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OS ANOS LULA

Contribuições para um balanço


crítico 2003-2010
Conselho Editorial

Bertha K. Becker
Candido Mendes
Cristovam Buarque
Ignacy Sachs
Jurandir Freire Costa
Ladislau Dowbor
Pierre Salama
OS ANOS LULA
Contribuições para um balanço
crítico 2003-2010

Garamond
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Editoração Eletrônica
Luiz Oliveira

Capa
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DO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ.

G624a

Os anos Lula: contribuições para um balanço crítico 2003-2010. - Rio de


Janeiro : Garamond, 2010.
424p.;16x23cm

ISBN 978-85-7617-196-6

1. Brasil - Política econômica. 2. Brasil - Política e governo - 2003-. II. Título.

10-4233. CDD: 338.0981


CDU: 338.1(81)
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO
Paulo Passarinho........................................................................................................... 7
ESTRATÉGIAS E MODELOS DE DESENVOLVIMENTO
João Paulo de Almeida Magalhães............................................................................. 19
MODELO LIBERAL-PERIFÉRICO E BLOCO DE PODER:
POLÍTICA E DINÂMICA MACROECONÔMICA NOS GOVERNOS LULA
Luiz Filgueiras, Bruno Pinheiro, Celeste Philigret, Paulo Balanco........................... 35
ENDIVIDAMENTO DO ESTADO E SETOR FINANCEIRO NO BRASIL:
INTERDEPENDÊNCIAS MACROECONÔMICAS E LIMITES
ESTRUTURAIS AO DESENVOLVIMENTO
Miguel Bruno............................................................................................................... 71
INSERÇÃO EXTERNA E VULNERABILIDADE DA
ECONOMIA BRASILEIRA NO GOVERNO LULA
Marcelo Dias Carcanholo.......................................................................................... 109
DESENVOLVIMENTO E INSERÇÃO EXTERNA: ALGUMAS
CONSIDERAÇÕES SOBRE O PERÍODO 2003-2009 NO BRASIL
Adhemar S. Mineiro................................................................................................... 133
DESEMPENHO MACROECONÔMICO EM PERSPECTIVA
HISTÓRICA: GOVERNO LULA (2003-10)
Reinaldo Gonçalves................................................................................................... 161

POLÍTICA INDUSTRIAL DO GOVERNO LULA


Wilson Cano, Ana Lucia Gonçalves da Silva............................................................. 181
CONSIDERAÇÕES SOBRE ENERGIA E LOGÍSTICA NO BRASIL
Carlos Lessa, Raphael Padula, Gustavo Santos........................................................ 209
GOVERNO LULA UM BALANÇO CRÍTICO
DA POLÍTICA DE TRANSPORTES
Fernando Mac Dowell............................................................................................... 229
O BNDES E A REORGANIZAÇÃO DO CAPITALISMO
BRASILEIRO: UM DEBATE NECESSÁRIO
Carlos Tautz, Felipe Siston, João Roberto Lopes Pinto, Luciana Badin................... 249
A QUESTÃO AGRÁRIA NO BRASIL: NÃO REFORMA
E CONTRARREFORMA AGRÁRIA NO GOVERNO LULA
Ariovaldo Umbelino de Oliveira................................................................................ 287
TRABALHO E SINDICALISMO NO GOVERNO LULA
Flávio Tonelli, Antônio Carlos Queiroz..................................................................... 329
A SAÚDE EM BANHO-MARIA
Ligia Bahia................................................................................................................ 351
EDUCAÇÃO NO GOVERNO DE LULA DA SILVA:
A RUPTURA QUE NÃO ACONTECEU
Roberto Leher............................................................................................................ 369

DESIGUALDADE SOCIAL NO BRASIL


Guilherme C. Delgado............................................................................................... 413

