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Cap3 Estrutura PDF
Cap3 Estrutura PDF
Estruturas Cristalinas
As observações da regularidade e perfeição geométrica de cristais macroscópicos
forneceram, já no século XVIII, os primeiros indícios de que os cristais são formados por
uma coleção de partículas organizadas de forma periódica1. A confirmação experimental
direta deste fato veio no início do século XX, através dos experimentos de difração de
raios-X e do desenvolvimento de uma teoria elementar de difração de ondas por um
sistema periódico, descobertas que valeram o prêmio Nobel a W. H. Bragg e W. L. Bragg
em 1915 e a M. T. F. von Laue no ano anterior.
No capítulo anterior, estudamos porque os átomos se reúnem para formar sólidos;
neste capítulo, investigaremos onde eles se posicionam. Estudaremos as propriedades
puramente geométricas dos sólidos periódicos, ou seja, a estrutura cristalina. Esta
fornece a base elementar para o entendimento de todas as demais propriedades dos
sólidos.
Figura 3.1 – A orientação relativa das faces dos cristais macroscópicos pode ser explicada a partir da
constituição dos mesmos a partir de unidades básicas idênticas (acima). Estas faces (ou superfícies) de
alta simetria são aquelas onde o cristal é mais facilmente cortado (“clivado”) (abaixo). Fonte: Kittel,
p.2.
1
R. J. Haüy, Essai d’une théorie sur la structure des cristaux, Paris, 1784; Traité de cristalographie, Paris,
1801.
25
3.1 – Redes de Bravais
Em meados do século XIX, A. Bravais estudou as diferentes maneiras de se
arranjar pontos geométricos de forma periódica no espaço tri-dimensional. Seu trabalho
deu origem ao que se conhece hoje como redes de Bravais.
Há duas definições equivalentes de uma rede de Bravais:
(a) Um conjunto infinito de pontos com arranjo e orientação que parecem
exatamente os mesmos quando vistos de qualquer ponto da rede.
(b) Todos os pontos cujas posições R têm a forma
onde a1, a2 e a3 são três vetores não coplanares e n1, n2 e n3 são inteiros.
Como consequência das definições acima, diz-se que cada vetor da rede, R, está
associado a uma operação de simetria de translação, TR, que leva a rede nela mesma.
Os vetores ai são chamados vetores primitivos da rede. Para uma dada rede de Bravais, a
escolha dos vetores primitivos não é única, como está mostrado na Fig. 3.2. Nesta figura
está desenhada uma rede de Bravais bidimensional, a rede oblíqua. Note que qualquer
ponto da rede pode alcançado a partir da origem para qualquer das duas definições de
vetores primitivos mostradas na figura: (a1,a2) ou (a1, a 2 ). Em geral adota-se a convenção
na qual estes vetores são os de menor tamanho possível ou apresentam certas simetrias.
Figura 3.2 – Duas possíveis escolhas de vetores primitivos para a rede oblíqua. Qualquer ponto da rede
pode ser obtido aplicando-se a Eq. (3.1) com ambas as escolhas. Por exemplo, o ponto P pode ser obtido
a partir da origem 0 por ou por . Fonte: Ashcroft, p. 67.
26
Q
R
P
Figura 3.3 – A “rede favo de mel” não é uma rede de Bravais. As visões da rede que um observador
teria em P e Q são iguais, porém um observador em R teria uma visão invertida. Fonte: Ashcroft, p. 66.
Além das simetrias de translação, as redes de Bravais podem ter outras operações
de simetria, conhecidas como simetrias pontuais. Estas simetrias são rotações em torno
de eixos, reflexões com respeito a planos e inversões com relação a pontos que deixam ao
menos um ponto da rede invariante. Pode-se mostrar2 que toda e qualquer operação de
simetria que leva a rede nela mesma é necessariamente de um dos três seguintes tipos:
(a) Translação de todos os pontos por um vetor da rede R.
(b) Operação de simetria pontual (rotação, reflexão ou inversão) que deixa pelo
menos um ponto da rede fixo.
(c) Operações construídas a partir de aplicações sucessivas de (a) e/ou (b).
