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Bertha K. Becker
Candido Mendes
Cristovam Buarque
Ignacy Sachs
Jurandir Freire Costa
Ladislau Dowbor
Pierre Salama
OS ANOS LULA
Contribuições para um balanço
crítico 2003-2010
Garamond
Copyright © dos autores, 2010
Revisão
Carmem Cacciacarro
Editoração Eletrônica
Luiz Oliveira
Capa
Estúdio Garamond
Sobre foto de Sarah and Iain disponível em http://www.
flickr.com/photos/sarahandiain/475731563/.
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
DO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ.
G624a
ISBN 978-85-7617-196-6
APRESENTAÇÃO
Paulo Passarinho........................................................................................................... 7
ESTRATÉGIAS E MODELOS DE DESENVOLVIMENTO
João Paulo de Almeida Magalhães............................................................................. 19
MODELO LIBERAL-PERIFÉRICO E BLOCO DE PODER:
POLÍTICA E DINÂMICA MACROECONÔMICA NOS GOVERNOS LULA
Luiz Filgueiras, Bruno Pinheiro, Celeste Philigret, Paulo Balanco........................... 35
ENDIVIDAMENTO DO ESTADO E SETOR FINANCEIRO NO BRASIL:
INTERDEPENDÊNCIAS MACROECONÔMICAS E LIMITES
ESTRUTURAIS AO DESENVOLVIMENTO
Miguel Bruno............................................................................................................... 71
INSERÇÃO EXTERNA E VULNERABILIDADE DA
ECONOMIA BRASILEIRA NO GOVERNO LULA
Marcelo Dias Carcanholo.......................................................................................... 109
DESENVOLVIMENTO E INSERÇÃO EXTERNA: ALGUMAS
CONSIDERAÇÕES SOBRE O PERÍODO 2003-2009 NO BRASIL
Adhemar S. Mineiro................................................................................................... 133
DESEMPENHO MACROECONÔMICO EM PERSPECTIVA
HISTÓRICA: GOVERNO LULA (2003-10)
Reinaldo Gonçalves................................................................................................... 161
1 Economista formado pela UFRJ, ex-presidente do Conselho Regional de Economia (exercício de 2009), atual conselheiro
da entidade e diretor do Sindicato dos Economistas do R.J. Autor de artigos sobre economia brasileira publicados em jornais
e portais da internet, é também apresentador do programa de rádio Faixa Livre, especializado em economia e políticas
públicas.
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Uma prova inequívoca do nosso envolvimento e comprometimento em
torno dessas bandeiras é a existência e o trabalho ininterrupto que mantivemos
com as edições mensais do Jornal dos Economistas ao longo das décadas de
1980, 1990 e 2000 – assim como dezenas de outras atividades, como debates,
seminários e livros editados durante todos esses anos.
Além dessa tradição, a organização deste livro também é motivada pela
própria natureza do movimento político que fez com que Lula, o Partido dos
Trabalhadores e seus aliados chegassem ao Governo Federal através da eleição
presidencial de 2002.
Conforme é de amplo conhecimento, as correntes políticas majoritárias
que venceram a eleição presidencial daquele ano sempre sustentaram uma forte
crítica às reformas implantadas no Brasil a partir dos governos Collor de Melo,
Itamar Franco e FHC.
Essas reformas procuraram conferir ao país um novo quadro jurídico-
institucional, particularmente como suporte para um novo modelo econômico,
baseado nas aberturas financeira, comercial, produtiva e tecnológica.
Esse conjunto de reformas – verdadeiras contrarreformas, pelos seus
aspectos antinacionais e antipopulares – tiveram o papel de introduzir
em nosso país, de forma tardia, o receituário propugnado pelo chamado
Consenso de Washington, anteriormente já aplicado em vários países da
América Latina.
Paulatina e contínua remoção dos mecanismos de controle sobre os fluxos
externos de capital, abertura comercial, privatizações de empresas estatais –
como a estratégica Vale do Rio Doce – e de serviços públicos essenciais –
como a distribuição de energia elétrica e gás e o setor de telecomunicações,
fim, na prática, do monopólio estatal do petróleo ou as mudanças na legislação
trabalhista – com o objetivo de facilitar a flexibilização e terceirização das
relações de trabalho – foram algumas medidas que, a rigor, ficaram como
marcos de uma nova fase que se abriu no Brasil a partir dos anos 90.
Essa fase pode ser caracterizada como a resposta encontrada pelo novo
pacto político hegemônico forjado no país, buscando superar os impasses em
que a economia e a própria sociedade brasileira se debatiam desde o início da
década de 1980, com a crise da dívida externa e o esgotamento da chamada fase
de substituição de importações.
