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“A Psicologia
no Brasil”
Ana Bock
Pontifícia
Universidade
Católica de São
Paulo
Ana Bock – O trajeto da Psicologia pode ser sintetizado como o de uma profissão comprometida
com interesses da elite brasileira – que, de certa forma, é responsável pelo ingresso e
desenvolvimento da Psicologia no Brasil – até o momento atual, que pode ser chamado de
momento de compromisso ou, pelo menos, do começo do desenvolvimento de um projeto
de compromisso com as necessidades da maioria da população brasileira, com uma vontade
clara, entre os psicólogos, de uma inserção maior. Isso não quer dizer que haja um único tipo de
inserção, pois há uma tensão sobre como seria essa inserção. Entretanto, pode-se dizer que todos
os psicólogos atualmente gostariam que a Psicologia tivesse inserção maior na sociedade brasileira,
o que significa efetivamente um compromisso maior com outros segmentos da sociedade.
As pesquisas têm mostrado que os psicólogos gostam muito da profissão, que se mantêm
registrados no Conselho mesmo sem trabalhar na profissão, porque eles imaginam que um dia
vão exercê-la. Os cursos de Psicologia têm baixos índices de evasão e de inadimplência, o que
mostra um vínculo, e isso tem refletido o interesse por maior inserção.
Iracema Neno Cecílio Tada – No começo da profissão, quais áreas tinham maior foco de atuação
dos psicólogos? Atualmente, outras áreas estão surgindo? Como você as analisa?
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Edla Grisard de Andrade – E a Lei nº 4119? faculdade, ainda como aluna, que relatava a
história ouvida de um operário. Ele contava
Ana Bock – A Lei n° 4.119/62, que regulamenta que havia perdido uma oportunidade de
a profissão no Brasil, foi como uma certidão de emprego porque não soube desenhar uma
nascimento antes que o bebê tivesse nascido, árvore, como o psicólogo havia solicitado.
ou seja, não tínhamos, naquele momento, Dizia ele: “O psicólogo mandou desenhar
algo que pudesse ser denominado profissão: uma árvore e depois disse que eu não servia
não havia uma categoria profissional, não para o trabalho”. De certa forma, até hoje, na
Eu me lembro havia (a não ser os testes) um conjunto de seleção de pessoal, permanece esse problema
de termos feito ferramentas de trabalho, não havia um do desconhecimento de como essas atividades
uma matéria
no jornal da
discurso que identificasse os psicólogos, podem servir para efetivamente selecionar. Se
faculdade, ainda enfim, não havia nenhuma condição social um profissional da seleção pedisse para que
como aluna, que para o reconhecimento oficial, legal, de uma o operário apertasse um parafuso e avaliasse
relatava uma
história ouvida
profissão de psicólogo. É interessante observar que não apertou bem, seria fácil entender
de um operário. que os psicólogos foram surpreendidos pelo não ser aprovado, mas mandar desenhar
Ele contava Projeto de Lei. Quando o Projeto de Lei já uma árvore soava estranho. Isso mostra o
que havia
perdido uma
estava pronto, os psicólogos foram chamados caminho de elite da profissão. Nossas formas
oportunidade de para opinar sobre ele. Não gostaram, e, a partir e instrumentos de trabalho utilizavam e ainda
emprego porque disso, trabalharam para modificá-lo, para utilizam recursos que, muitas vezes, não são
não soube
desenhar uma
produzir emendas. O Projeto modifica quase compreendidos pela maioria da população,
árvore, como o completamente o texto original. Aprovada a às vezes porque são sofisticados para quem
psicólogo havia Lei, restou o desafio de construir a profissão. tem pouca escolarização, às vezes porque se
solicitado. Dizia
ele: “O psicólogo
Tínhamos um certo reconhecimento social tem dificuldade de entender a relação com
mandou desenhar que provinha das elites, mas a sociedade o objetivo para o qual se emprega a técnica.
uma árvore e como um todo desconhecia a Psicologia e
depois disse que
eu não servia
sua contribuição. Os anos 70 e o início dos Edla Grisard de Andrade – Quer dizer, não
para o trabalho”. anos 80 são fundamentais para a mudança era significativo para a camada pobre ou
de rumo da profissão no País. Na faculdade mesmo média da população?
Ana Bock em que fiz o curso, por exemplo, existia
um professor que criou uma disciplina Ana Bock – Isso; havia uma relação distante
chamada Caracterização sociopsicológica do com a população, que era tensa, de medo,
trabalhador brasileiro, no início dos anos 70. de desconhecimento. Era um enigma o que
Íamos para Osasco, São Bernardo do Campo, aquele profissional efetivamente fazia e, ao
Santo André conversar com grupos operários mesmo tempo, havia um reconhecimento de
sobre a Psicologia, e a população desconhecia certo poder no que ele fazia, na possibilidade
completamente o que estávamos falando. de tirar do lugar, mandar para outro lugar,
Quando perguntávamos se conheciam reprovar na escola, colocar na classe especial.