Como exemplo, vamos analisar as simetrias da rede cúbica simples, mostrada na
Fig. 3.4. Os vetores primitivos são a 1 axˆ , a 2 ayˆ e a 3 ayˆ , onde a é o tamanho da
aresta de cada cubo. Estes vetores primitivos definem as operações de simetria de
translação da rede.
Figura 3.4 – Rede cúbica simples e seus vetores primitivos. Fonte: Ashcroft, p. 65.
Vamos analisar agora as simetrias pontuais. Há um total de 48 simetrias pontuais
que podemos classificar usando a notação ( x, y , z ) , que representa o resultado de uma
determinada operação de simetria em um ponto qualquer da rede ( x, y, z ) , ou seja,
( x, y, z ) ( x, y , z ) . Por exemplo, ( x , y, z ) representa uma rotação de um ângulo em
torno do eixo z (adotamos a notação x para representar x , etc.). As 48 operações estão
indicadas na Tabela 3.1. São elas: a identidade E ( x, y, z ) , 3 rotações de em torno dos
2
Ashcroft, p. 113.
27
eixos cartesianos ( C 2 ), 6 rotações de 2 em torno dos eixos cartesianos ( C 4 ), 6
rotações de em torno dos 6 eixos que passam pelas diagonais das faces dos cubos ( C 2 ),
8 rotações de 3 em torno dos 4 eixos que passam pelas diagonais principais dos
cubos ( C3 ), a inversão i ( x , y , z ) , 3 reflexões pelos planos perpendiculares aos 3 eixos
cartesianos ( 1 ), as 6 rotações C 4 seguidas da inversão i ( S1 ), 6 reflexões pelos planos
perpendiculares aos eixos que passam pelas diagonais das faces ( 2 ), e 8 rotações C3
seguidas da inversão ( S 2 ).
Além da rede cúbica simples, há outras duas redes de Bravais cúbicas que
apresentam as mesmas 48 simetrias pontuais. São elas a rede cúbica de face centrada
(face-centered cubic, fcc) e a rede cúbica de corpo centrado (body-centered cubic,
bcc). Estas duas redes estão mostradas na Fig. 3.5. Na rede fcc, além dos vértices dos
cubos, há pontos da rede no centro de cada face. Porém, todos os pontos da rede são
indistinguíveis: os da face são também vértices de (outros) cubos, e vice-versa. O mesmo
ocorre na rede bcc, neste caso há um ponto da rede no centro de cada cubo.
A escolha mais simétrica de vetores primitivos para a rede bcc é
a a a
a1 ( xˆ yˆ zˆ ) , a 2 ( xˆ yˆ zˆ ) , a 3 ( xˆ yˆ zˆ ) , (3.2)
2 2 2
onde a é o comprimento da aresta. Para a rede fcc, a melhor escolha é
a a a
a1 (yˆ zˆ ) , a 2 (zˆ xˆ ) , a 3 (xˆ yˆ ) . (3.3)
2 2 2
28
Figura 3.5 – Redes fcc e bcc com seus respectivos vetores primitivos. Fonte: Ashcroft, p. 68 e 69.
3
Curiosamente, 3 anos antes M. L. Frankheim havia contado 15 possibilidades em vez de 14. Por este
“pequeno” engano, estudamos hoje as redes de Bravais e não as redes de Frankheim...
29
Figura 3.6 – Os 7 sistemas cristalinos e as 14 redes de Bravais.
30
exatamente 1 ponto da rede e o volume de uma célula primitiva, v , se relaciona à
densidade de pontos da rede, n, por v 1 n . Todas as células primitivas de uma
determinada rede de Bravais têm exatamente o mesmo volume.
A B
F C E
Uma escolha de célula primitiva que torna fácil o cálculo de seu volume é aquela
formada pelo paralelepípedo gerado pelos vetores primitivos da rede (A e B na Fig. 3.7).
A Fig. 3.8 mostra um exemplo tridimensional. O volume do paralelepípedo é dado por
v a 3 a1 a 2 .
a3
a2
a1
Figura 3.8 – Célula primitiva formada pelo paralelepípedo gerado por três vetores primitivos da rede. O
volume desta célula primitiva (assim como de todas as outras) é .
