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Castelnovo et al. Nature 451, 42-45 (2008), copyright (2008)


Reprinted by permission from Macmillan Publishers Ltd:

artigo geral
VOL. 33 - n. 1

Das equações
de Maxwell
aos monopolos
magnéticos
Filipe Moura

Centro de Matemática da Universidade do Minho

Na segunda metade do século XIX, o a corrente de deslocamento, foi introduzido pelo próprio
grande físico teórico escocês James Maxwell para haver consistência com a equação da conti-
Clerk Maxwell foi um precursor das nuidade,
, (3)
teorias de unificação, tendo reunido
a electricidade e o magnetismo,
que se baseavam em leis empíricas, que traduz a conservação da carga eléctrica.
num conjunto de quatro equações As equações de Maxwell homogéneas são
diferenciais locais, obedecidas pelos  (4)
campos eléctricos e magnéticos em e

cada ponto do espaço e instante de
. (5)
tempo: as equações de Maxwell.

Estas equações são expressas em termos dos A equação (4) exprime a lei de Gauss magnética: o fluxo
operadores diferenciais divergência , que magnético total através de qualquer superfície fechada é
quando aplicado a um vector traduz o seu fluxo nulo. Como tal fluxo seria, por analogia com o caso eléctri-
elementar num ponto, e rotacional , que co, proporcional à carga magnética total contida no interior
traduz a circulação desse vector ao longo desse dessa superfície, daqui se conclui que as “cargas magné-
ponto. Dividem-se em dois grupos: as equações ticas” não existem. A equação (5), por sua vez, exprime a
homogéneas (que admitem campos nulos como lei de indução de Faraday: um fluxo magnético variável no
solução), e as não homogéneas (que incluem tempo induz uma força electromotriz.
termos “fonte”, a densidade de carga eléctrica ρ e A diferença entre os campos eléctrico e magnético reside
a densidade de corrente eléctrica ). No segundo nas chamadas relações constitutivas entre os vectores e
grupo encontramos , por um lado, e os vectores e , por outro. Enquanto a
(1) relação entre o deslocamento eléctrico e o campo
eléctrico é linear e homogénea, dada por
e (6),
. (2)
a relação entre a indução magnética e o campo mag-
nético é não homogénea (isto é, pode ser não nulo
A equação (1) exprime a lei de Gauss do campo mesmo que se anule), e dada por
electrostático – o fluxo eléctrico total através de (7).
qualquer superfície fechada é proporcional à carga
eléctrica total contida no interior dessa superfície – As constantes ε e µ, características do meio, são respec-
que, para o caso de uma carga pontual, se reduz à tivamente a permissividade eléctrica e a permeabilidade
conhecida lei de Coulomb. A equação (2) exprime magnética, sendo a velocidade da luz dada por .O
a lei de Ampère: a circulação do campo magnético vector é a chamada magnetização permanente; anula-
em torno de um fio condutor é igual à corrente que se no vácuo e na maior parte dos materiais, mas é não nulo
percorre esse fio. O último termo desta equação, para materiais ferromagnéticos como os ímanes.

Para os físicos e amigos da física.


