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P-095 - Céu Sem Estrelas - Clark Darlton
P-095 - Céu Sem Estrelas - Clark Darlton
Autor
CLARK DARLTON
Tradução
RICHARD PAUL NETO
Digitalização e Revisão
ARLINDO_SAN
Seres invisíveis atacam o planeta sem sol...
***
Os telepatas John Marshall, Betty Toufry, Ishy Matsu e o rato-castor Gucky estavam
sentados na cantina da Drusus com mais alguns mutantes, a fim de passar o tempo até
que chegasse o momento da decolagem, que seria realizada dentro em breve.
Como de costume, houve um duelo renhido de xadrez tridimensional entre John
Marshall e Betty Toufry. Os outros ficaram fascinados com o jogo, que representava um
espetáculo sem par. Sustentadas por campos antigravitacionais, as duzentas e cinqüenta e
seis figuras levitavam no interior do cubo, que tinha o dobro desse número de campos
cúbicos. As figuras podiam passar a planos diferentes e até sabiam saltar.
— É sua vez, Betty — piou Gucky e escorregou nervosamente de um lado para o
outro da poltrona. — Agora está facílimo. Você poderá pôr fora de jogo ao menos um dos
reis.
Afinal, o jogo tinha oito reis. Betty contemplou o cubo reluzente e acariciou o pêlo
cor de ferrugem de Gucky.
— Ah, é? Então você acha que seria uma atitude inteligente conseguir uma vitória
num dos planos e perder ao menos duas figuras? Sempre pensei que você fosse um
enxadrista melhor, Gucky.
Na verdade, podia-se perder oito vezes em cada jogo. E havia necessidade de refletir
oito vezes mais que no xadrez comum. Por isso não era de admirar que o xadrez
tridimensional fosse quase exclusivamente um jogo dos mutantes.
Betty deu o lance. Comprimiu uma chave que se encontrava de seu lado. Uma das
figuras desceu um plano e escorregou para outro campo.
John Marshall mergulhou em reflexões.
De repente Gucky levantou a cabeça. Olhou para a porta. Dali a alguns segundos,
Rhodan entrou.
O administrador do Império Solar cumprimentou os mutantes com um gesto e
tomou lugar numa das poltronas desocupadas que estavam colocadas ao acaso em torno
do aparelho de xadrez. Ao que parecia, era por puro acaso que seu lugar ficava ao lado do
de Gucky.
O rato-castor voltou a afundar na poltrona e passou a interessar-se exclusivamente
pelo jogo.
— Você deveria ter assistido ao grande desfile — disse Rhodan em voz baixa. —
Posso garantir-lhe que foi uma coisa impressionante. Faço qualquer aposta de que todos
os cento e dez mil arcônidas prestarão o juramento de fidelidade a Atlan.
Gucky olhou para o teto.
— Ele deve isso a mim — disse. — Tomara que Atlan nunca se esqueça de que
somos amigos.
— Ele nunca se esquecerá, pequenino. Atlan tem mais de terrano que de arcônida.
Não pode haver nada que possa transformá-lo em nosso inimigo.
Rhodan nem desconfiava que estava enganado, mas o acontecimento que lhe faria
compreender isso ainda se situava num futuro longínquo.
Ao que parecia, Gucky resolveu renunciar ao seu ceticismo e mudou de assunto.
Com um olhar de esguelha, convenceu-se de que John Marshall estava prestes a perder a
partida de xadrez que disputava com Betty Toufry. Depois dirigiu-se a Rhodan e disse:
— Quando decolaremos?
— Sikermann já transmitiu suas instruções. Daremos uma pequena volta antes de
regressarmos à Terra. Quero fazer uma visita a certos planetas.
Gucky não parecia muito feliz.
— Sempre pensei que...
Não conseguiu prosseguir. Aconteceu uma coisa totalmente inesperada e
inexplicável.
Rhodan, que ouvia perfeitamente as palavras de Gucky, de repente foi tomado por
uma forte dor de cabeça. Uma mão invisível parecia comprimir seu cérebro para esmagá-
lo. Num gesto instintivo pôs a mão na cabeça — ou melhor, quis pô-la. Mas seus
membros estavam paralisados. Mal conseguia mexer-se.
Com Gucky e os outros telepatas aconteceu a mesma coisa.
— Perry Rhodan!
O pensamento desenhou-se de forma nítida e insistente no cérebro de todos. Vinha
do nada e era tão intenso que chegava a doer. Nenhum dos mutantes seria capaz de pensar
de forma tão avassaladora e sugestiva, a ponto de causar dores por via mental.
— Perry Rhodan!
Desta vez o pensamento foi ainda mais insistente e constritor. Parecia que seu autor
ainda tateava no escuro, sem saber onde poderia encontrar Rhodan. Talvez, realmente
fosse assim...
John Marshall soltou um gemido. Seu corpo amoleceu. Não suportara a dor e
desmaiara. Ao que parecia, as duas moças eram mais resistentes. Pálidas e imóveis,
continuavam sentadas nas poltronas. Em seus olhos muito arregalados via-se a expressão
de espanto e de pavor infinitos.
— Perry Rhodan, responda!
Rhodan começou a desconfiar de alguma coisa. Em todo Universo só havia um ser
que possuía faculdades telepáticas de tamanha intensidade. Mas esse ser encontrava-se a
muitos milhares de anos-luz de Árcon.
Quando a dor no cérebro amainou por alguns segundos, arriscou um olhar para o
lado. John Marshall estava deitado na poltrona. Parecia ter perdido os sentidos. Betty
Toufry fitava o teto com os olhos muito arregalados, como se esperasse alguma coisa.
Ishy Matsu parecia desamparada ao encontrar o olhar de Rhodan. Já Gucky mantinha os
olhos fechados e “escutava” seu interior.
Antes que chegasse outra mensagem, Rhodan resolveu responder ao chamado. Mais
uma mensagem telepática tão intensa quanto a primeira poderia produzir graves danos
psíquicos, ao menos em John Marshall. Além de outras coisas, Rhodan compreendeu o
poder de que dispunha o desconhecido. Era capaz de matar um homem que se
encontrasse a milhares de anos-luz, desde que o quisesse.
— Percebi seu chamado, meu amigo — disse Rhodan em voz alta, pensando num
planeta artificial, que àquela hora vagava pela amplidão do espaço, por entre as estrelas.
— Por que teve de assustar-nos tanto?
Gucky, que continuava na poltrona ao lado de Rhodan, abriu instantaneamente os
olhos. Neles surgiu um brilho de compreensão — e algo como uma mensagem
tranqüilizadora. Fez um gesto de satisfação e voltou a mergulhar numa reflexão carregada
de expectativa.
John Marshall começou a mexer-se. Gemeu baixinho e endireitou o corpo. Quando
abriu os olhos, defrontou-se com um olhar de advertência de Rhodan.
— Proteja-se para amortecer os impulsos. Seu cérebro é muito sensível —
recomendou Gucky em voz baixa.
Antes que Rhodan pudesse dizer qualquer coisa, chegou a resposta vinda do nada.
— Eu o espero, Perry Rhodan! Imediatamente!
Desta vez, o impulso não fora menos intenso. Porém não era dotado da insistência
dolorosa de antes. Rhodan até teve a impressão de que o impulso mental encerrava algo
de tranqüilizador. Naturalmente só podia ser sua imaginação.
— Onde você me espera? — perguntou Rhodan em meio à incerteza.
— Em Peregrino! É muito importante! Venha imediatamente!
Rhodan já sabia do que se tratava.
O ser invisível do planeta Peregrino chamava a ele, Perry Rhodan. E não o chamava
por brincadeira. Na voz mental notava-se certa preocupação, até mesmo algum desespero.
Será que mais uma vez se via em dificuldade, como já acontecera uma vez, por ocasião
do ataque dos druufs?
— Indique a posição atual de Peregrino.
Rhodan achou que era boa idéia fazer essa pergunta. O planeta artificial não estava
firmemente ancorado no espaço, mas seguia uma rota que o fazia cruzar o Universo em
várias direções. Para apurar sua posição, Rhodan teria de consultar o grande centro de
computação de Vênus. E isso representaria uma perda de tempo.
Esperou, mas o ser imortal e inacessível não respondeu mais. A voz vinda do nada
silenciara.
Marshall recuperou-se a olhos vistos.
— A posição de Peregrino! — repetiu Rhodan, em tom mais insistente. — O que
aconteceu?
Mais uma vez não houve resposta. O imortal deixara de reagir às mensagens.
Betty Toufry disse:
— Ele se retirou. Por que devemos ir a Peregrino? O que estará querendo de nós?
Ele — era assim que chamavam o ser incompreensível, que lhes conferira a
imortalidade relativa, por meio da ducha celular do planeta Peregrino. Ele corporificava
toda uma raça desaparecida, representava a condensação energética de sua inteligência e
de sua substância espiritual imperecível. Haviam-no visto poucas vezes, e quando isso
acontecia, só aparecia sob a forma de uma pequena esfera cintilante de energia.
E agora Ele — que por vezes costumava ser cognominado também de Aquilo — os
chamara.
E isso, a uma distância superior a trinta mil anos-luz.
John Marshall compreendera a pergunta de Betty.
— É possível que ele queira comunicar-nos ou mostrar-nos uma coisa importante.
De qualquer maneira, sinto-me satisfeito porque a dor passou. Foi horrível.
Tive a impressão de que uma massa incandescente penetrava em meu cérebro.
Talvez minha sensibilidade por impulsos telepáticos seja grande demais, mas esta foi a
primeira vez que isso representou uma desvantagem para mim.
— Estará precisando de auxílio? — Rhodan fitou Marshall, expressando dúvida e
balançando ligeiramente a cabeça. — Não sei se foi um pedido de socorro. Parecia antes
uma ordem. Apesar de tudo não sei o que pensar do pedido de comparecer no planeta
Peregrino.
Gucky ergueu-se. Seus olhos inteligentes cintilavam.
— Não temos outra alternativa senão atender ao desejo do imortal. Vamos decolar?
Rhodan observou:
— Quanto a isso não existe a menor dúvida. O que podemos fazer é antecipar a
partida. Infelizmente teremos de ir a Vênus, a fim de apurar a posição de Peregrino. Não
existe outra possibilidade, a não ser que aquilo resolva ajudar-nos. E parece que não quer.
Levantou-se e foi ao intercomunicador. Acionou uma chave e entrou em contato
com a sala de comando. Sikermann respondeu. Naquele momento mandava calcular a
rota e as transições que se tornavam necessárias.