psicólogos, a resposta era negativa. Quando As pessoas não sabiam o que faziam os
perguntávamos se, na empresa onde o psicólogos, e daí o imaginário de que os
operário trabalhava, ele tinha feito seleção, psicólogos adivinham a cabeça do outro ou
alguns entrevistados diziam conhecer o que tratam de gente que tem a cabeça fraca,
psicólogo da seleção de pessoal, que era que é doido. Os pais muitas vezes se referiam
tido, no imaginário operário dos anos 70, aos psicólogos dessa forma. Os exemplos são
como um porteiro de luxo que impedia seu para dizer que era uma profissão que não
trabalho usando ferramentas cuja efetividade tinha nenhum interesse, nenhum projeto para
a população desconhecia. Eu me lembro se aproximar efetivamente da população e
de termos feito uma matéria no jornal da fazer um tipo de serviço que fosse percebido
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inscritos no País, significa que não éramos Então, chega-se aos anos 70 com esses
mais de 5 mil (aproveito para salientar que fatores: a ditadura, o movimento social, a
estamos em meados dos anos 70, imagine classe média na Universidade. Isso vai trazer
em 1962, quando a Lei foi promulgada!). para a Universidade e para a organização
Em 1980, já se encontram nas estatísticas 30 da categoria profissional, dos sindicatos, do
mil. Há um salto. Crescemos em progressão próprio Conselho, questionamentos sobre
geométrica, principalmente no Sudeste, que profissão temos. Era muito comum,
depois nos espalhamos mais lentamente naquela época, encontrar semanas de
pelo País. Nos anos 90, em alguns Estados Psicologia que tinham como questões que
do Norte e do Nordeste, ainda se tem uma Psicologia queremos, que psicólogos queremos
escola de Psicologia por Estado. Hoje não há ser. Era um movimento de construção de
nenhum Estado que tenha só um curso. Mas identidade, e estava posta a questão será
o boom dos anos 90 tem outras condições e que eu quero ser esse psicólogo que está aí,
características. da elite? Isso vai se fortalecer enormemente
nos anos 80, quando acontecem duas coisas
Iracema Neno Cecílio Tada – A partir da importantes: a entrada dos psicólogos na
década 70, quais áreas de atuação têm mais saúde mental, encontrando ali o movimento
destaque? sanitarista já organizado e avançando a
passos largos, e o surgimento, a partir das
Ana Bock – Vou chegar lá, mas quero fazer universidades, da Psicologia comunitária,
outra correção antes. Acho que, nos anos 90, que nasce nos estágios dos alunos. Eles vão
o outro boom que vai acontecer nas escolas fazer suas experiências junto ao operariado,
não é ainda por uma política de acesso das em São Bernardo, Osasco, no caso de São
camadas pobres. Atualmente, há ampliação Paulo, ou vão trabalhar na favela, junto ao
de vagas nas universidades federais, tem o movimento de creches ou nas comunidades
Programa Universidade para Todos, o Prouni, de bairro. É o momento do desenvolvimento
e agora sim, há um projeto de acesso das do pensamento do Paulo Freire. A Igreja
camadas pobres. Mas o que leva ao grande vai utilizar o pensamento freiriano como
boom das escolas na década de 90, que leva um pensamento capaz de organizar as
Rondônia a ter sete cursos, Santa Catarina a populações. É o momento das organizações
ter 23, é o projeto neoliberal, de redução das pastorais operárias. A Psicologia na saúde
e privatização dos serviços que eram do mental, dentro do serviço público, vai se
Estado, o projeto do Estado mínimo. É essa distinguir completamente da saúde que se
redução dos serviços prestados pelo Estado, fazia nas clínicas psicológicas particulares,
mas não de redução do seu controle, que que nem se chamava saúde. E isso vai mudar
vai permitir que os grandes investidores da muito a cara da profissão. Os psicólogos vão
bolsa de valores, negociantes que tinham entrar na saúde, vão se organizar na saúde,
negócios de outra natureza, passem a investir vão se destacar, vão virar lideranças na saúde.
na educação, levando à abertura de escolas Essas novas práticas vão, aos poucos, penetrar
particulares no ensino fundamental, no ensino nas Universidades, modificando a formação.
médio e nas universidades, campo que tinha A Psicologia comunitária também teve esse
uma demanda reprimida muito grande. Isso é mesmo papel. Ela, diferentemente da saúde,
um parêntese que faço, apenas para destacar começou nas universidades e se espalhou
que temos crescimento das universidades por para a profissão. De qualquer forma, eram
vários motivos, no decorrer da História. Nos dois movimentos que a profissão fazia que se
anos 70, era devido à cooptação das camadas integravam, se alimentavam e propiciavam o
médias pela elite. desenvolvimento de um novo projeto para a
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teorias psicológicas e os aplicamos a qualquer das periferias que chefia sua família?” Mas o
humano. É a ideia de que todos são iguais, projeto do compromisso social já colocou essa
todos são dotados dessas potencialidades, questão sobre a mesa e, com certeza, vamos
que vem do pensamento liberal e que avançar nela.
permite que se aplique à Psicologia, da
mesma forma, a mesma técnica para todo Edla Grisard de Andrade – Por outro lado,
mundo. Não passa pela cabeça – ainda – da há quem diga que esse tipo de pensamento
maioria dos psicólogos, que nossa psicologia enfraquece o cientificismo da Psicologia, há
Não passa pela é uma psicologia branca, masculina, europeia quem critique muito essa ideia de psicologias.
cabeça – ainda
ou americana. Há estudos específicos da
– da maioria dos
psicólogos, que negritude, da existência negra no Brasil, em Ana Bock – Há mesmo. Você tem toda
nossa psicologia que mais de 50% da população se reconhece razão, por isso digo que é um debate
é uma psicologia
branca,
negra. Essa questão não é percebida. necessário. Minha opinião aqui explicita
masculina, Não discutimos, no curso de Psicologia, UMA posição, mas não a única posição.
europeia ou essas questões, não fazemos pesquisa para Há muitos pensamentos distintos no campo
americana.