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É de notar que as equações de Maxwell homogéneas são com a referida estrutura tetraédrica (diz-se por isso
justamente aquelas onde surge o vector não homogéneo . que o gelo de spin é um ferromagneto frustrado): o
Estas equações podem ser reescritas de uma forma não melhor que se consegue (minimizando a energia) é
homogénea se redefinirmos . Com efeito, substituindo (7) ter, em cada tetraedro, dois spins a apontarem para
em (4) e (5), obtém-se respectivamente dentro e outros dois a apontarem para fora. (Esta
(8) configuração é degenerada, pelo que mesmo no
zero absoluto a entropia não se anula.) O momento
e magnético resultante é não nulo, pelo que este é um
 . (9) meio com magnetização permanente.
Através de um feixe de neutrões foi possível inverter
a orientação do spin de um vértice do tetraedro, de
Definindo uma a indução magnética homogénea , modo a que três vértices apontassem para dentro
de modo a ter-se (para materiais ferromagnéticos) e um para fora. Este tetraedro actua como um mo-
,e ainda as densidades de “carga magnética” nopolo magnético [1]. Como cada tetraedro partilha
e “corrente magnética”, dadas respectivamente por os vértices com os tetraedros adjacentes, inverter o
e ,as equações de Maxwell spin de um vértice cria um monopolo de polaridade
homogéneas (4) e (5) (mais precisamente, (8) e (9)) podem oposta no tetraedro seguinte. Estes monopolos,
ser escritas numa forma não homogénea, em tudo análoga na presença de um campo magnético, actuam da
a (1) e (2): mesma forma que cargas eléctricas na presença de
, (10) um campo eléctrico [2].
A descoberta destes monopolos pode ter aplica-
. (11)
ções tecnológicas interessantes: com efeito, a maior
parte das memórias dos computadores armazenam
Estas “cargas magnéticas” também obedecem à equação a informação magneticamente. A eventual utilização
da continuidade. Com efeito, de (8) e (10),
de cargas magnéticas (em vez das eléctricas) para
, ler e escrever bits e formar estas memórias pode
ser vantajosa em velocidade e flexibilidade. Mas, por
enquanto, trata-se apenas de uma possibilidade.
ou seja, Estes monopolos têm lugar perfeitamente numa
, teoria electromagnética macroscópica, através das
equações de Maxwell para um material magnético,
isto é, a “carga magnética” também é conservada. e só num material deste tipo podem existir, sendo
É essencial salientar que todos os resultados que temos descritos pelo vector . Dada a sua natureza de
vindo a apresentar são aplicáveis partindo do pressuposto excitações colectivas (“quase-partículas”) de um
de que a magnetização permanente é não nula – as sistema magnético, estes monopolos não são,
cargas e correntes magnéticas dependem deste vector. portanto, partículas elementares. Concluindo, esta
Para meios não magnetizados, em particular para o vácuo, descoberta, não deixando de ser notável, não é ver-
a magnetização permanente é nula e não faz sentido falar dadeiramente revolucionária, pois não põe minima-
de cargas magnéticas. Os materiais magnéticos aparecem mente em causa a teoria electromagnética em vigor.
assim sempre na forma (macroscópica) de dipolos: um pólo
norte e um pólo sul, que nunca aparecem separadamente.
Agora no interior destes materiais, um meio com não Filipe Moura
nula, poder-se-á falar de cargas magnéticas isoladas? é licenciado em Engenharia
No passado mês de Outubro, um grupo de cientistas do Física Tecnológica pelo Insti-
University College de Londres (UCL), liderado por Steve tuto Superior Técnico (1997)
Bramwell, anunciou ter detectado perturbações magnéticas e doutorou-se em Física
dentro de um material que se comportam como se fos- no Instituto C.N. Yang de
sem autênticas partículas. Estas cargas foram detectadas Física Teórica da Universi-
dade do Estado de Nova
num material, o titanato de disprósio (Dy2Ti2O7), que tem a
Iorque em Stony Brook,
propriedade de ser um gelo de spin, isto é, a temperaturas EUA (2003). Foi colaborador
próximas do zero absoluto cristaliza em estruturas tetraédri- da secção de Ciência do jornal “Público” e é
cas semelhantes às dos iões de hidrogénio num cristal de editor da “Gazeta de Física”. É investigador auxiliar
gelo. A interacção entre os spins neste material é ferromag- no Centro de Matemática da Universidade do Minho.
nética, ou seja, a energia é minimizada para uma configu- Trabalha em supergravidade, teorias de supercordas
ração de spins paralelos. Tal configuração não é possível e buracos negros.

1. C. Castelnovo, R. Moessner e S. L. Sondhi, “Magnetic monopoles in spin ice”, Nature 451, 42-45 (3 Janeiro 2008)
2. S. T. Bramwell, S. R. Giblin, S. Calder, R. Aldus, D. Prabhakaran e T. Fennell, “Measurement of the charge and
current of magnetic monopoles in spin ice”, Nature 461, 956-959 (15 Outubro 2009)

Para os físicos e amigos da física.


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