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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação

XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016

Crise ou oportunidade? Como as novas tecnologias podem contribuir na produção de


uma Grande Reportagem Multimídia de qualidade. 1

Marina Aparecida Sad Albuquerque de Carvalho2


Francisco José Paoliello Pimenta3
Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG

Resumo

Os meios de comunicação e suas respectivas produções vivem um momento de transição.


Neste contexto, muito tem se falado em crise do jornalismo, com fim de publicações,
fechamentos de sucursais, demissões de jornalistas, queda de publicidade e de circulação.
Este artigo, no entanto, defende que o período atual é de adaptação em meios às novas
oportunidades trazidas pelo digital. Por meio de uma revisão de literatura, queremos propor
que a nova estética digital fez emergir novas tecnologias como o HTML5 e o design
responsivo, as quais podem e já estão sendo usados para produzir matérias multimídias
interativas e mais profundas. A partir da reportagem Snow Fall, produzida pelo The New
York Times, percebe-se que os tempos atuais podem gerar um webjornalismo de qualidade
por meio da Grande Reportagem Multimídia e do Longform Jorurnalism.

Palavras-chave: Transição; Novas Tecnologias; Grande Reportagem Multimídia;


Longform Jorurnalism.

Introdução

Muito tem se falado sobre crise no jornalismo diante da chegada da internet e da


nova cultura da convergência instaurada por ela. Atualmente, as grandes empresas
jornalísticas deixaram de ser as únicas emissoras no processo de comunicação, dividindo
espaço com os antigos receptores, os quais passaram a dar novas significações para as
mensagens recebidas e, depois retransmiti-las.
Entretanto, neste artigo, nosso objetivo é defender a hipótese de que não se trata
de somente de uma crise, mas uma mudança de cenário que impulsiona o jornalismo a se
adaptar, conforme sempre aconteceu na história. Para isso, faremos uma revisão da
literatura, apontando estudos de pesquisadores na área que indicam como as redações
devem se transformar na era da convergência, quais as novas ferramentas foram trazidas
pela internet e como elas estão sendo usadas com sucesso nos sites de grandes jornais do
mundo.

1 Trabalho apresentado no GP Conteúdos Digitais e Convergência Tecnológicas, XVI Encontro dos Grupos de Pesquisas
em Comunicação, evento componente do XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.
2 Mestranda de Comunicação no PPGCom/UFJF. E-mail: marina_sad@hotmail.com
3 Professor do PPGCom/UFJF. E-mail: paoliello@acessa.com

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Nossa intenção não é falar exaustivamente sobre as novas tecnologias e sua


aplicação no jornalismo. Trataremos especificamente do HTML5 e do design responsivo e
de como eles revolucionaram o webjornalismo, possibilitando um amadurecimento que teve
como resultado a Grande Reportagem Multimídia, um gênero expressivo que vem se
tornado sinônimo de qualidade no jornalismo para a web.

1 Um novo cenário para o desenvolvimento do jornalismo

As grandes empresas jornalísticas já não podem mais pensar apenas no jornal


que entregarão no dia seguinte para seus assinantes ou para o público que adquire o produto
na banca. A rápida expansão da internet tem provocado mudanças que não podem ser
deixadas de lado. No domínio do analógico, cada mídia possuía seu suporte específico, ou
seja, era impensável se fazer um jornalismo impresso que não fosse no papel ou o
audiovisual sem ser na televisão. No digital, tudo se torna número, bits, 0 ou 1. Palavras
escritas, áudio, vídeo, foto, texto, todos os diferentes tipos de códigos agora podem estar
reunidos em um mesmo suporte, esta grande máquina de calcular chamada computador
(MANOVICH, 2001).
Diante do desenvolvimento do digital, Santaella (2007) defende o surgimento
da estética digital, por meio da qual todas as estéticas tecnológicas anteriores são absorvidas
e hibridizadas. O computador passa a ser o local onde todas as mídias se encontram e no
qual suas técnicas e estéticas se combinam para formar novas espécies sígnicas. Está posta
aí uma nova estética híbrida.
Quando uma mídia é simulada no computador, propriedades e métodos de trabalho
lhe são adicionadas até o ponto de transformar a identidade dessa mídia. Isso ocorre
porque o software, como espécies em uma tecnologia comum – nesse caso o
ambiente computacional compartilhado, uma vez liberados, começam a interagir,
mutar e gerar híbridos (SANTAELLA, 2007, p. 265).