— Decole imediatamente, coronel. Os cálculos restantes poderão ser feitos em
viagem. Irei logo até aí.
Sikermann confirmou. A tela apagou-se. Gucky soltou um suspiro.
— Mais uma vez nossas férias foram estragadas — disse em tom de decepção. —
Sempre acontece um imprevisto. Bell ficará muito feliz quando souber.
Rhodan olhou para além de Gucky.
— Gostaria de saber o que aconteceu em Peregrino.
Todos gostariam de saber.
***
Sengu foi o último a saltar sobre a superfície de Bárcon. Afundou na neve até os
tornozelos. Logo sentiu um frio agradável. Tiveram de modificar a regulagem da
temperatura.
Rhodan olhou atentamente para os lados. Até onde a vista alcançava, estendia-se o
imenso deserto de neve. Avançava até o horizonte distante, monótono e sem contornos
definidos. Mal se reconhecia a linha em que a superfície do planeta e o céu se
encontravam.
A Via Láctea, o lugar da partida, ficava pouco acima da linha do horizonte. Se
ocupasse a posição do sol para marcar as horas do dia, estariam no fim da tarde. Os
braços das espirais pareciam girar lentamente, mas claro que isso era apenas um jogo da
imaginação. As outras ilhas do cosmos estavam reduzidas a frias manchas luminosas, que
não assumiam a menor importância. Bárcon era um planeta sem luz e, ao que parecia,
também se transformara num mundo sem esperança.
Rhodan olhou para o chão.
Em algum lugar, lá embaixo, deviam estar os barcônidas. Quando eles se retiraram
para as profundezas do planeta, acreditavam que esta era a única possibilidade de resistir
a uma longa viagem pelo nada.
— A nave!
A voz assustada de Gucky foi o primeiro som que se fez ouvir no interior dos
capacetes, depois que haviam chegado a Bárcon. Rhodan virou-se abruptamente. O que
viu — ou melhor, aquilo que não viu — deixou-o rígido de pavor.
A nave tinha desaparecido.
Felizmente lembrou-se das palavras do imortal. A qualquer momento poderia
chamar a nave de volta, mas só poderia fazê-lo uma única vez. Quando chegasse, teriam
de entrar na mesma e abandonar Bárcon.
“Em hipótese alguma”, pensou, “isso acontecerá antes que tenhamos certeza sobre
o destino dos barcônidas.”
— Não se preocupe, Gucky. Podemos chamar a nave de volta assim que
precisarmos dela. Há mais alguma coisa? Notou algo?
— Nada, Perry! Não estou captando nenhum impulso mental. Se quiser saber minha
opinião, neste deserto de gelo não existe vivalma.
— Nem mesmo sob a superfície? Gucky fitou a neve que se amontoava a seus pés.
— Lá embaixo? De lá também não vem nenhum impulso.
Todo o ser de Rhodan se rebelava contra a idéia de admitir a morte de toda a
população de um planeta. Só aceitaria tal catástrofe, se tivesse uma prova cabal disso.
Será que a crosta do planeta era tão densa que não deixava os impulsos mentais chegarem
ao cérebro sensível de Gucky?
— E o senhor, Sengu? O que está vendo?
O japonês também olhou para a neve. Rhodan sabia que seus olhos iam mais longe
que os de qualquer outra pessoa. O olhar de Sengu avançou pela neve e pela rocha,
penetrando no interior do planeta, metro por metro. A que distância chegou? Rhodan teve
de confessar que não sabia qual era o alcance da capacidade de Sengu.
Alguns minutos de tensão se passaram.
Finalmente Sengu levantou a cabeça e fitou Rhodan.
— Nada, sir. Até uma profundidade de mil metros não existe absolutamente nada.
Rhodan sabia que o sistema propulsor do planeta ficava a cinco mil metros de
profundidade. Mas antes de pedir a Sengu que prosseguisse em sua busca, queria
examinar a superfície de Bárcon. Da nave, isso não fora possível. Além disso, seus olhos
só agora se haviam acostumado à penumbra.
— Vamos saltar, Gucky. Em cada salto percorreremos cinqüenta quilômetros.
Seguiremos para o leste.
Gucky soltou um suspiro e segurou os dois homens pelas mãos. Face ao contato
físico teleportaria também Rhodan e Sengu. Teria de utilizar um volume muito maior de
sua paraenergia, mas poderia agüentar isso por algum tempo.
Quando voltaram a materializar-se, a paisagem estava praticamente inalterada.
Apenas a Via Láctea havia descido mais um pedacinho em direção à linha do horizonte.
— Aqui as coisas não parecem melhores — comentou Gucky e voltou a saltar.
Cem quilômetros.
Mil quilômetros.
Nada mudou. Vales, montanhas, planícies — tudo estava coberto por uma grossa
camada de neve, formada pela precipitação da atmosfera de Bárcon. Sengu constatou
que, em certos lugares, a espessura dessa camada chegava a cinqüenta metros, enquanto
em outros lugares não ultrapassava dois ou três metros. Concluiu que ainda houvera
tempestades, que cessaram com a rarefação progressiva da atmosfera.
A neve congelara-se, ficando dura que nem pedra. Só na superfície havia uma
camada fina de neve mais fofa, que certamente se formara com as precipitações mais
recentes.
Haviam dado a volta aproximadamente em torno da metade do planeta. Gucky
esteve a ponto de iniciar outro salto, quando Sengu exclamou apressadamente:
— Impulsos de ondulações! São de natureza mecânica. Eu os sinto.
Rhodan nem sabia que Sengu também era capaz de constatar a presença de impulsos
de ondulações. Quando foi perguntado a este respeito, o mutante explicou que, em
virtude do processo de mutação por que havia passado, seus nervos óticos supersensíveis
reagiam a esse tipo de impulso.
— O que quer dizer com ondas de natureza mecânica?
— São ondas causadas por máquinas. Mas estas não funcionam mais. Devem ser as
últimas irradiações de conjuntos nucleares paralisados.
Se fosse assim, não poderia fazer muito tempo que as instalações de Bárcon
deixaram de funcionar. Quem sabe se não havia alguns barcônidas vivos nos subterrâneos
que esfriavam lentamente?
Rhodan pôs-se a refletir.
Ali estavam eles, sós e abandonados, num mundo sem vida, cujas aldeias e cidades
foram soterradas pela neve. Ali em cima não encontrariam nada. Se ainda houvesse vida,
esta já se teria retirado para as profundezas do planeta.
Ou para a capital...?
Rhodan procurou recordar.
— Gucky, vamos mudar de direção e aumentar a distância dos saltos. Siga quase
exatamente na direção norte e salte três mil quilômetros de cada vez.
Mais uma vez não viram nada. Sengu não pôde constatar a presença de qualquer
impulso produzido por ondulações. A seguir, três saltos. E depois... a grande cidade!
Rhodan reconheceu-a imediatamente pelos contornos que se destacavam
nitidamente sob a neve. Alguns dos edifícios mais altos chegavam mesmo a sobressair
por cima da mortalha branca, dando a quem os via a certeza de que ali ficava a antiga
capital dos barcônidas.
Via de regra, a neve não era muito abundante. Sua profundidade média devia ser de
cinco metros; num e noutro lugar talvez chegasse a dez metros. Quem caminhasse por
uma das suas ruas teria a impressão de se encontrar numa povoação de mineradores de
ouro dos Estados Unidos de dois séculos atrás. As grandes acumulações de neve e as
construções solitárias, que pareciam muito baixas, lembravam o quadro que todos
conheciam dos filmes estereotipados.
— Gucky?
— Nada, absolutamente nada. Aqui não vive mais ninguém.
Se o rato-castor não captava nenhum impulso mental, não havia por ali ninguém que
pensasse. E qualquer ser vivo dotado de uma inteligência mediana pensava.
O negrume do nada estendia-se sobre a cidade morta. De repente não parecia só este
planeta, mas todo o Universo que estava sem vida. Rhodan teve a impressão de que os
únicos seres vivos eram ele, Sengu e Gucky.
— Sengu?
— Não sinto qualquer impulso, sir.
Rhodan foi tomado por um princípio de desespero. Por enquanto ainda resistia à
perspectiva de executar com Gucky um salto às cegas para o subsolo do planeta. Tal
procedimento encerrava um tremendo perigo. Evidentemente, depois de um salto de
teleportação, só poderiam materializar-se num lugar em que não existisse outra matéria.
Mas se caíssem num lugar onde já houvesse matéria, como a água ou a lava liquefeita.,.?
— A uns quinhentos quilômetros a oeste daqui fica a entrada principal do mundo
subterrâneo. Já estive lá. Desse lugar sai um túnel que nos pode levar à central de
comando dos propulsores e das outras instalações. Acho que é lá que se gera o ar e se
produzem os alimentos.
Gucky segurou os dois homens pela mão.
— Vamos tentar. Aqui não perdemos nada.
Perdemos... era a palavra exata. Rhodan teve a impressão de que Gucky, sem querer,
acertara em cheio. Bárcon parecia perdido... e com Bárcon os barcônidas.
O salto seguinte levou-os para outro deserto de neve, sem elevações ou outros
marcos característicos. Só por ocasião do quarto salto, Rhodan hesitou um pouco. Lançou
um olhar atento para o pico coberto de neve de uma montanha próxima, ocultando
metade da Via Láctea, que voltara a surgir junto à linha do horizonte.
— Acho que foi aqui. Vamos nos aproximar da montanha, Gucky.
Materializaram-se ao pé da montanha solitária.
— O túnel desce obliquamente nesta montanha, até atingir a profundidade de cinco
mil metros. Não está captando nenhum impulso mental, Gucky?
— Não; está tudo morto.
— Nem tudo!
Fora Sengu, que fitava o chão, com os olhos bem abertos. Parecia enxergar alguma
coisa.
— Está captando impulsos?
— São quase imperceptíveis, sir, mas estão presentes. São idênticos aos que senti há
pouco. Provêm de radiações evanescentes. Se ali embaixo existem máquinas, as mesmas
foram desligadas. Mas sempre demora bastante até que os últimos resíduos nucleares
tenham irradiado sua energia. Sabemos que a produção de combustível prossegue até o
último instante. Depois de desligados os conjuntos, o remanescente deve ser irradiado, ou
irradia-se por si. São estes os impulsos que consigo ver.
— O que mais está vendo?
— Ainda não me aprofundei bastante — disse o mutante, lembrando o fato de que
só podia avançar para o fundo por camadas. — Cheguei a dois mil metros. Vejo
corredores e túneis não iluminados. Não há nenhuma luz acesa, mas as instalações estão
lá. Não vejo muita coisa, pois apesar da minha faculdade, dependo da luz refletida.
