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“A Psicologia
no Brasil”

Para a atualização dos temas tratados no texto


A Psicologia no Brasil, primeiro artigo publicado
na revista número zero, a comissão editorial da
revista Psicologia: Ciência e Profissão indicou
duas pessoas para serem entrevistadas, que
representassem respectivamente a ciência e a
profissão no nosso país.

Para falar sobre o desenvolvimento da profissão


nos últimos 30 anos, foi entrevistada a professora
Ana Mercês Bahia Bock, Doutora em Psicologia
Social pela Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, onde leciona e desenvolve pesquisas,
com ênfase em Psicologia sociohistórica,
atuando e pesquisando principalmente nos
seguintes temas: Psicologia, educação, Psicologia
Entrevista

sociohistórica, profissão e compromisso social e


dimensão subjetiva da desigualdade social. Foi
presidente do Conselho Federal de Psicologia
por três gestões. Preside o Instituto Silvia
Lane – Psicologia e Compromisso Social e é,
atualmente, secretaria executiva da União
Latino-americana de Entidades de Psicologia.

Para falar aos leitores da revista sobre o


desenvolvimento da ciência psicológica, foi
entrevistado o professor Cesar Ades. Doutor
em Psicologia experimental (1973), livre-
docente pela Universidade de São Paulo
(1991), é professor titular (1994) do Instituto de
Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP).
Atualmente, dirige o Instituto de Estudos
Avançados da USP. É membro do International
Council of Ethologists, da International Society
of Comparative Psychology e vice-presidente da
Sociedade Brasileira de Etologia (SBEt), da qual
foi fundador. Suas principais linhas de pesquisa
estão na área de etologia e do comportamento
animal.

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A Psicologia como Profissão:


Entrevista com Ana Bock

Ana Bock

Pontifícia
Universidade
Católica de São
Paulo

Ana Bock – O trajeto da Psicologia pode ser sintetizado como o de uma profissão comprometida
com interesses da elite brasileira – que, de certa forma, é responsável pelo ingresso e
desenvolvimento da Psicologia no Brasil – até o momento atual, que pode ser chamado de
momento de compromisso ou, pelo menos, do começo do desenvolvimento de um projeto
de compromisso com as necessidades da maioria da população brasileira, com uma vontade
clara, entre os psicólogos, de uma inserção maior. Isso não quer dizer que haja um único tipo de
inserção, pois há uma tensão sobre como seria essa inserção. Entretanto, pode-se dizer que todos
os psicólogos atualmente gostariam que a Psicologia tivesse inserção maior na sociedade brasileira,
o que significa efetivamente um compromisso maior com outros segmentos da sociedade.

As pesquisas têm mostrado que os psicólogos gostam muito da profissão, que se mantêm
registrados no Conselho mesmo sem trabalhar na profissão, porque eles imaginam que um dia
vão exercê-la. Os cursos de Psicologia têm baixos índices de evasão e de inadimplência, o que
mostra um vínculo, e isso tem refletido o interesse por maior inserção.

Iracema Neno Cecílio Tada – No começo da profissão, quais áreas tinham maior foco de atuação
dos psicólogos? Atualmente, outras áreas estão surgindo? Como você as analisa?

Ana Bock – Tínhamos, no início da institucionalização da profissão no País, um compromisso


quase que exclusivo com a elite brasileira. Estávamos incluídos no projeto de modernização do
País. Sabemos que, na modernização, tudo o que se apresentou como tecnologia ganhou seu
espaço social. A tecnologia apresentada pela Psicologia consistia nos testes psicológicos, que, de
forma objetiva e tecnológica, contribuíam para a categorização, para a diferenciação, ajudando
a encontrar o homem certo para o lugar certo. Estávamos incluídos em processos de seleção de
pessoal e orientação profissional. Também com os testes, nas escolas, ajudamos a formar classes
mais homogêneas para preparar melhor as crianças e os jovens para o trabalho. Ganhamos
espaço na sociedade com esses dois campos da Psicologia.

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Edla Grisard de Andrade – E a Lei nº 4119? faculdade, ainda como aluna, que relatava a
história ouvida de um operário. Ele contava
Ana Bock – A Lei n° 4.119/62, que regulamenta que havia perdido uma oportunidade de
a profissão no Brasil, foi como uma certidão de emprego porque não soube desenhar uma
nascimento antes que o bebê tivesse nascido, árvore, como o psicólogo havia solicitado.
ou seja, não tínhamos, naquele momento, Dizia ele: “O psicólogo mandou desenhar
algo que pudesse ser denominado profissão: uma árvore e depois disse que eu não servia
não havia uma categoria profissional, não para o trabalho”. De certa forma, até hoje, na
Eu me lembro havia (a não ser os testes) um conjunto de seleção de pessoal, permanece esse problema
de termos feito ferramentas de trabalho, não havia um do desconhecimento de como essas atividades
uma matéria
no jornal da
discurso que identificasse os psicólogos, podem servir para efetivamente selecionar. Se
faculdade, ainda enfim, não havia nenhuma condição social um profissional da seleção pedisse para que
como aluna, que para o reconhecimento oficial, legal, de uma o operário apertasse um parafuso e avaliasse
relatava uma
história ouvida
profissão de psicólogo. É interessante observar que não apertou bem, seria fácil entender
de um operário. que os psicólogos foram surpreendidos pelo não ser aprovado, mas mandar desenhar
Ele contava Projeto de Lei. Quando o Projeto de Lei já uma árvore soava estranho. Isso mostra o
que havia
perdido uma
estava pronto, os psicólogos foram chamados caminho de elite da profissão. Nossas formas
oportunidade de para opinar sobre ele. Não gostaram, e, a partir e instrumentos de trabalho utilizavam e ainda
emprego porque disso, trabalharam para modificá-lo, para utilizam recursos que, muitas vezes, não são
não soube
desenhar uma
produzir emendas. O Projeto modifica quase compreendidos pela maioria da população,
árvore, como o completamente o texto original. Aprovada a às vezes porque são sofisticados para quem
psicólogo havia Lei, restou o desafio de construir a profissão. tem pouca escolarização, às vezes porque se
solicitado. Dizia
ele: “O psicólogo
Tínhamos um certo reconhecimento social tem dificuldade de entender a relação com
mandou desenhar que provinha das elites, mas a sociedade o objetivo para o qual se emprega a técnica.
uma árvore e como um todo desconhecia a Psicologia e
depois disse que
eu não servia
sua contribuição. Os anos 70 e o início dos Edla Grisard de Andrade – Quer dizer, não
para o trabalho”. anos 80 são fundamentais para a mudança era significativo para a camada pobre ou
de rumo da profissão no País. Na faculdade mesmo média da população?
Ana Bock em que fiz o curso, por exemplo, existia
um professor que criou uma disciplina Ana Bock – Isso; havia uma relação distante
chamada Caracterização sociopsicológica do com a população, que era tensa, de medo,
trabalhador brasileiro, no início dos anos 70. de desconhecimento. Era um enigma o que
Íamos para Osasco, São Bernardo do Campo, aquele profissional efetivamente fazia e, ao
Santo André conversar com grupos operários mesmo tempo, havia um reconhecimento de
sobre a Psicologia, e a população desconhecia certo poder no que ele fazia, na possibilidade
completamente o que estávamos falando. de tirar do lugar, mandar para outro lugar,
Quando perguntávamos se conheciam reprovar na escola, colocar na classe especial.
psicólogos, a resposta era negativa. Quando As pessoas não sabiam o que faziam os
perguntávamos se, na empresa onde o psicólogos, e daí o imaginário de que os
operário trabalhava, ele tinha feito seleção, psicólogos adivinham a cabeça do outro ou
alguns entrevistados diziam conhecer o que tratam de gente que tem a cabeça fraca,
psicólogo da seleção de pessoal, que era que é doido. Os pais muitas vezes se referiam
tido, no imaginário operário dos anos 70, aos psicólogos dessa forma. Os exemplos são
como um porteiro de luxo que impedia seu para dizer que era uma profissão que não
trabalho usando ferramentas cuja efetividade tinha nenhum interesse, nenhum projeto para
a população desconhecia. Eu me lembro se aproximar efetivamente da população e
de termos feito uma matéria no jornal da fazer um tipo de serviço que fosse percebido

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como necessário ou para responder às as grandes greves de 1970, 1972, em São


suas necessidades. Estávamos efetivamente Bernardo, o surgimento da liderança do Lula.
ligados aos interesses da elite brasileira e ao Essa movimentação à esquerda propicia o
seu projeto de modernização. Esse caminho surgimento, nos cursos de Psicologia, de
não é sem pedras. Encontra-se, na história pensamentos críticos, principalmente de
da profissão no País, pessoas que buscavam questionamentos sobre de que lado estavam
outras formas e outros compromissos para a os psicólogos. Começa a surgir o desenho de
Psicologia. Os psicólogos, quando entravam uma nova profissão.
na saúde pública e levavam o modelo de
trabalho que estavam acostumados a utilizar Também é fator importante a abertura das
com a elite, encontravam dificuldades muito universidades para a camada média. A
grandes para exercer esse trabalho, porque ditadura precisava do apoio das camadas
as técnicas e as ferramentas eram todas médias para se sustentar. Ao mesmo
intelectualizadas, os recursos de linguagem tempo, quando ela abre o País aos grandes
sofisticados, e não serviam para a maioria da investimentos internacionais, começam
população. Isso é vivido como uma crise que se a se instalar os grandes monopólios. Os
acentua nos anos 70 com o desenvolvimento pequenos negócios, como a vendinha da
do pensamento crítico na sociedade, esquina, a padaria, a costureira, o alfaiate, o
decorrente da ampliação do movimento sapateiro, vão começar a falir, e os filhos da
social que se organizou para combater a camada média vão perder sua possibilidade
ditadura militar. É o lado contraditório da de manutenção do status de camada média.
ditadura. Ela vem para nos calar, para nos Claro que a ditadura perderia o apoio
impedir, mas, contraditoriamente, produz dessa camada se isso se mantivesse assim.
um tensionamento, uma insatisfação, e vai Então, a ditadura negocia com esse grupo
produzindo nas universidades e na sociedade a possibilidade de que seus filhos, não mais
em geral um pensamento crítico. herdeiros dos pequenos negócios, se tornem
psicólogos, médicos, engenheiros, advogados.
Edla Grisard de Andrade – E abre a brecha E assim as universidades vão ampliar as suas
para o projeto do compromisso social, é isso? vagas. Há um grande boom das universidades
na primeira metade da década de 70. Era
Ana Bock – Sim, é isso. Alguns aspectos uma outra camada social que ingressava nas
dos anos 70 nos permitem compreender universidades, que até então eram reservadas
porque o projeto do novo compromisso às elites. Isso muda a Universidade, isso muda
social vai surgir nesse período. O fato de a formação e muda a profissão.
termos a ditadura militar e a perseguição
aos intelectuais, a toda a esquerda, deve Edla Grisard de Andrade – Quantas
ser levado em conta. A parte intelectual universidades de Psicologia nós tínhamos
dessa esquerda recua para as instituições nessa época?
universitárias e vai fazer o seu trabalho de
militância ali, ensinando Marx, que propicia Ana Bock – Tínhamos poucas; é nos anos
leituras mais críticas. Contraditoriamente, na 70 que muitos cursos vão surgir. São Paulo
ditadura militar, o marxismo, um pensamento passa a ter um grande número de cursos que
que estava resguardado às esquerdas colocam no mercado um número enorme
brasileiras, começa a se espalhar. Outra de profissionais. Sou o nº 2.771 no Conselho
coisa é todo o movimento operário, que Regional de Psicologia de São Paulo (CRP–
cresce. Há um caldo de movimento social 06), inscrita em 1977. Como esse Conselho
importante: o fortalecimento dos sindicatos, tinha, à época, mais de 60% dos psicólogos