Há estudos conhecer essa realidade psíquica da maioria da Psicologia (há psicologias) que precisam
específicos da de nossa população. Há um estudo de Franklin ser debatidos. Quando se começa a dizer
negritude, da Ferreira que mostra quão poucos estudos que nem todas as pessoas são iguais, que
existência negra
no Brasil, em que existem sobre a questão negra no campo da esse conhecimento não serve para algumas,
mais de 50% da Psicologia. Temos dificuldade de perceber o começa-se a questionar a própria sustentação
população se
quanto as construções da Psicologia acabam do pensamento moderno, de que todo mundo
reconhece negra.
Essa questão não ocultando a desigualdade social, as diferenças é igual e pode ter as mesmas condições. Já
é percebida. sociais, porque vamos aplicar os mesmos foi a época em que nobres eram uma coisa
Não discutimos,
no curso de
conceitos, o mesmo esquema teórico para e servos eram outra. O pensamento liberal
Psicologia, essas qualquer sujeito. Essa questão a profissão rompeu essa certeza e disse que todo mundo
questões, não ainda tem para enfrentar nos próximos anos. pode ser igual, depende do esforço de cada
fazemos pesquisa
para conhecer Há muita coisa escondida por detrás de um. Foi dado um salto revolucionário do
essa realidade nossos conceitos, porque ainda não fomos pensamento feudal, sem dúvida alguma.
psíquica da capazes de dar visibilidade, de enxergar Então, é difícil superar isso sem que se caia
maioria de nossa
população. com clareza que, em nossos conceitos, em na ideia de que os sujeitos são novamente
nossas técnicas, está embutido um padrão colocados como desiguais pela sua condição.
Ana Bock de branco, masculino, europeu, e que, nas O reconhecimento da desigualdade tem de
nossas teorias de desenvolvimento, ainda ser um reconhecimento da desigualdade
estamos presos a conceitos e construções social aliado a um pensamento de que as
que têm como modelo crianças americanas condições sociais constituem subjetivamente
ou suíças. Ainda não vemos problema os humanos, para o psicólogo poder, ao
nisso, porque não se evidenciou a questão considerar os sujeitos de forma desigual,
no campo da Psicologia. Nós ainda não entender que são as condições sociais e
duvidamos que os sujeitos sejam universais, subjetivas, históricas, que estão produzindo
não pusemos a questão verdadeiramente na essas diferenças.
Psicologia de forma que todo mundo possa
dizer: “Onde está esse sujeito? Ele é índio. Edla Grisard de Andrade – Isso amedronta o
Será que posso usar os meus recursos teóricos profissional que está lá na ponta, junto com
que foram criados na Europa branca para a população.
entender o dinamismo psíquico do índio? Ana Bock – Claro, pois levamos cinco
Servem? E o negro? E a mulher brasileira anos para nos formar, e agora tudo o que
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do Federal, que passaram a envolver uma O segredo talvez esteja em uma gestão
quantidade muito grande de gente disposta a afetiva das entidades. Sei que a maioria da
construir um novo projeto para a Psicologia. categoria não pensa como nós pensamos,
Uma das dificuldades é enfrentar a resistência nem estamos querendo isso, mas tenho um
para o novo projeto. A categoria ainda não respeito absoluto pela existência de diversos
está completamente interessada no projeto pensamentos, porque reconheço esses
A perspectiva do compromisso social. O desafio, para nós, diversos projetos como frutos da História,
histórica nos era poder fazer a relação desse novo projeto
dá humildade,
das possibilidades sociais que o Brasil deu
nos dá a com interesses corporativos, por exemplo. para o desenvolvimento da profissão. Nada
capacidade de Quando se luta por políticas públicas, está se do que existe no campo da Psicologia me é
nos apaixonarmos defendendo outro projeto de compromisso
pela questão da
estranho, porque tudo tem sua justificativa no
Psicologia, pela social para a Psicologia e também se está processo da evolução da profissão, inclusive o
importância da defendendo emprego para os psicólogos. O pensamento que defendo, que também tem
inserção social desafio da boa política hoje está em poder
da Psicologia na
as limitações históricas. A perspectiva histórica
nossa sociedade;
juntar os interesses dos psicólogos no projeto nos dá humildade, nos dá a capacidade de nos
essa perspectiva do compromisso social, mas favorecendo apaixonarmos pela questão da Psicologia, pela
nos permite a as condições de trabalho, ampliando o importância da inserção social da Psicologia
crença absoluta
lugar social do psicólogo, produzindo
de que a na nossa sociedade; essa perspectiva nos
Psicologia pode reconhecimento pelos gestores públicos.
permite a crença absoluta de que a Psicologia
e deve se inserir
na construção de
pode e deve se inserir na construção de uma
O desafio é esse. Por exemplo, nos
uma sociedade sociedade melhor, de que ela tem condição
melhor, que ela testes psicológicos, foi difícil para nós
de fazer isso. Tudo isso permite uma gestão
tem condição de demonstrarmos e convencermos a categoria
fazer isso.
muito carinhosa das questões da profissão.
da importância e da necessidade da
regulamentação e da avaliação dos testes,
Ana Bock Edla Grisard de Andrade – De respeito.
mas ela está completamente convencida.