Essa nova realidade, chamada por Jenkins (2009) de era da convergência, é


resumida como os fluxos de conteúdos que se dissipam através de múltiplos suportes
midiáticos, cooperação entre mercados midiáticos e comportamento migratório dos
públicos. O termo acarretaria ainda transformações tecnológicas, mercadológicas, culturais
e sociais. Para o autor, muito mais do que a união de múltiplas funções dentro de um
aparelho, a convergência significa uma transformação cultural, em que os consumidores são
incentivados a procurar novas informações e fazer conexões em meio a conteúdos dispersos

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de mídia. Trata-se da fluidez com que o conteúdo midiático passa por diversas plataformas
e da capacidade do público de usar as redes para circular ativamente o conteúdo e desafiar
os produtores de massa.
Diante desse cenário de transição, no qual emissores e receptores passam a ter
papéis não mais tão bem definidos, muito tem se falado sobre uma crise no jornalismo. Em
seu blog, Borges (2016) compila vários jornais do mundo que passam por momentos de
dificuldade, com demissões de jornalistas, fechamento de sucursais e interrupção de
circulação. Segundo ele, em maio de 2016, o jornal britânico The New Day informou que
estava acabando com sua edição diária devido à queda de venda nas bancas. A circulação
de outros jornais dessa empresa também segue o ritmo de decadência. Em abril do mesmo
ano, o The New York Times fechou a sucursal e a gráfica de Paris, demitindo 70
trabalhadores. A explicação para isso seria que o jornal não está conseguindo fazer frente à
queda de circulação e de publicidade no impresso. Já no Brasil, o jornal nacional mais
antigo, Jornal do Commercio, encerrou suas atividades em 29 de abril de 2016 por causa da
grande queda no número de anunciantes.
Borges (2016) acrescenta que a crise tem sido vivenciada não só no impresso,
mas também na televisão e na rádio. Citando um levantamento feito Fernando Rodrigues
para a Folha de São Paulo, o autor defende que, em 2015, os gastos publicitários em todos
as mídias caíram, exceto na internet. “A redução dos recursos em televisão foi de 25%, nos
jornais de 42,2%, nas rádios de 22,7% e nas revistas de 44,2%. Já a publicidade na internet
cresceu 11,6%" (BORGES, 2016).
Costa (2016), em coluna como Ombudsman no jornal Folha de S. Paulo fala
sobre a crise na perspectiva da falta de correspondentes da publicação espalhados pelo
mundo. Segundo ela, a Folha já contou com repórteres em Londres, Paris, Roma, Berlim,
Praga, Moscou, Nova York, Washington, Miami, Chicago, Jerusalém, Pequim, Buenos
Aires e Tóquio. Foi a primeira a ter um correspondente para cobrir as mudanças na antiga
URSS, em 1988, e a enviar um jornalista para Teerã, no Irã, em 2011. Hoje, no entanto, o
jornal teria apenas quatro correspondentes, sendo dois nos Estados Unidos e dois na
América Latina.
Ela explica que agora a Folha se aproveita de colaboradores nos países
estrangeiros. A ombudsman observa que é importante ser “curador” das informações
publicadas por veículos de outros países. No entanto, atenta para o fato que nada substitui a
visão de um repórter brasileiro sobre os acontecimentos do exterior. Para exemplificar, ela