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inscritos no País, significa que não éramos Então, chega-se aos anos 70 com esses
mais de 5 mil (aproveito para salientar que fatores: a ditadura, o movimento social, a
estamos em meados dos anos 70, imagine classe média na Universidade. Isso vai trazer
em 1962, quando a Lei foi promulgada!). para a Universidade e para a organização
Em 1980, já se encontram nas estatísticas 30 da categoria profissional, dos sindicatos, do
mil. Há um salto. Crescemos em progressão próprio Conselho, questionamentos sobre
geométrica, principalmente no Sudeste, que profissão temos. Era muito comum,
depois nos espalhamos mais lentamente naquela época, encontrar semanas de
pelo País. Nos anos 90, em alguns Estados Psicologia que tinham como questões que
do Norte e do Nordeste, ainda se tem uma Psicologia queremos, que psicólogos queremos
escola de Psicologia por Estado. Hoje não há ser. Era um movimento de construção de
nenhum Estado que tenha só um curso. Mas identidade, e estava posta a questão será
o boom dos anos 90 tem outras condições e que eu quero ser esse psicólogo que está aí,
características. da elite? Isso vai se fortalecer enormemente
nos anos 80, quando acontecem duas coisas
Iracema Neno Cecílio Tada – A partir da importantes: a entrada dos psicólogos na
década 70, quais áreas de atuação têm mais saúde mental, encontrando ali o movimento
destaque? sanitarista já organizado e avançando a
passos largos, e o surgimento, a partir das
Ana Bock – Vou chegar lá, mas quero fazer universidades, da Psicologia comunitária,
outra correção antes. Acho que, nos anos 90, que nasce nos estágios dos alunos. Eles vão
o outro boom que vai acontecer nas escolas fazer suas experiências junto ao operariado,
não é ainda por uma política de acesso das em São Bernardo, Osasco, no caso de São
camadas pobres. Atualmente, há ampliação Paulo, ou vão trabalhar na favela, junto ao
de vagas nas universidades federais, tem o movimento de creches ou nas comunidades
Programa Universidade para Todos, o Prouni, de bairro. É o momento do desenvolvimento
e agora sim, há um projeto de acesso das do pensamento do Paulo Freire. A Igreja
camadas pobres. Mas o que leva ao grande vai utilizar o pensamento freiriano como
boom das escolas na década de 90, que leva um pensamento capaz de organizar as
Rondônia a ter sete cursos, Santa Catarina a populações. É o momento das organizações
ter 23, é o projeto neoliberal, de redução das pastorais operárias. A Psicologia na saúde
e privatização dos serviços que eram do mental, dentro do serviço público, vai se
Estado, o projeto do Estado mínimo. É essa distinguir completamente da saúde que se
redução dos serviços prestados pelo Estado, fazia nas clínicas psicológicas particulares,
mas não de redução do seu controle, que que nem se chamava saúde. E isso vai mudar
vai permitir que os grandes investidores da muito a cara da profissão. Os psicólogos vão
bolsa de valores, negociantes que tinham entrar na saúde, vão se organizar na saúde,
negócios de outra natureza, passem a investir vão se destacar, vão virar lideranças na saúde.
na educação, levando à abertura de escolas Essas novas práticas vão, aos poucos, penetrar
particulares no ensino fundamental, no ensino nas Universidades, modificando a formação.
médio e nas universidades, campo que tinha A Psicologia comunitária também teve esse
uma demanda reprimida muito grande. Isso é mesmo papel. Ela, diferentemente da saúde,
um parêntese que faço, apenas para destacar começou nas universidades e se espalhou
que temos crescimento das universidades por para a profissão. De qualquer forma, eram
vários motivos, no decorrer da História. Nos dois movimentos que a profissão fazia que se
anos 70, era devido à cooptação das camadas integravam, se alimentavam e propiciavam o
médias pela elite. desenvolvimento de um novo projeto para a

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profissão: o projeto do compromisso social. muito dialético, mas às vezes me pergunto


se não é também uma reparação com a
Edla Grisard de Andrade – Qual a repercussão população, porque a profissão começou
disso para a Psicologia? voltada para as elites e, em certa medida, por
todo esse movimento contraditório, acaba
Ana Bock – Isso fortalece um pensamento atendendo as demandas da população.
novo no campo da Psicologia. A Psicologia
comunitária é um contato direto e uma Ana Bock – Sim, é um atender as demandas
expressão direta de projeto de compromisso da população, como disse no começo,
com a população. São os psicólogos não sem contradições, não sem intenções.
trabalhando nas favelas, nas comunidades Existe um voltar-se para a população que
e associações de bairro, nas creches, junto está diretamente relacionado a interesses
com as mães no movimento de creche e nas corporativos, de ter emprego, não exatamente
entidades sindicais. ao acesso da população. Mas está tudo
colocado em um mesmo campo, há um diálogo
É dessa experiência que, acho, vão começar e uma tensão permanentes entre aqueles
a surgir e a se desenvolver novas áreas e que constroem o projeto do compromisso
novas possibilidades de intervenção: uma social, porque acham que a Psicologia
nova tecnologia para o trabalho do psicólogo, deve colaborar com a transformação da
ampliando as formas restritas que havia. Ana sociedade, dando condições dignas de vidas
Maria Almeida comenta, a partir da pesquisa para a garantia dos direitos humanos, e entre
realizada em 88 pelo CFP, que resultou no aqueles que só estão interessados em ter
livro Quem É o Psicólogo Brasileiro, que emprego e acham que, para isso, é preciso
não tínhamos um instrumental de trabalho que a Psicologia possa ser estendida a outras
diversificado. Os psicólogos faziam a mesma pessoas. A Psicologia é um bem social e todos
coisa em todos os lugares em que atuavam. devem ter acesso a ela, mas há uma divisão
Nos anos 80, isso se modifica. Outros fazeres entre aqueles que acham que essa ampliação
começam a se instituir como real possibilidade significa apenas utilizar os recursos existentes
de trabalho em Psicologia. Cabe lembrar que, com a nova clientela e aqueles que acham
em 2000, quando realizamos a I Mostra que é preciso construir uma nova psicologia
Nacional de Práticas em Psicologia: Psicologia adequada às necessidades da nova clientela.
e Compromisso Social, tivemos dificuldades Eu diria que essas são tensões na profissão,
para que os psicólogos, que atuavam de tensões que são quase permanentes.
maneira distinta do que se poderia chamar
de tradicional, reconhecessem que o convite Iracema Neno Cecílio Tada – E há um
para mostrar seu trabalho era para eles. Eles distanciamento do compromisso teórico,
achavam que não atuavam em Psicologia crítico, com a técnica.
porque não faziam as atividades que estavam
marcadas e que identificavam o campo. Mas, Ana Bock – Há um distanciamento. Há pouca
termos recebido dois mil trabalhos mostra preocupação com a reformulação da técnica.
que a nova Psicologia já estava inventada. Por quê? Essa é justamente a questão que me
Tudo isso significa que já havia um novo jeito levou a estudar o fenômeno psicológico como
de se colocar na sociedade, comprometido é visto pelos psicólogos. Como temos, talvez
com necessidades, com carências, com hegemonicamente ainda, o pensamento
exigências que vinham de outros segmentos de que o fenômeno do psicológico é um
da população. fenômeno natural do humano, universal no
Edla Grisard de Andrade – Claro que é tudo humano, tomamos nossos conceitos das várias

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teorias psicológicas e os aplicamos a qualquer das periferias que chefia sua família?” Mas o
humano. É a ideia de que todos são iguais, projeto do compromisso social já colocou essa
todos são dotados dessas potencialidades, questão sobre a mesa e, com certeza, vamos
que vem do pensamento liberal e que avançar nela.
permite que se aplique à Psicologia, da
mesma forma, a mesma técnica para todo Edla Grisard de Andrade – Por outro lado,
mundo. Não passa pela cabeça – ainda – da há quem diga que esse tipo de pensamento
maioria dos psicólogos, que nossa psicologia enfraquece o cientificismo da Psicologia, há
Não passa pela é uma psicologia branca, masculina, europeia quem critique muito essa ideia de psicologias.
cabeça – ainda
ou americana. Há estudos específicos da
– da maioria dos
psicólogos, que negritude, da existência negra no Brasil, em Ana Bock – Há mesmo. Você tem toda
nossa psicologia que mais de 50% da população se reconhece razão, por isso digo que é um debate
é uma psicologia
branca,
negra. Essa questão não é percebida. necessário. Minha opinião aqui explicita
masculina, Não discutimos, no curso de Psicologia, UMA posição, mas não a única posição.
europeia ou essas questões, não fazemos pesquisa para Há muitos pensamentos distintos no campo
americana.
Há estudos conhecer essa realidade psíquica da maioria da Psicologia (há psicologias) que precisam
específicos da de nossa população. Há um estudo de Franklin ser debatidos. Quando se começa a dizer
negritude, da Ferreira que mostra quão poucos estudos que nem todas as pessoas são iguais, que
existência negra
no Brasil, em que existem sobre a questão negra no campo da esse conhecimento não serve para algumas,
mais de 50% da Psicologia. Temos dificuldade de perceber o começa-se a questionar a própria sustentação
população se
quanto as construções da Psicologia acabam do pensamento moderno, de que todo mundo
reconhece negra.
Essa questão não ocultando a desigualdade social, as diferenças é igual e pode ter as mesmas condições. Já
é percebida. sociais, porque vamos aplicar os mesmos foi a época em que nobres eram uma coisa
Não discutimos,
no curso de
conceitos, o mesmo esquema teórico para e servos eram outra. O pensamento liberal
Psicologia, essas qualquer sujeito. Essa questão a profissão rompeu essa certeza e disse que todo mundo
questões, não ainda tem para enfrentar nos próximos anos. pode ser igual, depende do esforço de cada
fazemos pesquisa
para conhecer Há muita coisa escondida por detrás de um. Foi dado um salto revolucionário do
essa realidade nossos conceitos, porque ainda não fomos pensamento feudal, sem dúvida alguma.
psíquica da capazes de dar visibilidade, de enxergar Então, é difícil superar isso sem que se caia
maioria de nossa
população. com clareza que, em nossos conceitos, em na ideia de que os sujeitos são novamente
nossas técnicas, está embutido um padrão colocados como desiguais pela sua condição.
Ana Bock de branco, masculino, europeu, e que, nas O reconhecimento da desigualdade tem de
nossas teorias de desenvolvimento, ainda ser um reconhecimento da desigualdade
estamos presos a conceitos e construções social aliado a um pensamento de que as
que têm como modelo crianças americanas condições sociais constituem subjetivamente
ou suíças. Ainda não vemos problema os humanos, para o psicólogo poder, ao
nisso, porque não se evidenciou a questão considerar os sujeitos de forma desigual,
no campo da Psicologia. Nós ainda não entender que são as condições sociais e
duvidamos que os sujeitos sejam universais, subjetivas, históricas, que estão produzindo
não pusemos a questão verdadeiramente na essas diferenças.
Psicologia de forma que todo mundo possa
dizer: “Onde está esse sujeito? Ele é índio. Edla Grisard de Andrade – Isso amedronta o
Será que posso usar os meus recursos teóricos profissional que está lá na ponta, junto com
que foram criados na Europa branca para a população.
entender o dinamismo psíquico do índio? Ana Bock – Claro, pois levamos cinco
Servem? E o negro? E a mulher brasileira anos para nos formar, e agora tudo o que