Rhodan logo reconheceu a dificuldade. Nem mesmo o espia conseguia ver sem luz.
— Será que poderia dar a Gucky os dados para o salto?
Sengu fez um gesto afirmativo, sem permitir que estas palavras o distraíssem.
— Isso deve ser possível. Mas... Não concluiu a frase.
— Cuidado! — gritou Gucky que, por ser um telepata, possuía uma sensibilidade
mais intensa. — Alguém se aproxima!
Rhodan virou-se abruptamente e olhou na direção em que apontava o braço de
Gucky. Não viu nada. Apenas o deserto de neve e o horizonte distante. Olhou em torno.
Mas em nenhuma direção viu qualquer coisa que se movesse.
— Onde?
Gucky, que se sentia um pouco inseguro, baixou o braço.
— Será que posso enganar-me a tal ponto? Ali havia alguém! Não sei o que
pensava, mas posso afirmar que pensou alguma coisa.
— Você, que é um telepata, pode analisar qualquer pensamento e identificar seu
sentido — disse Rhodan em tom de espanto. — Será que desta vez não consegue?
— Foram apenas impulsos, sem sentido definido. Mas não eram amistosos. Senti
isso sem identificá-los. Ali... voltaram! São mais fortes e mais próximos. Vêm em nossa
direção...
Ao notar que os pêlos da nuca de Gucky se arrepiaram, Rhodan ficou surpreso.
Sentiu-se preocupado. Era muito raro Gucky ter medo, mas quando isso acontecia, o
perigo era tremendo.
Sengu desistira de romper o solo com o olhar. Encontrava-se ao lado de Rhodan,
pronto para segurar a mão de Gucky no momento em que o chefe desse um sinal. Mas
por enquanto não estava acontecendo nada.
Rhodan continuava a olhar fixamente na direção indicada por Gucky. Não viu nada.
— Deve estar bem perto — cochichou Gucky com a voz embaraçada. — E está
pensando...
Rhodan também sentiu.
Alguma coisa penetrou cautelosamente em sua mente e passou a exercer uma
pressão bem perceptível. A pressão foi-se transformando em dor que, embora fosse
suportável, era desagradável porque não se podia fazer nada contra ela.
Alguém procurou apoderar-se de sua consciência.
Quem seria?
A superfície coberta de neve jazia intocada à sua frente. E o desconhecido devia
estar bem ali, a poucos metros de distância. Era um ser invisível.
Mas não havia rastros na neve. Qualquer pessoa invisível teria deixado rastros na
neve macia. Os olhos de Rhodan começaram a lacrimejar de tanto que se esforçou para
descobrir alguma indicação. E a dor na cabeça aumentava.
— Faça uma tentativa telecinética! — disse, dirigindo-se a Gucky.
O rato-castor confirmou com um gesto. Concentrou-se sobre a matéria invisível que
devia estar bem à sua frente — e desferiu seu golpe.
O golpe atingiu o vazio. A dor continuou.
Rhodan tateou em direção à arma energética, mas logo percebeu que seu propósito
era absurdo. Não poderia atirar contra alguma coisa que não via. Ao menos por enquanto.
— Não consigo — disse Gucky em tom de desespero. — Mas acho que posso
atingir o ser, ou a coisa, por via telepática. Meus pensamentos encontram uma resistência.
A distância deve ser de uns dez metros; não é mais que isso.
Já era alguma coisa. Gucky conseguia determinar a direção e a distância.
Infelizmente não conseguiu mais do que isso. Ao menos por enquanto.
— Você é capaz de determinar seu tamanho?
— Apenas sinto certa resistência em seus pensamentos; mais nada. Até parece que
os pensamentos do desconhecido são a única coisa material que existe nele. Quanto ao
corpo... não tem corpo no sentido que nós atribuímos ao termo.
Uma súbita suspeita surgiu na mente de Rhodan, mas ele logo abandonou-a. Não,
em hipótese alguma podia tratar-se de um druuf. Estes só permaneciam invisíveis por
pertencerem a outro plano temporal. Evidentemente isso não acontecia aqui.
Também recorreu à sua modesta capacidade telepática, e sentiu a resistência. Mas
não foi capaz de sondar os impulsos mentais captados, muito menos de decifrá-los.
De repente, a dor no cérebro cessou.
Gucky manteve-se imóvel.
— Desistiu de seu ataque mental. Suas energias são mais fracas que as nossas. A
tentativa de submeter-nos à sua vontade falhou.
— É apenas um?
Gucky não respondeu. Ao que parecia, ainda não pensara na possibilidade de ter
diante de si mais de um inimigo. O pêlo da nuca voltara a alisar-se, mas a testa
continuava enrugada.
— Não; são vários. Aproximam-se de todos os lados.
Ainda não se via nada, nenhum contorno, por mais apagado que fosse e nenhuma
pista.
Rhodan fez um sinal para Sengu e segurou a mão de Gucky. O japonês segurou a
outra mão.
— Assim que houver outro ataque, saltaremos.
Esperaram.
Mas não por muito tempo.
Subitamente um raio energético branco-azulado surgiu do nada e atingiu a neve bem
à frente dos seus pés. Esta logo começou a derreter e volatilizou-se.
— Vamos! — exclamou Rhodan. Gucky calculara o salto de tal maneira que se
materializaram a menos de um quilômetro. Encontravam-se em local um pouco mais
elevado, no flanco da montanha. Viam perfeitamente o lugar em que estiveram pouco
antes.
Um verdadeiro fogo de artifício rugia por lá. Os raios mortíferos vinham de todas as
direções. Transformaram a neve num pequeno lago, que começou a ferver. O vapor de
água logo desapareceu para todos os lados; parte dele logo se precipitou para o solo.
— Acreditam que também nos tornamos invisíveis — conjeturou Rhodan. Não tinha
muita certeza do que estava dizendo. — E agora procuram destruir-nos.
No mesmo instante, os ataques cessaram. Os raios energéticos apagaram-se e não
voltaram mais, O lago endureceu rapidamente. À distância em que se encontravam,
parecia um olho de vidro que alguém tivesse perdido no deserto de neve.
Gucky concentrou-se.
— Agora vêm nesta direção — cochichou. — Não tenho certeza, mas acredito que
sejam apenas uns cinco ou seis. Voltaram a pensar. Receio que também tenham localizado
nossos impulsos mentais. Foi por isso que suspenderam o ataque.
— Se for assim, também devem estar quebrando a cabeça para descobrir como
pudemos chegar aqui tão depressa — observou Rhodan com um tom de triunfo na voz.
— São muito rápidos?
— Não — respondeu Gucky. — Um corredor comum desloca-se mais depressa que
eles.
Olharam fixamente na direção do lago gelado. Era de lá que deviam vir e chegariam
dentro de dois ou três minutos. Acontece que nada se movia na planície em declive. Não
surgiu o menor torvelinho de neve, que desse notícia da investida dos perseguidores
invisíveis.
Rhodan voltou a sentir os impulsos mentais dolorosos.
— Que criaturas serão estas? — perguntou num sopro. — São invisíveis e, ao que
parece, imateriais. São telepatas, mas não conseguem interpretar nossos pensamentos,
pois do contrário teriam sabido antecipadamente de nosso salto de teleportação. Pensam,
mas não podemos fazer muita coisa com seus pensamentos. Não estabelecem contato,
pois preferem lançar desde logo um ataque implacável. Procuram matar-nos!
— Sejam eles quem forem — murmurou Gucky em tom indignado — não sinto a
menor simpatia por eles. Se conseguir pegar um deles... mas como é que se pode pegar
alguém que não existe?
— Eles existem! — disse Rhodan em tom enfático. — Apenas existem de uma
forma que nós não podemos conceber. A que distância estão?
Em vez de uma resposta houve o ataque.
O primeiro raio energético errou o alvo, e antes que viesse o segundo, Gucky
teleportou-se. Desta vez afastou-se dez quilômetros, até o cume da montanha.
Encontravam-se sobre um pequeno platô gelado, que ficava a quatro mil metros
acima da planície. O vácuo provocava um efeito agradável: a ausência de qualquer vento.
Para Rhodan e seus companheiros era totalmente indiferente que se encontrassem na
planície ou a quatro mil metros de altura.
O platô formava um quadrado, cujos lados mediam cerca de vinte metros. Era plano.
Se os atacantes invisíveis quisessem persegui-los a pé, teriam uma tarefa dura pela frente.
Ou será que possuíam aviões ou armas de grande alcance?
— Você ainda consegue captar seus pensamentos, Gucky?
A resposta não foi imediata. O rato-castor esforçou-se para localizar os estranhos
impulsos. Depois de algum tempo balançou a cabeça.
— O alcance deles é muito reduzido. Como é possível uma coisa dessas?
Rhodan teve de confessar que não havia explicação para isso.
Na borda do platô estavam espalhadas algumas pedras grandes, cobertas com uma
grossa camada de gelo. Estas formavam o cume propriamente dito da montanha. Uma das
pedras tinha o formato de um banco muito largo.
Gucky não resistiu à tentação. Soltou as mãos dos companheiros e sentou-se
cautelosamente sobre o banco.
— Aqui estamos nós, contemplando o mundo de gelo — disse com um suspiro de
satisfação.
Rhodan não diminuiu a vigilância. Aqueles invisíveis haviam arruinado seus
cálculos. De início contara, no seu íntimo, com a ocorrência de uma catástrofe técnica
que tivesse vitimado os barcônidas. As máquinas poderiam ter falhado. Mas agora as
coisas pareciam totalmente diferentes. Alguém — ou alguma coisa — viera do cosmos e
apoderara-se deste mundo. Do cosmos? De onde...? Será que havia criaturas que
conseguiram vencer a enorme distância de mais de cem mil anos-luz? Teoricamente isso
era possível. Já se conheciam hipersaltos de até trinta mil anos-luz, mas por enquanto
ninguém se atrevera a avançar no espaço intercósmico situado entre as galáxias.
Por enquanto!
Mas agora acontecera!
— Sengu, continue a procurar — pediu Rhodan.
O japonês olhou para a planície.
Enxergava-se perfeitamente para todos os lados. Com exceção daquele em que os
blocos de pedra se amontoavam, formando o cume da montanha, não havia nada que
impedisse a visão. O horizonte distante formava uma linha que brilhava confusa, uma vez
que a neve debilmente iluminada desaparecia no negrume do espaço. E até lá não havia
nada, nada se movia. Apesar disso, um perigo terrível e invisível espreitava-os em algum
lugar.