SOBRE OS AUTORES................................................................................................. 419


APRESENTAÇÃO
Paulo Passarinho1

A organização e produção deste livro foi uma iniciativa das entidades de


representação dos economistas do Rio de Janeiro – o Conselho Regional de
Economia e o Sindicato dos Economistas – e do Centro de Estudos para o
Desenvolvimento.
Essas entidades têm longa tradição em acompanhar e se posicionar a
respeito da problemática do desenvolvimento brasileiro, e em particular com os
rumos da política econômica. Esta tradição nos remete à própria reorganização
da categoria dos economistas no Rio de Janeiro na segunda metade dos anos 70,
ainda em plena ditadura.
Naquela época, em meio à reorganização política de vários outros segmentos
da sociedade civil, fundamos o Instituto dos Economistas do Rio de Janeiro
e iniciamos o processo de democratização do Conselho Regional e do nosso
Sindicato. Em torno do chamado Movimento de Renovação dos Economistas
do Rio de Janeiro, procurávamos acima de tudo ampliar os espaços de debate
e posicionamento político da nossa categoria em um momento extremamente
rico de vitalidade da luta contra o regime militar.
Desde então, sempre nos pautamos pela defesa de um novo modelo
econômico para o Brasil, coerente com nossas preocupações com a real
democratização do país, a defesa da soberania nacional e de uma concepção de
desenvolvimento econômico e social capaz de reduzir as imensas desigualdades
que nos marcam.

1 Economista formado pela UFRJ, ex-presidente do Conselho Regional de Economia (exercício de 2009), atual conselheiro
da entidade e diretor do Sindicato dos Economistas do R.J. Autor de artigos sobre economia brasileira publicados em jornais
e portais da internet, é também apresentador do programa de rádio Faixa Livre, especializado em economia e políticas
públicas.

apresentação | 7
Uma prova inequívoca do nosso envolvimento e comprometimento em
torno dessas bandeiras é a existência e o trabalho ininterrupto que mantivemos
com as edições mensais do Jornal dos Economistas ao longo das décadas de
1980, 1990 e 2000 – assim como dezenas de outras atividades, como debates,
seminários e livros editados durante todos esses anos.
Além dessa tradição, a organização deste livro também é motivada pela
própria natureza do movimento político que fez com que Lula, o Partido dos
Trabalhadores e seus aliados chegassem ao Governo Federal através da eleição
presidencial de 2002.
Conforme é de amplo conhecimento, as correntes políticas majoritárias
que venceram a eleição presidencial daquele ano sempre sustentaram uma forte
crítica às reformas implantadas no Brasil a partir dos governos Collor de Melo,
Itamar Franco e FHC.
Essas reformas procuraram conferir ao país um novo quadro jurídico-
institucional, particularmente como suporte para um novo modelo econômico,
baseado nas aberturas financeira, comercial, produtiva e tecnológica.
Esse conjunto de reformas – verdadeiras contrarreformas, pelos seus
aspectos antinacionais e antipopulares – tiveram o papel de introduzir
em nosso país, de forma tardia, o receituário propugnado pelo chamado
Consenso de Washington, anteriormente já aplicado em vários países da
América Latina.
Paulatina e contínua remoção dos mecanismos de controle sobre os fluxos
externos de capital, abertura comercial, privatizações de empresas estatais –
como a estratégica Vale do Rio Doce – e de serviços públicos essenciais –
como a distribuição de energia elétrica e gás e o setor de telecomunicações,
fim, na prática, do monopólio estatal do petróleo ou as mudanças na legislação
trabalhista – com o objetivo de facilitar a flexibilização e terceirização das
relações de trabalho – foram algumas medidas que, a rigor, ficaram como
marcos de uma nova fase que se abriu no Brasil a partir dos anos 90.
Essa fase pode ser caracterizada como a resposta encontrada pelo novo
pacto político hegemônico forjado no país, buscando superar os impasses em
que a economia e a própria sociedade brasileira se debatiam desde o início da
década de 1980, com a crise da dívida externa e o esgotamento da chamada fase
de substituição de importações.

