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Maternidade

Amamentar é um ato de resistência


Apesar das recomendações da Organização Mundial da Saúde, ainda há
um tabu cultural em torno da amamentação

Nascem, em média, três bebês a cada segundo no mundo de acordo com


a OMS. Mas quando nasce uma mãe? Algumas podem dizer que é no momento
que descobrem a gravidez, no momento do parto ou na primeira amamentação.
Pensando na construção social que faz com que alguém tenha vontade de ser
mãe, a jornalista (e mãe) Helen Ramos criou seu próprio canal no YouTube, o
HelMother, para discutir a ‘maternidade sem caô’. Em um de seus vídeos mais
visualizados, Helen conta sua jornada pela amamentação de seu filho, Caetano.
Como a youtuber conta no vídeo, a prática de oferecer leite artificial
(complemento) para um bebê ainda nas suas primeiras horas de vida é comum
nos hospitais brasileiros. Esse tipo de procedimento, que vai contra a
recomendação da Sociedade Brasileira de Pediatria e da OMS sobre
amamentação exclusiva até os seis meses, pode causar com que ocorra a
distensão do estômago do bebê.
Logo após o parto, a mãe começa a produzir o colostro, primeiro leite
materno. Ele é um líquido de consistência mais espessa e cor amarelada ou
transparente, viscoso e é considerado a primeira vacina, já que tem poder de
proteção contra infecções e fortalece a imunidade, além de ser rico em vitaminas
E, K e A e reduzir o risco de Síndrome de Morte Súbita. Apesar da pouca
quantidade produzida, o colostro é concentrado, altamente calórico e gorduroso
e de fácil digestão. Além disso, a sua produção é compatível com a capacidade
de armazenamento, de três até cinco mililitros por mamada, do estômago de um
recém-nascido. Poucas condições de saúde da criança e da mãe justificam
motivos médicos para prescrever o leite artificial, já que uma exposição precoce
ao complemento pode levar ao desenvolvimento de uma alergia à proteína do
leite de vaca ou de uma intolerância à lactose e dificultar a amamentação depois
da saída do hospital.
Por volta do terceiro dia após o parto, o colostro vai mudando de cor e
começa a descida do leite. De acordo com a cartilha feita pela Unicef juntamente
ao Ministério da Saúde do Brasil, o leite materno é alimento completo, pois
contém todas as vitaminas, minerais, gorduras, açucares e proteínas
apropriados para o organismo do bebê. Além de tudo, possui substâncias
nutritivas e de defesa que não são encontradas no leite de vaca e é feito
especialmente para o estômago da criança, sendo de mais fácil digestão. Várias
doenças podem ser evitadas pela amamentação, tais como: diarreia (que pode
causar desidratação, desnutrição e morte), pneumonias, infecção no ouvido,
alergias entre outras. Dar de mamar ainda ajuda na prevenção de defeitos no
fechamento dos dentes, diminui a incidência de cáries e problemas na fala. A
amamentação também oferece vantagens para a mãe: aumenta os laços
afetivos entre mãe e bebê, diminui o sangramento da mãe após o parto e faz o
útero voltar mais rápido ao tamanho normal. Também previne a anemia materna
e é um método natural de planejamento familiar, já que a amamentação constitui
um ótimo meio de evitar uma nova gravidez, e diminui o risco de câncer de mama
e ovários.
Os benefícios da amamentação são muitos, porém existem vários fatores
que podem influenciar a quantidade de leite que está descendo. Estresse, dor,
falta de apoio da família e dos médicos, fissuras ou rachaduras na mama são
alguns dos problemas frequentes da amamentação. A primeira indicação é
procurar o seu pediatra ou obstetra, entretanto a maioria dos médicos não é
treinada para identificar problemas na amamentação e não olha para o seio da
mãe com o cuidado preciso. Nessas horas, o banco de leite mais próximo pode
ajudar e, mais que isso, o trabalho de uma consultora em amamentação é
indicado.