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se aprendeu não serve para trabalhar na dialogar com os conhecimentos produzidos


Unidade Básica de Saúde ou em um Centro em outros países de modo a reinterpretá-los.
de Referência em Assistência Social (Cras).
Nós nos sentimos desarmados. A dificuldade Edla Grisard de Andrade – E não se constrói
de nos instrumentalizarmos para trabalhar uma teoria que seja própria do Brasil.
nesses locais faz, muita vezes, com que
prefiramos achar que todos os sujeitos são Ana Bock – Nós precisamos ter um
idênticos e que se pode usar o mesmo conhecimento que SIRVA para o Brasil,
recurso, pois é o que aprendemos. ou seja, para todos os brasileiros. Se ele
é produzido aqui ou reinterpretado aqui,
Edla Grisard de Andrade – Como a senhora não importa muito. O que não se pode é
vê a função da Academia nesse processo, aplicar mecanicamente o que é produzido
como formadora? O quanto a Academia ainda a partir de outras realidades. Os povos
está, ou não está, distante do profissional que latino-americanos têm realidades parecidas
repete técnicas descontextualizadas, porque e desafios parecidos. No entanto, estamos
as aprendeu na Academia? isolados. Deveríamos fazer um esforço mais
coletivo, pois precisamos ter aliados para
Ana Bock – Tenho visto a Academia com a produção de uma nova psicologia. Há
muito pessimismo, talvez porque esteja muito esforços no México, em Cuba, na Argentina,
dentro dela, há muitos anos. Eu pensava no Uruguai, no Chile, cada um pensando, em
que as diretrizes curriculares, só pelo fato de seu país, qual o melhor jeito de se libertar da
serem algo que nos moveu do lugar, poderiam psicologia americanizada ou europeizada.
produzir outra realidade de formação Até agora, não nos aliamos completamente
acadêmica, sem deixar de reconhecer que para esse esforço. Lemos um autor americano
muitos cursos fazem hoje um esforço para porque se traduz aqui o livro, mas não lemos
absorver as questões da população; eu acho o autor de língua espanhola. Dificilmente
a ciência dura. Há esforço nos estágios, os alunos estudam Baró, por exemplo,
professores fazendo inovações, colocando os ou autores argentinos, como pensamento
alunos em situação, mas o conhecimento é importante na América Latina. E eles, os
duro. Ele não se move. Continuamos tendo, outros latino-americanos, leem quase nada
nos cursos de Psicologia, as teorias ensinadas de português. Ainda estamos distantes, não
sem suas bases epistemológicas, sem que temos a construção feita, mas já estamos
se ensine qual humano está presente, qual nesse tempo histórico, e é por esse motivo
humano é o modelo em cada uma dessas que conseguimos dizer que temos que formar
teorias. Tenho dito que nossa formação é a Psicologia na América Latina, que ainda
tecnicista, ou seja, ensinamos para aplicar o temos que criticar o pensamento do homem
que ensinamos. Não temos tido uma postura universal, do homem natural, ainda temos que
universitária e científica que implica duvidar, sair dessa ideia de que os sujeitos fazem um
questionar, interrogar o conhecimento a esforço para produzir sua individualização, a
partir do contato problematizador com a partir do puxar seus próprios cabelos. Então,
realidade. Acho que é isso que temos que eu diria que já estamos no tempo de um
fazer: ensinar um contato problematizador novo compromisso social. Nesse sentido, sou
com a realidade. Podemos e devemos ensinar otimista. E acho que é a prática dos psicólogos
todas as psicologias que são produzidas no nos locais de trabalho, em todas essas frentes
mundo todo, mas não podemos continuar que se abriram – na área jurídica trabalhando
com essa postura colonialista de receber nas Varas, em penitenciárias, no Conselho
e aplicar. É preciso traduzir, e isso significa Tutelar, na assistência social, nos CRAS e nas

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medidas socioeducativas, na saúde pública, quanto a Academia estava distante da prática


na área do trabalho, na educação, discutindo profissional, sem fornecer instrumentos para o
seu fazer, se organizando para um novo psicólogo atuar. O psicólogo estava atuando
pensamento. aleatoriamente, buscando, em sua prática,
condições e recursos para sua atuação. Ele
Edla Grisard de Andrade – No início da chama esse fenômeno de psicologia paralela,
entrevista, falaste algo sobre, no início dos casuística, limitando-se a uma reflexão sobre
anos 70, ser dado ao psicólogo a oportunidade a experiência individual. No começo da tua
de trabalho, mas dizia-se o que ele deveria fala, eu estava angustiada, pensando que não
fazer. Hoje eu ainda vejo que, no campo mudamos muito. Mas mudamos por termos as
jurídico, por exemplo, pelo menos na minha associações, as organizações, que permitem
realidade em Santa Catarina, o psicólogo que o profissional, com a Academia, possa
que entra no tribunal de justiça recebe um repensar um pouquinho sua formação inicial.
pacote do que deve fazer. Ainda se mantém
esse funcionamento, embora um pouco mais Ana Bock – Nós mudamos, e a existência
crítico. do projeto do compromisso social, do qual
partilho, demonstra isso. Nesse movimento
Ana Bock – Um bom termômetro disso é
histórico contraditório, temos as organizações
avaliar a entidade de cada área. Há setores
que vamos formando e há uma camada média
que têm entidades bastante representativas,
– hoje podemos falar até de uma camada mais
com congressos fortes, que agregam a
pobre – que entra na universidade. Vão se
categoria, que reúnem pessoas que pensam
criando contradições. Meus alunos, que são
criticamente sobre a Psicologia e, com isso,
de uma faculdade da elite paulista, são 900
se tem a prática avançando e a organização
jovens que agora convivem com cem alunos
avançando, criando possibilidades. Quando se
que são do ProUni, ou seja, 10% deles vêm da
avança na prática, avança-se na organização,
camada pobre da população. É interessante
e vice-versa.
pensar que existem lá 900 representantes
da elite convivendo obrigatoriamente com
Iracema Neno Cecílio Tada – Quando temos
essa camada mais pobre. A organização
a prática avançando com a organização,
social, o crescimento do movimento social,
podemos, quem sabe, por meio dos eventos
científicos, levá-las para a Academia e, com o momento de democratização do País,
elas, rever alguns construtos, algumas teorias o projeto de governo atual, voltado para
que já estão tão firmes. a maioria da população, o fortalecimento
da crítica à perspectiva neoliberal, temos
Ana Bock – É isso, você tem razão. É importante tudo isso. Mas temos, por outro lado, uma
agregar. Tem-se a prática profissional sociedade moderna que se individualiza
avançando, a organização avançando e cada vez mais, e esse talvez seja um dos
o conhecimento avançando; tem-se as elementos que traz valorização e demanda à
entidades sendo pressionadas para superar Psicologia. O indivíduo toma um lugar cada
aquele modelo tradicional. Não quer dizer vez maior na preocupação social, no projeto
que conseguirão superar, mas elas estão sendo da modernização da sociedade, e então tudo
pressionadas. o que servir para avaliar esse indivíduo é bom.
E tudo o que servir para avaliar a felicidade
Iracema Neno Cecílio Tada – O Paulo Rosas, também. Hoje começamos a falar, no campo
no texto publicado no número zero da da Psicologia, de felicidade. O que é isso que
revista que é a base para esta conversa sobre estamos trabalhando? Contraditoriamente,
o desenvolvimento da profissão, coloca o percebendo que o indivíduo está correndo

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o risco de ser considerado descolado do ganhar pouco, porque gostavam do que


contexto, do seu meio. Aí vem a força faziam. Então, era e é muito difícil conseguir
social contraditória que vai rebater, dizendo construir, dentro da categoria dos psicólogos,
que não podemos considerar o indivíduo um pensamento sindical. Acho que nosso
isoladamente. São pensamentos do nosso ingresso no serviço público e em muitas
tempo e que estão aí para serem debatidos. instituições vai permitindo isso, mas ainda é
Por isso, a organização e a formação se tornam muito difícil.
aspectos importantes, porque são espaços
privilegiados do debate e da conversa. Não
As pesquisas têm mostrado que, quando se
temos que pensar em ter um pensamento
pergunta aos profissionais por que foram cursar
único; temos que nos esforçar para dialogar,
Psicologia, os quatro tipos de resposta não se
para trocar ideias e para avançarmos todos
na direção de nossos projetos. referem a uma atividade social. Referem-se a
um prazer com o conhecimento, um prazer
Poderíamos nos perguntar: estamos melhor em conhecer o outro, em conhecer-se melhor
ou pior? Há um movimento, e vamos poder e em ajudar o outro. Em nosso campo, é difícil
avaliar se é pior ou se é melhor conforme encontramos a clareza de que Psicologia é um
essas forças contraditórias se colocarem: se o trabalho na e para a sociedade; as respostas
fortalecimento da ideia do sujeito coletivo, de indicam um projeto mais voltado para si
sujeito contextualizado é grande e enfrenta mesmo ou para os sujeitos individualizados.
a ideia de indivíduo isolado, que busca a Ainda hoje, dificilmente se encontra a
sua felicidade individual. De um jeito ou argumentação de trabalhos sociais como
de outro, esse confronto existirá. Nosso motivo para a escolha da profissão.
pensamento não é hegemônico, mas existem
horas em que nosso pensamento disputa
Isso mostra que construímos nosso imaginário,
lugar com o hegemônico. Respeitamos a
nossos significados sobre a profissão incluindo
diversidade da Psicologia, não queremos um
pouco a ideia de que é um trabalho para
pensamento único, mas queremos o direito
a sociedade, do qual a sociedade precisa.
de colocar nosso pensamento na cena social
para que ele possa ter certo reconhecimento Pensamos, muitas vezes, que sempre existiu
e possa ser considerado uma alternativa. Psicologia, e, se não existiu, as pessoas
deveriam sempre ser muito infelizes. Não
Iracema Neno Cecílio Tada – E quando você percebemos que foi a própria história humana
estava no Conselho, quais foram as principais que tornou necessário um conhecimento
dificuldades da profissão? Ou no sindicato? como o nosso, que servimos ao pensamento
moderno e que poderemos desaparecer com
Edla Grisard de Andrade – No eixo ciência a superação desse pensamento. Essas ideias
e profissão. de felicidade, de sujeito, de indivíduo, são
todas da modernidade.
Ana Bock – No sindicato, a realidade era outra.
Mas também já faz muito tempo que estive Sem falsa modéstia, acho que fizemos um
no sindicato. A questão principal era que o excelente trabalho no Conselho. Falo isso
psicólogo não se percebe como trabalhador. sem modéstia, porque não fui eu quem fiz,
Há dificuldade de construir um pensamento mas um conjunto muito grande de pessoas
sindical na categoria dos psicólogos, estamos que trabalhou por esse projeto, ocupando
mais para sujeitos endeusados do que para as direções dos Conselhos Regionais, sendo
meros mortais trabalhadores. Não importava colaboradores dos Conselhos Regionais e