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Contudo, assim como as correntes políticas lideradas por Lula, as sucessivas
e diferentes direções das entidades representativas dos economistas no Rio de
Janeiro sempre se colocaram como frentes de resistência e crítica ao ajuste
promovido por esse pacto político dominante a partir dos anos 1990.
Dessa forma, e independentemente das vinculações partidárias dos membros
dessas entidades, a vitória eleitoral de Lula em 2002 e a chegada do PT e seus
aliados históricos ao Governo Federal, a partir de 2003, nos abriam, naturalmente,
uma enorme expectativa em relação às possibilidades que então se descortinavam.
Mais do que isso, assumimos e identificamos que todo o trabalho de crítica
permanente – assumido pelas direções das entidades dos economistas do Rio de
Janeiro – aos programas governamentais desenvolvidos sob a égide neoliberal,
bem como as alternativas que sempre defendemos e divulgamos como as mais
adequadas ao nosso país, também reforçavam o amplo movimento político que
acabou se tornando vitorioso em 2002.
Portanto, este livro procura avaliar em que medida os compromissos
históricos de mudanças estruturais no país, inclusive reafirmados na polêmica
Carta aos brasileiros, foram satisfeitos.
Nossa pretensão foi procurar nos reportar ao que experimentamos ao longo
desses quase oito anos de governo, dentro de uma visão crítica e independente
e a partir de premissas analíticas e proposições que sempre julgamos mais
adequadas ao país, e das quais jamais abrimos mão.
Com isso, queremos também reafirmar que não compactuamos e não
concordamos com qualquer tipo de silêncio, ou perplexidade, ante os aparentes
paradoxos que o mundo da política nos reserva. Ao contrário, assumimos nossas
posições com transparência. Queremos explicitamente resistir às tentações de
compatibilizar o necessário e permanente exercício da crítica às conveniências
e interesses políticos de ocasião. E afastamos a possibilidade de condicionar a
crítica a uma estreita – e, em geral, oportunista – concepção de pragmatismo.
O critério que utilizamos para a organização deste trabalho foi o de convidar
analistas – com reconhecida competência técnica, notória especialidade,
independência crítica e inserção social e política nas áreas de avaliação
contempladas – para nos oferecer artigos que apreciassem aspectos da política
governamental com abordagens analíticas das estratégias adotadas e análises
comparativas.

apresentação | 9
Temos assim um conjunto de avaliações que, embora de responsabilidade
exclusiva de seus autores, se encaixam no objetivo geral estabelecido para este
projeto editorial, que é oferecer uma contribuição crítica acerca do que de fato
pode ser apontado como relevante em termos do balanço de diferentes políticas
e estratégias do Governo Federal neste período compreendido entre os anos de
2003 e 2010.
Contudo, esse balanço não contempla, naturalmente, o conjunto de
responsabilidades inerentes ao Governo Federal, nem tampouco teve essa
pretensão.
Queremos registrar, para a posteridade e para outras análises que se façam,
algumas contribuições críticas em áreas de alta relevância para a compreensão
histórica desse período.
O exercício de avaliação, sabemos, é sempre complexo, parcial e sujeito a
subjetividades inerentes à percepção e sensibilidade de cada autor. Entretanto,
a escolha dos especialistas convidados procurou privilegiar a independência
intelectual e o respaldo profissional e político que a trajetória de cada um deles
nos assegura, buscando obter avaliações que fujam às tentações do senso comum
ou que se baseiem em aparências que não compreendem a essencialidade dos
processos em curso.
Os temas mais contemplados neste conjunto de artigos abordam a
problemática macroeconômica como uma decorrência da própria centralidade
dessa questão, condicionante em larga medida do conjunto das políticas
públicas. Os textos de João Paulo de Almeida Magalhães – Estratégias e modelo
de crescimento –, Luis Filgueiras, Bruno Pinheiro, Celeste Philigret e Paulo
Balanco – Modelo liberal-periférico e bloco de poder: política e dinâmica
macroeconômica nos governos Lula –, Miguel Bruno – Endividamento do
Estado e setor financeiro no Brasil: interdependências macroeconômicas e
limites estruturais ao desenvolvimento –, Marcelo Carcanholo – Inserção
externa e vulnerabilidade da economia brasileira no governo Lula –, Adhemar
Mineiro – Desenvolvimento e inserção externa: algumas considerações
sobre o período 2003-2009 no Brasil – e Reinaldo Gonçalves – Desempenho
Macroeconômico em perspectiva histórica: Governo Lula (2003-2010) –
procuram interpretar e traduzir as principais características e especificidades da
dinâmica macroeconômica desses anos dos governos Lula.