O trabalho da consultora
Cintia Maia, consultora em amamentação e mãe, se formou em nutrição
e, desde sua graduação, fez estágio em saúde coletiva e trabalhou com
amamentação. Começou a trabalhar na Secretaria de Saúde e, há mais ou
menos dois anos, ficou grávida. Com a gestação veio a procura por informação,
e percebeu que havia uma dificuldade geral entre as mães do seu convívio
quando o assunto era amamentação. “Eu tive colegas que tiveram muita
dificuldade para amamentar, e eu comecei a pesquisar e ver que a média de
amamentação no Brasil, hoje, é de 54 dias de vida de amamentação exclusiva,
enquanto a recomendação da OMS é de 180 dias. Comecei a estudar sobre o
tema, ajudar algumas amigas que tiveram dificuldades com pouco leite, ou
cirurgia de redução de mama e não conseguiram amamentar, tiveram muita dor
para amamentar e até mesmo muito leite.”
Depois disso, a nutricionista decidiu estudar para se tornar consultora em
amamentação, fazendo curso específico. “O trabalho de consultoria tem várias
frentes. Desde o pré-natal, como preparação entre as 20 e 35 semanas,
passando pela solução de problemas logo depois do parto que, normalmente, é
um bebê que não pega no peito direito e causou fissura, ou problemas na
descida do leite no qual o hospital já prescreve a mamadeira e o bebê acaba não
estimulando o peito, e a consultoria de retorno ao trabalho, feita para a mulher
conseguir seguir com o aleitamento materno até os seis meses”, conta Cintia.
Ela afirma que a maioria das brasileiras ainda tem licença maternidade de quatro
meses o que acaba dificultando com que haja a continuidade da amamentação
exclusiva sem uma preparação prévia. Nesse tipo de consultoria, há um estimulo
à produção para que as mães possam estocar e armazenar leite, trabalhando
desde a parte de ordenha até como vai ser feita a oferta para o bebê, já que a
mamadeira não é recomendada em função da confusão de bicos que pode
ocorrer.
A volta ao trabalho e aos estudos
Criado no início de 2017 pela pesquisadora e docente da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Fernanda Staniscuaski, o projeto Parent
In Science visa dar suporte para docentes e pesquisadoras que se tornaram
mães recentemente. O Parent In Science se propõe a debater e entender o
impacto da maternidade na carreira cientifica. A docente conta que conseguiu
manter a amamentação exclusiva por um tempo depois de voltar ao trabalho
quando teve o primeiro filho, mas o mesmo não aconteceu com o seu segundo,
que começou a tomar leite artificial em seguida. Já a docente Lívia Kmetzsch
Rosa e Silva relata que tentou fazer a ordenha dentro da UFRGS, mas que não
existia local para isso. Depois de uma conversa com a instituição, um laboratório
desativado foi dado como opção de sala para a realização da ordenha, porém
sem nenhuma estrutura de armazenamento ou preparo para isso, o que fez com
que a professora mantivesse este ritmo por dois meses. A aluna de graduação
Maísa Diuly fala que o único lugar que conseguiu para fazer a ordenha dentro
da faculdade foi o banheiro: “Minha intenção era tirar, armazenar e dar para o
meu filho, porém como eu tiro no banheiro, acabo descartando, colocando fora.
Então é ruim, não tem lugar disponível e eles (a universidade) não se preocupam
com isso.”
A realidade da UFRGS é só um exemplo de como ainda há um tabu em
relação à amamentação e um preconceito em torno à volta das mães ao mercado
de trabalho e à vida acadêmica. É por este motivo que amamentar é um ato de
resistência. Amamentar é ir contra a corrente, ir contra tudo e contra todos, até
mesmo contra os profissionais da saúde que estão despreparados para
encorajar a amamentação e, principalmente, contra instituições, empresas e
locais públicos que não permitem que a amamentação seja feita da forma
apropriada.

Giulia Reis Vinciprova


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