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utiliza o caso do plebiscito que decidiu pela saída do Reino Unido da União Europeia.
Conforme a jornalista, as reportagens publicadas pelo jornal não responderam a
questionamentos que os brasileiros fariam, como “o que a decisão significa para os milhares
de brasileiros que lá vivem? O que muda para o Brasil em termos diplomáticos, políticos e
econômicos?”.
Já a tese de Costa (2014) é de que o modelo tradicional do jornalismo não
funciona mais com a internet. Segundo o autor, a cadeia de valor da indústria jornalística foi
apenas transposta para a internet: o mesmo conteúdo da mídia originária passou para a
internet, a mesma publicidade tradicional e a fórmula padrão de comercialização com
assinaturas digitais. Ele explica que o jornalismo tradicional é baseado em um negócio de
distribuição complexo, não só de conteúdo. Nesta dinâmica, entraria a produção de
conteúdo, os departamentos que cuidam da parte gerencial e da gráfica, a comercialização
de publicidade e, por fim, a circulação tanto nos pontos de venda como entre os assinantes.
Assim, tradicionalmente, a indústria controla toda a cadeia de valor, diferentemente do que
acontece quando surge a internet. Segundo Costa (2014), na web, os produtores lucram
apenas 7% do montante, enquanto os outros 93% passam a estar divididos com a indústria
de telecomunicações, dos aparelhos de recepção, com os produtores de tecnologia e com os
criadores de software.
Assim, entre as soluções propostas pelo pesquisador, estaria uma mudança no
tipo de negócio, que atendesse mais a era da convergência e da estética digital. As
tradicionais indústrias jornalísticas passariam a oferecer, além de informação, seu principal
produto, serviços de valor adicionado para complementar o seu faturamento, por meio
próprio ou de parceiros.
Material como newsletters, dossiês, documentos e publicações do arquivo, livros,
serviços segmentados ligados à cidade, às artes, à cultura, ao entretenimento, à
gastronomia, aos roteiros em geral. Ou ainda material de ajuda no processo de
comunicação e de facilitação do dia-a-dia dos usuários. Algo como os serviços de e-
mail, de hospedagem de sites, de venda de ingressos, de construção de páginas, de
arquivamento online de documentos próprios, de compra, aluguel e troca de
imóveis, carros, objetos em geral, de reservas online, de comparação de preços, de
oferta e procura de empregos, de centros de compra online (COSTA, 2016).

Seria oferecer serviços como o Google já faz. Além disso, o autor acrescenta
nesta lista o oferecimento de conteúdos patrocinados como já existem nos jornais e revistas,
geralmente com a identificação “Anúncio Pago” ou “Matéria Paga”.

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Winques e Torres (2015) preferem não tratar o período atual como de crise, mas
como uma oportunidade para transição no jornalismo. Segundo os autores, a visão voltada
para a crise deixa de perceber que nunca houve tanto espaço para a produção e divulgação
de conteúdo. Além disso, eles ressaltam que a internet traz novas ferramentas as quais
podem ser aproveitadas pelo jornalismo. É imperativo uma adaptação diante dessa nova
realidade como sempre ocorreu na história do jornalismo. Assim, Winques e Torres (2015)
reforçam: “a era da informação provoca transformações que exigem adaptações em um
processo que envolve os jornalistas, os meios de produção e especialmente o público”.
Para Salaverría e Negredo (2008), essas adaptações são parte da nova cultura da
convergência. Para esclarecer como a convergência atua no jornalismo, os pesquisadores
fazem uma lista do que não faria parte deste processo e do que de fato o integraria. Eles
defendem que a convergência não é uma maquiagem digital para se fazer o jornalismo de
sempre, já que é preciso haver mudanças profundas na redação, como diminuição da
hierarquia, modificação espacial de forma a contribuir para que ocorra um trabalho em
equipe e mudança da cultura dos jornalistas para que passem a compreender que são
profissionais da produção de conteúdo e não de um meio específico. A convergência
também não deve implicar corte de pessoal, já que para se fazer um bom jornalismo, é
necessário não só bons repórteres, mas também em número suficiente.
Além disso, para Salaverría e Negredo (2008), esse novo contexto não tem
relação com um tratamento de urgência para salvar o jornalismo impresso, mas pode ser
visto como um tratamento preventivo que adequará a empresa ao mundo atual digital. Não é
uma conversão da redação em cadeia de montagem, no que se refere a diminuir os níveis de
edição da notícia relevante para divulgá-la rapidamente na internet, pois continuam
existindo a criatividade e a dimensão social do jornalismo. Também não se trata de uma
anulação dos perfis dos jornalistas com o intercâmbio maior de serviço entre os diferentes
tipos de repórteres, pois é necessário que cada um continue tendo seu papel dentro da
redação. Por fim, a convergência não é um intercâmbio só de produtos jornalísticos, mas,
como já dizia Jenkins (2009), é uma mudança de mentalidade, de forma de trabalho e de
compreensão da audiência.
Ao contrário de tudo isso, para Salaverría e Negredo (2008), a convergência
surge como conversão total da empresa jornalística, que antes atuava com diferentes mídias
de forma separada, para a lógica multimídia. São diversos meios utilizados em harmonia,
em conjunto, de forma multiplataforma, reunidos em torno da redação. Assim, a

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convergência passa a ser uma forma de dar relevância à informação em relação ao suporte:
não importa o meio, o usuário necessita da informação adequada à linguagem que melhor a
transmita. Além disso, a convergência aproveita a força da marca, a credibilidade da
empresa jornalística construída ao longo dos anos, para conquistar usuários cada dia mais
exigentes. Há, por fim, uma mudança de processo para se manter sempre em contato com o
público, apresentando produtos diversos tanto em formatos quanto em temporalidades.