Sengu disse em voz baixa:
— Os corredores largos descem obliquamente. Estão vazios e abandonados. Não se
vê nenhuma criatura viva. Alguns veículos estão espalhados por lá, como se tivessem
sido esquecidos. Agora estou vendo o pavilhão de teto abaulado. Os corredores
continuam a descer em todas as direções. Qual deles devo seguir?
— Aquele em que correm os trilhos — respondeu Rhodan, recorrendo às suas
lembranças. — Num deles existem trilhos, não existem?
— É verdade! — o tom de voz do japonês exprimia admiração.
Mais uma vez surgiu o silêncio no grupo. E o silêncio durou até que Rhodan
voltasse a sentir a dor na cabeça. Essa dor representava a primeira advertência. Os
invisíveis estavam avançando de novo.
Gucky levantou-se de um salto. Apontou para o leste, mas não para baixo, em
direção à planície, mas para cima, para o céu negro.
— Estão-se aproximando; muito depressa.
Sengu suspendeu sua atividade de espia e segurou a mão do rato-castor. Rhodan
seguiu seu exemplo.
— De onde?
— Vêm de cima — respondeu Gucky em tom exaltado. — Será que sabem voar?
Não ficaram sabendo se os seres invisíveis eram capazes de voar por sua natureza,
ou se utilizavam aviões ou foguetes. Uma coisa era certa: os invisíveis viram-nos e
atacaram.
Acima de suas cabeças surgiu um clarão vindo do nada. Um raio branco-azulado
desceu e cortou o gelo do platô. Rhodan teve presença de espírito para acompanhar o
rastro do raio energético. Sua direção não se modificou, e o ângulo de incidência na
superfície permaneceu inalterado. Porém o raio caminhou com uma rapidez espantosa
pelo platô, desceu pela encosta e apagou-se.
Gucky cochichou:
— Estão-se afastando; agora estão voltando.
Face a isso, tiveram certeza de que os invisíveis se encontravam numa máquina que
também era invisível. Descreviam uma curva e lançavam o segundo ataque. Talvez desta
vez sua pontaria fosse melhor.
— Vamos embora! — gritou Rhodan.
Gucky já estava preparado. Saltou.
Desta vez materializaram a uma distância de quase mil quilômetros, em meio a uma
cadeia de montanhas. Foi pura coincidência, mas Rhodan percebeu ao primeiro relance
de olhos que se tratava de um lugar ideal para seus objetivos. Se os desconhecidos
possuíssem aviões, dificilmente poderiam operar com estes naquele vale entrecortado.
Talvez estivessem em segurança por algum tempo.
— Sengu, vamos trabalhar!
Rhodan esperou que o japonês confirmasse com um gesto e dirigiu-se ao rato-
castor:
— Preste atenção aos invisíveis. Ao menor sinal de sua aproximação, dê o alarma.
Os dois mutantes conheciam sua tarefa. Rhodan sentiu-se um pouco deprimido, pois
no momento tinha de manter-se inativo, já que não possuía as faculdades dos mutantes. A
única coisa que podia fazer era esperar o resultado de seus esforços.
Sentiu-se tomado por algo como o desespero. O que adiantava tudo isso, se tinha de
fugir constantemente dos desconhecidos, que tinham ao menos uma superioridade
numérica sobre eles? Como poderiam ajudar aos barcônidas, se estavam ocupados
durante todo o tempo para continuar vivos?
“Até então nossa permanência em Bárcon não passa de uma fuga ininterrupta”,
rememorou Rhodan, enquanto se afastava alguns passos.
Lançou um olhar distraído para as formações de rocha que apresentavam uma
estranha regularidade. De início não notou, mas de repente sobressaltou-se.
A parede lisa e vertical não estava coberta de neve. Só havia nela uma camada fina e
transparente de gelo. Rhodan passou a mão pela mesma. A parede era lisa e compacta.
Lisa demais para ser uma rocha natural.
Rhodan olhou em torno. Pelo que pôde ver, o vale não era inacessível. Era
perfeitamente possível que aqui houvesse outro acesso ao mundo subterrâneo de Bárcon.
Viu confirmada sua suposição, quando Sengu disse:
— Mais uma vez estou captando débeis impulsos de radiações, sir. Além disso,
existe um túnel... Mil metros, dois mil...
— Cuidado!
A voz de Gucky era estridente. Uma coisa muito perigosa devia aproximar-se deles.
Num movimento instintivo, Rhodan tirou a arma energética do bolso e destravou-a.
Não pretendia manter-se constantemente em fuga. Estava na hora de mostrarem aos
atacantes que sabiam defender-se. Afinal, teriam que tentar.
Sengu compreendeu imediatamente. Também destravou sua arma.
— Acho que é apenas um — disse Gucky em tom hesitante.
— Pegue sua arma! — ordenou Rhodan.
Gucky parecia cético. Apesar disso cumpriu a ordem de Rhodan e sacou a arma.
Apontou na direção da saída do vale.
— Sim, é somente um. Já deve ter estado aqui. Seus pensamentos exprimem
principalmente curiosidade. É só o que posso constatar.
— Deve ser uma espécie de guarda — conjeturou Rhodan e olhou na mesma
direção que Gucky.
Sentiu a indagação insistente em seu cérebro. Com o tempo se tornou dolorosa. Não
via nada, nem mesmo qualquer rastro na neve. Entretanto uma criatura aproximava-se
deles. Era uma criatura inteligente, pertencente a uma raça que construíra armas
energéticas.
— Qual é a distância?
— Uns vinte ou trinta metros, não posso dizer...
Gucky não chegou a concluir a frase.
A uns vinte e cinco metros de distância surgiu um lampejo.
O raio azul passou pelo menos a dois metros de Sengu. Enquanto o japonês
procurava abrigar-se, Rhodan abriu fogo. Fez pontaria para o local de origem do raio
azul, que se apagou de repente. Mas Rhodan não suspendeu o fogo. Notou que o raio
ofuscante expelido por sua arma se escoava diante de um obstáculo invisível, cujos
contornos quase chegavam a ser humanos.
— Vamos! — gritou Rhodan para Gucky.
O rato-castor leu os pensamentos de Rhodan e compreendeu.
Também disparou contra o alvo invisível. Sengu, que continuava deitado no chão,
também abriu fogo.
Os contornos chamejantes do atacante invisível tornaram-se mais nítidos. Seu corpo
tinha resistência suficiente para refletir os raios energéticos. Não seria possível destruí-
lo? Subitamente Rhodan viu uma coisa que lhe deu novas esperanças.
O estranho ser começou a cambalear e já não respondia ao fogo concêntrico.
Apenas se viam os contornos, não o corpo propriamente dito. Isso se tornava
possível em virtude dos raios energéticos disparados, que delineavam sua figura. Devia
ser mais ou menos como um balde de água derramado sobre um homem invisível. A água
permitiria ao observador reconhecer os contornos do homem.
Subitamente, apenas por alguns segundos, aconteceu o inconcebível.
Talvez fosse por causa da confluência dos três raios energéticos, ou quem sabe,
devido a uma outra circunstância.
O invisível assumia contornos nítidos! Tornou-se visível! Transformou-se em
matéria sólida.
— Suspender o fogo! — gritou Rhodan e saiu correndo.
Uma idéia desesperada e um lampejo de esperança impeliam-no para a frente. O
desconhecido já teria disparado de novo, se o contra-ataque não o tivesse afetado. E se
estava adquirindo contornos definidos e seu corpo encobria a neve, também deveria ser
possível segurá-lo... com as mãos.
Era exatamente o que Rhodan pretendia fazer.
De olhos arregalados, Gucky e Sengu fitavam Rhodan. O rato-castor estava tão
perplexo que nem utilizou suas faculdades telecinéticas para segurar o desconhecido.
Ficou parado, olhando. O braço com a pistola pendia molemente junto ao corpo.
Enquanto Rhodan vencia num salto gigantesco os últimos metros que o separavam
do desconhecido, os contornos deste voltaram a apagar-se. Já se via a neve do outro lado.
Rhodan atingiu-o.
Suas mãos, que estavam livres, já que deixara cair a arma, procuraram segurar o
desconhecido e sentiram certa resistência. Seus dedos cingiram-se em torno de uma coisa
mole. Um fluxo de pensamentos carregados de ódio atingiu seu cérebro e fê-lo
estremecer. As dores no cérebro tornaram-se insuportáveis.
Subitamente o desconhecido desmaterializou-se e escapou das mãos de Rhodan.
Não houve outro ataque. Os impulsos mentais tornaram-se mais débeis e cessaram de
vez.
Rhodan abaixou-se e pegou a arma.
Gucky disse:
— O que foi isso? Não se tratava de teleportação nem de campo de deflexão. Você
conseguiu agarrá-lo, mas ele desapareceu. Não compreendo mais nada.
— Tranqüilize-se; também não tenho nenhuma explicação — respondeu Rhodan,
em tom amargurado. — De qualquer maneira, já sabemos que não são tão invulneráveis
como receávamos. Sob o fogo concêntrico de nossas armas, tornam-se visíveis e
materiais. Talvez cheguem a sentir dores. Até é possível que morram e se
desmaterializem. Gostaria de saber quem são, de onde vêm e o que vieram fazer aqui.
A paisagem silenciosa, que se estendia sob o céu eterno e sem estrelas, não deu
nenhuma resposta.
— Olhem esse paredão — prosseguiu Rhodan. — É artificial, ou pelo menos foi
trabalhado. Tente verificar o que há atrás dele, Sengu.
Para o japonês, isso não representou nenhum problema.
— Tem apenas um metro de espessura. Atrás dele há um grande pavilhão. Parece
uma estação ferroviária. Vejo muitos trilhos e veículos, e numerosos desvios. Segue-se
um túnel que desce obliquamente. Duas linhas. Não existe nenhuma luz.
Rhodan apontou para a sacola que se encontrava nas mãos de Sengu.
— Trouxemos uma lanterna. Leve-nos para lá, Gucky. Examinaremos Bárcon de
dentro. Receio que na superfície não possamos encontrar mais nada, a não ser a morte.
Aquilo ali — apontou para o lugar em que sentira o desconhecido — foi puro acaso.
Gucky aproximou-se e segurou as mãos dos companheiros.
— Sentir-me-ei mais à vontade se conseguir ver um teto, em vez desse céu medonho
sem estrelas — prosseguiu Rhodan. — Como a gente está acostumado às estrelas...