O nosso novo código de ética, que agora já
Ana Bock – De respeito, de as pessoas
sofre nova pressão para mudar, foi notícia
perceberem que dialogamos com o diferente,
nos jornais, que diziam: “Os psicólogos
esse tempo todo.
agora vão ser dedo duro”. Fomos em frente
e convencemos completamente a categoria
de que era preciso repensar nosso código Ana Bock – Às vezes as pessoas falam que já
de ética. E assim poderíamos citar várias das estamos no Conselho há muito tempo. Mas
iniciativas que tivemos. Já citei a I Mostra, o nosso projeto se modifica, ele caminha, e o
mas pode-se acrescentar: a criação do que se mantém nos grupos que vêm ocupando
Fórum de Entidades Nacionais da Psicologia o Conselho Federal e os Conselhos Regionais
Brasileira – FENPB, a questão dos direitos é esse respeito à categoria, saber que o meu
humanos, a resolução da orientação sexual, projeto para a profissão não é o único. Então,
o fortalecimento das formas democráticas o que temos de fazer é possibilitar o diálogo
de estruturar e funcionar dos Conselhos de projetos. E o espaço das entidades deve
(os Congressos – CNP e a Assembleia de ser um espaço cidadão, ou seja, do direito de
Políticas, de Adminstração e de Finanças – cada um defender o seu projeto.
APAF), o Banco Social de Serviços, o CREPOP,
enfim, muitas das iniciativas demoram a ser Edla Grisard de Andrade – E esse espaço se
reconhecidas e aceitas. Mas esse é o papel do dá melhor, em sua opinião, nas associações?
gestor, e nunca nos recusamos a esclarecer,
demonstrar, debater e mesmo retomar e Ana Bock – Ele tem se dado hoje nas
mudar. entidades, porque se comprometeram com o
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espaço coletivo que é o Fórum das Entidades para responder a necessidades específicas de
Nacionais da Psicologia Brasileira (FENPB), um tempo histórico, saber que seus saberes
e com espaço na América Latina, que é a são consensos sociais, frutos de acordo, na
União Latino-americana de Entidades de medida em que o que chamamos de TEORIA
Psicologia (ULAPSI). Mas não acho que seja é um saber que responde adequadamente a
só. No campo da Psicologia, desenvolvemos uma pergunta da sociedade, enfim, defendo
a ideia de que as entidades são um espaço uma postura histórica frente ao saber em
para a diversidade, para o embate, para o Psicologia e, claro, frente à profissão.
diálogo, concepção que, podemos dizer, a
cultura da Psicologia hoje alimenta. Quando Mas voltando à questão da avaliação da
há uma entidade pouco democrática, todos gestão do Conselho, gostaria de indicar ainda
criticam. A Universidade deveria ser um lugar que tenho uma avaliação positiva, acho
do diverso, mas temos tido pouco o embate que caminhamos. Tenho certeza de que
das formulações distintas. A Universidade nos movimentamos na direção de termos
ainda tem, ao meu ver, muita característica a História em nossas mãos. Acho que isso é
de igreja, no sentido do lugar da certeza, da importante. A Psicologia não tinha as rédeas
verdade. O professor tem uma abordagem da sua história nas mãos dos psicólogos, e os
e tem certeza, dá aula como se estivesse psicólogos caminharam nessa direção. Acho
contando ao aluno qual é a verdade, não que esse é o grande avanço da Psicologia
se relaciona com o saber que transmite dentro do cenário brasileiro.
como um saber provisório, que é fruto de
um consenso temporário. Então, o aluno se Edla Grisard de Andrade – Olhando um
relaciona da mesma forma com o saber que pouquinho prospectivamente, como tu achas
ele ouve, recebe, incorpora. E isso faz da que estará daqui a trinta anos?
Universidade um lugar muito duro, muito
antigo, muito superado em seu formato. Ana Bock – Se já tiver superado o pensamento
moderno, podemos até não ter mais Psicologia
Edla Grisard de Andrade – Que interessante. (risos). Daqui a trinta anos, talvez a gente
Tive uma experiência como professora e vivi tenha nova crise para superar, porque acredito
o oposto, os alunos exigindo de mim um que, nos próximos dez ou vinte anos, vamos
dogma, como se que eu tivesse de dizer para crescer, e, talvez em trinta anos, tenhamos
eles o que está certo. novas questões nos emperrando ou nos
desafiando. Acho que dá para arriscar a
Ana Bock – Sim, é desse jeito que eles se previsão do futuro para os próximos dez
relacionam com o saber, e nós reforçamos anos. Nos próximos dez anos, os psicólogos
essa postura. Nós mesmos, professores, não ganharão um enorme reconhecimento social,
nos relacionamos com o saber como um porque é tempo suficiente para estarmos
consenso provisório. O saber tem sido visto nos espaços e sabermos o que devemos
por todos como A VERDADE. E o aluno fazer. Isso poderá ocorrer se o País continuar
demonstra que se relaciona assim também com essa cultura, que vai se desenvolvendo,
quando pergunta: “Mas o que está certo?”, com a possibilidade de a população ter
“Quem está com a verdade?” Tenho achado, suas reivindicações atendidas, desse valor
nos últimos tempos, que esse é um dos que os Fóruns Sociais Mundiais têm trazido
aspectos mais importantes para a mudança: e que está relacionado ao fato de termos
a relação que mantemos com o saber em na sociedade organizações, movimentos
Psicologia. Sabermos que a Psicologia nem que dão força a essas questões, até com o
sempre existiu, sabermos que ela é criada envolvimento da própria elite – que começa a
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Edla Grisard de Andrade – Então nós temos um compromisso marcado para daqui a dez anos.