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Temos assim um conjunto de avaliações que, embora de responsabilidade
exclusiva de seus autores, se encaixam no objetivo geral estabelecido para este
projeto editorial, que é oferecer uma contribuição crítica acerca do que de fato
pode ser apontado como relevante em termos do balanço de diferentes políticas
e estratégias do Governo Federal neste período compreendido entre os anos de
2003 e 2010.
Contudo, esse balanço não contempla, naturalmente, o conjunto de
responsabilidades inerentes ao Governo Federal, nem tampouco teve essa
pretensão.
Queremos registrar, para a posteridade e para outras análises que se façam,
algumas contribuições críticas em áreas de alta relevância para a compreensão
histórica desse período.
O exercício de avaliação, sabemos, é sempre complexo, parcial e sujeito a
subjetividades inerentes à percepção e sensibilidade de cada autor. Entretanto,
a escolha dos especialistas convidados procurou privilegiar a independência
intelectual e o respaldo profissional e político que a trajetória de cada um deles
nos assegura, buscando obter avaliações que fujam às tentações do senso comum
ou que se baseiem em aparências que não compreendem a essencialidade dos
processos em curso.
Os temas mais contemplados neste conjunto de artigos abordam a
problemática macroeconômica como uma decorrência da própria centralidade
dessa questão, condicionante em larga medida do conjunto das políticas
públicas. Os textos de João Paulo de Almeida Magalhães – Estratégias e modelo
de crescimento –, Luis Filgueiras, Bruno Pinheiro, Celeste Philigret e Paulo
Balanco – Modelo liberal-periférico e bloco de poder: política e dinâmica
macroeconômica nos governos Lula –, Miguel Bruno – Endividamento do
Estado e setor financeiro no Brasil: interdependências macroeconômicas e
limites estruturais ao desenvolvimento –, Marcelo Carcanholo – Inserção
externa e vulnerabilidade da economia brasileira no governo Lula –, Adhemar
Mineiro – Desenvolvimento e inserção externa: algumas considerações
sobre o período 2003-2009 no Brasil – e Reinaldo Gonçalves – Desempenho
Macroeconômico em perspectiva histórica: Governo Lula (2003-2010) –
procuram interpretar e traduzir as principais características e especificidades da
dinâmica macroeconômica desses anos dos governos Lula.
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exercício do consumismo como formas de realização humanas. Ao mesmo
tempo – e paradoxalmente à evidente e crescente interdependência entre todas
as formas de atividades sociais e produtivas – observamos a desvalorização
do trabalho coletivo e solidário, como forma de superação dos desafios que as
sociedades contemporâneas nos colocam.
No plano objetivo do desenvolvimento econômico e social, aprofundamos
a inserção subalterna da economia brasileira a um mundo sob hegemonia
da globalização financeira e fortemente marcado por pressões das potências
econômicas, soberanas nas definições de suas prioridades.
Mas os impasses que hoje vivemos constituem um fenômeno que tem suas
explicações na nossa própria história recente, independentemente das notórias
injunções de natureza externa que sofremos.
A marcha da economia brasileira a partir dos anos 1930 é identificada
como o início do nosso processo de industrialização tardia. País até então
construído predominantemente a partir dos interesses das potências europeias
em associação com interesses empresariais locais, a crise de 1929 e a falência
de uma economia baseada na exportação de matérias-primas para os países
mais desenvolvidos abriram para o Brasil, a partir da chamada Revolução de
1930, uma nova etapa do seu desenvolvimento.
O período que então se inicia, apesar de suas inúmeras turbulências
e conflitos – o maior deles representado pelo golpe empresarial-militar de
1964 –, é identificado como de hegemonia do modelo desenvolvimentista.
De alguma forma, a ideia do Estado como articulador do esforço para, junto
com o capital privado nacional e estrangeiro, empreender o processo de
industrialização do país era visto como o caminho mais viável para a superação
do nosso subdesenvolvimento pela grande maioria das correntes políticas.
A divergência maior se dava justamente em relação ao peso, importância e
papel a ser conferido a esses três diferentes entes, em particular em relação ao
protagonismo do Estado e do capital estrangeiro.
Como principais polos antagônicos, dentro dessa estratégia desen
volvimentista, encontravam-se, de um lado, o desenvolvimentismo nacionalista
– defensor de uma industrialização planificada e fortemente apoiada por
empreendimentos estatais; e o desenvolvimentismo não nacionalista, que,
por sua vez, defendia um processo de industrialização para o Brasil em ritmo
2 Cf. Bielschowsky, R. In: Pensamento econômico brasileiro – O ciclo ideológico do desenvolvimento. Rio de Janeiro: Ipea/
Inpes, 1988.