— A gente só nota isso, quando não as vê mais — confirmou o rato-castor.
Concentrou-se e realizou a teleportação.
4
O salto não os fez percorrer mais que dez metros. Mas levou-os através da grossa
muralha de pedra, que no estado de estabilidade normal da matéria representaria
intransponível obstáculo.
Estava escuro. Rhodan tentou penetrar a escuridão com os olhos. Depois de algum
tempo ligou a lanterna. A luz foi refletida pelas paredes lisas; fazia seu jogo sobre os
trilhos cintilantes e era devolvida pelos pequenos carros metálicos, que estavam
espalhados por toda parte. Era exatamente como Sengu dissera.
Gucky soltou um forte suspiro.
— Para dizer a verdade, lá fora ainda consegui captar alguns impulsos débeis, mas
por aqui não existe nada. Será que a rocha não deixa passar seus pensamentos? Se for
assim, não poderão localizar os nossos pensamentos, e estaremos em segurança.
— A não ser que tenham descoberto uma entrada mais fácil de ser vencida — disse
Rhodan, abafando o otimismo do rato-castor. A luz da lanterna correu pelo pavilhão. —
Descobriremos assim que descermos mais.
— Vamos a pé? — perguntou Gucky, contemplando suas perninhas.
Rhodan apontou para os carros.
— Vamos pegar um táxi, meu baixinho. Assim você não se cansará. Também
poderíamos saltar, mas quero ver por onde vamos passar. O túnel é seguro, Sengu?
— Até onde posso enxergar é.
— Então vamos! Tomara que os motores ainda estejam funcionando. Tenho uma
vaga lembrança de como a gente faz para andar nessa carreta. Os controles são muito
simples.
Os carros de transporte eram de vários tamanhos e destinavam-se a diversas
finalidades. Alguns deles pareciam servir ao transporte de passageiros; possuíam uns
vinte ou trinta assentos. Outros eram menores, só oferecendo lugar para duas ou quatro
pessoas.
Escolheram um veículo no qual havia dois bancos, situados um atrás do outro.
Sengu sentou-se ao lado de Rhodan, enquanto Gucky se refestelava no banco de trás.
— Ali estão duas chaves que se pode puxar — disse Rhodan. — Uma delas serve
para regular a velocidade, enquanto a outra aciona o freio. Acho que não precisaremos de
mais nada nesta viagem de trem. Se não me engano, a descida é íngreme.
— Realmente — confirmou Sengu, que não se sentia tão bem quanto Gucky.
A chave do freio foi destravada. Rhodan rodou-a um tanto e o carro começou a
andar para dentro da abertura negra do túnel. A lanterna portátil era tão fraca que quase
não iluminava o caminho.
— Segure a lanterna — pediu Rhodan e começou a examinar o painel de
instrumentos. Dali a alguns segundos acenderam-se dois potentes faróis. — Era o que eu
pensava.
Agora era mais fácil. Enxergava-se pelo menos a cinqüenta metros, e podia-se ver se
a linha estava livre. Nesse meio tempo a velocidade do carro aumentara, e seria muito
desagradável se esbarrassem em algum obstáculo. Apesar de suas faculdades Sengu não
via muita coisa, pois estava muito escuro. Seus olhos, que conseguiam penetrar na
matéria sólida, falhavam na ausência de luz.
— Sinto nitidamente impulsos de ondas — disse em tom hesitante. — Estão muito
distantes. Não sei dizer com precisão qual é a distância.
Viajaram quase durante uma hora. De repente Sengu disse:
— Freie, sir! Acho que o túnel está terminando. Mais ou menos a quinhentos metros
daqui.
Rhodan puxou a chave do freio. O carro reduziu a velocidade, motivo por que
Gucky desistiu de manter-se constantemente preparado para saltar. O banco traseiro,
muito bem estofado, era muito confortável, mas ele não confiava muito nessa viagem
realizada às cegas.
Dali a cinco minutos, a luz dos faróis foi refletida por uma parede que fechava o
túnel. O carro parou. Rhodan examinou-a. Parecia artificial e tão compacta que até
mesmo os trilhos desapareceram em seu interior, como se não mais existissem.
Em virtude dessa circunstância Rhodan descobriu do que se tratava.
— É uma comporta pressurizada! Tomara que consigamos atravessá-la, pois do
contrário teremos de pegar outro carro lá adiante. Sengu, o que é que o senhor está
vendo?
— Vejo uma câmara, e atrás dela outra parede igual a esta. Talvez tenha razão, sir. É
possível que se trate de uma comporta de ar.
Rhodan desceu do carro. Deixou os faróis ligados.
— A comporta deveria funcionar automaticamente, mas com os conjuntos
paralisados, isso não seria de esperar. Deve haver algum outro controle. Se não existir,
Gucky terá que tentar a sorte.
O rato-castor soltou um suspiro e continuou sentado.
— Se tiver que trabalhar, prefiro começar daqui mesmo.
Rhodan aproximou-se da parede e examinou-a demoradamente. No canto inferior
direito, encontrou uma roda de regulagem e girou-a. Felizmente o mecanismo da
comporta era alimentado por um gerador de emergência. A parede dividiu-se ao meio e
deslizou para o lado.
Rhodan entrou na comporta. Na outra parede também encontrou uma roda. Fez um
sinal para os companheiros.
— Tudo em ordem. Sengu, faça o carro entrar devagar na comporta. Tenha cuidado
para não bater na parede.
O japonês agiu imediatamente. O carro começou a rolar e parou a poucos
centímetros da segunda parede. Gucky exibiu um sorriso de aprovação, mas não fez
qualquer comentário.
Antes de abrir o segundo portão, Rhodan voltou a colocar a primeira roda na
posição anterior. A primeira parede começou a fechar-se. Perry saltou rapidamente para
dentro da comporta e esperou que o portão se fechasse. Em condições normais não se
teria arriscado a fechar um dos portões, antes de certificar-se de que o outro funcionava.
No entanto, estava em companhia de Gucky.
Quando a segunda parede se abriu, Rhodan sentiu uma lufada de ar, que vinha do
interior do túnel.
Ali embaixo havia uma atmosfera!
O carro rolou mais um pedaço. Rhodan fechou a comporta.
Ficou parado uns dez segundos. De repente levantou a mão e começou a soltar
calmamente o fecho do capacete espacial. Gucky gritou com a voz estridente:
— Não faça isso, Perry! O ar pode ser venenoso...!
— Os barcônidas respiram oxigênio — disse Rhodan para tranqüilizá-lo e tirou o
capacete.
Estava quente e um pouco abafado, mas de resto o ar era perfeitamente respirável.
Inalou profundamente por algumas vezes e não sentiu qualquer efeito adverso.
— Podem tirar os capacetes. Assim economizaremos energia. Quem sabe por quanto
tempo ainda teremos de usar os trajes espaciais?
Entrou no carro e soltou o freio. Dali a duas horas, Sengu olhou para o teto e disse:
— Vejo a superfície. Encontramo-nos mais ou menos a quatro mil metros de
profundidade.
— Sinto-me como uma toupeira — disse Gucky e enrodilhou-se para dormir um
pouco.
Haviam desligado a calefação de seus trajes, pois por ali reinava um calor agradável.
Sengu abriu uma lata de frutas. Mataram a fome. Era bem verdade que o caldo doce não
contribuiu para mitigar a sede.
— Deveria ter desejado mais de uma lata de cerveja — disse Sengu em tom abatido.
— Acho que não poderemos contar com uma renovação das provisões. Ao menos aqui...
— Ainda agüentaremos um dia, se fizermos economia. Se a sede aumentar, Gucky
terá de ir à superfície e trazer neve.
— Neve...? — o rato-castor sacudiu-se e mexeu no bolso. Depois de algum tempo
tirou uma cenoura. — Prefiro morrer de sede.
Rhodan sorriu, mas não deu nenhuma resposta. Teve a impressão de que o calor
aumentava. Deviam estar-se aproximando do setor residencial propriamente dito, ou ao
menos do lugar em que se planejara sua instalação.
Assustou-se com a coerência de seu raciocínio, mas este infundiu-lhe uma idéia.
— E os impulsos mentais, Gucky? Você não consegue captar nenhum?
O rato-castor concentrou-se por algum tempo.
— Nada, absolutamente nada. Até parece que estamos sós neste mundo, com
exceção dos invisíveis, que não são pensadores normais. Se os barcônidas forem o que
você diz, isto é, criaturas humanóides, eu os encontrarei.
— Nenhum impulso?
— Sinto muito, mas não há nada. Rhodan resistiu à suposição de que os atacantes
poderiam ter exterminado todo um povo. Os barcônidas já existiam há milhões de anos e
haviam colonizado grande parte da Galáxia. Até era possível que fossem os antepassados
dos arcônidas e dos terranos. E agora teriam deixado de existir no curso de meio século.
Havia algo de errado. O que seria?
O túnel já não descia obliquamente, mas corria em sentido horizontal. Rhodan já
desligara o freio e acionara o acelerador. Os trilhos seguiam em linha reta e o carro corria
numa velocidade louca. Uma hora. Duas horas. Ia na direção exata da entrada principal,
onde haviam sofrido o primeiro ataque dos invisíveis.
— Vejo luz — disse Sengu, de repente, em meio ao silêncio, interrompido apenas
pelo zumbido leve do motor. — A dez quilômetros daqui existe luz, um tanto escassa e
difusa. Parece antes um tipo de iluminação de emergência.
— Reconhece mais alguma coisa?
— Máquinas e grandes pavilhões, corredores, muitas portas. Atrás dessas portas há
outros pavilhões cheios de máquinas. Conjuntos, geradores, um salão cujas paredes
acham-se cobertas de telas. Estas não estão funcionando. As máquinas também estão
paradas. Mas é delas que saem as radiações que consegui captar. Será que nos
aproximamos da central de comando, sir?
— Não existe a menor dúvida. Estamos indo para a mesma central na qual entrei há
sessenta anos, a fim de corrigir um pequeno engano e salvar os barcônidas da destruição
certa. Ao que parece, meus esforços foram em vão.
A velocidade do carro diminuiu bastante. De repente entrou num grande pavilhão.
Os trilhos desdobraram-se em várias direções, multiplicando as opções para o
prosseguimento da viagem. Mas Rhodan não tinha a intenção de continuar. Parou o carro.
— Chegamos. Foi exatamente neste lugar em que desci há sessenta anos. Não sei
dizer de que lado vim. Bem, depois descobriremos.
Saiu do carro e, por alguns segundos, permaneceu indeciso. Finalmente dirigiu-se a
Sengu.