2 Novas tecnologias para uma Grande Reportagem Multimídia

Dentro da perspectiva positiva da internet e da era da convergência, Winques e


Torres (2015) apresentam uma série de tecnologias que já estão sendo aproveitadas pelos
jornalistas para fazer um jornalismo ainda melhor e, acima de tudo, trabalhar com assuntos
de interesse público e prestar serviço para a sociedade.
O HTML, por exemplo, é uma linguagem de estruturação de conteúdos para
web já conhecida e há muito tempo utilizada. Sua quinta geração, o HTML5, é uma
evolução que está trazendo muitos ganhos para o jornalismo, como sua capacidade
multiplataforma, o que permite a adaptação do conteúdo a diversos dispositivos, como
smartphones e tablets. Além disso, a tecnologia também oferece a oportunidade de reunir
diferentes signos como fotografias, vídeo, áudio, infográficos, slideshow, entre outros, em
um mesmo produto, enriquecendo as reportagens produzidas para a web. Com o HTML5,
não é mais preciso fazer download de plug-ins ou esperar pelo carregamento do conteúdo
por completo como acontece quando se utiliza o software Flash (WINQUES; TORRES,
2015).
Outro exemplo trabalhado por Winques e Torres (2015) é o design responsivo.
Isso significa um design que se adapta a qualquer dispositivo. Assim, há a possibilidade de
produção de um único layout de notícia que pode ser visto não só no computador, mas em
qualquer dispositivo que o usuário deseje utilizar. “É importante adotar padrões na internet,
para que o leitor reconheça o mesmo produto nas diferentes telas em que acessa as
informações” (WINQUES; TORRES, 2015).
Concordando com Winques e Torres (2015), Longhi (2014) discute que o
HTML5 permitiu a renovação dos produtos multimídia jornalísticos e consequentemente o
aprimoramento da Grande Reportagem Multimídia, possibilitando a consolidação deste
formato específico do webjornalismo herdeiro da grande reportagem do impresso. A autora

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também destaca a padronização e adaptação a qualquer suporte com o design responsivo


como outro fator propulsor da Grande Reportagem Multimídia.

3 O desenvolvimento da Grande Reportagem Multimídia

As novas tecnologias trazidas pela internet e difundidas na era da convergência,


em meio a uma estética digital, fizeram a diferença para a produção de um conteúdo cada
dia com mais qualidade. É o que Longhi (2014) defende quando apresenta o percurso do
desenvolvimento dos produtos noticiosos multimídia (Imagem 1). Baseando-se em Pavlik
(2001) e Mielniczuk (2003), a autora relembra que, nos anos 90, havia somente uma
transposição dos conteúdos impressos para a internet. Já em 1995, ocorre uma pequena
transformação, quando os sites noticiosos começam a utilizar algumas peculiaridades da
hipermídia, como links. Além disso, aparecem imagens estáticas com o texto.
No começo dos anos 2000, tem-se início o slideshow noticioso e os primeiros
produtos noticiosos multimídia. Uma mudança mais expressiva ocorre entre meados de
2002 a 2011, período marcado pelos especiais multimídia. Neste período, os sites noticiosos
começaram a utilizar o software Flash em suas produções, o que fez com que essa fase
ficasse conhecida como Flashjournalism (MCADAMS apud LONGHI, 2014). A partir da
tecnologia foi possível reunir, na mesma janela, texto, imagens estáticas e em movimento e
áudio de forma integrada. A navegação e a leitura eram geralmente realizadas em menus
verticais, e o texto aparecia em blocos acessíveis a partir do menu.
Mas o Turning Point (LONGHI, 2014) da reportagem multimídia, para a autora,
ocorreu a partir de 2012, com o HTML5 e o design responsivo, os quais permitiram o
desenvolvimento da Grande Reportagem Multimídia a partir de formas inovadoras de
design, navegação e imersão do usuário. Se com o Flash o produto jornalístico era disposto
em uma única janela, o HTML5 inaugurou a utilização do scrolling, ou seja, a leitura mais
verticalizada, com os conteúdos e interações acessados enquanto o usuário rola a página. O
design utiliza todo espaço da tela, inclusive o em branco, e o texto geralmente é
centralizado. Longhi (2014) explica que, normalmente, a reportagem é aberta com uma
imagem em toda a largura da tela, a qual pode apresentar recursos de navegação, e, a partir
daí, são disponibilizadas as demais interações.

