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Domingo, 25 de outubro de 2015

Economia
Hoje às 03h38

Indexação da economia vai frear recuo da inflação


Banco Central indicou, na quarta­feira (21), que IPCA continuará acima da meta em 2016

Jornal do Brasil
Pedro Leite*

Na última semana, uma velha conhecida dos brasileiros juntou‐se ao déficit fiscal e à desapreciação do
real para voltar a dominar os holofotes dos noticiários de economia no país. Se não surpreenderam nem
os novos registros de inflação divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nem a
piora das previsões para o índice divulgada pelo Banco Central (BC) no boletim Focus, a atenção à
aceleração dos preços no Brasil foi provocada, na verdade, pela expectativa de que o BC se pronunciasse
sobre o tema na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom).

Antes do término do encontro, na quarta‐feira (21), a projeção da instituição era de forte recuo da
inflação no ano que vem. Os dirigentes do banco apostaram então na transparência, sinalizando em seu
comunicado que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) não irá convergir em 2016 para
a meta, que tem como teto 6,5%. A última pesquisa do Focus apontava que o índice marcaria 6,12% ao
fim de 2016.

"A desvalorização de mais de 30% no câmbio neste ano não tinha como passar incólume, especialmente
para 2016", afirma o economista da Rosenberg Associados, Leonardo Costa, para quem a mudança da
previsão do BC já era esperada.

Em 12 meses até outubro de 2015, o avanço da inflação chega a 9,77%, patamar mais elevado desde
dezembro de 2003, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo ‐ 15 (IPCA‐15), do IBGE.

Para Costa, além do forte


reajuste dos preços
administrados, represados
nos anos anteriores, pesou
no resultado a aceleração
dos preços de alimentos.
"Costumamos ter um período
de sazonalidade mais
positivo no meio do ano que
não aconteceu, elevando a
taxa em 12 meses de preços
de alimentação e
contaminando também os
[preços] livres".

O economista aponta que,


Preço do gás de botijão subiu 10,22% no mês, maior fonte de contribuição para a inflação verificada.
com a perspectiva de queda
do Produto Interno
Bruto (PIB) ao redor de 3% e a expectativa de desemprego subindo, esperava‐se que os preços no setor de
serviços cedessem com mais intensidade que o verificado.

"São vários entraves que pressionam muito a inflação em 2015. Com a desvalorização do câmbio, que
esperamos que afete ainda mais o próximo ano, há uma dificuldade grande de que o mercado acredite
em uma convergência mais forte para o 4,5% [centro da meta do governo] em 2016".

Inflação foi pressionada nos últimos meses pela depreciação do real

Está claro entre economistas que os principais bens ‐ como o botijão de gás e a gasolina ‐ que
influenciaram a alta da inflação nos últimos meses estão relacionados à taxa de câmbio.

Para Guilherme Mello, professor do Centro de Estudos de Conjuntura e Politica Econômica da Unicamp, a
manutenção do dólar entre R$ 3,80 e R$ 4 até o fim do ano deve reverter a tendência de alta nos preços.
"No momento, a aguda desvalorização cambial tem puxado a inflação para cima, mas no médio e longo
prazo o efeito da recessão vai se fazer valer e começar a puxar para baixo. No primeiro trimestre deste
ano, tivemos uma inflação muito alta puxada pelo desrepresamento dos preços administrados, o que não
deve ocorrer no início do ano que vem. Então o acumulado da inflação a partir de janeiro tende a cair".

O problema, segundo o professor, é que este recuo será reduzido pelo grau de indexação da economia
brasileira, deixando o nível esperado para o ano que vem em 6%. "A maioria dos preços ainda tem um
elevado grau de indexação, como aluguéis, serviços públicos, títulos da dívida pública, salários".

O professor explica que a


questão é antiga e difícil de
ser resolvida. "Quem
desindexar primeiro corre
mais riscos. Há uma disputa
pela renda. Como ninguém
aceita desindexar primeiro,
a indexação se
mantém. Todos os planos de
estabilização eram, no
fundo, planos que tentaram
combater ao que se chamou
à época de inércia
inflacionária. O Plano Real
debelou a inflação, mas não
conseguiu resolver boa parte
Nível da inflação é fundamental para BC determinar taxa básica de juros, mantida na última reunião.
da indexação".

Zeina Latif, economista‐chefe da XP Investimentos, afirma que a culpa do quadro inflacionário não pode
ser colocada inteiramente sobre o BC, pois o país segue o caminho da dominância fiscal, quando a
política monetária é menos eficaz por conta das contas públicas. "Isso alimenta a percepção de risco
sobre a economia brasileira, elevando o câmbio e, portanto, a inflação. O grande desafio é fiscal no
Brasil, inclusive para a inflação. Precisamos recuperar a âncora fiscal e tirar o peso da política
monetária".

Reabilitação é mais provável em 2017

De acordo com o Indicador de Expectativas Inflacionárias dos Consumidores, divulgado pela FGV na sexta‐
feira (23), a mediana da inflação nos próximos 12 meses esperada pelos consumidores ficou em 10% em
outubro. O resultado é o mesmo observado em agosto e setembro, no maior nível da série histórica,
iniciada em setembro de 2005.
"É uma sucessão de notícias ruins e a cada mês temos um grande vilão", afirma Virene Matesco,
professora dos MBAs da FGV/RJ, analisando que apesar dos gastos públicos elevados servirem como fonte
de inflação, "eles ajudam, quando bem aplicados, a tirar o país do atoleiro". No entanto, a professora
aponta para um "vácuo fiscal que aumentou os gastos públicos sem gerar crescimento
econômico". "Estamos numa situação difícil, não temos de onde tirar para gastar com o déficit fiscal
elevado. Para este ano o déficit primário previsto está em 0,7% do PIB".

Matesco entende que há dois canais para uma possível recuperação da economia em 2017, um dos quais
relacionado ao próprio câmbio. "Se o governo trabalhar sério em concessões e investimentos de
infraestrutura neste ano e em 2016, é um canal de fomento. E se o câmbio continuar nessa trajetória de
alta desvalorização, também teremos o setor exportador recuperando mercado".

*do programa de estágio do JB

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