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Ser ou não ser decisão, eis a questão dos embargos de declaração1.

É uma platitude dizer que os embargos de declaração podem ser interpostos


contra decisões judiciais que sejam obscuras, contraditórias, omissas ou que
apresentem erros materiais, como esclarece o artigo 1.022 do Código de
Processo Civil (CPC).

Agora, por vezes, obviedades têm que ser ditas e reafirmadas.

O informativo no 886, 27 de novembro a 1o de dezembro de 2017, do


Supremo Tribunal Federal (STF) noticiou a finalização dos julgamentos dos
Agravos em Recurso Extraordinário (ARE) nos 688776/RS e 685997/RS,
Relator Ministro Dias Toffoli2.

1
“To be or not to be, that is the question.” Embora não estarmos em conflito com questões
de continuar ou não a existir frente às agruras que se apresentam, tal qual Hamlet de
Shakespeare, a renitência com que o tema objeto do texto se coloca não deixa de ser
angustiante. Daí porque vale o paralelo. Anote-se, existe discussão sobre a grafia original da
famosa frase (diz-se que a primeira edição da peça de 1603 traria a grafia: "To be, or not to
be, I, there's the point"), mas o fato não altera em nada o raciocínio subjacente.
2
Colhe-se do respectivo informativo: “ED e juízo de admissibilidade de RE-2 - Os embargos
de declaração opostos contra a decisão de presidente do tribunal que não admite recurso
extraordinário não suspendem ou interrompem o prazo para interposição de agravo, por
serem incabíveis. Esse é o entendimento da Primeira Turma que, por maioria e em
conclusão, converteu embargos declaratórios em agravos regimentais e a eles negou
provimento (vide Informativo 700). Vencidos os ministros Marco Aurélio e Luiz Fux, que
deram provimento aos agravos, por entenderem que todo pronunciamento com carga
decisória desafia embargos declaratórios. ARE 688776 ED/RS, rel. Min. Dias Toffoli,
julgamento em 28.11.2017. (ARE-688776). ARE 685997 ED/RS, rel. Min. Dias Toffoli,
julgamento em 28.11.2017. (ARE-685997)”. Disponível:
http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo886.htm#ED%20e%20ju%C3
%ADzo%20de%20admissibilidade%20de%20RE%20-%202; Acesso: 7-jan-2018. Vale a
o
pena rememorar também a notícia do início do julgamento, veiculada no informativo n 700,
o
1 a 5 de abril de 2013, do mesmo STF: “A 1ª Turma iniciou julgamento conjunto de
embargos de declaração em que se pretende o conhecimento de agravo interposto contra
decisão que inadmitira recurso extraordinário. Na decisão embargada, julgou-se intempestivo
o agravo ao fundamento de que “os embargos de declaração opostos contra a decisão do
Presidente do Tribunal de origem que não admitiu o recurso extraordinário, por serem
incabíveis, não suspendem o prazo para interposição de outro recurso”. Na espécie, alega-
se: a) o cabimento dos embargos contra toda e qualquer decisão; b) a incompetência do STF
para analisar o cabimento ou não dos embargos de declaração; e c) a restrição dessa
temática à esfera infraconstitucional e, por isso, competente o STJ. Em preliminar, por
maioria, os embargos de declaração foram convertidos em agravos regimentais, vencido, no
ponto, o Min. Marco Aurélio. No mérito, o Min. Dias Toffoli, relator, negou provimento aos
regimentais, no que foi acompanhado pela Min. Rosa Weber. Destacou a jurisprudência da
Corte segundo a qual os embargos de declaração opostos contra a decisão do Presidente do
Tribunal de origem que não admitira o recurso extraordinário, por serem incabíveis, não
suspenderiam o prazo para interposição de outro recurso. A Min. Rosa Weber acompanhou
o relator e negou provimento ao recurso. O Min. Marco Aurélio conheceu dos embargos.
Frisou que, quando protocolizados, existiria um lapso temporal em curso e, portanto, haveria
interrupção de prazo, a pressupor-se unicamente em relação ao manuseio dos declaratórios
(procedência ou improcedência, conhecimento ou não conhecimento). Asseverou que a
decisão do juízo primeiro de admissibilidade, em especial quando negativa, admitiria
embargos declaratórios. Obtemperou que todo pronunciamento com carga decisória
desafiaria embargos declaratórios. Nesse mesmo sentido votou o Min. Luiz Fux. Após, o
julgamento foi suspenso para aguardar voto de desempate de Ministro da 2ª Turma. ARE
688776/RS, rel. Min. Dias Toffoli, 2.4.2013. (ARE-688776) ARE 685997/RS, rel. Min. Dias
Basicamente, a Primeira Turma do STF, por maioria, negou conhecimento
aos agravos, na medida em que assentou a inviabilidade dos embargos
declaratórios contra decisão de inadmissão do Recurso Extraordinário (RE)
pelo (Vice)Presidente do tribunal local.