Ana Bock – Eu fui ao Mato Grosso do Sul, e a professora que me convidou lembrou que eu havia
ido lá em 2001 para a instalação do curso de Psicologia e havia feito a conferência de abertura.
Ela me avisou que o texto estava no site deles. Fui olhar depois de já ter preparado minha
fala, e pensei: “Puxa, olha o que eu disse aqui. Não penso mais isso”. Então, comecei minha
conferência dizendo estar muito feliz de voltar, porque em nove anos eu mudei. Os assuntos
eram os mesmos, eu falava da profissão, da história da profissão, do mercado de trabalho, mas
algumas coisas eu expliquei melhor, reformulei. Sinal de que não temos outra alternativa a não
ser acompanhar a História.
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São Paulo
Henrique Figueiredo Carneiro – A proposta para comemorar esses 30 anos da revista Psicologia:
Ciência e Profissão é publicar uma edição especial, resgatando a história da publicação e a
história da Psicologia em nosso país. Trabalharemos nas duas vertentes da revista: a Psicologia
como ciência e como profissão. A partir dessa intenção, buscamos pessoas que são referência
para essas áreas no País para ter essa conversa.
Inara Barbosa Leão – Nesses trinta anos, como o senhor avalia a situação da ciência psicológica
no Brasil? O Paulo Rosas, no texto publicado na revista número zero, era otimista quanto à
possibilidade de avanço e pontuava algumas dificuldades. Não temos, necessariamente, que nos
prender àqueles indicadores, até porque nossa situação é muito diferenciada, mas poderíamos
começar por esse tema.
Cesar Ades – Sou um otimista de plantão, de carteirinha. Sempre olho o lado construtivo, o muito
que há por fazer. A Psicologia me encanta desde que comecei, nos tempos da Maria Antonia, e
vejam que comecei quando existiam três cursos de Psicologia no Brasil inteiro. Uma pessoa era
considerada excêntrica, diferente, se escolhesse a Psicologia como carreira. Fico impressionado
de ver a expansão da área. Há uma nova consciência psicológica, e o número de psicólogos
condiciona progressos na pesquisa, na compreensão, na atuação social. Pelo menos temos a
força do número, sem dúvida, estamos presentes. Tenho pensado muito no papel social, no valor
estratégico da Psicologia e conversado com a Ana Bock a respeito disso. Já coordenamos uma
mesa sobre o assunto no III Congresso Brasileiro Psicologia: Ciência e Profissão (2010). A Psicologia
tem que se colocar estrategicamente, em função de sua inovação e de cenários futuros. Ela não
tem o valor de outras iniciativas que são estratégicas na medida em que geram recursos, ela é
estratégica em função do bem-estar que pode gerar, e isso é essencial.
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A Psicologia é uma ciência especial, como são Inara Barbosa Leão – Esses novos desafios
a biologia, a Astronomia e outras ciências. A que estamos encontrando na Psicologia,
dificuldade que se enfrenta, quando se coloca como o senhor entende que eles permitem
a relevância do ponto de vista científico, é a que nós, psicólogos, ao lidarmos com a
noção de que ciência é positivismo, é coisa ciência, tenhamos condição de dizer: “Isso
do Círculo de Viena, é o uso de um modelo aqui está nos limites da ciência psicológica, e
fisicalista. É simples demais afastar a ideia de isso aqui está muito incipiente, é delirante”?
ciência em Psicologia com o argumento de
que ela leva a uma posição que reduz o ser Cesar Ades – Colocar um limite entre o
humano e o identifica com um animal de delirante e o rigoroso é uma tarefa de todos
laboratório. É uma posição fácil de se tomar, os momentos. Há muita controvérsia ainda
mas ela leva a negligenciar a questão muito – eu não sou contra a controvérsia, porque
relevante, a questão do tipo de ciência que ela é o motor da reflexão – em torno de
estamos praticando. questões básicas em Psicologia. São questões
que nos acompanham, mas que temos
Cada vez mais, as ciências entram em de situá-las sempre em novos patamares
interação e interdependência, e esse é epistemológicos, a partir dos conhecimentos
especialmente o caso da Psicologia. Pode ser adquiridos. Ao longo desses trinta anos que
que exista uma Física independente, mas a festejamos, temos lidado, de forma mais ou
Psicologia é, por natureza, interdisciplinar. menos implícita, com problemas clássicos: a
Não se pode pensar em uma Psicologia sem natureza da subjetividade e da consciência,
Antropologia, sem educação, sem biologia, a questão da experiência e da aprendizagem,
sem fisiologia. Somos um pouco híbridos, a determinação social do comportamento, as
cada psicólogo elege uma área externa origens evolutivas da motivação humana, etc.
com a qual se relaciona, aprende a falar Nada de muito novo (é só ler William James
outras linguagens, comunica-se com outros para constatá-lo), mas essas questões têm de
cientistas. E outros cientistas hão de aprender ser retomadas e reformuladas em função do
a nossa linguagem. progresso do conhecimento psicológico, que
pode ser impressionante em algumas áreas.