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PSICOLOGIA:
CIÊNCIA E PROFISSÃO, Ana Bock
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do Federal, que passaram a envolver uma O segredo talvez esteja em uma gestão
quantidade muito grande de gente disposta a afetiva das entidades. Sei que a maioria da
construir um novo projeto para a Psicologia. categoria não pensa como nós pensamos,
Uma das dificuldades é enfrentar a resistência nem estamos querendo isso, mas tenho um
para o novo projeto. A categoria ainda não respeito absoluto pela existência de diversos
está completamente interessada no projeto pensamentos, porque reconheço esses
A perspectiva do compromisso social. O desafio, para nós, diversos projetos como frutos da História,
histórica nos era poder fazer a relação desse novo projeto
dá humildade,
das possibilidades sociais que o Brasil deu
nos dá a com interesses corporativos, por exemplo. para o desenvolvimento da profissão. Nada
capacidade de Quando se luta por políticas públicas, está se do que existe no campo da Psicologia me é
nos apaixonarmos defendendo outro projeto de compromisso
pela questão da
estranho, porque tudo tem sua justificativa no
Psicologia, pela social para a Psicologia e também se está processo da evolução da profissão, inclusive o
importância da defendendo emprego para os psicólogos. O pensamento que defendo, que também tem
inserção social desafio da boa política hoje está em poder
da Psicologia na
as limitações históricas. A perspectiva histórica
nossa sociedade;
juntar os interesses dos psicólogos no projeto nos dá humildade, nos dá a capacidade de nos
essa perspectiva do compromisso social, mas favorecendo apaixonarmos pela questão da Psicologia, pela
nos permite a as condições de trabalho, ampliando o importância da inserção social da Psicologia
crença absoluta
lugar social do psicólogo, produzindo
de que a na nossa sociedade; essa perspectiva nos
Psicologia pode reconhecimento pelos gestores públicos.
permite a crença absoluta de que a Psicologia
e deve se inserir
na construção de
pode e deve se inserir na construção de uma
O desafio é esse. Por exemplo, nos
uma sociedade sociedade melhor, de que ela tem condição
melhor, que ela testes psicológicos, foi difícil para nós
de fazer isso. Tudo isso permite uma gestão
tem condição de demonstrarmos e convencermos a categoria
fazer isso.
muito carinhosa das questões da profissão.
da importância e da necessidade da
regulamentação e da avaliação dos testes,
Ana Bock Edla Grisard de Andrade – De respeito.
mas ela está completamente convencida.
O nosso novo código de ética, que agora já
Ana Bock – De respeito, de as pessoas
sofre nova pressão para mudar, foi notícia
perceberem que dialogamos com o diferente,
nos jornais, que diziam: “Os psicólogos
esse tempo todo.
agora vão ser dedo duro”. Fomos em frente
e convencemos completamente a categoria
de que era preciso repensar nosso código Ana Bock – Às vezes as pessoas falam que já
de ética. E assim poderíamos citar várias das estamos no Conselho há muito tempo. Mas
iniciativas que tivemos. Já citei a I Mostra, o nosso projeto se modifica, ele caminha, e o
mas pode-se acrescentar: a criação do que se mantém nos grupos que vêm ocupando
Fórum de Entidades Nacionais da Psicologia o Conselho Federal e os Conselhos Regionais
Brasileira – FENPB, a questão dos direitos é esse respeito à categoria, saber que o meu
humanos, a resolução da orientação sexual, projeto para a profissão não é o único. Então,
o fortalecimento das formas democráticas o que temos de fazer é possibilitar o diálogo
de estruturar e funcionar dos Conselhos de projetos. E o espaço das entidades deve
(os Congressos – CNP e a Assembleia de ser um espaço cidadão, ou seja, do direito de
Políticas, de Adminstração e de Finanças – cada um defender o seu projeto.
APAF), o Banco Social de Serviços, o CREPOP,
enfim, muitas das iniciativas demoram a ser Edla Grisard de Andrade – E esse espaço se
reconhecidas e aceitas. Mas esse é o papel do dá melhor, em sua opinião, nas associações?
gestor, e nunca nos recusamos a esclarecer,
demonstrar, debater e mesmo retomar e Ana Bock – Ele tem se dado hoje nas
mudar. entidades, porque se comprometeram com o

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PSICOLOGIA:
CIÊNCIA E PROFISSÃO, Ana Bock
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espaço coletivo que é o Fórum das Entidades para responder a necessidades específicas de
Nacionais da Psicologia Brasileira (FENPB), um tempo histórico, saber que seus saberes
e com espaço na América Latina, que é a são consensos sociais, frutos de acordo, na
União Latino-americana de Entidades de medida em que o que chamamos de TEORIA
Psicologia (ULAPSI). Mas não acho que seja é um saber que responde adequadamente a
só. No campo da Psicologia, desenvolvemos uma pergunta da sociedade, enfim, defendo
a ideia de que as entidades são um espaço uma postura histórica frente ao saber em
para a diversidade, para o embate, para o Psicologia e, claro, frente à profissão.
diálogo, concepção que, podemos dizer, a
cultura da Psicologia hoje alimenta. Quando Mas voltando à questão da avaliação da
há uma entidade pouco democrática, todos gestão do Conselho, gostaria de indicar ainda
criticam. A Universidade deveria ser um lugar que tenho uma avaliação positiva, acho
do diverso, mas temos tido pouco o embate que caminhamos. Tenho certeza de que
das formulações distintas. A Universidade nos movimentamos na direção de termos
ainda tem, ao meu ver, muita característica a História em nossas mãos. Acho que isso é
de igreja, no sentido do lugar da certeza, da importante. A Psicologia não tinha as rédeas
verdade. O professor tem uma abordagem da sua história nas mãos dos psicólogos, e os
e tem certeza, dá aula como se estivesse psicólogos caminharam nessa direção. Acho
contando ao aluno qual é a verdade, não que esse é o grande avanço da Psicologia
se relaciona com o saber que transmite dentro do cenário brasileiro.
como um saber provisório, que é fruto de
um consenso temporário. Então, o aluno se Edla Grisard de Andrade – Olhando um
relaciona da mesma forma com o saber que pouquinho prospectivamente, como tu achas
ele ouve, recebe, incorpora. E isso faz da que estará daqui a trinta anos?
Universidade um lugar muito duro, muito
antigo, muito superado em seu formato. Ana Bock – Se já tiver superado o pensamento
moderno, podemos até não ter mais Psicologia
Edla Grisard de Andrade – Que interessante. (risos). Daqui a trinta anos, talvez a gente
Tive uma experiência como professora e vivi tenha nova crise para superar, porque acredito
o oposto, os alunos exigindo de mim um que, nos próximos dez ou vinte anos, vamos
dogma, como se que eu tivesse de dizer para crescer, e, talvez em trinta anos, tenhamos
eles o que está certo. novas questões nos emperrando ou nos
desafiando. Acho que dá para arriscar a
Ana Bock – Sim, é desse jeito que eles se previsão do futuro para os próximos dez
relacionam com o saber, e nós reforçamos anos. Nos próximos dez anos, os psicólogos
essa postura. Nós mesmos, professores, não ganharão um enorme reconhecimento social,
nos relacionamos com o saber como um porque é tempo suficiente para estarmos
consenso provisório. O saber tem sido visto nos espaços e sabermos o que devemos
por todos como A VERDADE. E o aluno fazer. Isso poderá ocorrer se o País continuar
demonstra que se relaciona assim também com essa cultura, que vai se desenvolvendo,
quando pergunta: “Mas o que está certo?”, com a possibilidade de a população ter
“Quem está com a verdade?” Tenho achado, suas reivindicações atendidas, desse valor
nos últimos tempos, que esse é um dos que os Fóruns Sociais Mundiais têm trazido
aspectos mais importantes para a mudança: e que está relacionado ao fato de termos
a relação que mantemos com o saber em na sociedade organizações, movimentos
Psicologia. Sabermos que a Psicologia nem que dão força a essas questões, até com o
sempre existiu, sabermos que ela é criada envolvimento da própria elite – que começa a

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PSICOLOGIA:
CIÊNCIA E PROFISSÃO, Ana Bock
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se envolver em movimentos de qualificação e de atendimento universal da escola, por exemplo.


Nós, muitas vezes, estamos nos espaços, mas ainda não sabemos exatamente o que fazer. É o
que acontece, por exemplo, com os psicólogos dos Centros de Referência em Assistência Social
(CRAS). Isso está relacionado com o Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas
Públicas (CREPOP), que é uma invenção importante do campo da Psicologia, porque vamos
produzir ininterruptamente, mudando e oferecendo à sociedade, aos gestores, aos estudantes,
aos professores, aos psicólogos, referências para a construção ou para a reformulação de uma
prática condizente com o novo projeto. O CREPOP é uma coisa ainda tímida, ainda engatinhando,
mas, em dez anos, teremos uma referência importante, e isso significará, sem dúvida alguma, a
possibilidade de ampliação, que envolve um reconhecimento muito grande da inserção social
dos psicólogos na sociedade brasileira.

Edla Grisard de Andrade – Então nós temos um compromisso marcado para daqui a dez anos.

Ana Bock – Eu fui ao Mato Grosso do Sul, e a professora que me convidou lembrou que eu havia
ido lá em 2001 para a instalação do curso de Psicologia e havia feito a conferência de abertura.
Ela me avisou que o texto estava no site deles. Fui olhar depois de já ter preparado minha
fala, e pensei: “Puxa, olha o que eu disse aqui. Não penso mais isso”. Então, comecei minha
conferência dizendo estar muito feliz de voltar, porque em nove anos eu mudei. Os assuntos
eram os mesmos, eu falava da profissão, da história da profissão, do mercado de trabalho, mas
algumas coisas eu expliquei melhor, reformulei. Sinal de que não temos outra alternativa a não
ser acompanhar a História.

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PSICOLOGIA:
CIÊNCIA E PROFISSÃO, Cesar Ades 259
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A Psicologia como Ciência:


Entrevista com Cesar Ades

Cesar Ades

Universidade de
São Paulo

Henrique Figueiredo Carneiro – A proposta para comemorar esses 30 anos da revista Psicologia:
Ciência e Profissão é publicar uma edição especial, resgatando a história da publicação e a
história da Psicologia em nosso país. Trabalharemos nas duas vertentes da revista: a Psicologia
como ciência e como profissão. A partir dessa intenção, buscamos pessoas que são referência
para essas áreas no País para ter essa conversa.

Inara Barbosa Leão – Nesses trinta anos, como o senhor avalia a situação da ciência psicológica
no Brasil? O Paulo Rosas, no texto publicado na revista número zero, era otimista quanto à
possibilidade de avanço e pontuava algumas dificuldades. Não temos, necessariamente, que nos
prender àqueles indicadores, até porque nossa situação é muito diferenciada, mas poderíamos
começar por esse tema.