Na sistemática da interposição do RE (também do recurso especial — REsp),


o recurso interposto contra o acórdão é submetido ao exame de
admissibilidade pela (Vice)Presidência do próprio tribunal local (artigo 1.030
do CPC).

Em sequência, o (Vice)Presidente do tribunal a quo profere decisão (repita-


se, decisão) (in)admitindo o RE e/ou REsp, a qual poderá versar tanto sobre
questões de admissibilidade tipicamente formais (por exemplo,
intempestividade), quanto de mérito (v.g. adequação do acórdão ao já
decidido pelo STF em repetitivo) (artigo 1.030 do CPC).

No caso julgado pela Primeira Turma do STF, negou-se trânsito ao recurso


extraordinário interposto através de decisão proferida pela (Vice)Presidência
do tribunal local. Igualmente, rejeitaram-se os declaratórios interpostos contra
a referida decisão de inadmissão.

Ato contínuo, a parte apresentou agravo no recurso extraordinário inadmitido


(artigo 1.042 do CPC), ao que se seguiu, pelo STF, nova decisão de
inadmissão, pautada então na intempestividade do agravo. Como se
entendeu inviável a interposição de embargos de declaração contra decisão
de inadmissão da (Vice)Presidência do tribunal local, negou-se a
consequência interruptiva do prazo aos mesmos (artigo 1.026 do CPC).
Consequentemente, como os embargos não interromperam (ou
suspenderam) o prazo para interposição do agravo, este se apresentou como
intempestivo.

A decisão, seja quando o enfoque se dá pelo CPC revogado (1973), seja


considerando o contexto do atual Código, apresenta-se manifestamente
equivocada, pelo que o entendimento merece e deve ser superado3.

O pronunciamento de (in)admissão do RE ou REsp é decisão — não existe


questão verdadeiramente sobre isso —, pois claramente possui carga
decisória (art. 203, § 2o, do CPC), inclusive projetando consequências sobre
o recurso a ser interposto em sua sequência (agravo interno ou agravo para o
tribunal superior — art. 1.030, §§ 1o e 2o, do CPC).


Toffoli, 2.4.2013. (ARE-685997)”. Disponível:
http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo700.htm#ED%20e%20ju%C3
%ADzo%20de%20admissibilidade%20de%20RE; Acesso: 7-jan-2018.
3
Embora a decisão tenha sido decidida a partir do CPC de 1973, seu enfoque pode se dar
pelo CPC atual, haja vista que a disciplina legislativa, no particular, tem as mesmas bases
(bastam ver, para fins de comparação, os artigos 162, 504, 535, 541 e seguintes do CPC de
1973). De toda forma, a decisão pode ser utilizada como pano de fundo para se demonstrar
a inconsistência atual do argumento empregado visando a superação do entendimento.
Perceba-se a latitude conferida ao referido pronunciamento, a partir do artigo
1.030 do Código, que abrange típicas decisões sobre os requisitos de
admissibilidade dos recursos, bem como sobre o enquadramento também
dos recursos nas bitolas da repercussão geral ou dos casos repetitivos,
podendo ainda repercutir na seleção de recursos representativos de
controvérsia.