Não se trata de fazer da Psicologia uma Há progressos notáveis nas interfaces.
ciência exclusivamente experimental. Talvez Antigamente, quando se falava em cérebro
os que nutrem alguma resistência à ideia e comportamento, era a partir de muita
de ciência em Psicologia tenham uma inferência, tanto que Skinner, com uma
concepção rígida de ciência, tomem a certa ironia, chegou a referir-se ao sistema
ciência como muito menos criativa e menos nervoso conceitual (em vez de sistema
socialmente engajada do que é. A Psicologia, nervoso central). O que se sabia decorria de
como qualquer ciência, parte da descrição e experimentação em animais de laboratório,
da análise, estrutura-se em torno da pesquisa, de medidas de potenciais externos, de casos
tem de buscar um consenso em torno de excepcionais de lesões e de intervenções
suas conclusões principais, tem regras para cirúrgicas. Os métodos modernos de
estabelecer o rigor de suas afirmações, busca neuroimagem põem, por assim dizer, o
um conhecimento válido a respeito de algo cérebro a nu, surpreeendendo-o durante
que existe. Mas a pesquisa que ela defende sua atividade, sem necessidade de medidas
se constitui a partir da abertura em relação invasivas. É possível conhecer as regiões
às peculiaridades de seu objeto, desse algo do cérebro mobilizadas durante funções
que existe. O que interessa mais é a vida mentais definidas; sabemos muito mais a
psicológica humana, o bem-estar humano. respeito de onde, no cérebro, sentimos e
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meu grupo, ou seja, por alguém que partilhe Não se trata de impor um certo esquema
os meus pressupostos; os outros, nem de ciência, mas de deslocar o centro da
mesmo espero que entendam. Há aqui uma atenção para o objeto de estudo, entendido
certa concepção da liberdade teórica em como independente, no limite, das formas de
Psicologia: cada um descreve os processos apreendê-lo. Se eu tenho que me maravilhar,
psicológicos tais como os define, quase como não é apenas com a contribuição dos grandes
se se tratasse de um ser humano à parte, e psicólogos, que modificaram e constituíram
são eliminados os confrontos (necessários)
a minha ciência e são por isso admiráveis.
com outras perspectivas.
Tenho de manter aberta a capacidade de me
surpreender com fatos novos, com sínteses
Essa posição talvez evite conflitos diretos,
originais e de rever, em função disso e do
mas não contribui para o estabelecimento de
debate crítico, os meus próprios pressupostos.
pontes e tira a Psicologia do que eu chamaria
de uma interdisciplinaridade interna.
Henrique Figueiredo Carneiro – Estou
Sem diálogo interno, como apresentar à
comunidade científica e à sociedade um entendendo, de nossa conversa, que talvez
corpo de conhecimentos seguros? Além o ponto referencial para que esse diálogo
disso, como estabelecer interfaces externas interno seja frutífero seja exatamente a
se as internas não são cultivadas? pesquisa, se a pesquisa puder dialogar
internamente.
Pensei uma vez em organizar um congresso
sobre o comportamento de bebês, Cesar Ades – Exatamente. Isso acontece
convidando um etólogo, um psicanalista, um quando várias pessoas descobrem que se
psicólogo experimental, um fenomenólogo, interessam pelo mesmo assunto. Não significa
um analista do comportamento, um adepto ir contra a especialização, ela é necessária,
da teoria crítica e outros psicólogos de outras ninguém jamais poderia dominar a Psicologia
correntes. Haveria de início a variedade e a toda. Em geral, permanecemos dentro de
incompatibilidade teórica esperadas, mas um círculo imediato de estudiosos que nos
quem sabe surgisse a percepção de que entendem e usam a mesma linguagem, mas
as diversas posições convergem no mesmo há elementos a partir dos quais estabelecer
bebê, e que explicar porque chora e atendê- o confronto e o copensamento.
lo na sua aflição pudessem se beneficiar de
uma superação das fronteiras teóricas.
Um tipo de copensamento é que fazemos
o tempo todo no Instituto de Estudos
Te m d e h a v e r d i á l o g o i n t e r n o . A
Avançados, que é um domínio privilegiado
interdisciplinaridade não é, contudo, algo
para a interdisciplinaridade. Participei,
que se imponha por decreto, mas decorre de
por exemplo, de uma sessão em que
interesses convergentes e de uma vantagem
um economista e um físico debatiam o
em termos de metodologia. Tenho um colega
neurofisiólogo, Gilberto Xavier, interessado conceito de entropia, acredito que para
em retomar, no campo experimental, ideias mútuo aproveitamento. Temos um grupo
psicanalíticas a respeito de memória. Não sei de pesquisa no IEA centrado na questão da
se os seus resultados e reflexões serão aceitos desnutrição: dele participam especialistas em
tranquilamente por psicanalistas, mas, se biologia, nutrição, Psicologia e Sociologia em
entendermos um pouco mais os mecanismos bons termos e, acredito, com boas ideias.
da memória a partir de sua iniciativa, terá Estão para publicar um livro cujo título inclui
valido a pena. nutrição e sofrimento psíquico.