Cesar Ades – Sou um otimista de plantão, de carteirinha. Sempre olho o lado construtivo, o muito
que há por fazer. A Psicologia me encanta desde que comecei, nos tempos da Maria Antonia, e
vejam que comecei quando existiam três cursos de Psicologia no Brasil inteiro. Uma pessoa era
considerada excêntrica, diferente, se escolhesse a Psicologia como carreira. Fico impressionado
de ver a expansão da área. Há uma nova consciência psicológica, e o número de psicólogos
condiciona progressos na pesquisa, na compreensão, na atuação social. Pelo menos temos a
força do número, sem dúvida, estamos presentes. Tenho pensado muito no papel social, no valor
estratégico da Psicologia e conversado com a Ana Bock a respeito disso. Já coordenamos uma
mesa sobre o assunto no III Congresso Brasileiro Psicologia: Ciência e Profissão (2010). A Psicologia
tem que se colocar estrategicamente, em função de sua inovação e de cenários futuros. Ela não
tem o valor de outras iniciativas que são estratégicas na medida em que geram recursos, ela é
estratégica em função do bem-estar que pode gerar, e isso é essencial.

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PSICOLOGIA:
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Henrique Figueiredo Carneiro – Esse é Em compensação, as estratégicas que estão


um ponto que me chama muito a atenção. desenvolvendo, ainda que o Conselho
Ontem à noite, quando cheguei ao hotel, Federal esteja tentando mapeá-las por meio
passava na televisão um programa sobre do Centro de Referências Técnicas em
Psicologia que eu não conhecia. Creio que Psicologia e Políticas Públicas (Crepop), não
era Psicologia em destaque, ou algo similar. as tenho visto se transformar em discussão
Cada vez mais, as Talvez fosse de algum canal universitário, sistemática, nas universidades ou mesmo nas
ciências entram
mas, de qualquer forma, um programa associações, talvez por ser algo muito recente.
em interação e
interdependência, voltado para a Psicologia chamou-me a
e esse é atenção porque é raro ser visto, pelo menos Cesar Ades – É recente, sim. Quando
especialmente em outras cidades. Sobre essa estratégia da
o caso da falamos de ciência, usamos de uma série
Psicologia. Pode Psicologia, uma das questões que me chama de arquétipos. No caso da Psicologia e das
ser que exista a atenção é a linguagem do psicólogo em ciências humanas, são arquétipos que às
uma Física relação ao contexto da sociedade. Parece-
independente, vezes amedrontam, imagens que distorcem o
mas a Psicologia me que ainda é algo muito técnico. Essa que há de essencial na Psicologia, o contato
é, por natureza, estratégia passa pela forma como o psicólogo entre pessoas. Alguns veem a perspectiva
interdisciplinar. se coloca diante da sociedade?
Não se pode científica como perigosa, na medida em que
pensar em uma reduzisse o senso do contato entre pessoas.
Psicologia sem Cesar Ades – Sim, passa pela maneira como Não me parece justificado o temor. O que nos
Antropologia, o psicólogo se coloca diante da sociedade.
sem educação, define é o interesse pelo indivíduo concreto,
A Psicologia se esgota em disputas internas,
sem biologia, que sofre, que fica alegre, que precisa de
sem fisiologia. deixa de ressaltar o que é comum, o
apoio, de instrução. Nada há, na atitude
Somos um que constitui o cerne psicológico. Como
pouco híbridos, científica, que coloque isso de lado. Por
nos dividimos em escolas, isso nos deixa
cada psicólogo atitudes como essas, discute-se pouco, em
elege uma área
sem uma linguagem integrada, e mais,
Psicologia, o papel de sua natureza científica,
externa com a sem uma posição integrada em relação à
qual se relaciona, até que ponto a postura científica é essencial
sociedade. De quem é a nossa mensagem?
aprende a falar tanto para o ensino e para a prática como
Do psicanalista, do experimentalista, do
outras linguagens, para a geração de conhecimentos.
comunica-se teórico comportamental, do fenomenólogo,
com outros do lacaniano, do reichiano? A graça da
cientistas. E outros Psicologia é ser assim diversa, não quero que Inara Barbosa Leão – Que tipo de ciência
cientistas hão de é a Psicologia?
aprender a nossa haja uma única linguagem, mas ela precisa
linguagem. encontrar uma proposta unificada dentro da
diversidade. O ponto que eu quero ressaltar Cesar Ades – A Psicologia, desde que tudo
Cesar Ades aqui tem a ver com o nome da revista, um começou, desde a época do (Paulo) Rosas, se
nome perfeito, Psicologia: Ciência e Profissão. vale do privilégio, um pouco fantasioso, de
São empreendimentos integrados; o fato de ser uma leitura da mente. As pessoas ficam
ser profissão não é contraditório com o fato um pouco preocupadas com essa capacidade
de ser ciência. Quero aqui defender o lado mágica de o psicólogo penetrar nos meandros
científico da Psicologia. da mente, “eu não sabia que eu era essa coisa
complicada, eu sou isso?” Em compensação,
Inara Barbosa Leão – A partir da minha a Psicologia perde um pouco por não ser
prática, acho que o inverso está sendo mais considerada, plenamente, ciência, por ser
difícil de trabalhar. Tenho acompanhado, tomada mais a partir de seu jeito intuitivo,
por exemplo, o trabalho dos psicólogos que como uma arte. Sem desistirmos da ideia
são contratados para executar atividades de que queremos entender como funciona
na política de assistência social. O que eles a mente, é importante ressaltar que o que
aprendem de teoria não facilita seu trabalho. estamos fazendo é ciência.

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CIÊNCIA E PROFISSÃO, Cesar Ades
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A Psicologia é uma ciência especial, como são Inara Barbosa Leão – Esses novos desafios
a biologia, a Astronomia e outras ciências. A que estamos encontrando na Psicologia,
dificuldade que se enfrenta, quando se coloca como o senhor entende que eles permitem
a relevância do ponto de vista científico, é a que nós, psicólogos, ao lidarmos com a
noção de que ciência é positivismo, é coisa ciência, tenhamos condição de dizer: “Isso
do Círculo de Viena, é o uso de um modelo aqui está nos limites da ciência psicológica, e
fisicalista. É simples demais afastar a ideia de isso aqui está muito incipiente, é delirante”?
ciência em Psicologia com o argumento de
que ela leva a uma posição que reduz o ser Cesar Ades – Colocar um limite entre o
humano e o identifica com um animal de delirante e o rigoroso é uma tarefa de todos
laboratório. É uma posição fácil de se tomar, os momentos. Há muita controvérsia ainda
mas ela leva a negligenciar a questão muito – eu não sou contra a controvérsia, porque
relevante, a questão do tipo de ciência que ela é o motor da reflexão – em torno de
estamos praticando. questões básicas em Psicologia. São questões
que nos acompanham, mas que temos
Cada vez mais, as ciências entram em de situá-las sempre em novos patamares
interação e interdependência, e esse é epistemológicos, a partir dos conhecimentos
especialmente o caso da Psicologia. Pode ser adquiridos. Ao longo desses trinta anos que
que exista uma Física independente, mas a festejamos, temos lidado, de forma mais ou
Psicologia é, por natureza, interdisciplinar. menos implícita, com problemas clássicos: a
Não se pode pensar em uma Psicologia sem natureza da subjetividade e da consciência,
Antropologia, sem educação, sem biologia, a questão da experiência e da aprendizagem,
sem fisiologia. Somos um pouco híbridos, a determinação social do comportamento, as
cada psicólogo elege uma área externa origens evolutivas da motivação humana, etc.
com a qual se relaciona, aprende a falar Nada de muito novo (é só ler William James
outras linguagens, comunica-se com outros para constatá-lo), mas essas questões têm de
cientistas. E outros cientistas hão de aprender ser retomadas e reformuladas em função do
a nossa linguagem. progresso do conhecimento psicológico, que
pode ser impressionante em algumas áreas.
Não se trata de fazer da Psicologia uma Há progressos notáveis nas interfaces.
ciência exclusivamente experimental. Talvez Antigamente, quando se falava em cérebro
os que nutrem alguma resistência à ideia e comportamento, era a partir de muita
de ciência em Psicologia tenham uma inferência, tanto que Skinner, com uma
concepção rígida de ciência, tomem a certa ironia, chegou a referir-se ao sistema
ciência como muito menos criativa e menos nervoso conceitual (em vez de sistema
socialmente engajada do que é. A Psicologia, nervoso central). O que se sabia decorria de
como qualquer ciência, parte da descrição e experimentação em animais de laboratório,
da análise, estrutura-se em torno da pesquisa, de medidas de potenciais externos, de casos
tem de buscar um consenso em torno de excepcionais de lesões e de intervenções
suas conclusões principais, tem regras para cirúrgicas. Os métodos modernos de
estabelecer o rigor de suas afirmações, busca neuroimagem põem, por assim dizer, o
um conhecimento válido a respeito de algo cérebro a nu, surpreeendendo-o durante
que existe. Mas a pesquisa que ela defende sua atividade, sem necessidade de medidas
se constitui a partir da abertura em relação invasivas. É possível conhecer as regiões
às peculiaridades de seu objeto, desse algo do cérebro mobilizadas durante funções
que existe. O que interessa mais é a vida mentais definidas; sabemos muito mais a
psicológica humana, o bem-estar humano. respeito de onde, no cérebro, sentimos e

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pensamos, inclusive de forma inconsciente. embate interno a respeito de como se dão


Lembro-me de um estudo não muito antigo as coisas, no comportamento humano, aguça
em que se descreviam as regiões cerebrais as teorias. Falta muito ainda por investigar:
especificamente ativadas quando se olha isso não significa que não seja apreciável o
para um bebê (um pouco dentro do que progresso já efetuado.
Lorenz imaginava que fosse a sensibilidade
instintiva diante da aparência infantil). Não Inara Barbosa Leão – Esses conhecimentos
cabe isolar-se no estudo da subjetividade novos praticamente não têm chegado aos
como subjetividade; os fenômenos com os cursos de graduação. Fiquei algum tempo na
quais lidamos envolvem, sistemicamente, Associação Brasileira de Ensino de Psicologia
formas e determinantes neuropsicológicos. (ABEP) e acompanhávamos as bibliografias
Não é redução, mas um trânsito em ambos dos cursos, que eram as bibliografias básicas
os sentidos através do qual se constroem do começo do século 20.
concepções mais abrangentes e completas.
O neurocientista necessita das análises Cesar Ades – De que adianta pesquisar e
psicológicas para saber o que olhar e o que descobrir, se as pesquisas e as descobertas não
registrar no cérebro. chegam na sala de aula e se o conhecimento
transmitido é basicamente um conhecimento
tirado de manuais? O aluno sente quando você
Um exemplo, entre muitos outros, do quanto
apresenta ideias recentes e conhecimentos
progrediu o conhecimento psicológico, um
novos, isso o leva a participar do movimento da
exemplo de que gosto bastante, é justamente
ciência. A mudança na maneira de considerar
o do comportamento dos bebês. Lembro-
o ensino de graduação da Psicologia tem a
me de ter ficado sem fôlego quando li,
ver com o debate, ao qual me referi, sobre o
em Science, o primeiro artigo de Meltzoff
papel da ciência.
e Moore sobre as respostas imitativas
de crianças recém-nascidas. Nos últimos
Fico muito preocupado com o número de
trinta anos, foi feito um levantamento sem
cursos de Psicologia que existem no Brasil,
precedentes, através de muita pesquisa
alguns criados recentemente. Que tipo de
original, com metodologias cada vez mais
ensino é praticado? Que tipo de conhecimento
sutis e reveladoras, sobre a cognição e o afeto é transmitido?
de bebês. Sabemos muito mais sobre como
percebem o mundo, sobre como se lembram Inara Barbosa Leão – Nos três últimos anos,
e se esquecem das coisas, sobre como houve uma contenção da abertura, mas foi
adquirem a linguagem, e, especialmente, o algo enlouquecedor nos anos anteriores.
quanto são competentes e complexos na sua
interação social. Cesar Ades – A formação em graduação,
do jeito que se multiplica, é certamente
É importante dizer que sabemos mais hoje deficiente. Há um desequilíbrio, faltam
do que há trinta anos, do que há vinte, há professores capacitados para tantos cursos e
cinco anos. Se não ressaltarmos o avanço tantos alunos.
do conhecimento, seremos condenados a Henrique Figueiredo Carneiro – A maioria
longas discussões epistemológicas ou nos dos cursos abertos tem corpo docente com
exporemos à concepção difundida de que qualificação muito limitada e muitos desses
as ciências humanas, e a Psicologia em cursos não almejam sequer pós-graduação,
particular, não chegam a ser verdadeiramente ter pesquisa.
científicas. Dispomos de metodologias
melhores, e o movimento de crítica e de Cesar Ades – Considerar a Psicologia uma