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A estratégia industrial, o problema da infraestrutura e a avaliação do mais
importante instrumento de financiamento à atividade produtiva no país, que é
o BNDES, são contemplados, respectivamente, pelas contribuições de Wilson
Cano e Ana Lucia Gonçalves da Silva – Política industrial do Governo Lula –,
Carlos Lessa, Gustavo Santos e Raphael Padula – Considerações sobre energia
e logística no Brasil –, Fernando Mac Dowell – Política de transportes – e
Carlos Tautz, Felipe Siston, João Roberto Lopes Pinto e Luciana Badin – O
BNDES e a reorganização do capitalismo brasileiro: um debate necessário.
As questões agrária e urbana são apreciadas, respectivamente, por Ariovaldo
Umbelino – A questão agrária no Brasil – e alguns dos aspectos relacionados à
complexa problemática social são abordados nos trabalhos de Flavio Tonelli e
Antônio Augusto Queiroz – Trabalho e sindicalismo no Governo Lula –, Ligia
Bahia – A saúde em banho-maria –, Roberto Leher – Educação no governo
Lula: a ruptura que não aconteceu – e Guilherme Delgado – Desigualdade
social no Brasil.
Nosso objetivo inicial, com este projeto editorial, era oferecer uma visão
analítica crítica de um número um pouco maior de temas que julgamos igualmente
importantes para um trabalho da natureza a que este livro se propõe. Contudo, por
razões alheias à nossa vontade, não nos foi possível atingir o conjunto inicialmente
imaginado. Porém, temos a certeza de que este livro, com o expressivo número
de artigos que reúne, contribuirá de forma relevante para o objetivo a que nos
propomos, abordando o importante momento histórico que vivemos.
Afinal, o correto entendimento desse período, que se confunde com a chegada
ao Governo Federal de um conjunto de partidos de esquerda, sob a liderança do
PT, aliado com forças de centro e de direita, poderá nos ser útil para repensar os
inúmeros desafios que continuam a se colocar em nosso horizonte, sem que haja,
infelizmente, um mínimo de garantia de uma mudança estrutural que nos leve a
alterar os rumos que o país assumiu desde o início dos anos de 1990.
Consideramos que, desde então, nos encontramos em uma quadra histórica
marcada por uma acelerada e grave crise de valores e, no plano das perspectivas
históricas para o país, em uma perigosa rota de perda de soberania e autonomia
sobre os rumos a serem construídos para a nação brasileira.
Os efeitos que a ideologia dominante exerce sobre o conjunto da sociedade
são notórios, em particular com a brutal apologia do individualismo e do

apresentação | 11
exercício do consumismo como formas de realização humanas. Ao mesmo
tempo – e paradoxalmente à evidente e crescente interdependência entre todas
as formas de atividades sociais e produtivas – observamos a desvalorização
do trabalho coletivo e solidário, como forma de superação dos desafios que as
sociedades contemporâneas nos colocam.
No plano objetivo do desenvolvimento econômico e social, aprofundamos
a inserção subalterna da economia brasileira a um mundo sob hegemonia
da globalização financeira e fortemente marcado por pressões das potências
econômicas, soberanas nas definições de suas prioridades.
Mas os impasses que hoje vivemos constituem um fenômeno que tem suas
explicações na nossa própria história recente, independentemente das notórias
injunções de natureza externa que sofremos.
A marcha da economia brasileira a partir dos anos 1930 é identificada
como o início do nosso processo de industrialização tardia. País até então
construído predominantemente a partir dos interesses das potências europeias
em associação com interesses empresariais locais, a crise de 1929 e a falência
de uma economia baseada na exportação de matérias-primas para os países
mais desenvolvidos abriram para o Brasil, a partir da chamada Revolução de
1930, uma nova etapa do seu desenvolvimento.
O período que então se inicia, apesar de suas inúmeras turbulências
e conflitos – o maior deles representado pelo golpe empresarial-militar de
1964 –, é identificado como de hegemonia do modelo desenvolvimentista.
De alguma forma, a ideia do Estado como articulador do esforço para, junto
com o capital privado nacional e estrangeiro, empreender o processo de
industrialização do país era visto como o caminho mais viável para a superação
do nosso subdesenvolvimento pela grande maioria das correntes políticas.
A divergência maior se dava justamente em relação ao peso, importância e
papel a ser conferido a esses três diferentes entes, em particular em relação ao
protagonismo do Estado e do capital estrangeiro.
Como principais polos antagônicos, dentro dessa estratégia desen­
volvimentista, encontravam-se, de um lado, o desenvolvimentismo nacionalista
– defensor de uma industrialização planificada e fortemente apoiada por
empreendimentos estatais; e o desenvolvimentismo não nacionalista, que,
por sua vez, defendia um processo de industrialização para o Brasil em ritmo