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CIÊNCIA E PROFISSÃO, Cesar Ades
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não tem resposta completa. É necessário fazer forte argumento a favor da determinação
uso desses mecanismos, mesmo que não os biológica. Há, contudo, indicações recentes
compreendamos totalmente, mas também e controvertidas de que há variações
vale explorá-los cientificamente. interculturais na expressão facial, dialetos
emocionais. Falei desse assunto na última
Inara Barbosa Leão – À medida que vamos reunião (2010) da ANPEPP, em Fortaleza.
complicando o mundo, complicando a Meu ponto é este: não há contradição
É difícil atribuir a
vida, necessariamente vamos complicar a entre uma determinação biológica e uma
expressão facial Psicologia também. Essa ideia da possibilidade determinação cultural. O dialeto se manifesta
das emoções, um de leis concretizadas, de enunciados que dentro de uma linguagem universal das
tema que Darwin
tratou de maneira
contemplem a maioria dos fenômenos, vem emoções, são aspectos integrados, facetas
espetacular e se mostrando cada dia mais distante da que compõem o conhecimento psicológico.
que me interessa Psicologia. A regra geral abrange suas próprias flutuações
sobremaneira,
a influências locais e históricas.
culturais Cesar Ades – Essa é uma longa discussão.
localizadas e Não há um conjunto simples de princípios, Inara Barbosa Leão – E nessas interações, os
arbitrárias. Se
você der a volta
mas há princípios básicos. O problema é a limites seriam dados por quem? (risos)
ao mundo, verá inserção histórica e cultural do fenômeno
que sorrir é sorrir, psicológico. Nunca haverá uma teoria Cesar Ades – Como eu vejo, é criar
chorar é chorar,
manifestar nojo é
completa, definitiva, do fato comportamental, oportunidades de contato entre psicólogos
manifestar nojo, porque ela tem de ser reformulada ou pelo de linhas diferentes em torno de problemas
mesmo que a menos modulada a partir da mudança que comuns: o que interessa a um pode não
circunstância
em que essas
ocorre nos parâmetros contextuais. Mas não ser tão afastado do que interessa ao outro.
emoções são se pode ceder ao reducionismo cultural, Concretamente, seria avaliar o ensino de
sentidas possa que relativiza tudo e não dá conta do Psicologia, pensar a atuação como fonte
variar bastante de
um lugar a outro.
transcultural. Se você der a volta ao mundo, riquíssima de conhecimento, eliminar
perceberá que as pessoas permanecem a barreira entre ciência básica e ciência
Cesar Ades psicologicamente semelhantes ao mesmo aplicada. Por que não? São atitudes
tempo em que se distinguem por causa de institucionais pelas quais temos de batalhar.
sua experiência peculiar (serão as leis da Se é que a Psicologia tem que se situar em
aquisição de experiência similares?). uma rede de relevância social, cabe que
transcenda, sem perder o senso e a graça dos
É difícil atribuir a expressão facial das emoções, olhares diversos, as suas cisões através de um
um tema que Darwin tratou de maneira diálogo interno.
espetacular e que me interessa sobremaneira,
a influências culturais localizadas e arbitrárias. Henrique Figueiredo Carneiro – Um psica-
Se você der a volta ao mundo, verá que nalista com certa tendência a psicólogo vai
sorrir é sorrir, chorar é chorar, manifestar dizer que trabalha com laços sociais.
nojo é manifestar nojo, mesmo que a
circunstância em que essas emoções são Cesar Ades – Por que não?
sentidas possa variar bastante de um lugar
a outro. Matsumoto, discípulo de Eckman, Inara Barbosa Leão – E, com tanta novidade,
especialista renomado em expressões faciais, como garantir coerência, respeitabilidade?
fotografou atletas de judô, cegos e videntes, Dentro das confusões, encontra- se
quando ganhavam medalhas ou não, durante justificativa para tudo. Já vimos, em uma
uma olimpíada. As expressões de uns e de visita a um curso de especialização que pedia
outros são praticamente indistinguíveis, um credenciamento, a oferta de uma disciplina
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sobre terapia de vidas pregressas. Como Cesar Ades – Muito respeitado, viu-se isso
lidamos com isso? no mais recente simpósio da Associação
Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação
Cesar Ades – Não há solução mágica nem em Psicologia (ANPEPP). Não quero ser
imediata. Não garanto nada, mas, se houver ufanista, há muitas restrições. A questão é
um trabalho de confronto, uma reflexão como proporcionar boa formação, dado
epistemológica feita e refeita, oportunidades o grande número de cursos de Psicologia,
boas de intercâmbio, quem sabe? Senão, tudo como oferecer formação que inclua ciência
é possível (risos). Estamos em um momento e tenha professores capacitados. Nossos pós-
bom, de boa produção da ciência brasileira. graduandos, quando dão aula em algumas
Há um aumento notável do número de faculdades particulares, nem sempre colocam
artigos brasileiros publicados em revistas de em uso o que aprenderam, ficam tolhidos
impacto, estamos começando a nos integrar porque não têm condição de produzir
na comunidade internacional da ciência. pesquisas. São questões dramáticas.
A internet, os intercâmbios internacionais
transfiguram a ciência provinciana que Inara Barbosa Leão – E é para as faculdades
estávamos acostumados a fazer. Não digo que particulares que vai a grande maioria dos
esteja tudo bem em Psicologia, precisamos alunos.
urgentemente parar e ver o quanto temos
que fazer, mas houve expansão. O Paulo Cesar Ades – Fico contente, de um lado, pela
Rosas já falava de expansão, no seu artigo existência das muitas faculdades particulares:
de trinta anos atrás, hoje, então! O momento são fontes de emprego para os nossos pós-
é propício para um salto na qualidade e graduandos! De outro lado, evidentemente,
preocupa-me o nível de ensino.
para uma inserção maior da Psicologia,
tanto em nosso meio como na comunidade
Inara Barbosa Leão – Essa ampliação da
internacional.
oferta de pós-graduação aparece como um
indicador de que poderemos fazer tanto
Inara Barbosa Leão – Nesse período que
quanto foi feito anteriormente, ou melhor?