Tomemos a rede fcc como exemplo. Os vetores primitivos desta rede são os da
Eq. (3.3). Desta forma, temos (verifique!) v a 3 a1 a 2 a 3 4 , onde a é o lado do
cubo (conhecido como constante de rede ou parâmetro de rede). Uma outra maneira de
se calcular o volume por ponto da rede consiste em tomar a célula unitária definida pelo
próprio cubo da rede fcc. Esta não é uma célula primitiva, mas é importante pois
apresenta as mesmas 48 operações de simetria pontual do sistema cúbico, sendo portanto
de fácil visualização. É conhecida como célula unitária convencional. O volume do
cubo é a3, de forma que, para encontrarmos o volume por ponto da rede, precisamos
contabilizar o número total de pontos da rede que um cubo da célula convencional
31
engloba. Temos, porém, como mostra a (veja a Fig. 3.5), pontos da rede nos vértices e
nas faces do cubo, como contá-los? Bem, cada face é compartilhada por dois cubos, e
cada vértice é compartilhado por oito cubos, de forma que pontos nas faces devem
contribuir com um fator 1/2 e pontos nos vértices devem contribuir com um fator 1/8.
Assim, temos um total de 6 12 8 18 4 pontos da rede por volume a3, de modo que o
volume por ponto da rede é a3/4.
É possível escolher uma célula primitiva que tenha também todas as simetrias da
rede de Bravais: a célula de Wigner-Seitz. A célula de Wigner-Seitz é definida como a
região do espaço mais próxima de um determinado ponto da rede do que de qualquer
outro. Por definição, trata-se de uma célula primitiva, já que cada célula está
biunivocamente associada a um ponto da rede. Constrói-se a célula de Wigner-Seitz
associada a um ponto traçando-se planos equidistantes (em duas dimensões, retas
mediatrizes) deste ponto e de pontos ao redor. Um exemplo bidimensional para a rede
oblíqua está mostrado na Fig. 3.9.
Figura 3.9 – Construção da célula de Wigner-Seitz para a rede oblíqua. Veja Ashcroft, p. 74.
Figura 3.10 – Células de Wigner-Seitz para as redes bcc e fcc. Ashcroft, p. 74.
32
3.3 – Estrutura Cristalina
Cristais são sólidos ordenados, nos quais as unidades de repetição estão
arranjadas de forma periódica em uma rede de Bravais subjacente. Portanto, uma
estrutura cristalina é definida pela rede de Bravais e um conjunto de posições de um ou
mais tipos de átomos. A este conjunto chama-se base. É importante a distinção entre
redes de Bravais e estruturas cristalinas: a rede de Bravais é uma abstração matemática,
um conjunto de pontos. A estrutura cristalina contém informação das posições ocupadas
por cada átomo e portanto descreve desta maneira a realidade física.
Consideremos um exemplo de uma estrutura bidimensional que apresentamos
como um contra-exemplo de rede de Bravais, a “rede colmeia”. Esta estrutura não é uma
rede de Bravais, mas representa uma estrutura cristalina bidimensional formada a partir
de uma rede de Bravais hexagonal (ou triangular) e uma base de 2 átomos, um na origem
0 e outro em 13 (a1 a 2 ), como mostra a Fig. 3.11. Se os dois átomos forem de carbono,
esta é a estrutura do grafeno (uma única folha de grafite). Uma folha de nitreto de boro
(BN) hexagonal também apresenta esta estrutura: neste caso, os átomos de B ocupariam
os sítios 1 enquanto que os átomos de N ocupariam os sítios 2.
a2 2
a1
1
Figura 3.11 – A estrutura do grafeno como uma rede de Bravais hexagonal (de vetores primitivos a1 e a2)
e uma base de dois átomos localizados nas posições 0 (átomo 1) e (átomo 2).
Algumas estruturas cristalinas são formadas por apenas 1 átomo por célula
primitiva. Neste caso, as posições atômicas podem ser escolhidas para coincidir com as
posições R dos vetores da rede. Dos casos que analisamos anteriormente, os exemplos
mais importantes são os cristais com estrutura fcc e bcc4. Cristalizam-se na estrutura fcc
os sólidos de gases nobres e vários metais. A Tabela 3.1 mostra o parâmetro de rede para
estes sólidos.
4
A rede cúbica simples não é muito comum entre os sólidos elementares: apenas a fase do polônio
cristaliza-se nesta estrutura.
