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Assim o autor define ao mesmo tempo o próprio conceito com que irá trabalhar
de "espiritualidade" como o tema de sua obra. Conceito que tem seu início apenas no
século XIX com o sentido de "ciência da ascese, que conduz, pela mística, à instauração
de relações pessoais com Deus. Quando essa experiência, depois de receber uma
formulação sistemática, passa de um mestre a seus discípulos..."2. Esse sentido porém
seria bastante limitado e abarcaria apenas um minoritário número de experiências
religiosas fora do contexto cronológico estabelecido pelo autor. Concordamos aqui com
Vauchez e com Ciro Flamarion Cardoso3 no sentido em que não é porque uma
1
VAUCHEZ, 1995. p. 8
2
idem. p. 7
3
CARDOSO, 2010
população em determinado período não formalizou determinados conceitos que a
impede de ter vivenciado a experiência que a posteridade poria em palavras. Seja a
economia ou a espiritualidade.
Segundo Vauchez as pesquisas a respeito da espiritualidade medieval se
mantiveram em grande medida limitados ao estudo das práticas correntes entre clérigos
e aqueles internos a hierarquia da Igreja. Para ele então se vê como uma alternativa
extremamente produtiva o estudo das chamadas "espiritualidades populares". Que se
constituíram de forma original e não como mera cópia míope da espiritualidade, dita,
oficial.
os humildes integraram em sua experiência religiosa, tanto pessoal quanto
coletiva, elementos provenientes da religião que lhes fora ensinada e outros
fornecidos pela mentalidade comum do seu ambiente e do seu tempo,
marcada por representações e crenças estranhas ao cristianismo. 4
4
VAUCHEZ, 1995. p. 9
5
idem. p.163
6
BROWN, 1999
Os cristãos desse período experimentam uma nova forma de Cristianismo. Fruto
dos contatos entre as experiências de cristianismos que se espalhavam pelo
Mediterrâneo e as religiões tradicionais locais que informavam o contexto cultural local
em que esses cristianismos se inserem. O Cristianismo passa a ser capaz de atender as
necessidades em um contexto não urbano na medida em que se hibridiza com práticas
pré-existentes e as traduz e adapta7 de uma maneira que é ao mesmo tempo acessível
para aquelas populações que antes já a utilizavam sob outra forma, como também as
tornam acessíveis para a própria mentalidade cristã. A grande força do Cristianismo era,
dessa maneira, a mesma que garantiu tamanha longevidade ao Império Romana, uma
inigualável capacidade de traduzir, adaptar e aglutinar todas as formas culturais de seu
interesse com que entrassem em contato.
7
Homi Bhabha define seu "terceiro espaço" como um espaço que permite novas posições emergirem em
um continuo processo de hibridização das formas de cultura. Ele desloca as histórias que o constituem, e
estabelece novas estruturas de autoridade, novas iniciativas políticas, que são inadequadamente recebidas.
É ao mesmo tempo um processo de tradução e adaptação de formas culturais em contato, uma
hibridização que dá luz a algo novo, a uma nova área de negociação de significado e representação, não
simplesmente a uma mistura de duas culturas puras. Para Bhabha não existem culturas puras, apenas
culturas anteriores em, como dito acima, contínuos processos de hibridização
Bibliografia
BROWN, P. The Later Roman Empire in: The Economic History Review, New
Series, Vol. 20, No. 2, 1967, p. 327-343.
________. “Reverentia”, “Rusticitas”: de Cesário de Arles a Gregório de Tours. In. A
Ascensão do Cristianismo no Ocidente. Lisboa: Editorial Presença, 1999, p. 113-128.
CARDOSO, Ciro Flamarion. Conferência apresentada no XX Ciclo de Debates em
História Antiga – Unidade & Diversidade, realizado pelo Laboratório de História
Antiga (LHIA) do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) da UFRJ intitulada
"Existiu uma "Economia Romana"?", Rio de Janeiro, 2010.
RUTHERFORD, Jonathan. 1990. The Third Space. Interview with Homi Bhabha.
In: Ders. (Hg): Identity: Community, Culture, Difference. London: Lawrence and
Wishart, 207-221.
VAUCHEZ, André. O Homem Medieval à procura de Deus. Formas e conteúdos
da experiência religiosa. in: A Espiritualidade na Idade Média Ocidental: Séculos VIII
a XIII. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 1995.