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PSICOLOGIA:
CIÊNCIA E PROFISSÃO, Cesar Ades
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ciência envolve a responsabilidade de pressupostos. O aluno ganha quando se


ensiná-la como tal. É muito cômodo (e dá conta desse aspecto em-se-fazer do
pouco produtivo, a meu ver) adotar uma conhecimento. Ele gosta de perceber que seu
perspectiva técnica para a formação do aluno professor não tem todas as respostas, quando
de Psicologia, como se o aluno, quando tem a honestidade de dizer que não sabe. O
formado, tivesse apenas o papel de atuar em treino em pesquisa é um belo e importante
questões profissionais específicas, sem ter-se objetivo para qualquer curso de Psicologia.
aprofundado e sem compreender a fonte e
as limitações dos conhecimentos que aplica. Henrique Figueiredo Carneiro – O senhor
Publiquei um artigo no primeiro (ou segundo, tocou em um ponto essencial do nosso
se se levar em conta um número especial) trabalho, esses mitos que se criam em torno
número de Psicologia: Ciência e Profissão, da figura do psicólogo, visto quase como um
isso, há uns trinta anos. A mensagem estava bruxo. Quando o senhor busca o treino em
no título: Treino em pesquisa, treino em
Psicologia, em uma Psicologia como ciência,
compreensão. Continuo achando que o treino
esse é o caminho que começamos a construir,
em pesquisa é parte essencial da formação
é uma estratégia para dirimir essa concepção
e prepara o estudante para a sua atividade
mítica da Psicologia?
profissional.

Cesar Ades – O treino em pesquisa incentiva


O aluno, quando entra no curso de Psicologia,
uma certa modéstia, ao mostrar que a
muitas vezes quer atuar como clínico, e
espera, na fantasia, ter logo um paciente Psicologia sabe de suas limitações, mas, ao
deitado num divã, para exercer psicanálise. mesmo tempo, tem de transmitir a ideia de
Isso se entende, o exercício da Psicologia que é possível descobrir e conhecer algo
é praticamente todo aplicado, e, muitas com alguma certeza. A alegria do cientista é
vezes, clínico. Mas a minha experiência na descobrir: entra nisso uma vaidade raramente
USP, acredito que seja o mesmo em outros confessada (risos). Algo que eu achava
cursos de Psicologia, indica que os estudantes diferente, algo que eu supunha conhecer,
gostam de pesquisa e se entusiasmam quando não é exatamente como eu pensava, e, às
envolvidos em pesquisa. Aproveitam esse vezes, no final da pesquisa, vejo-me dono
treino de várias maneiras, principalmente de um pouco mais de incerteza. O estudante
por sentirem que o conhecimento é algo adora ser parte do processo. Demonstra
relativo e em transformação. Quando se mais interesse do que quando parte apenas
critica a abordagem científica, muitas vezes
daquilo que pessoas geniais elaboraram e
se pensa na aplicação de uma camisa de
em que ele tem que acreditar. As perguntas
força metodológica e em uma ciência onde
que levam ao trabalho prático podem muitas
tudo já foi descoberto. A ciência define o seu
vezes ser perguntas para as quais a pesquisa já
campo e se autodefine enquanto está sendo
efetuada. Uma ciência completa e redonda ofereceu respostas, como, por exemplo: em
não tem graça. que medida a percepção e a produção de
expressões de emoção difere entre mulheres
Nunca consegui, pessoalmente, identificar- e homens? Mas a graça é refazer o caminho
me com qualquer das grandes figuras da e redescobrir, além da abstração necessária,
Psicologia. Não acredito que haja vantagem da teoria, a percepção de que, em assuntos
em ser seguidor, de forma exclusiva, desta relevantes e do dia a dia, a observação e o
ou daquela escola psicológica, em ser registro sistemático podem ter a sua vez.
skinneriano, piagetiano, lacaniano, jungiano,
darwiniano ou de outra designação. Mais Fico gratificado por ter participado,
vale seguir o que são as coisas, mesmo que recentemente, da criação da revista Psicologia:
nos surpreendam e nos choquem nossos Ensino e Formação, da ABEP, e por ter

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PSICOLOGIA:
CIÊNCIA E PROFISSÃO, Cesar Ades
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contribuído com o primeiro artigo do seu Henrique Figueiredo Carneiro – A formação


primeiro fascículo, tocando justamente numa do psicólogo nas universidades ainda é um
prática de pesquisa muitas vezes empregada calcanhar de Aquiles.
em minhas aulas, através da qual os alunos
podem avaliar aspectos da teoria de William Cesar Ades – Vai sempre haver um certo
James a respeito de emoção. O objetivo da desequilíbrio entre ensinar e pesquisar. Por
revista é chamar a atenção para o processo mim, todo docente deveria estar envolvido
Vai sempre de ensinar, de permitir que as experiências de em pesquisa e ter as condições materiais
haver um certo ensino possam estimular outras experiências. de fazê-lo. Não acredito em universidades
desequilíbrio
A discussão sobre o que é Psicologia passa de puro ensino. Mas como conciliar a
entre ensinar
e pesquisar. pela reflexão acerca do que é ensinar necessidade de pesquisa com os aspectos
Por mim, todo Psicologia. mais concretos das horas-aula e do salário? Em
docente deveria
geral, as universidades não estão dispostas a
estar envolvido
em pesquisa e Inara Barbosa Leão – Naquele momento do subvencionar a pesquisa (em termos do salário
ter as condições
número zero da revista Psicologia: Ciência e de seus docentes): essa é uma questão que
materiais de
Profissão, falava-se muito da limitação dos merece ser pensada.
fazê-lo. Não
acredito em métodos disponíveis. O senhor vê como um
universidades de
aspecto facilitador ou como complicador Henrique Figueiredo Carneiro – E sobre esse
puro ensino. Mas
essa amplitude de métodos e técnicas que diálogo interno que o senhor mencionou, que
como conciliar a
necessidade de temos hoje? perpassa o corpo docente, sobre a formação
pesquisa com os do psicólogo, o senhor pode comentar?
aspectos mais
concretos das Cesar Ades – Por mais métodos que
horas-aula e do Cesar Ades – É muito pessoal a minha
tenhamos, há lacunas e mitos. Não é possível
salário? posição, talvez possa convencê-los! Acredito
dizer que tenhamos chegado à plenitude. Há
que exista, por trás dos inevitáveis vieses
Cesar Ades certamente coisas interessantes para, ainda,
com os quais se abordam os fenômenos
investigar. Houve progresso, e o progresso
psicológicos, uma realidade que resiste e da
é perceptível quando se trabalha dentro de
qual temos condições de nos aproximar, por
um campo científico. Não há critérios para
correções sucessivas. É uma posição realista.
decidir se um artista contemporâneo é mais
As pessoas se comportam e podem ser vistas
(ou menos) adiantado do que Leonardo da
se comportando, as pessoas sentem, eu
Vinci, não se trata disso no campo artístico.
sinto, você sente; pensam, eu penso, você
Mas, em ciência, não há dúvida de que
pensa; tenho certeza de que você sente e
sabemos mais a respeito de memória do
pensa, seu pensamento e seu sentimento
que se sabia na época de Ebbinghaus ou
não são criação minha. Incomoda-me uma
de Ribot. E essa ampliação de saber leva visão relativista muito comum em Psicologia.
necessariamente a uma ampliação das formas Ela afirma, e eu concordo plenamente,
de aplicação. que o conhecimento científico depende da
postura epistemológica que se assume. Como
Voltando ao tema da formação do aluno: tenho uma certa experiência e obedeço
na reforma curricular que fizemos, quando a certos princípios, vejo as coisas de uma
eu era diretor do Instituto de Psicologia da certa maneira. OK, mas o objeto não deixa
USP, abrimos opções suplementares para de existir. Esse tipo de relativismo (muitas
os estudantes escolherem disciplinas de vezes colocado dogmaticamente) leva a
pesquisa em todos os campos. Não era puxar uma postura que tenho combatido, porque
o currículo para a minha área, não, mas a embasa uma falta de diálogo. Só poderei ser
adoção de uma concepção de ensino. plenamente entendido se for por alguém do

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meu grupo, ou seja, por alguém que partilhe Não se trata de impor um certo esquema
os meus pressupostos; os outros, nem de ciência, mas de deslocar o centro da
mesmo espero que entendam. Há aqui uma atenção para o objeto de estudo, entendido
certa concepção da liberdade teórica em como independente, no limite, das formas de
Psicologia: cada um descreve os processos apreendê-lo. Se eu tenho que me maravilhar,
psicológicos tais como os define, quase como não é apenas com a contribuição dos grandes
se se tratasse de um ser humano à parte, e psicólogos, que modificaram e constituíram
são eliminados os confrontos (necessários)
a minha ciência e são por isso admiráveis.
com outras perspectivas.
Tenho de manter aberta a capacidade de me
surpreender com fatos novos, com sínteses
Essa posição talvez evite conflitos diretos,
originais e de rever, em função disso e do
mas não contribui para o estabelecimento de
debate crítico, os meus próprios pressupostos.
pontes e tira a Psicologia do que eu chamaria
de uma interdisciplinaridade interna.
Henrique Figueiredo Carneiro – Estou
Sem diálogo interno, como apresentar à
comunidade científica e à sociedade um entendendo, de nossa conversa, que talvez
corpo de conhecimentos seguros? Além o ponto referencial para que esse diálogo
disso, como estabelecer interfaces externas interno seja frutífero seja exatamente a
se as internas não são cultivadas? pesquisa, se a pesquisa puder dialogar
internamente.
Pensei uma vez em organizar um congresso
sobre o comportamento de bebês, Cesar Ades – Exatamente. Isso acontece
convidando um etólogo, um psicanalista, um quando várias pessoas descobrem que se
psicólogo experimental, um fenomenólogo, interessam pelo mesmo assunto. Não significa
um analista do comportamento, um adepto ir contra a especialização, ela é necessária,
da teoria crítica e outros psicólogos de outras ninguém jamais poderia dominar a Psicologia
correntes. Haveria de início a variedade e a toda. Em geral, permanecemos dentro de
incompatibilidade teórica esperadas, mas um círculo imediato de estudiosos que nos
quem sabe surgisse a percepção de que entendem e usam a mesma linguagem, mas
as diversas posições convergem no mesmo há elementos a partir dos quais estabelecer
bebê, e que explicar porque chora e atendê- o confronto e o copensamento.
lo na sua aflição pudessem se beneficiar de
uma superação das fronteiras teóricas.
Um tipo de copensamento é que fazemos
o tempo todo no Instituto de Estudos
Te m d e h a v e r d i á l o g o i n t e r n o . A
Avançados, que é um domínio privilegiado
interdisciplinaridade não é, contudo, algo
para a interdisciplinaridade. Participei,
que se imponha por decreto, mas decorre de
por exemplo, de uma sessão em que
interesses convergentes e de uma vantagem
um economista e um físico debatiam o
em termos de metodologia. Tenho um colega
neurofisiólogo, Gilberto Xavier, interessado conceito de entropia, acredito que para
em retomar, no campo experimental, ideias mútuo aproveitamento. Temos um grupo
psicanalíticas a respeito de memória. Não sei de pesquisa no IEA centrado na questão da
se os seus resultados e reflexões serão aceitos desnutrição: dele participam especialistas em
tranquilamente por psicanalistas, mas, se biologia, nutrição, Psicologia e Sociologia em
entendermos um pouco mais os mecanismos bons termos e, acredito, com boas ideias.
da memória a partir de sua iniciativa, terá Estão para publicar um livro cujo título inclui
valido a pena. nutrição e sofrimento psíquico.