33
Tabela 3.1 – Parâmetro de rede dos sólidos elementares com estrutura fcc. Fonte: Ashcroft, p. 70.
Elemento a(Å) Elemento a(Å) Elemento a(Å) Elemento a(Å)
Ar 5,26 -Co 3,55 Ni 3,52 Rh 3,80
Ag 4,09 Cu 3,61 Pb 4,95 Sc 4,54
Al 4,05 Ir 3,84 Pd 3,89 Sr 6,08
Au 4,08 Kr 5,72 Pr 5,16 Th 5,08
Ca 5,58 La 5,30 Pt 3,92 Xe 6,20
Ce 5,16 Ne 4,43 -Pu 4,64 Yb 5,49
34
Rotação de
Figura 3.12 – Uma estrutura cristalina formada a partir de uma rede de Bravais quadrada e um objeto
complicado como base apresenta redução de simetria. Por exemplo, uma rotação de é uma operação
de simetria da rede de Bravais, mas não da estrutura cristalina.
5
R. W. G. Wyckoff, Crystal Structures, John Wiley & Sons, New York, 1971.
6
International Tables for Crystallography, Kluwer Academic Publishers, 1996.
35
Tabela 3.3 – Parâmetros de rede para sólidos com estrutura do diamante.
Cristal a(Å)
C (diamante) 3,57
Si 5,43
Ge 5,66
-Sn 6,49
Figura 3.13 – Estrutura do diamante (se todas as esferas representam átomos iguais) ou zincblende (se
esferas brancas representam um tipo de átomo, e esferas cinzas representam outro tipo).
36
Figura 3.14 – Estrutura hcp. Fonte: Ashcroft, p. 78.
O nome hexagonal close-packed vem do fato de que esta estrutura representa uma
das possíveis maneiras de se “empacotar” esferas duras de modo que elas ocupem o
menor volume possível7. Isto é mais facilmente entendido se analisamos o
empacotamento camada a camada. Em duas dimensões, a configuração de volume
mínimo para um conjunto de esferas duras é a rede triangular. Este arranjo, quando visto
perpendicularmente ao plano, está representado pelos círculos na Fig. 3.15, cada qual
marcado pela letra A. Para colocarmos uma segunda camada de esferas sobre a camada
inicial de forma a preencher o menor volume possível, a melhor escolha são as posições
das “depressões” entre as esferas. Há duas opções equivalentes: o conjunto de posições B
ou C. Ambos conjuntos formam também redes triangulares. A estrutura hcp corresponde
à escolha de empacotamento ABABAB… ou, equivalentemente, ACACAC…. No caso de
esferas duras, este empacotamento forma uma estrutura hcp onde a razão c/a é igual a
8 3 (lista de exercícios). Este é o valor “ideal” de c/a. Quando empacota-se átomos ao
invés de esferas duras, o valor de c/a pode diferir do valor ideal, mas os dados da Tabela
3.5 mostram que, na maioria dos casos, esta diferença é pequena.
C C C
A A A A
B B B
C C C C
A A A A A
B B B B
C C C
A A A A
B B B
Figura 3.15 – Construção da estrutura hcp ideal camada a camada através do empacotamento de
esferas duras. Na primeira camada, as esferas estão localizadas nas posições A, na segunda, B, e assim
alternando-se ABABAB…. O empilhamento ABCABC…corresponde à rede fcc.
7
Kepler foi o primeiro a conjecturar esse resultado, em 1611. A demonstração matemática da conjectura de
Kepler ocorreu apenas em 2014! Veja: http://en.wikipedia.org/wiki/Kepler_conjecture
37
cristalizar em diversas estruturas diferentes (politipos), e outros que apresentam
sequências aleatórias.
Tabela 3.5 – Parâmetros de rede e razões c/a para diversos cristais hcp. Fonte: Ashcroft, p. 77.