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Imagem 1

Evolução dos produtos noticiosos hipermidiáticos.


Fonte: LONGHI, 2014, p. 907

Além disso, passa-se a utilizar de textos longos, ao contrário do que era


realizado nos especiais multimídias tratados a partir de Flash, quando o conteúdo verbal
escrito era trabalhado em forma de fragmentos, dividido nas seções do produto. Inaugura-se
aí um jornalismo que pode ser denominado Longform Journalism. Na Grande Reportagem
Multimídia, o texto é apresentado em sua forma longa em conjunto com possibilidades de
navegação e leitura mais imersiva, como em uma revista. É uma narrativa textual mais
consistente, com padrão de leitura vertical, que responde ao questionamento sobre a
qualidade diante da fragmentação dos especiais multimídia (LONGHI, 2014).
Desta forma, o Longform Journalism seria aquele em que ocorre um
aprofundamento do relato, com narrativas mais atraentes e recursos multimídia. Outra
característica deste novo tipo de jornalismo é sua disseminassão pelos dispositivos móveis,
os quais seriam aparelhos para execução de uma única atividade e, por isso, sem distrações.
O termo longform estaria ligado não só ao aprofundamento da matéria, mas também ao
tempo maior de apuração, redação e edição, estando em consonância com o movimento
Slow Journalism, ou seja, um jornalismo em que há tempo para se produzir conteúdo com
qualidade (LONGHI; WINQUES, 2015).
Retornado à ideia inicial, Longhi (2014, p.914) conclui que:
o avanço na exploração e utilização das características do meio, aliados ao
desenvolvimento das ferramentas de criação e a uma preocupação formal com o

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texto jornalístico, resultaram em produtos de qualidade crescente, fato atestado pela


ampla repercussão da grande reportagem multimídia no jornalismo digital.

Para a autora, isso significa um amadurecimento da Grande Reportagem


Multimídia e seu estabelecimento como um dos principais modelos expressivos do atual
jornalismo online.

4 The New York Times e a reportagem “Snow Fall”.

A Grande Reportagem Multimídia foi instaurada pelo jornal americano The


New York Times, em dezembro de 2012, com a matéria Snow Fall4, que reúne fotografias,
vídeos, áudios, infográficos animados em perfeita harmonia para contar a história de uma
avalanche em Washington, nos Estados Unidos, ocorrida no início de 2012. Apenas seis
dias após ser lançada, a reportagem já tinha mais de 3,5 milhões de páginas vistas e
recebido mais 2,9 milhões de visitantes, muito deles formando um novo público para o
jornal (DUENES at al, 2013), o que confirma a grande repercussão da Grande Reportagem
Multimídia, como Longhi (2014) supôs.
Foi o editor de esportes Joe Sexton quem percebeu o potencial multimídia da
história e resolveu propor algo inovador, reunindo diversos profissionais para fazer uma
reportagem usando uma variedade de códigos. Segundo o diretor gráfico Steve Duenes
(DUENES at al, 2013), o grupo multimídia concordou que as diferentes linguagens não
deveriam ser criadas separadas e estarem simplesmente “penduradas” no texto. O grupo
queria contar uma história utilizando texto, vídeo, fotografia e gráficos de forma
entrelaçada, para ser consumida de maneira similar à leitura, mas um tipo diferente de
leitura.
De acordo com a jornalista de vídeo Catherine Spangler (DUENES at al, 2013),
cada signo foi pensado para oferecer uma experiência diferente para o usuário, e cada
linguagem deveria oferecer valor à matéria. Já os elementos que pareciam duplicados eram
cortados. Assim, supomos que a equipe se preocupou em utilizar os diferentes códigos de
acordo com suas especificidades, dentro dos contextos em que melhor se encaixavam,
dando forma a uma experiência de convergência de mídias e não apenas de justaposição,
como já observava Salaverría e Negredo (2008). O editor gráfico Graham Roberts
(DUENES at al, 2013) confirma esta perspectiva ao dizer que os elementos visuais foram