Além de decidir sobre a sorte do recurso interposto, o que revela, por si só,
sua carga decisória, a decisão de inadmissão, a depender do seu teor,
impacta no recurso subsequente que deverá ser interposto, isto é, agravo
interno ou agravo em recurso extraordinário ou especial (arts. 1.030, §§ 1o e
2o, 1.021 e 1.042 do CPC).

Essa margem de apreciação judicial envolvida no juízo de admissibilidade na


origem afasta qualquer recondução de tal pronunciamento ao conceito de
despacho (arts. 203, § 3o, e 1.001 do CPC) 4 : atos de mero andamento
processual sem franja decisória propriamente dita.

Logo, trata-se de decisão, pelo que passível de embargos, cujo âmbito de


ataque é exatamente toda e “qualquer decisão judicial” (artigo 1.022). Tão
claro quanto isso.

Ainda, não procede a objeção de que o pronunciamento de (in)admissão, por


se dar em delegação do tribunal ad quem, não importaria propriamente em
decisão sobre questão incidente, já que mero rito de passagem no
processamento dos recursos excepcionais5.


4
Sobre a possibilidade em casos limites de os embargos declaratórios serem manejados
contra despachos, vide GAJARDONI, Fernando da Fonseca; Dellore, Luiz; ROQUE, André
Vasconcelos; OLIVEIRA JUNIOR, Zulmar Duarte de. Execução e recursos: comentários ao
CPC de 2015. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017. p. 1127. No mesmo
sentido: FERNANDES, Luís Eduardo Simardi. Embargos de decla- ração: efeitos
infringentes, prequestionamento e outros aspectos polêmicos. 3. ed. rev., atual. e ampl. São
Paulo: RT, 2012, p. 271.
5
O Superior Tribunal de Justiça vinha assim decidindo, ainda que ressalvando a
possibilidade dos embargos de declaração quando a própria intelecção da decisão estivesse
em jogo: “AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECISÃO DE
ADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL. OPOSIÇÃO DE EMBARGOS DE
DECLARAÇÃO. RECURSO INCABÍVEL NA HIPÓTESE. NÃO INTERRUPÇÃO DO PRAZO
PARA INTERPOSIÇÃO DO AGRAVO DO ART. 544 DO CPC. INTEMPESTIVIDADE.
1. A Corte Especial do STJ pacificou que a oposição de embargos de declaração à decisão
que nega seguimento a recurso especial, como regra, não interrompe o prazo para
interposição do agravo previsto no art. 544 do CPC. Excepcionalmente, nos casos em que a
decisão for proferida de forma tão genérica que sequer permita a interposição do agravo,
caberá a oposição de embargos (EAREsp 275.615/SP, Rel. Min.
ARI PARGENDLER, CORTE ESPECIAL, julg. 13.3.2014, DJe 24.3.2014). 2. Caso em que a
decisão que não admitiu o recurso especial não se enquadra na mencionada exceção. De
forma clara e fundamentada, o tribunal de origem entendeu que não houve negativa de
prestação jurisdicional e que a análise das razões do recurso demandaria o reexame do
contexto fático-probatório dos autos, razão pela qual desnecessária a oposição de embargos
de declaração. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (AgRg no AREsp
699.101/DF, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em
09/06/2015, DJe 18/06/2015).

Se antes isso era inexato (pela jurisprudência construída na égide do CPC de
1973 sobre o agravo interno frente aos agravos para os tribunais superiores),
agora o argumento é totalmente insubsistente. Como anteposto, a decisão do
(Vice)Presidente no Tribunal de origem afeta questões incidentes ao
processo, não se limitando exclusivamente à verificação dos requisitos de
admissibilidade dos recursos especiais e/ou extraordinários. Aliás, tal decisão
poderá inviabilizar definitivamente a subida do recurso ao tribunal superior
(artigo 1.030, § 2o, do CPC).

Assim, nosso sincero desejo para o ano que se inicia é que tal entendimento
fique para atrás, confinado aos calendários passados, a fim de que possamos
construir um novo processo civil, talvez mais racional, em que a
jurisprudência defensiva seja apenas uma triste memória.

Em suma, em ser o processo comprometido com a realização do direito das


partes não seja mais uma questão.

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