Cristal a(Å) c/a Cristal a(Å) c/a Cristal a(Å) c/a Cristal a(Å) c/a
Be 2,29 1,56 He* 3,57 1,63 Os 2,74 1,58 Tl 3,46 1,60
Cd 2,98 1,89 Hf 3,20 1,58 Pr 3,67 1,61 Tm 3,54 1,57
Ce 3,65 1,63 Ho 3,58 1,57 Re 2,76 1,62 Y 3,65 1,57
-Co 2,51 1,62 La 3,75 1,62 Ru 2,70 1,59 Zn 2,66 1,86
Dy 3,59 1,57 Lu 3,50 1,59 Sc 3,31 1,59 Zr 3,23 1,59
Er 3,56 1,57 Mg 3,21 1,62 Tb 3,60 1,58
Gd 3,64 1,59 Nd 3,66 1,61 Ti 2,95 1,59 “ideal” 1,63
* A T = 2 K e pressão de 26 atm.
Figura 3.16 – Estrutura do NaCl. As esferas brancas e pretas representam, respectivamente, os íons
positivos e negativos (ou vice-versa). Fonte: Ashcroft, p. 80.
Tabela 3.6 – Parâmetro de rede de alguns sólidos com a estrutura do NaCl. Fonte: Ashcroft, p. 80.
Cristal a (Å) Cristal a (Å) Cristal a (Å) Cristal a (Å)
LiF 4,02 KCl 6,29 AgCl 5,55 SrO 5,16
LiCl 5,13 KBr 6,60 AgBr 5,77 SrS 6,02
LiBr 5,50 KI 7,07 MgO 4,21 SrSe 6,23
LiI 6,00 RbF 5,64 MgS 5,20 SrTe 6,47
NaF 4,62 RbCl 6,58 MgSe 5,45 BaO 5,52
NaCl 5,64 RbBr 6,85 CaO 4,81 BaS 6,39
NaBr 5,97 RbI 7,34 CaS 5,69 BaSe 6,60
NaI 6,47 CsF 6,01 CaSe 5,91 BaTe 6,99
KF 5,35 AgF 4,92 CaTe 6,34
38
(e) Estrutura do CsCl.
Alguns poucos halogenetos alcalinos e halogenetos de tálio se cristalizam na
chamada estrutura do CsCl, mostrada na Fig. 3.17. Nesta estrutura, os íons ocupam os
pontos de uma rede bcc, mas, por serem dois tipos diferentes de íons, a rede de Bravais
subjacente é cúbica simples, com uma base de dois átomos, um cátion (ou ânion) na
origem e um ânion (ou cátion) em a2 (xˆ yˆ zˆ ) . Desta forma, cada íon fica rodeado por 8
íons de sinal oposto. Veja os parâmetros de rede dos compostos com estrutura do CsCl na
Tabela 3.7.
Tabela 3.7 – Parâmetro de rede de alguns sólidos com estrutura do CsCl. Fonte: Ashcroft, p. 81.
Cristal a (Å) Cristal a (Å)
CsCl 4,12 TlCl 3,83
CsBr 4,29 TlBr 3,97
CsI 4,57 TlI 4,20
39
fabricados artificialmente com objetivo de se desenvolver novos compostos com
propriedades intermediárias com relação àqueles que os compõem, sendo de grande
interesse tecnológico.
A B AB
Figura 3. 19– Um sólido cristalino (à esquerda) e um amorfo (à direita). Note a falta de ordem de longo
alcance no amorfo no amorfo, mas a existência de ordem de curto alcance que se manifesta no tamanho
aproximadamente igual de todas as ligações químicas e no arranjo ordenado dos vizinhos de cada tipo.
Fonte: Kittel, p. 526.
40
são rígidas, estando continuamente se formando e se rompendo. Aliás, forma-se um
sólido amorfo resfriando-se o material rapidamente a partir do estado líquido, de modo
que os átomos não tenham tempo suficiente de se arranjarem nas posições cristalinas (de
mais baixa energia) e ficam “congelados” no estado amorfo8.
Talvez o material amorfo mais conhecido seja o vidro de silica (SiO2), que se usa
na fabricação de janelas. Outros exemplos de importância prática são o silício amorfo,
bastante usado na fabricação de células solares, e o carbono amorfo, que apresenta
propriedades de dureza semelhantes ao diamante (sendo, no entanto, muito mais fácil de
ser produzido) e que portanto é utilizado em muitas aplicações como revestimento
protetor (inclusive lâminas de barbear!). Um exemplo da distribuição aparentemente
aleatória dos átomos de Si no seu estado amorfo está mostrado na Fig. 3.20.