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Henrique Figueiredo Carneiro – Parece-me, reflexão sobre a relação da Psicologia com


pensando a partir da sua fala, que esse é um ciência e a política, não?
caminho para articular, com nossos alunos
em formação, a forma de dialogar com outros Cesar Ades – Existe uma disputa entre
campos do saber. psicólogos e psiquiatras, que é política. A
história da Psicologia é a história da luta em
Cesar Ades – Você não perde sua torno dos decretos e das leis que permitem
individualidade por relacionar-se, essa é a ao psicólogo ter autonomia na sua atuação
ideia. Há um medo de perder a essência profissional. É de se esperar que algum atrito
no confronto com outros campos do saber. haja com outras áreas profissionais, com a
Ao contrário, a individualidade é a maneira psiquiatria em particular, e é claro que temos
através da qual podemos nos relacionar. É que nos defender institucionalmente. Essa é
importante que você pense como psicólogo a função dos Conselhos. A ideia à qual me
para que a interação tenha frutos. referi de colocar a Psicologia dentro de um
projeto estratégico também constitui uma
Henrique Figueiredo Carneiro – Psicologia defesa institucional. O aperfeiçoamento
e psiquiatria, por exemplo, que fazem parte de nossa pesquisa e de nossa prática é que
de um campo em questão e sobre o qual nos confere a força principal, não apenas a
existe uma eterna discussão. Hoje há vários disputa política como tal.
especialistas que lidam com a questão do
cérebro. Por que não podemos estar junto Inara Barbosa Leão – Respaldados pelo
com esses especialistas e discutir com eles a nosso conhecimento, com todas essas
partir de um ponto, como o senhor colocou, transformações que podemos exemplificar,
do sofrimento psíquico, por exemplo? a nossa ciência psicológica, na sua opinião,
tem se aproximado mais das necessidades
Cesar Ades – Temos um acesso especial cotidianas? Por exemplo, sempre fomos
aos fenômenos psicológicos, pelo nosso muito próximos da educação, mas quando o
foco, pela nossa formação. Lidamos com psicólogo está nas escolas, ainda há um receio
indivíduos, é essa a nossa especialização, da sua atuação, e os psicólogos também
sabemos um pouco mais a respeito de como demonstram incertezas sobre como deve
indivíduos se desenvolvem, como sentem e ser sua atividade. Ao mesmo tempo, temos
pensam, como se comportam. O psiquiatra alguns enfrentamentos na área da saúde que
sabe mais sobre a maquinaria cerebral, sobre não se resumem a essa questão de quem
núcleos, sinapses e neurotransmissores, pode ou não fazer terapia. Algumas áreas
e sobre remédios capazes de atuar sobre mais próximas ao serviço público agora já
essa maquinaria. Não há como negar a estão nos cobrando mais. Isso ainda é reflexo
importância desse conhecimento, e temos, dessa nossa complexidade ou não tivemos
como psicólogos, que aproveitar os pontos ainda condição de resolver?
de convergência e de complementação. Os
psiquiatras se dão conta, cada vez mais, da Cesar Ades – Sua questão é relevante. Não
importância dos estudos psicológicos. Fui basta ter boa intenção para atuar. Entre a
convidado há pouco, com uma colega do teoria, a concepção que tenho da atuação, e
IPUSP, para escrever capítulos (psicológicos) atuar, há muito espaço. A escola na qual vou
em dois manuais de psiquiatria. atuar é real, concreta, preciso estar equipado
para dar soluções. E há um espaço em que
Henrique Figueiredo Carneiro – Essas a pesquisa guiada por conceitos básicos e
questões nos convidam também a uma a percepção do que acontece no contexto

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histórico e situado onde a nossa prática ocorrência, observando e perguntando e


precisa se instalar, em que novas soluções tentando o mais possível ser fiel ao que está
podem ser exploradas. Uma experiência ocorrendo, é entrar em contato com a ecologia
rica foi ter participado, com a minha colega do fato psicológico. Não há como prescindir
Emma Otta, de um curso, dado no Instituto dele. Existem metodologias para trabalhos de
de Psicologia da USP para estudantes de campo como esse. Fazer ciência não significa
graduação, sobre a motivação na sala de aula. necessariamente saber de que jeito atuar
É impressionante como, embora todos os sobre a realidade social, há que se distinguir
docentes (e estudantes) concordem quanto à um pragmatismo bem intencionado, e que
relevância da motivação durante o processo muitas vezes funciona, e o conhecimento
de ensino-aprendizagem, o campo ainda mais estrutural do que está acontecendo. É
requer bastante pesquisa, pelo menos na diferente procurar pelos princípios teóricos
área do ensino superior. Há uma contribuição que dão conta da forma que a violência
muito importante a ser dada pela Psicologia. assume e planejar uma intervenção local. Há,
aqui também, um campo rico para um vai-e-
Agora, como definir, em termos institucionais,
vem entre teoria e aplicação. A questão não é
a presença e a participação do psicólogo na
o psicólogo seguir uma cartilha teórica. Seguir
escola? É outra questão.
é que me incomoda um pouco.
Inara Barbosa Leão – Nós teríamos
Inara Barbosa Leão – Seguir e não refletir.
conhecimento acumulado para dar conta
de algumas dessas questões, mas ainda não
Cesar Ades – Isso. E não ver que às vezes
conseguimos utilizá-las, sistematizá-las?
o dado pode desmentir a bela teoria que
tenho. Sinto por Lacan e Lorenz, às vezes a
Cesar Ades – A abordagem científica
observação pode desmenti-los.
envolve o contato direto com o objeto.
Tenho que estar perto do que me interessa,
Henrique Figueiredo Carneiro – E não há
observando. Esse contato gera uma série de
nada de mal.
conhecimentos, ideias, intuições, às vezes
sem coerência interna, mas estou ali, em
Inara Barbosa Leão – Até porque não se pode
contato. É impossível fazer Psicologia sem
cobrar deles explicações para fenômenos que
contato direto, aberto, com as pessoas e
não presenciaram.
com seu ambiente de vida. Trazê-las para o
laboratório? Sim, às vezes é essencial, mas
Cesar Ades – Isso mesmo. Não acho que
preciso também conhecê-las em seu contexto
todo psicólogo deva ser um cientista. Há certa
de vida. vocação para isso, deve-se achar graça nisso.
Também há certa vocação para ser um bom
Henrique Figueiredo Carneiro – Estou terapeuta, e há prazeres muitos no exercício
realizando em Fortaleza uma pesquisa sobre da terapia. As coisas funcionam de maneira
vítimas de violência em espaços públicos. mais primitiva do que se imagina. Quando
Nesse sentido, o grupo de pesquisadores vai duas pessoas se encontram, elas colocam em
trabalhar com as vítimas nas delegacias, na jogo mecanismos ensaiados durante todo o
hora que vão fazer o boletim de ocorrência. seu desenvolvimento e também durante a
São experiências como essa a que o senhor evolução social complexíssima da espécie
se refere? humana. O que acontece entre duas pessoas
é sutil, rápido, complexo, inconsciente e
Cesar Ades – Ir à delegacia, na hora da racional de um jeito para o qual a ciência ainda

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não tem resposta completa. É necessário fazer forte argumento a favor da determinação
uso desses mecanismos, mesmo que não os biológica. Há, contudo, indicações recentes
compreendamos totalmente, mas também e controvertidas de que há variações
vale explorá-los cientificamente. interculturais na expressão facial, dialetos
emocionais. Falei desse assunto na última
Inara Barbosa Leão – À medida que vamos reunião (2010) da ANPEPP, em Fortaleza.
complicando o mundo, complicando a Meu ponto é este: não há contradição
É difícil atribuir a
vida, necessariamente vamos complicar a entre uma determinação biológica e uma
expressão facial Psicologia também. Essa ideia da possibilidade determinação cultural. O dialeto se manifesta
das emoções, um de leis concretizadas, de enunciados que dentro de uma linguagem universal das
tema que Darwin
tratou de maneira
contemplem a maioria dos fenômenos, vem emoções, são aspectos integrados, facetas
espetacular e se mostrando cada dia mais distante da que compõem o conhecimento psicológico.
que me interessa Psicologia. A regra geral abrange suas próprias flutuações
sobremaneira,
a influências locais e históricas.
culturais Cesar Ades – Essa é uma longa discussão.
localizadas e Não há um conjunto simples de princípios, Inara Barbosa Leão – E nessas interações, os
arbitrárias. Se
você der a volta
mas há princípios básicos. O problema é a limites seriam dados por quem? (risos)
ao mundo, verá inserção histórica e cultural do fenômeno
que sorrir é sorrir, psicológico. Nunca haverá uma teoria Cesar Ades – Como eu vejo, é criar
chorar é chorar,
manifestar nojo é
completa, definitiva, do fato comportamental, oportunidades de contato entre psicólogos
manifestar nojo, porque ela tem de ser reformulada ou pelo de linhas diferentes em torno de problemas
mesmo que a menos modulada a partir da mudança que comuns: o que interessa a um pode não
circunstância
em que essas
ocorre nos parâmetros contextuais. Mas não ser tão afastado do que interessa ao outro.
emoções são se pode ceder ao reducionismo cultural, Concretamente, seria avaliar o ensino de
sentidas possa que relativiza tudo e não dá conta do Psicologia, pensar a atuação como fonte
variar bastante de
um lugar a outro.
transcultural. Se você der a volta ao mundo, riquíssima de conhecimento, eliminar
perceberá que as pessoas permanecem a barreira entre ciência básica e ciência
Cesar Ades psicologicamente semelhantes ao mesmo aplicada. Por que não? São atitudes
tempo em que se distinguem por causa de institucionais pelas quais temos de batalhar.
sua experiência peculiar (serão as leis da Se é que a Psicologia tem que se situar em
aquisição de experiência similares?). uma rede de relevância social, cabe que
transcenda, sem perder o senso e a graça dos
É difícil atribuir a expressão facial das emoções, olhares diversos, as suas cisões através de um
um tema que Darwin tratou de maneira diálogo interno.
espetacular e que me interessa sobremaneira,
a influências culturais localizadas e arbitrárias. Henrique Figueiredo Carneiro – Um psica-
Se você der a volta ao mundo, verá que nalista com certa tendência a psicólogo vai
sorrir é sorrir, chorar é chorar, manifestar dizer que trabalha com laços sociais.
nojo é manifestar nojo, mesmo que a
circunstância em que essas emoções são Cesar Ades – Por que não?
sentidas possa variar bastante de um lugar
a outro. Matsumoto, discípulo de Eckman, Inara Barbosa Leão – E, com tanta novidade,
especialista renomado em expressões faciais, como garantir coerência, respeitabilidade?
fotografou atletas de judô, cegos e videntes, Dentro das confusões, encontra- se
quando ganhavam medalhas ou não, durante justificativa para tudo. Já vimos, em uma
uma olimpíada. As expressões de uns e de visita a um curso de especialização que pedia
outros são praticamente indistinguíveis, um credenciamento, a oferta de uma disciplina