— As salas de máquinas ficam nesta direção?
Apontou para uma porta. Sengu fez um gesto afirmativo e Rhodan prosseguiu:
— Sim, agora consigo orientar-me de novo. Vamos andando.
Sengu levantou-se rapidamente e logo se colocou ao lado de Rhodan. Gucky não
demonstrou tanta pressa. Com uma lentidão irritante saiu do banco traseiro e caminhou
desajeitadamente pela plataforma.
— O que pretende fazer na sala de máquinas? — perguntou, embora sua capacidade
telepática já lhe tivesse revelado as intenções de Rhodan. — Quer recauchutar o planeta
adormecido?
Rhodan esteve a ponto de dar uma resposta áspera, mas de repente lançou um olhar
pensativo para Gucky. Uma ruga vertical surgiu em sua testa.
— As crianças, os idiotas, e às vezes também os ratos-castores, costumam dizer a
verdade... Poderíamos ao menos tentar ativar os conjuntos paralisados. Talvez dessa
forma consigamos saber o que aconteceu com os barcônidas.
Gucky fitou-o com uma expressão de perplexidade, quando se dirigiu a uma porta
isolada. Depois de hesitar um pouco, abriu-a com uma simples pressão da mão. Um
sorriso de embaraço surgiu no rosto de Gucky, que saltou atrás de Rhodan. Sengu seguiu-
o. Não compreendera quase nada do que se passara, pois não sabia ler pensamentos.
As máquinas permaneciam em silêncio. As mesmas brilhavam de tão limpas que
estavam. Até parecia que tinham sido instaladas há um dia. No teto viam-se fios e grossos
cabos que desapareciam nas paredes e ligavam os conjuntos de máquinas com os
controles da sala de comando. Atrás daquele recinto existiam amplos pavilhões, conforme
era do conhecimento de Rhodan e foi confirmado por Sengu.
Seus passos provocavam um som surdo, que era refletido pelas paredes nuas.
Pararam na sala de comando principal. A lanterna de Rhodan bastou para iluminar o
recinto.
Tratava-se de uma instalação de controle, cuja complexidade correspondia
plenamente às tarefas gigantescas que tinha de desempenhar. Talvez, a partir dali, o
planeta havia sido arrancado para fora da órbita de seu sol e obrigado a realizar uma
viagem longa e solitária através do espaço cósmico. Era possível que aquele bloco
semicircular, em cuja superfície polida se viam centenas de botões e escalas, fosse o
dispositivo de direção. Ou seria o gigantesco painel que se encontrava junto às mesas?
Talvez ele permitisse regular a produção de alimentos ou o sistema de renovação de ar.
Rhodan contemplou as complexas instalações, enquanto sua coragem se desvanecia.
Como poderia familiarizar-se com essas instalações, que durante duzentos mil anos
tornaram aquele planeta independente da luz do sol?
Adiantou-se e examinou as escalas do bloco semicircular. Todos os ponteiros
encontravam-se na posição zero. Aguçou o ouvido e não percebeu o menor ruído. Estava
tudo em silêncio, sem vida.
As máquinas também haviam sido paralisadas. Sengu lhe confirmara isso.
Sengu...?
Rhodan apontou para uma porta situada na extremidade oposta da central de
comando.
— Ali fica um pavilhão que abriga as instalações geradoras de energia. As radiações
remanescentes devem vir de lá. Será que o senhor poderia verificar este ponto?
Sengu foi até a porta e entrou no pavilhão contíguo. Rhodan e Gucky seguiram-no.
No centro do pavilhão via-se perfeitamente uma tampa redonda de cinco metros de
diâmetro. Rhodan apontou para a mesma.
— Ali embaixo fica o reator. É maior e mais potente que qualquer coisa que
possamos imaginar. Então, Sengu? Esse reator está funcionando?
Sengu olhou para a tampa... e olhou através da mesma.
— A instalação está parada, sir. O reator foi paralisado. Nas câmaras de chumbo
ainda existem alguns restos de matéria radiativa. Não se vê ninguém.
— Procure seguir a fiação de comando até a central que fica ao lado. Talvez
consigamos descobrir os controles que correspondem ao reator.
O japonês pôs-se a trabalhar. Tratava-se de um trabalho inconcebível para uma
pessoa não familiarizada. Seus olhos venceram todos os obstáculos, encontraram o cabo
mestre e acompanharam-no através dos muros e paredes, até o ponto de partida.
Enquanto isso o japonês percorria lentamente o pavilhão, olhando sempre para o chão,
até chegar à central de comando. Seus olhos procuravam alguma coisa, sua visão
continuava a caminhar. Até que seu olhar estacionou no objeto semicircular.
— Isto aqui é o equipamento de controle do reator, sir.
Os botões, chaves e escalas não traziam nenhum letreiro, mas apresentavam-se em
diversas cores, a fim de permitir a distinção. Sua finalidade só poderia ser adivinhada por
meio de uma série de conjeturas óticas.
— É aqui que termina o cabo mestre — disse Sengu, apontando para um conjunto
de apenas três botões. Um deles era verde, o outro amarelo e o último vermelho. — Seria
um tremendo acaso se justamente o verde fosse o de partida.
— E o botão vermelho seria o de parada, não é? — acrescentou Gucky com sorriso.
Rhodan continuou sério.
— Um acaso? — disse, esticando as palavras. — Quem sabe se realmente é um
acaso.
Sua mão aproximou-se lentamente do botão verde, parou sobre o mesmo e, como se
quisesse evitar a possibilidade de mudar de idéia, comprimiu-o fortemente para dentro da
base.
Nos primeiros dez segundos não aconteceu nada. Depois o teto do recinto foi
tornando-se incandescente, ficou cada vez mais luminoso e acabou por mergulhar a
central de comando numa luz ofuscante. O reator voltara a gerar energia.
Rhodan desligou sua lanterna e enfiou-a no bolso. Depois estendeu a mão.
— Não estão percebendo nada? — perguntou.
Uma lufada de ar morno passou por sua mão. Além de morna, a lufada trazia ar
puro. Só agora notaram que o ar que até então haviam respirado nos pavilhões e
corredores estava muito gasto.
— Parece que todas as instalações voltaram a funcionar — disse Sengu. — Gostaria
de saber quem desligou o reator.
— Terão sido os invisíveis? — Gucky não parecia ter muita certeza. — Por
enquanto, aqui embaixo, ainda não nos encontramos com nenhum deles.
— Daí não se pode concluir que nunca estiveram aqui — respondeu Rhodan e
sentiu um crescente mal-estar. — Se notarem alguma coisa, atirem imediatamente. Já
sabemos que não gostam disso.
Olhou em torno, como se procurasse alguma coisa, e disse:
— Devíamos tentar descobrir alguma pista dos barcônidas desaparecidos. Devem
estar em algum lugar. Agora, que o suprimento de energia foi restabelecido, ao menos
temos luz.
— Vamos prosseguir nossa viagem com o carro — sugeriu Gucky. — Por aqui só
existem máquinas; mais nada.
— O setor residencial fica na mesma altura. Podemos tentar chegar lá com o carro.
Ou será que o senhor consegue enxergar alguma coisa, Sengu?
— Para dizer a verdade, sir, por enquanto só me interessei pelas instalações, não
pelos barcônidas. Talvez consiga...
Ouviu-se um clique.
Ouviram-no perfeitamente; não podia haver a menor dúvida. Ao mesmo tempo, a
vibração, que sentiam nitidamente a seus pés, cessou. O teto foi escurecendo e tornou-se
completamente negro. E a lufada de ar puro parou.
Alguém voltara a desligar o reator.
Rhodan tirou a lanterna do bolso e fez o facho de luz correr pelo recinto.
Encontravam-se a uns vinte metros do bloco semicircular e teriam visto qualquer pessoa
que estivesse nas proximidades do mesmo.
O recinto estava vazio.
Uma das mãos de Rhodan segurava a lanterna, e a outra uma pistola energética.
Com um movimento resoluto saiu caminhando em direção ao bloco. Não acreditou no
que seus olhos viam. O botão verde saltara para fora da base. Alguém devia ter
comprimido o botão vermelho.
Teve a impressão de que o invisível devia estar bem a seu lado, mas não conseguiu
captar qualquer impulso mental.
— Gucky, há alguém por aqui?
— Ninguém. Somos os únicos seres pensantes que se encontram aqui embaixo.
A mão de Rhodan desceu sobre o botão verde e comprimiu-o. A luz voltou a
acender-se imediatamente. Vários ponteiros se moveram e começaram a tremer. Sob seus
pés ouviu-se um zumbido. A gigantesca maquinaria voltara a funcionar.
Clique!
Rhodan ficou perplexo!
Contemplou o botão verde que saltara para fora da base. A luz apagou-se. As
máquinas silenciaram.
Desta vez vira perfeitamente. De início o botão vermelho descera, como se tivesse
sido comprimido por uma mão invisível. Só depois disso o botão verde, impelido pelos
relês, saíra da base.
Voltou a ligar o reator e colocou a mão em atitude protetora por cima do botão
vermelho, numa posição tal que ninguém poderia comprimi-lo.
Clique!
Era incompreensível. Rhodan não encontrou nenhuma explicação para o fenômeno.
Talvez fosse alguma ação teleguiada, desencadeada na superfície do planeta. Ninguém
sabia quem eram os invisíveis e qual era a técnica de que dispunham. A palavra
impossível já deixara de figurar no vocabulário dos astronautas terranos, pois a
experiência há muito lhes ensinara que havia uma explicação para todos os enigmas do
Universo.
Sem dúvida também existia uma para o enigma com que se defrontavam, embora
talvez não a encontrassem logo.
Rhodan voltou a comprimir o botão verde e manteve o dedo sobre o mesmo. Por
várias vezes sentiu que o botão queria saltar para fora. Finalmente desistiu das
experiências.
O conjunto continuou ligado e começou a funcionar.
Rhodan tirou a mão e respirou profundamente.
— Não podemos ficar aqui para sempre, ligando constantemente este mecanismo.
Além disso não sei o que está havendo com as outras máquinas. Se os desconhecidos
perceberem que por aqui não conseguem mais nada, eles interrompem os dutos de
energia. Gostaria de saber qual é a finalidade que têm em vista.
— Eu... eu — disse Gucky — gostaria de saber quem são e de onde vieram.
Rhodan ignorou o desejo de Gucky e disse:
— Ficaremos unidos e prosseguiremos viagem no carro. Gucky, guarde bem o lugar.