Figura 3. 20 – Arranjo atômico em uma região de silício amorfo contendo 1728 átomos. Note o arranjo
aparentemente aleatório. Porém, uma análise mais cuidadosa revela que os tamanhos de ligação química e
os ângulos entre elas estão distribuídos em torno de valores médios bem definidos.
41
ou líquido, a função de distribuição apresenta um comportamento intermediário entre o
sólido e o gás ideal. A ordem de curto alcance fica clara pela presença de picos alargados
nas vizinhanças mais próximas do átomo central. Podemos ver este comportamento na
Figura 3.21, que mostra resultados experimentais para a função g(r) para o sódio líquido.
Na mesma figura, compara-se o resultado obtido com as funções g(r) para o sódio
cristalino e um gás ideal com a mesma densidade.
Figura 3.21 - Função de distribuição de pares para o (a) sódio líquido, (b) um gás ideal com a mesma
densidade do sódio líquido e (c) cristal de sódio na estrutura bcc. Fonte: "X-Ray Diffraction Study of
Liquid Sodium", L. P. Tarasov e B. E. Warren, J. Chem. Phys. 4, 236 (1936).
42
Este tipo de ordem orientacional até então era associada à periodicidade cristalina que,
como dissemos, é incompatível com a simetria de rotação de 2 5 . A estes materiais,
que pareciam apresentar algumas propriedades de um sistema cristalino (ordem
orientacional de longo alcance), mas não outras (periodicidade), deu-se o nome de quase-
cristais. Por sua descoberta, Shechtman ganhou o Prêmio Nobel de Química em 2011.
Figura 3.23 – Os sólidos platônicos: tetraedro, cubo, octaedro, dodecaedro e icosaedro. Destes, os os
dois últimos são os únicos com os quais não se pode preencher o espaço, devido às suas simetrias de
rotação de 2/5.
A
AB
ABA (3.4)
ABAAB
ABAABABA
...
43
Note que esta sequência não é periódica: não há nenhuma unidade básica que se repita.
Ao mesmo tempo, existe uma certa ordem visto que a distribuição de A’s e B’s não é
aleatória, mas gerada a partir de regras bem definidas.
Esta cadeia tem este nome por analogia com a sequência de números de
Fibonacci, 0, 1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, …, na qual um elemento é dado pela soma dos dois
antecessores10. A razão entre um número de Fibonacci e seu antecessor tende ao número
irracional 5 1
2 , conhecido desde a antiguidade por estar associado a proporções
esteticamente harmoniosas, e por isso chamado “proporção áurea”. Pode-se mostrar
que, na cadeia de Fibonacci infinita, a razão entre elementos A e B é igual a . A
proporção áurea também está presente de diversas maneiras em quase-cristais em 2 e 3
dimensões.
Em duas dimensões, o quase-cristal mais conhecido é o chamado “ladrilho de
Penrose”. Interessantemente, foi inventado antes da descoberta experimental dos quase-
cristais pelo físico-matemático Roger Penrose, em 1974. O ladrilho, mostrado na Fig.
3.24, representa um arranjo não-periódico de dois tipos de paralelogramos de lados iguais
através de regras bem definidas. Note que os diversos decágonos regulares da figura estão
todos orientados da mesma forma, indicando a ordem orientacional de longo alcance. A
proporção áurea também se faz presente: é igual à razão entre os números de
paralelogramos de cada tipo.
Nos quase-cristais reais, em três dimensões, os átomos de Mn e Al se organizam
de forma que 12 Al formam uma “gaiola” icosaédrica com 1 Mn no centro, e os diversos
icosaedros se agrupam pelas bordas de maneira paralela.
10
Os números de Fibonacci aparecem de forma intrigante em diversos fenômenos da natureza,
especialmente em biologia.
44
Referências:
- Ashcroft, Caps. 4 e 7.
- Kittel, Cap. 1 (cristais), Cap. 19 (amorfos) e Cap. 22 (ligas).
- Ibach, Cap. 2.
- Um bom artigo introdutório sobre quase-cristais: D. R. Nelson, Scientific
American, agosto de 1986, p. 33.
- R. W. G. Wyckoff, Crystal Structures, John Wiley & Sons, New York, 1971.
- International Tables for Crystallography, Kluwer Academic Publishers, 1996.
45