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sobre terapia de vidas pregressas. Como Cesar Ades – Muito respeitado, viu-se isso
lidamos com isso? no mais recente simpósio da Associação
Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação
Cesar Ades – Não há solução mágica nem em Psicologia (ANPEPP). Não quero ser
imediata. Não garanto nada, mas, se houver ufanista, há muitas restrições. A questão é
um trabalho de confronto, uma reflexão como proporcionar boa formação, dado
epistemológica feita e refeita, oportunidades o grande número de cursos de Psicologia,
boas de intercâmbio, quem sabe? Senão, tudo como oferecer formação que inclua ciência
é possível (risos). Estamos em um momento e tenha professores capacitados. Nossos pós-
bom, de boa produção da ciência brasileira. graduandos, quando dão aula em algumas
Há um aumento notável do número de faculdades particulares, nem sempre colocam
artigos brasileiros publicados em revistas de em uso o que aprenderam, ficam tolhidos
impacto, estamos começando a nos integrar porque não têm condição de produzir
na comunidade internacional da ciência. pesquisas. São questões dramáticas.
A internet, os intercâmbios internacionais
transfiguram a ciência provinciana que Inara Barbosa Leão – E é para as faculdades
estávamos acostumados a fazer. Não digo que particulares que vai a grande maioria dos
esteja tudo bem em Psicologia, precisamos alunos.
urgentemente parar e ver o quanto temos
que fazer, mas houve expansão. O Paulo Cesar Ades – Fico contente, de um lado, pela
Rosas já falava de expansão, no seu artigo existência das muitas faculdades particulares:
de trinta anos atrás, hoje, então! O momento são fontes de emprego para os nossos pós-
é propício para um salto na qualidade e graduandos! De outro lado, evidentemente,
preocupa-me o nível de ensino.
para uma inserção maior da Psicologia,
tanto em nosso meio como na comunidade
Inara Barbosa Leão – Essa ampliação da
internacional.
oferta de pós-graduação aparece como um
indicador de que poderemos fazer tanto
Inara Barbosa Leão – Nesse período que
quanto foi feito anteriormente, ou melhor?
vem do otimismo do Paulo Rosas até agora,
o que você acha que impulsionou o avanço
Cesar Ades – Certamente. O problema
da Psicologia, mesmo em períodos tão
é que geramos Mestres e Doutores para
desfavoráveis pelos quais o País passou?
serem absorvidos pela carreira docente,
por universidades. Há limitação, nem todos
Cesar Ades – Há fatores de desenvolvimento
poderão ser aproveitados. Valeria a pena
e fatores que emperram o desenvolvimento.
discutir a possibilidade de o título de Mestre
Uma atitude crítica é essencial. Muita coisa
ou Doutor representar um trunfo profissional,
se fez em universidades públicas e em fora da universidade.
algumas universidades particulares no campo
do apoio à pesquisa. O progresso se deve Henrique Figueiredo Carneiro – Que a
muito simplesmente ao fato de ter havido função do Doutor e do Mestre não seja
investimento em ciência. Nada ocorre por apenas no recorte da Universidade?
mágica, sem investimento. Tivemos e temos
a Fapesp, a Capes, o CNPq. Cesar Ades – Sim, não poderia a pessoa com
título ser um profissional mais capacitado?
Henrique Figueiredo Carneiro – E o modelo
de pós-graduação hoje é muito respeitado. Inara Barbosa Leão – O senhor acha que
não estamos conseguindo mostrar isso para

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aqueles Mestres e Doutores que saem das Cesar Ades – A questão é complexa. Falei
universidades? sobre a necessidade de haver empregos
externos para o Mestre ou o Doutor, mas
Cesar Ades – O contexto social precisaria é necessário tomar cuidado em não tornar
valorizar o título. a pós-graduação uma continuação da
graduação e uma forma de esperar pelo
Henrique Figueiredo Carneiro – Se a emprego. A pós-graduação não deve desviar-
formação passa pela pesquisa, e se essa se de seu objetivo, que é acadêmico, mas
relação entre Psicologia e sociedade não seria interessante discuti-la em termos de um
for muito bem colocada para os alunos em peso possível em termos de mercado.
formação...
Henrique Figueiredo Carneiro – Com relação
Cesar Ades – Penso que há vantagens para o ao início da nossa conversa, dos 30 anos atrás
psicólogo que trabalha em aplicação atualizar- e agora, a questão dos três cursos iniciais que
se prestando atenção às publicações científicas o senhor colocou continuou em minha cabeça.
em sua área. Minha filha, psicóloga clínica,
trabalha com transtornos de alimentação Cesar Ades – É algo impressionante. Havia 20
(nem todos são pesquisadores na família). vagas aqui na USP para psicólogo, e a nota era
Noto o quanto é importante para ela a leitura eliminatória, então o pessoal se dava ao luxo
de artigos de pesquisa e a participação em de aceitar 10, 12 estudantes. E o número de
congressos. Temos a dupla tarefa de interessar candidatos era em torno de 30 para 20 vagas.
nossos futuros psicólogos pela problemática
social e de torná-los consumidores de ciência. Henrique Figueiredo Carneiro – A Psicologia
hoje, no Brasil, tem presença no Norte, no
Nossa posição em relação à sociedade, como Centro-Oeste, no Nordeste. Gostaria de ouvir
classe de profissionais, a nossa proposta um pouco do senhor sua impressão sobre isso,
estratégica, depende da ação dos Conselhos e e como isso repercute na ciência.
das Associações em Psicologia. Lembro-me de
Cesar Ades – Pode-se fazer muito mais hoje
ter ouvido uma exposição do Professor Zago
em dia porque há mais gente que pensa,
a respeito das prioridades de investimento do
mais gente que pesquisa, um número maior
CNPq (do qual ele era presidente). Delas não
de áreas a serem exploradas, um acesso
constava a Psicologia, e isso é sintomático da
cem por cento maior às fontes bibliográficas.
posição que nos acostumamos a ter dentro do
Mas nem sempre a qualidade acompanha o
nosso contexto acadêmico e social.
número. O curso que tive na Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras, por carente que
Inara Barbosa Leão – Voltando à questão
fosse em relação aos padrões modernos (não
da pós-graduação e à possibilidade de ela
tínhamos manuais traduzidos, eram poucos
perder esse caráter mais acadêmico: tenho
os laboratórios e os espaços para o treino
visto coisas em relação à pós-graduação. Os
em aplicação, a Psicologia mal deslanchava
alunos vão porque não acham emprego, e lá como profissão, não havia computadores nem
terão bolsa. E, ao mesmo tempo, existe esse internet, etc.) não deixou de ser extremamente
discurso fácil da sociedade do conhecimento estimulante, talvez porque, contrariamente aos
e da solução dos problemas do mundo pela alunos de hoje, nos sentíssemos no começo de
sociedade do conhecimento. Mas isso nos tudo. A expansão geográfica da Psicologia é
parece que quebra um pouco a ideia de uma muito bem-vinda: contribui para que a nossa
formação para a pesquisa que pudesse ser ciência esteja mais perto de todos os aspectos
articulada com a profissão. da realidade brasileira.

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Henrique Figueiredo Carneiro – E a discus- Inara Barbosa Leão – Pedir dois artigos a
são sobre produção científica na Psicologia, um aluno no primeiro ano do mestrado,
é outro calcanhar de Aquiles que nos chama por exemplo. Não se pode dar um tempo
a atenção? necessário para o aluno amadurecer?

Cesar Ades – Ele ter que publicar sobre a tese


Cesar Ades – A exigência de produtividade,
dele é importante, senão ela fica esquecida
quando começou a ser sentida, gerou
na estante da biblioteca. Mas publicar é
resistência, principalmente entre docentes
apenas o ponto final de um longo processo
da área de ciências humanas. Criticou-se o
de amadurecimento, de aprendizagem da
produtivismo por privilegiar certos tipos de
arte de pesquisar.
pesquisa, por criar um desequilíbrio entre os
vários requisitos da carreira, prejudicando
Inara Barbosa Leão – Agradecemos pela
o interesse didático, etc. Hoje os docentes
entrevista.
estão mais reconciliados com a necessidade

de publicar e de publicar com qualidade, e
Cesar Ades – Muito obrigado a vocês, que me
as pressões da CAPES surtiram, pelo menos, estimularam com os seus questionamentos;
maior consciência de que pesquisa precisa as perguntas iluminam também a quem
ser divulgada e lida. Campos novos de responde. A Psicologia cresceu de uma
comunicação se abrem, por exemplo, com forma impressionante e assumiu um papel
a possibilidade de pesquisadores brasileiros importante entre nós. Sobra uma grande
publicarem em revistas de Psicologia de responsabilidade quanto à qualidade da
outros países da América Latina. Sobra ainda formação, quanto à inserção do campo
o sentimento, que eu acho justificado, de que social e quanto ao incentivo para a pesquisa.
não se deveria publicar por publicar. Uma Considero a comemoração dos 30 anos da
professora carioca, cuja palestra assisti na revista Psicologia: Ciência e Profissão menos
reunião da ANPEPP em Fortaleza, disse, de uma recapitulação do que foi feito nos
uma forma muito pessoal e divertida, que a últimos 30 anos passados e mais um olhar
obsessão em publicar afasta o pesquisador de para a frente, para o que queremos fazer e
um rico lazer cognitivo, da vontade de pensar para o que esperamos que aconteça para a
as coisas sem compromisso, da criatividade, Psicologia. Se houver ciência, está bem.
de não estar com pressa.

Ana Bock
Doutora em Psicologia Social pela PUCSP. Professora titular do departamento de Psicologia Social da
Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
São Paulo – SP - Brasil
E-mail: anabock@terra.com.br

Endereço para correspondência:


Rua Irundiara, 35 – Vila Nova Conceição São Paulo, SP – Brasil CEP 04535-050

Cesar Ades (Universidade de São Paulo)


Professor titular. Diretor do Instituto de Estudos Avançados da USP
Professor titular do Instituto de Psicologia da USP, São Paulo – SP – Brasil
E-mail: cesarades@gmail.com

Endereço para envio de correspondência:


R. Pamplona 825/34 São Paulo, SP – Brasil CEP 01405-001

“A Psicologia no Brasil”

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