4 Disponível em <http://www.nytimes.com/projects/2012/snow-fall/#/?part=tunnel-creek>. Acesso em 27 mai 2016.

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usados principalmente nos momentos em que era desafiador ter somente palavras ou
quando a compreensão era difícil sem um recurso visual. Entretanto, ele acrescenta que
todos esses elementos foram cuidadosamente pensados para não atrapalhar a fluidez do
texto, não aparecerem como uma interrupção, mas como algo natural da reportagem.
Sobre o aprendizado diante desse projeto inovador, Catherine Spangler
(DUENES at al, 2013) conta que a equipe percebeu a necessidade de ser sensato na
utilização de cada elemento que melhor conta a história em momentos chave do texto. Já o
diretor substituto de design digital Andrew Kueneman (DUENES at al, 2013) conclui
dizendo que construir uma nova aplicação a qual nunca foi utilizada anteriormente é a única
maneira de avaliar verdadeiramente as novas ideias.
Depois de Snow Fall, vários jornais pelo mundo começaram a oferecer Grandes
Reportagens Multimídia em seus sites. No Brasil, a Folha de S. Paulo estreou, em 2013, a
série Tudo Sobre5. Outro exemplo é o jornal de Belo Horizonte O Tempo que, na sessão
Especiais6, também traz reportagens com tais características, ainda que menos elaboradas
do que as fornecidas pela Folha.

Conclusão

Não podemos ser tomados pela visão pessimista e paralisadora somente da crise
no jornalismo. Há novos caminhos abertos pela estética digital que levam a mudanças, as
quais podem ser positivas, desde que os novos recursos sejam colocados em prática. A
experiência da Grande Reportagem Multimídia Snow Fall nos leva a supor que é necessário
ser inovador e, somente testando as novas tecnologias, é possível aplica-las para construir
um jornalismo mais profundo e de maior qualidade, sempre comprometido com a
sociedade.
A evolução das tecnologias possibilitaram avanços como o HTML5 e o design
responsivo, os quais agregaram valor ao webjornalismo, permitindo a consolidação da
Grade Reportagem Multimídia, a qual pretende reunir em harmonia diferentes signos com
texto longo para dar ao leitor uma experiência inovadora de navegação e imersão.
Citando Kischinhevsky, Iorio e Vieira, Winkes e Torres (2015) lembram que
movimentos relevantes do jornalismo nasceram principalmente nos momentos de “crise”,
em diferentes fases de mudanças tecnológicas. Foi assim com o jornalismo investigativo e o

5 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/tudosobre/>, acesso em 28 jun 2016.


6 Disponível em: <http://www.otempo.com.br/especiais>, acesso em 28 jun. 2016.

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new journalism, por exemplo. O que a literatura propõe é que esse pode ser um momento
chave de renovação, crescimento e estabelecimento de novos padrões de qualidade.

REFERÊNCIAS

BORGES, Altamiro. Falências e cortes. Crise na mídia é grave. Blog do Miro, 28 jun. 2016.
Disponível em: <https://altamiroborges.blogspot.com.br/2016/06/falencia-e-cortes-crise-na-midia-e-
grave.html>. Acesso em 02 jul. 2016.

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<http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/um_modelo_de_negocio_para_o_jornalism
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COSTA, Paula Cesarino. Existe alguém lá fora? Folha De S. Paulo, São Paulo, 26 jun. 2016.
Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/colunas/paula-cesarino-costa-
ombudsman/2016/06/1785748-existe-alguem-la-fora.shtml#_=_>, acesso em 02 jul. 2016.

DUENES, Steve at al. How we made Snow Fall. Source, 01 jan. 2013. Disponível em:
<https://source.opennews.org/en-US/articles/how-we-made-snow-fall/>. Acesso em 19 mai. 2016.

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LONGHI, Raquel. O turning point da grande reportagem multimídia. Revista Famecos: mídia,
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em: <http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistafamecos/article/view/18660 >. Acesso
em: 26 abr. 2016.

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quantidade e algumas considerações sobre o consumo. Brazilian Journalism Research, Brasília, v.
11, n. 1, p. 110-127, 2015. Disponível em: < http://bjr.sbpjor.org.br/bjr/article/view/693 >. Acesso
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MANOVICH, Lev. The Language of New Media. Cambrigde, Massachusetts: MIT Press, 2001.

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WINQUES, Kérley; TORRES, Ricardo. Qual o papel das novas ferramentas na transformação do
jornalismo. In CHRISTOFOLETTI, Rogério (Org.). Questões para um jornalismo em crise.
Florianópolis: Insular. p. 49-66, 2015.

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