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constitucional de algumas receitas orçamentárias a determinadas funções de
caráter social – saúde, educação, previdência, assistência social.
Enfim, vivíamos uma conjuntura de intensa disputa política, sem que
estivesse clara uma nova definição de rumos para o país.
Somente nos anos 1990, e após a eleição e posteriormente ao impedimento
de Collor, é que um novo pacto hegemônico começa a se conformar, com a
conclusão do processo de renegociação da dívida externa, o lançamento do
Plano Real e a eleição de Fernando Henrique Cardoso para a presidência do
país, em 1994.
Conforme já destacado, o processo que então se abre impulsiona e consolida
uma nova etapa da história econômica, social e política do Brasil.
A adoção da agenda liberalizante ganha hegemonia e sepulta de vez o
passado desenvolvimentista do país, ao construir um novo consenso em torno da
pauta de reformas ditada pelos interesses do capital financeiro, cristalizando uma
unidade programática entre os seus diversos setores – bancos, multinacionais e
grandes corporações nacionais.
A exitosa estratégia de redução do processo inflacionário confere as
condições políticas para se aprofundar o processo de privatizações iniciado no
governo Collor, e para se avançar nas mudanças constitucionais, jurídicas e
institucionais requeridas pela nova ordem.
Porém, sucessivas crises financeiras se abatem em vários países da
periferia, no México (1994), na Ásia (1997), na Rússia (1998), na Argentina
(2001), e aqui mesmo no Brasil (1999 e 2002), colocando em xeque o modelo
implantado. Além disso, profundos impactos no mundo do trabalho, decorrentes
da reestruturação produtiva e de suas consequências negativas sobre o nível
de emprego e renda dos trabalhadores, amadureceram as condições para uma
derrota política e eleitoral do neoliberalismo e das correntes políticas que o
representava.
Mesmo nos momentos de maior força do neoliberalismo, particularmente
aqui na América Latina, em meados dos anos 1990, o Brasil e o PT eram vistos
pelo mundo afora – especialmente pela esquerda mundial – como uma espécie
de retaguarda de resistência e esperança de uma virada política que viria a
acontecer a partir dos fracassos econômicos e sociais que o projeto liberal
acumulava.
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mais desenvolvidos do capitalismo e convivendo com o início do declínio do
poder imperial, e até hoje inconteste, dos Estados Unidos – nos colocam graves
interrogações.
Em que medida estamos nos preparando para o futuro de tensão e riscos
que sempre caracterizam esses momentos históricos de transição da hegemonia
do poder global, ou ao menos do padrão de dominação que se construiu a partir
do final da Segunda Grande Guerra e, especialmente, após o fim da União
Soviética?
Somos um país extremamente rico em diversos recursos minerais
estratégicos, incluindo agora o disputadíssimo petróleo, em decorrência da
descoberta dos campos do pré-sal; possuímos a Amazônia brasileira, a maior
área dessa cobiçada e rica região sul-americana, santuário do maior patrimônio
de biodiversidade da Terra; temos, em abundância, água e terras férteis, em
meio a um mundo carente de alimentos e do líquido vital aos seres humanos.
Além disso, temos um território continental e uma população que se aproxima
dos 200 milhões de pessoas. Somos, enfim, um país com plena potencialidade
de construir uma sociedade harmônica, com todas as condições de assegurar
bem-estar material e acesso à educação, saúde e serviços básicos de ótima
qualidade ao conjunto da nossa população.
Contudo, por força do modelo em curso, nos encontramos em acelerado
processo de desnacionalização do nosso parque produtivo, em franca trajetória
de reprimarização da nossa pauta de exportações, com a continuidade de
medidas de liberalização financeira e sem nenhuma autonomia na estratégica
área de geração de conhecimentos científicos e tecnológicos que possa atenuar
a nossa dependência externa.
Que país, portanto, estamos construindo?
Essa talvez seja a principal pergunta que queremos estimular que seja
respondida a partir da contribuição a que este livro se propõe.
Lula encerra os seus dois períodos presidenciais com grande popularidade,
relativo crescimento econômico e geração de empregos de baixa remuneração
e precária qualificação – mas significativos em relação aos seus mais
recentes antecessores. Conta com acentuada projeção internacional junto aos
círculos do poder dominante do mundo mais desenvolvido, junto às vozes do
mercado, mas também com prestígio em relação aos dirigentes dos países em