Se o reator voltar a ser desligado, você terá de saltar para cá e voltar a ligá-lo. Entendido?
— Não sou nenhum bobo! — respondeu Gucky em tom um tanto atrevido e
caminhou em direção à saída. — Apenas receio que tenha de saltar muitas vezes para cá e
para lá. Tomara que não os perca durante um dos saltos.
— Basta entrar em contato telepático conosco para localizar-nos — lembrou
Rhodan. — Mas é possível que desta vez o reator continue ligado. Vamos andando!
No pavilhão de entrada do túnel, as luzes do teto também estavam acesas. As
lâmpadas, instaladas a intervalos regulares, reuniam-se ao longe num só ponto.
Entraram no carro e puseram-no em movimento. Mal haviam andado uns
quinhentos metros, as luzes voltaram a apagar-se.
— Acho que agora é minha vez — disse Gucky, que começara a instalar-se
confortavelmente em seu banco.
— Você adivinhou — disse Rhodan em tom lacônico, sem reduzir a velocidade do
veículo.
Gucky desapareceu. Dali a dois segundos as luzes voltaram a acender-se e Gucky
retornou.
— Se eu pego o sujeito que fica apertando esse botãozinho, eu lhe dou uma sova —
disse Gucky em tom ameaçador. — Afinal, não sou nenhum saltador.
Rhodan riu com a comparação. Os saltadores, descendentes dos arcônidas, eram
robustos e usavam enormes barbas. Com a melhor boa vontade não se encontraria
nenhuma semelhança entre eles e Gucky.
Meia hora depois, quando o carro entrou num alargamento do túnel, que se
transformou num grande pavilhão, Gucky já tivera de saltar uma dezena de vezes. Era
bem verdade que nos últimos cinco segundos não havia acontecido mais nada. As luzes
continuavam acesas. O ar era renovado, e a vibração continuava.
O carro parou.
Rhodan apontou para um portão fechado.
— É ali que fica a entrada da cidade residencial mais próxima. Foi ao menos o que
Regoon me disse. Regoon foi o chefe da equipe de físicos de Bárcon. Elaborou todo o
plano e transformou-o em realidade. Gostaria de saber se ainda está vivo.
Não obteve resposta. Seus companheiros sabiam muito pouco a respeito das
experiências por que passou em Bárcon, há mais de meio século. Não conheciam
Regoon, e nem o especialista atômico Laar, o astrônomo Gorat ou Nex, o fundador do
nexialismo. Rhodan estivera em contato com os quatro. Eram os principais dirigentes dos
barcônidas.
O portão resistiu a todas as tentativas; não abriu.
Rhodan disse:
— O imortal sabia perfeitamente por que mandou que você, Sengu, e você, Gucky,
me acompanhassem. Agora vocês têm uma oportunidade de provar quanto vale o trabalho
de equipe. Sengu, conte-nos como é a fechadura.
O japonês olhou através do metal e reconheceu o mecanismo da fechadura
eletrônica, que só podia ser aberta com determinada chave. Fez um relato tão claro e
visual dos detalhes técnicos que tanto Rhodan como Gucky conseguiram imaginar o
funcionamento do mecanismo.
Rhodan dirigiu-se ao rato-castor.
— Agora é sua vez, baixinho. Abra-a.
Gucky lançou mão de seus dotes telecinéticos. Não tocou na porta. Seus fluxos
espirituais atingiram o mecanismo da fechadura, situado atrás da placa de metal, e
moveram as peças na seqüência correta. Fez exatamente a mesma coisa que teria sido
feita pelos fluxos energéticos.
E o portão abriu-se.
Atrás dele havia luz, uma luz clara e brilhante. Mas o ar que veio ao seu encontro
poderia ser tudo, menos puro. Era bem verdade que o fluxo vindo dos poços de
ventilação era bem perceptível, mas Rhodan sabia perfeitamente que este só fora iniciado
há trinta minutos. As reservas de ar dos gigantescos recintos durariam algumas semanas,
mesmo sem renovação. Contudo, num belo momento chegariam ao fim. E, ao que
parecia, esse momento já havia chegado.
Um largo corredor parecia levar a uma distância infinita. À direita e à esquerda
havia a intervalos regulares portas de aspecto idêntico. Em cada uma delas estava escrito
um número.
Rhodan olhou para Gucky.
— Ainda não conseguiu captar nenhum impulso mental?
O rato-castor balançou a cabeça. Não captava nenhum pensamento. Se havia alguém
ali embaixo, este alguém estava morto, ou então era incapaz de pensar.
Rhodan lançou um olhar pensativo para a primeira porta. Aproximou-se e viu a
reentrância destinada à mão. Tratava-se de uma fechadura acionável pelo calor do corpo
humano.
Colocou a mão na reentrância e esperou.
Dali a alguns segundos, a porta deslizou para dentro da parede.
Sengu e Gucky encontravam-se ao lado de Rhodan. Não quiseram acreditar no que
seus olhos viam, pois o quadro que se lhes oferecia era tão fantástico e pavoroso que não
poderia ser real.
Diante deles estendia-se um pavilhão alongado de uns trinta metros de largura e de
uns trezentos de comprimento. E esse pavilhão estava abarrotado até o teto com leitos
metálicos, nos quais os barcônidas procurados estavam deitados em longas fileiras.
Mortos...?
Rhodan sentiu um susto violento, misturado com a dor provocada pela morte súbita
de um povo que amava tanto quanto o imortal. Mas logo surgiram as perguntas: Por que
teriam morrido? E por que teriam morrido de forma tão tranqüila e ordeira?
Era evidente que se haviam recolhido aos leitos, como se quisessem dormir. Mas
não poderiam estar apenas dormindo, pois nesse caso Gucky não deixaria de captar seus
impulsos mentais, que nunca cessariam. Deviam estar mortos ou...
Haveria outra alternativa?
Em hipótese, poderia tratar-se de uma forma de conservação análoga a uma
hibernação no gelo, que os velhos arcônidas haviam realizado. Os barcônidas estavam
vestidos. Não havia nenhuma instalação que levasse à conclusão de que estavam sendo
alimentados artificialmente, ou de que um dispositivo eletrônico automático cuidasse
deles.
Estariam mortos...?
No momento em que Rhodan resolveu certificar-se a este respeito, a luz apagou-se.
Gucky soltou uma praga impublicável, que aprendera com Bell; e desmaterializou-se.
Rhodan percebeu que o fluxo de ar estancara e que a vibração a seus pés cessara.
Segundos depois, Gucky voltou e a luz acendeu-se de novo.
— Estes apertadores de botões! — exclamou em tom zangado.
Rhodan dirigiu-se ao leito mais próximo e inclinou-se sobre o barcônida imóvel.
Tratava-se de um homem que usava roupas de técnico. Sua pele estava pálida. Parecia
estar dormindo. Rhodan encostou o ouvido ao peito do homem. Não percebeu nenhuma
batida de coração, nem qualquer atividade respiratória.
Mas o corpo do barcônida estava quente.
Se estivesse morto, só poderia ter morrido há poucos minutos.
Rhodan ergueu-se e lançou um olhar indagador para Sengu. O japonês parecia
confuso.
A luz apagou-se. Enquanto Gucky foi fazer o reparo, os dois homens examinaram os
outros barcônidas. Estavam todos mortos, mas seus corpos ainda não haviam perdido o
calor natural. Não respiravam, seu coração não batia, mas o sangue não esfriara.
E seus cérebros não pensavam...
Gucky voltou. Gesticulava furiosamente com os braços.
— Lá na central; são impulsos mentais. Consegui captá-los perfeitamente.
— São os invisíveis? — perguntou Rhodan em tom de alarma, mas Gucky balançou
a cabeça.
— Não; é impossível. Trata-se de pensamentos bem diferentes. São pensamentos
desesperados e compreensíveis. Provêm de alguém que se admira por ter acordado.
Rhodan refletiu febrilmente. Lançou mais um olhar sobre as longas fileiras de
barcônidas imóveis, fez um sinal para Sengu e segurou a mão de Gucky.
— Leve-nos à sala de comando. Vamos dar uma olhada na pessoa que acaba de
acordar. Talvez consigamos descobrir o que aconteceu por aqui.
Materializaram-se junto ao conhecido bloco semicircular. Gucky abaixou a cabeça e
concentrou-se. Mantinha os olhos fechados.
— É... foi nesta direção. Não estamos muito longe. Acordou de vez, mas não
consigo compreender seus pensamentos. Sim, pensa de verdade, de forma completamente
diferente dos invisíveis. Mas só pensa em coisas confusas.
— Vamos para lá!
Rhodan caminhou à frente dos outros. Gucky indicou-lhe a direção. Passaram por
três ou quatro portas e chegaram a um corredor largo, que parecia levar ao infinito. O
rato-castor dirigiu-se a uma das primeiras portas e parou.
— Está atrás desta porta. Agora há mais um. Há pouco não pensavam, mas agora
pensam... É esquisito.
“Sim, realmente esquisito”, mentalizou Rhodan, enquanto se sentia tomado duma
alegria incontrolável. “Os outros ‘mortos’ não pensam. Os que se encontram aqui
voltaram a viver...”
Colocou a mão direita na reentrância e esperou.
A porta abriu-se lentamente.
Surgiu uma sala não muito grande, confortavelmente instalada, que não tinha nada
em comum com os pavilhões de máquinas ou com os gigantescos dormitórios dos
barcônidas.
O recinto que tinham diante de si era um quarto confortável, no qual estava acesa
uma luz mortiça. Nela havia móveis confortáveis. Um calor agradável reinava em seu
interior.
Um homem de macacão justo aproximou-se a passos inseguros. Era alto e muito
esbelto. Seu rosto revelava uma grande inteligência. Nos fundos do quarto, três homens
continuavam deitados nas camas. Um deles começou a levantar-se, lançou um olhar
curioso para as pessoas que entravam.
— Perry Rhodan! Tivemos de esperar muito tempo pelo senhor... — disse o do
macacão justo.
V
***
***
***
Esperaram até que os barcônidas acordassem, o que aconteceu dali a dois dias. O
preparado que os despertava foi acrescentado ao ar que respiravam e conduzido aos
dormitórios. Os barcônidas levantaram; a vida interrompida prosseguiu como se nada
tivesse acontecido. Novas ordens foram emitidas e Rhodan teve certeza de que os
invisíveis não seriam bem-sucedidos, se resolvessem lançar outro ataque de surpresa.
Subitamente alguma coisa tateou em seu cérebro. Seguiu-se uma pergunta
perfeitamente audível e claramente formulada:
— Perry Rhodan...? Os barcônidas estão vivos, não estão?