vem do otimismo do Paulo Rosas até agora,
o que você acha que impulsionou o avanço
Cesar Ades – Certamente. O problema
da Psicologia, mesmo em períodos tão
é que geramos Mestres e Doutores para
desfavoráveis pelos quais o País passou?
serem absorvidos pela carreira docente,
por universidades. Há limitação, nem todos
Cesar Ades – Há fatores de desenvolvimento
poderão ser aproveitados. Valeria a pena
e fatores que emperram o desenvolvimento.
discutir a possibilidade de o título de Mestre
Uma atitude crítica é essencial. Muita coisa
ou Doutor representar um trunfo profissional,
se fez em universidades públicas e em fora da universidade.
algumas universidades particulares no campo
do apoio à pesquisa. O progresso se deve Henrique Figueiredo Carneiro – Que a
muito simplesmente ao fato de ter havido função do Doutor e do Mestre não seja
investimento em ciência. Nada ocorre por apenas no recorte da Universidade?
mágica, sem investimento. Tivemos e temos
a Fapesp, a Capes, o CNPq. Cesar Ades – Sim, não poderia a pessoa com
título ser um profissional mais capacitado?
Henrique Figueiredo Carneiro – E o modelo
de pós-graduação hoje é muito respeitado. Inara Barbosa Leão – O senhor acha que
não estamos conseguindo mostrar isso para
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aqueles Mestres e Doutores que saem das Cesar Ades – A questão é complexa. Falei
universidades? sobre a necessidade de haver empregos
externos para o Mestre ou o Doutor, mas
Cesar Ades – O contexto social precisaria é necessário tomar cuidado em não tornar
valorizar o título. a pós-graduação uma continuação da
graduação e uma forma de esperar pelo
Henrique Figueiredo Carneiro – Se a emprego. A pós-graduação não deve desviar-
formação passa pela pesquisa, e se essa se de seu objetivo, que é acadêmico, mas
relação entre Psicologia e sociedade não seria interessante discuti-la em termos de um
for muito bem colocada para os alunos em peso possível em termos de mercado.
formação...
Henrique Figueiredo Carneiro – Com relação
Cesar Ades – Penso que há vantagens para o ao início da nossa conversa, dos 30 anos atrás
psicólogo que trabalha em aplicação atualizar- e agora, a questão dos três cursos iniciais que
se prestando atenção às publicações científicas o senhor colocou continuou em minha cabeça.
em sua área. Minha filha, psicóloga clínica,
trabalha com transtornos de alimentação Cesar Ades – É algo impressionante. Havia 20
(nem todos são pesquisadores na família). vagas aqui na USP para psicólogo, e a nota era
Noto o quanto é importante para ela a leitura eliminatória, então o pessoal se dava ao luxo
de artigos de pesquisa e a participação em de aceitar 10, 12 estudantes. E o número de
congressos. Temos a dupla tarefa de interessar candidatos era em torno de 30 para 20 vagas.
nossos futuros psicólogos pela problemática
social e de torná-los consumidores de ciência. Henrique Figueiredo Carneiro – A Psicologia
hoje, no Brasil, tem presença no Norte, no
Nossa posição em relação à sociedade, como Centro-Oeste, no Nordeste. Gostaria de ouvir
classe de profissionais, a nossa proposta um pouco do senhor sua impressão sobre isso,
estratégica, depende da ação dos Conselhos e e como isso repercute na ciência.
das Associações em Psicologia. Lembro-me de
Cesar Ades – Pode-se fazer muito mais hoje
ter ouvido uma exposição do Professor Zago
em dia porque há mais gente que pensa,
a respeito das prioridades de investimento do
mais gente que pesquisa, um número maior
CNPq (do qual ele era presidente). Delas não
de áreas a serem exploradas, um acesso
constava a Psicologia, e isso é sintomático da
cem por cento maior às fontes bibliográficas.
posição que nos acostumamos a ter dentro do
Mas nem sempre a qualidade acompanha o
nosso contexto acadêmico e social.
número. O curso que tive na Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras, por carente que
Inara Barbosa Leão – Voltando à questão
fosse em relação aos padrões modernos (não
da pós-graduação e à possibilidade de ela
tínhamos manuais traduzidos, eram poucos
perder esse caráter mais acadêmico: tenho
os laboratórios e os espaços para o treino
visto coisas em relação à pós-graduação. Os
em aplicação, a Psicologia mal deslanchava
alunos vão porque não acham emprego, e lá como profissão, não havia computadores nem
terão bolsa. E, ao mesmo tempo, existe esse internet, etc.) não deixou de ser extremamente
discurso fácil da sociedade do conhecimento estimulante, talvez porque, contrariamente aos
e da solução dos problemas do mundo pela alunos de hoje, nos sentíssemos no começo de
sociedade do conhecimento. Mas isso nos tudo. A expansão geográfica da Psicologia é
parece que quebra um pouco a ideia de uma muito bem-vinda: contribui para que a nossa
formação para a pesquisa que pudesse ser ciência esteja mais perto de todos os aspectos
articulada com a profissão. da realidade brasileira.
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Henrique Figueiredo Carneiro – E a discus- Inara Barbosa Leão – Pedir dois artigos a
são sobre produção científica na Psicologia, um aluno no primeiro ano do mestrado,
é outro calcanhar de Aquiles que nos chama por exemplo. Não se pode dar um tempo
a atenção? necessário para o aluno amadurecer?
Ana Bock
Doutora em Psicologia Social pela PUCSP. Professora titular do departamento de Psicologia Social da
Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
São Paulo – SP - Brasil
E-mail: anabock@terra.com.br
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