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compatível ao chamado equilíbrio macroeconômico, com forte participação
dos capitais estrangeiros.2
O golpe de 1964 representou a consolidação da vitória desta segunda
corrente, com todas as implicações de natureza política que marcam o país
até meados dos anos 1980, quando é restabelecido um regime de liberdades
democráticas formais, especialmente a partir da promulgação da Constituição
de 1988.
Entretanto, esse é um momento em que a crise da dívida externa, que explode
no início dos anos 1980, ainda se manifesta de forma aguda. Essa referida
década, para muitos perdida, encerrou, de fato, aquele ciclo desenvolvimentista
iniciado nos anos de 1930 e que, inclusive, teve decisiva influência para o fim
da ditadura.
Contudo, ainda não se havia esboçado um novo pacto hegemônico no país,
de modo a permitir a superação daquele quadro marcado por um forte processo
inflacionário e pela própria crise do Estado.
É neste contexto que um forte movimento social de massas emerge, com
o revigoramento da atividade sindical, a criação da CUT, do Movimento dos
Trabalhadores Sem Terra, da afirmação do processo de construção do PT e
de um movimento reivindicativo de massas que acaba por desaguar em forte
pressão popular sobre os trabalhos do Congresso Constituinte de 1987 e 1988.
É um momento, portanto, de riqueza da luta social, mas também de disputa
indefinida em relação às saídas da crise, inicialmente de natureza econômica,
mas agora de inegável dimensão política.
Um bom exemplo dessas profundas contradições pode ser dado pelo
resultado político gerado com a promulgação da nova Constituição de 1988.
Os constituintes – pressionados por uma formidável pressão popular –
procuram conferir ênfase ao papel do Estado na promoção e financiamento
da extensão de direitos sociais. É isso que fez com que Ulisses Guimarães
denominasse a nova carta como a Constituição Cidadã. Entretanto, o presidente
da República à época, José Sarney, não se sente nem um pouco constrangido
em, imediatamente após a promulgação do novo texto constitucional, contra ele
investir, em cadeia nacional de rádio e televisão, em decorrência da vinculação

2 Cf. Bielschowsky, R. In: Pensamento econômico brasileiro – O ciclo ideológico do desenvolvimento. Rio de Janeiro: Ipea/
Inpes, 1988.

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constitucional de algumas receitas orçamentárias a determinadas funções de
caráter social – saúde, educação, previdência, assistência social.
Enfim, vivíamos uma conjuntura de intensa disputa política, sem que
estivesse clara uma nova definição de rumos para o país.
Somente nos anos 1990, e após a eleição e posteriormente ao impedimento
de Collor, é que um novo pacto hegemônico começa a se conformar, com a
conclusão do processo de renegociação da dívida externa, o lançamento do
Plano Real e a eleição de Fernando Henrique Cardoso para a presidência do
país, em 1994.
Conforme já destacado, o processo que então se abre impulsiona e consolida
uma nova etapa da história econômica, social e política do Brasil.
A adoção da agenda liberalizante ganha hegemonia e sepulta de vez o
passado desenvolvimentista do país, ao construir um novo consenso em torno da
pauta de reformas ditada pelos interesses do capital financeiro, cristalizando uma
unidade programática entre os seus diversos setores – bancos, multinacionais e
grandes corporações nacionais.
A exitosa estratégia de redução do processo inflacionário confere as
condições políticas para se aprofundar o processo de privatizações iniciado no
governo Collor, e para se avançar nas mudanças constitucionais, jurídicas e
institucionais requeridas pela nova ordem.
Porém, sucessivas crises financeiras se abatem em vários países da
periferia, no México (1994), na Ásia (1997), na Rússia (1998), na Argentina
(2001), e aqui mesmo no Brasil (1999 e 2002), colocando em xeque o modelo
implantado. Além disso, profundos impactos no mundo do trabalho, decorrentes
da reestruturação produtiva e de suas consequências negativas sobre o nível
de emprego e renda dos trabalhadores, amadureceram as condições para uma
derrota política e eleitoral do neoliberalismo e das correntes políticas que o
representava.
Mesmo nos momentos de maior força do neoliberalismo, particularmente
aqui na América Latina, em meados dos anos 1990, o Brasil e o PT eram vistos
pelo mundo afora – especialmente pela esquerda mundial – como uma espécie
de retaguarda de resistência e esperança de uma virada política que viria a
acontecer a partir dos fracassos econômicos e sociais que o projeto liberal
acumulava.