Era o imortal! Conseguia captar os impulsos mentais da raça que acabara de
despertar, embora estes ainda fossem tão fracos que não conseguia identificar seu
significado. Nunca o fato de que, para os telepatas, a distância não representa nenhum
problema se impôs com tamanha clareza à mente de Rhodan. Para verdadeiros telepatas!
Nem mesmo Gucky conseguia superar uma distância de cem mil anos-luz. Ninguém
podia... a não ser o imortal do planeta Peregrino.
— Acordaram — disse Rhodan em voz alta.
Estava só, numa pequena elevação. Resolvera dar um passeio na superfície, a fim de
certificar-se de que as estações de vigilância estavam sendo construídas. O grande portão
que ficava no fundo do vale estava bem perto. Num ponto não muito distante dali, alguns
técnicos estavam trabalhando. Instalaram seus instrumentos de observação sob uma
pequena cúpula de plástico.
— Bárcon foi atacado por desconhecidos, que quase conquistaram o planeta. Os
barcônidas colocaram-se num estado de sono profundo, a fim de evitar a morte pela
fome. Seus cérebros também descansaram.
— Então foi por isso que não captei mais impulsos — disse a resposta silenciosa. —
Quem foram os atacantes?
Sim, quem foram? Rhodan daria tudo para poder dar uma resposta à pergunta do
imortal.
— Vieram do grande vazio e são invisíveis. Só pode ter sido uma expedição, pois
com os instrumentos especiais conseguimos localizar quatro naves que abandonaram
Bárcon. Apesar disso, por pouco não conseguiram conquistar o planeta. Sua técnica...
— Invisíveis...? — interrompeu-o o imortal.
Seguiu-se uma ligeira pausa. Depois surgiu a pergunta:
— Não têm corpo? Não possuem matéria? Só se tornam visíveis e se materializam
quando são expostos a um campo energético excessivamente forte?
Rhodan não disfarçou o espanto. Então o imortal conhecia aquelas criaturas
estranhas...?
— Os fenômenos que observamos foram exatamente estes. Só se materializam no
centro de vários raios energéticos concentrados. Mas logo se desfazem, quando cessa o
bombardeio energético... ou quando morrem.
A resposta demorou alguns minutos.
Rhodan continuava parado sob o céu negro de Bárcon e contemplava a mancha
difusa da Via Láctea. Metade estava encoberta pela linha do horizonte. A neve já
desaparecera dos cumes das montanhas. Também nas planícies passava a derreter. Rios
caudalosos abriram caminho para os pontos mais baixos. Lagos começavam a formar-se.
A superfície de Bárcon sofria uma modificação.
Depois de algum tempo ouviu a voz silenciosa do imortal. Parecia que falava
consigo mesmo, não com Rhodan:
— Bárcon será uma pista que levará à nossa Galáxia. E eles seguirão esta pista...
— Eles? — perguntou Rhodan, procurando manter-se calmo e esforçando-se para
dominar o nervosismo. — Quem são eles?
Teve uma decepção. O imortal não lhe forneceu qualquer esclarecimento.
— Sua missão está concluída, Perry Rhodan. Daqui em diante, eu cuidarei dos
barcônidas. Dentro em breve terei forças para tomar pessoalmente as providências
necessárias, caso volte a surgir uma situação que exija isso. Regresse! Estou à sua
espera.
Rhodan sabia que qualquer objeção seria inútil. O imortal era mais poderoso que
ele; tinha de submeter-se às suas ordens e desejos. Incondicionalmente.
— Voltarei — prometeu. — Ainda hoje.
— A nave, que deverá levá-lo, pousará dentro de duas horas no mesmo lugar em
que você se encontra neste momento. Não se esqueça disso, a não ser que queira
permanecer para sempre em Bárcon. Você não tem muito tempo.
— Sei disso — respondeu Rhodan.
Sabia que cada segundo do seu tempo fora dividido em conformidade com um plano
perfeitamente delineado. Já agora, o misterioso mecanismo de direção da nave energética
recebera suas instruções e as cumpriria rigorosamente. Nem o tempo da decolagem, nem
a velocidade ou a rota poderiam ser modificados. Ninguém, a não ser o imortal, tinha
qualquer influência sobre o veículo espacial.
— Pode esperar por mim.
Não houve mais nenhuma resposta. Nem sequer uma confirmação ou
agradecimento.
Rhodan olhou para a planície. A base estava quase concluída. Constataria
prontamente a aproximação do que quer que fosse, até mesmo de naves invisíveis e
imateriais, e comunicaria sua presença. O campo energético, que envolvia Bárcon, fora
fortalecido a tal ponto que até estas naves se tornariam visíveis. Os canhões energéticos
automáticos apontariam para o alvo e disparariam.
Rhodan olhou para o relógio. Dispunha apenas de uma hora e cinqüenta minutos.
Era pouco. Sem o auxílio de Gucky, dificilmente conseguiria chegar até a nave.
Chamou-o, pensando nele.
O rato-castor materializou-se a seu lado.
— Você falou com o imortal; acompanhei a palestra.
Sem o menor constrangimento Gucky confessou sua espionagem telepática.
— Não quer dizer quem são os invisíveis, muito embora se lembre perfeitamente
deles. Não é uma atitude muito decente.
— Ele deve ter seus motivos para agir desta forma — disse Rhodan em defesa do
imortal. — Leve-me para baixo. Soou a hora da despedida.
Encontraram Sengu na central de comando. Estava em companhia de Nex e Regoon.
Os homens se haviam tornado bons amigos e discutiam, durante horas, sobre as
vantagens do nexialismo.
— É evidente — estava dizendo Nex — que a especialização pura leva à
massificação e reprime o individualismo autêntico. Só a colaboração entre os
especialistas pode trazer resultados satisfatórios. Basta que um deles falhe, para que o
trabalho dos outros seja inútil. É como se fosse um instrumento hipersensível. Se uma
única peça entrar em pane, pode-se jogar fora todo o aparelho, a não ser que se disponha
de uma peça sobressalente.
— É verdade — concordou Sengu. — Acontece que um nexialista nunca pode
substituir plenamente uma equipe de especialistas, pois nunca poderá ter tantos
conhecimentos quanto os especialistas em conjunto.
— Mas o risco sempre será menor — objetou Nex em tom convicto — pois um
nexialista saberá arranjar-se em todas as situações, o que não acontece com um
especialista, a não ser que o problema se situe justamente na sua área de especialização. E
isso é muito raro.
— Não seria impossível estudar e dominar todas as especialidades, a fim de adquirir
uma idéia geral de todos os ramos de conhecimento?
— Será mais fácil adquirir uma ampla cultura geral do que conhecer todas as áreas
de uma única especialidade nos menores detalhes. Acho que isso seria muito enfadonho.
Rhodan e Gucky deram sinal de sua presença. Dirigiram-se aos dois homens.
— Não há dúvida de que o nexialismo é uma teoria muito interessante — confessou
Rhodan. — Qualquer nave espacial que singre o espaço, dependendo unicamente dos
seus recursos, deveria levar a bordo um nexialista capaz de coordenar o trabalho dos
especialistas na solução dos problemas mais difíceis — sorriu. — É possível que mais
tarde voltemos a conversar sobre isso, Nex. Agora infelizmente não temos tempo.
Devemos despedir-nos.
— Pretendem deixar-nos? — Nex parecia assustado.
Regoon, que até então acompanhara a palestra em silêncio, adiantou-se. Seu rosto
revelou um grande sobressalto.
— Já? Não sabemos se os invisíveis...
— Eles não voltarão. E se voltarem, vocês estarão preparados. Conhecem a arma
com a qual poderão derrotá-los. Mantenham o reator sob bloqueio. Observem a
superfície. Prossigam em sua viagem. Lembrem-se de que nunca estarão sós.
Regoon deu-se por satisfeito. Compreendeu que não conseguiria modificar as
intenções de Rhodan. Talvez também desconfiasse de que Rhodan não era dono de suas
decisões, tendo que obedecer a alguém que ocupava uma posição mais elevada.
— Neste caso está na hora de manifestarmos nossos agradecimentos a você e seus
amigos. O que teria acontecido conosco se vocês não tivessem vindo?
— Ninguém sabe, Regoon. Nem mesmo nós.
— Isso acontece porque ninguém conhece as intenções dos atacantes — observou
Nex. — E ainda porque ninguém sabe para onde foram. Nunca nos havíamos encontrado
com eles. E olhe que nossa história já tem um milhão de anos.
Regoon retirou-se e voltou em companhia de Gorat e Laar. Rhodan sabia que os
quatro homens a seu lado representavam o povo dos barcônidas. Sempre que se
lembrasse desse povo, enxergaria em sua mente a imagem desses quatro homens.
Laar, o maior cientista atômico de seu povo, também ocupava a posição de chefe do
governo. Isso provava que é perfeitamente possível harmonizar a ciência e a política, e
que nem sempre um grupo de cientistas politizados representa o fim do mundo.
Voltara a usar a cartola que, segundo parecia, costumava ser exibida sempre que
havia uma oportunidade especial. Rhodan voltou a espantar-se com isso. Mas mais uma
vez preferiu não fazer perguntas. As relações existentes entre os barcônidas, os arcônidas
e os terranos seriam esclarecidas no devido tempo.
— Ficamo-lhes eternamente gratos — disse Laar, apertando a mão de Rhodan, de
Sengu e finalmente de Gucky. — Talvez possamos retribuir um dia, quando seu povo
precisar de auxílio... e quando nos tivermos aproximado bastante. Contem conosco.
— Se alguém tem de agradecer, somos nós — respondeu Rhodan. — O que seria de
nós se não fossem vocês?
Disse isso para fortalecer a autoconfiança dos barcônidas. Consideravam-se os
ancestrais de todas as inteligências da Via Láctea, que fora colonizada por eles há um
milhão de anos. E precisariam de uma boa dose de autoconfiança para superar o longo
período de tempo que tinham pela frente.
Regoon e Gorat também se despediram. Não fizeram perguntas. Sabiam que, na
superfície, uma nave pequena estaria à espera dos terranos, tal qual acontecera há muitos
anos.
— Eu os acompanharei — disse Nex.
Rhodan olhou para o relógio.
— Só dispomos de pouco mais de uma hora. Será que de carro chegaremos em
tempo? Olhe que o caminho é longo...
— Tomaremos o elevador — respondeu Nex. — Dessa forma estaremos na
superfície dentro de dez minutos.
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