelece com os outros
za. A cultura é tudo o que resulta da ai-ividade huma d
na, o homens - d e ser cada vez mais homem.
...,
.J ~'- ...,,,.....~ ,.. - -
.
f. . . . . .

CONSCIEIITIZAÇÃO 75
74 Paula íflirl

Se quisermos que o homem aja e seja reconhecido como


A história nada mais é do que uma série de épocas carac-
sujeito,
terizadas por aspirações, necessidades, valores, "temas" em
Se quisermos que ele tenha consciência de seu poder de
busca de realização. É à medida que alcança descobrir e re-
conhecer, "captar" esses temas e essas aspirações, assim como transformar a natureza e responder aos desafios por ela apre-
as tarefas pressupostas pela realização deles, que o homem sentados,
participa de sua época. Se quisermos que ele estabeleça com os outros hom ens
Uma época se realiza à medida que seus temas são cap- - e com Deus - relações de reciprocidade,
tados e as tarefas relativas a eles, cumpridas. Ela é ultrapas- Se quisermos que ele seja, por meio de seus atos, criador
sada à medida que os temas e suas tarefas não correspondem de cultura,
mais às novas necessidades emergentes. De fato, o que carac- Se quisermos realmente que ele esteja inserido no pro-
teriza a passagem de uma época a outra é o fato de que novos
cesso histórico: que ele, então, "descruzando os braços, re-
valores aparecem, opondo -se aos valores de ontem.
nuncie à expectativa e exija a ingerência';
O homem faz história à medida que, apreendendo os
Se quisermos, em outras palavras, que ele faça história,
temas de sua época, realiza as tarefas concretas que pressu-
em vez de ser levado por ela, e - sobretudo - tenha uma
põem a realização desses temas.
participação ativa e criativa nos períodos de transição (perío-
Ele também faz história à medida que, na emergência de
dos particularmente importantes, pois exigem opções funda-
novos valores, quando novos temas se impõem, sugere uma
mentais, escolhas vitais para o homem),
formulação nova, uma mudança na maneira de ser e de agir,
nas atitudes e comportamentos ... Se for isso que queremos, é indispensável p reparar o
homem para tanto, mediante uma educação autêntica: uma
Deixemos claro que o homem só pode fazer a história
quando capta os temas de sua época. Caso contrário, ele educação que liberta, não uma educação que molda, domes-
acaba sendo levado pela história, em vez de fazê -la. tica, subjuga.
6 - É necessário que a educação seja adaptada -
em Isso obriga que se revejam completamente os sistemas
seu conteúdo, seus programas e métodos - ao objetivo que tradicionais de educação, seus programas e m étodos. O
se persegue, que é permitir ao hom em tornar-se sujeito, homem só pode participar ativamente da história, da socie-
con struir-se como pessoa, transformar o mundo, firmar rela - dade e da transformação da realidade se for ajudado a tom ar
ções de reciprocidad e com os outros homens, formar sua consciência da realidade e de sua própria capacidade d e
própria cultura e fazer a hi stória ... transform á -la.
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raul• í11ile

Não se pode lutar contra forças que não são compreen-


didas, cuja importância não é medida, cujas formas e contor-
nos não são discernidos; quando recebidas passivamente,
busca-se conciliá-las por meio de práticas feitas de submissão,
mais que de luta. Pode-se dizer isso em relação às forças da
natureza: seca, inundação, pragas em plantações ou doenças PROCEDIMlNlO MllODOlóGICO
do rebanho, o curso das estações. Mas também em relação
às forças sociais: o "grande proprietário'; os "trustes'; os "téc-
nicos'; o "Estado'; o "fisco" etc. Tudo isso constitui os "eles"
dos quais se tem apenas uma ideia vaga .. . E sobretudo aidei~
de que são onipotentes, intransformáveis por uma ação do
homem do povo.
Método
A realidade só pode ser modificada se o homem descobrir Rejeitando os métodos de alfabetização puramente me-'/
que pode sim, e pode sê-lo por ele. Portanto, é preciso fazer cânicos, pretendemos realizar uma alfabetização direta,
~essa ~onscientização o objetivo fundamental da educação; realmente ligada à democratização da cultura e que sirva a
e preciso, em primeiro lugar, provocar uma atitude crítica de ela de introdução, ou seja, uma experiência capaz de tornar
reflexão, que leve à ação. 8 ' compatíveis a existência de um trabalhador e o material que
a ele se ofereça para seu aprendizado. Na verdade, só uma
paciência imensa permite tolerar, após as dificuldades de uma
jornada de trabalho, as lições que evocam: a "asa': "Pedro viu
a asa'; "asa é da ave" ; lições que falam de "Eva e uvas" a homens
que muitas vezes conhecem poucas Evas e jamais comerão
uvas: "Eva viu a uva''. Pensamos numa alfabetização que seja
em si mesma um ato de criação, capaz de perpetuar outros
atos criativos; uma alfabetização na qual o homem, por não
ser nem paciente, nem objeto, desenvolve a i~paciência ~ a
vivacidade de invenção e de reinvenção, reaçoes caractens-

8. IDOC fnternationa/, Paris, Seull, n. 29, 15 ago./!•set 1970. ticas dos estados de pesquisa.

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