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Afinal, que outro país dispunha de um partido de esquerda enraizado, como
o Partido dos Trabalhadores? Qual outro país possuía a força de um movimento
de massas organizado como o MST, ou o apoio importante de segmentos
médios, críticos das consequências do ajuste liberal realizado, como servidores
públicos, estudantes, advogados progressistas ou expressivos setores ligados
às igrejas? Que outro país podia contar com uma central sindical como a CUT,
com sua força e representatividade? Particularmente, que outro país tinha o
privilégio de ter construído uma liderança popular como o ex-retirante, ex-
metalúrgico e líder político Luiz Inácio Lula da Silva, com todo o seu carisma
e a sua simbologia?
Desse modo, a eleição presidencial de 2002, ao se aproximar – em meio a
mais uma forte crise de governabilidade provocada pelo fracasso do modelo dos
bancos e transnacionais –, apontava claramente para a objetiva possibilidade
de o Brasil se reencontrar com o seu próprio futuro, como uma nação capaz
de se reconstruir, com soberania e justiça. Seria a oportunidade de se deixar
para trás os programas de ajuste e as políticas macroeconômicas sob inspiração
do FMI; de se rever as privatizações levadas a cabo ao longo dos anos 1990;
de se repensar o tipo de inserção externa que o país havia experimentado,
aprofundando uma medíocre subalternidade às economias mais desenvolvidas.
Entretanto, como é suficientemente de domínio público, a própria
crise brasileira de 2002 – produzida justamente pelos setores financistas
–, o novo acordo celebrado pelo governo de FHC com o FMI e a forma
adotada por Lula e pela sua campanha para construir o que foi chamado
de governabilidade colocaram em suspenso as expectativas de mudanças
substantivas na política, no modelo econômico e na hegemonia exercida
pelo capital financeiro.
Se, eleitoralmente, a esperança havia vencido o medo, na política real a
prudência – ou a metamorfose política dos vitoriosos – venceu as esperanças de
uma decidida, firme e clara superação do legado neoliberal.
Passados quase oito anos das eleições de 2002, e tendo o governo Lula
sido reeleito em 2006, temos agora a oportunidade de realizar o balanço desse
período, conforme expresso nos artigos que compõem este livro.
As próximas décadas – em um mundo dominado pela globalização
financeira, marcado por uma crise econômica de dimensões inéditas nos centros

apresentação | 15
mais desenvolvidos do capitalismo e convivendo com o início do declínio do
poder imperial, e até hoje inconteste, dos Estados Unidos – nos colocam graves
interrogações.
Em que medida estamos nos preparando para o futuro de tensão e riscos
que sempre caracterizam esses momentos históricos de transição da hegemonia
do poder global, ou ao menos do padrão de dominação que se construiu a partir
do final da Segunda Grande Guerra e, especialmente, após o fim da União
Soviética?
Somos um país extremamente rico em diversos recursos minerais
estratégicos, incluindo agora o disputadíssimo petróleo, em decorrência da
descoberta dos campos do pré-sal; possuímos a Amazônia brasileira, a maior
área dessa cobiçada e rica região sul-americana, santuário do maior patrimônio
de biodiversidade da Terra; temos, em abundância, água e terras férteis, em
meio a um mundo carente de alimentos e do líquido vital aos seres humanos.
Além disso, temos um território continental e uma população que se aproxima
dos 200 milhões de pessoas. Somos, enfim, um país com plena potencialidade
de construir uma sociedade harmônica, com todas as condições de assegurar
bem-estar material e acesso à educação, saúde e serviços básicos de ótima
qualidade ao conjunto da nossa população.
Contudo, por força do modelo em curso, nos encontramos em acelerado
processo de desnacionalização do nosso parque produtivo, em franca trajetória
de reprimarização da nossa pauta de exportações, com a continuidade de
medidas de liberalização financeira e sem nenhuma autonomia na estratégica
área de geração de conhecimentos científicos e tecnológicos que possa atenuar
a nossa dependência externa.
Que país, portanto, estamos construindo?
Essa talvez seja a principal pergunta que queremos estimular que seja
respondida a partir da contribuição a que este livro se propõe.
Lula encerra os seus dois períodos presidenciais com grande popularidade,
relativo crescimento econômico e geração de empregos de baixa remuneração
e precária qualificação – mas significativos em relação aos seus mais
recentes antecessores. Conta com acentuada projeção internacional junto aos
círculos do poder dominante do mundo mais desenvolvido, junto às vozes do
mercado, mas também com prestígio em relação aos dirigentes dos países em

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