Você está na página 1de 148

ÍNDICE

3 PREFÁCIO
4 INTRODUÇÃO
FORO SÃO PAULO
8 Obviedades temíveis
Rua Boa Vista, 51 - PABX: 3244-3030
11 Lula, réu confesso CEP 01014-911 - São Paulo - SP
14 A prova cabal da mentira home page: http://www.acsp.com.br
18 Traição anunciada e-mail: acsp@acsp.com.br
21 Por trás da subversão Presidente
25 A fraude do populismo continental Guilherme Afif Domingos
29 A nova era das ditaduras
A TOMADA DO PODER
33 Marxismo já!
36 Honra ao mérito
40 O sucesso do fracasso
44 Da fantasia deprimente à realidade temível
48 Enquanto a Zé-Lite dorme
O PT E A CORRUPÇÃO ESPECIAL
52 Geração maldita
55 A arte da acusação invertida Diretor-Responsável
59 Museu de iniqüidades João de Scantimburgo
62 Sem novidades, exceto as piores
Diretor de Redação
65 O parteiro do mal Moisés Rabinovici
A ESQUERDA E O SOCIALISMO Editor-Chefe
69 Mais sábios que Deus José Guilherme Rodrigues Ferreira
73 A esquerda americanizada
Editores
75 O paradoxo esquerdista Domingos Zamagna e Carlos Ossamu
79 Em plena guerra assimétrica
82 Raça de víboras. Ou: o Marquês de Sader na prisão Editor de Fotografia
Masao Goto
84 Mais um advogado do Marquês
86 Experimento sociológico Editor de Arte
José Coelho
ONDE ESTÃO OS LIBERAIS?
90 Projeto Gráfico
O dever que nos espera
Evana Clicia Lisbôa Sutilo
93 A direita autocastrada
96 Automacumba semântica Diagramação
99 Puro teatro, nada mais Djinani S. de Lima e Evana Clicia Lisbôa Sutilo
102 Dormindo profundamente Gerente Comercial
106 Da ignorância à mentira Arthur Gebara Jr.
(agebara@acsp.com.br) 3244-3122
MUNDO REAL
110 O avesso do avesso Gerente de Operações
114 Doença moral hedionda José Gonçalves de Faria Filho
(jfilho@acsp.com.br)
116 A china no WalMart
119 A guerra contra as religiões Impressão
123 A chacota geral do mundo Laborgraf
126 Absurdo monumental REDAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO E PUBLICIDADE
128 O grande rombo Rua Boa Vista, 51, 6º andar CEP 01014-911
132 A miséria do mundo PABX (011) 3244-3030 REDAÇÃO (011) 3244-3055
136 Dia do saci FAX (011) 3244-3046
138 A vitória ambígua dos democratas www.dcomercio.com.br
141 A CIA que ninguém conhece
APÊNDICE
143 O Foro de São Paulo, versão anestésica
Informar e
estimular
o debate
A
decisão de publicar a separata do Diário do Comércio com os principais artigos escritos por
Olavo de Carvalho neste jornal visa permitir que as idéias, opiniões, informações e
conclusões desse filósofo, jornalista, conferencista, escritor e, sobretudo, polemista, possam
alcançar um número maior de brasileiros, que não tem acesso ao veículo de divulgação
mantido pela Associação Comercial de São Paulo. Os textos apresentados revelam a vasta
cultura do autor, sua imensa capacidade de se informar e, principalmente de analisar as
informações, seu raciocínio lógico e argumentação racional e, muitas vezes, sua contundência na
defesa de suas posições.
Ao publicar os artigos de Olavo de Carvalho, o Diário do Comércio oferece a seus leitores a
oportunidade de se informarem sobre temas pouco discutidos na mídia em geral, com análises
profundas realizadas a partir de uma visão liberal e do ponto de vista da tradição judaico-cristã
que embasa o autor.
Como liberais, acreditamos no confronto das idéias, mas, infelizmente, o que se assiste no Brasil,
é a predominância quase esmagadora, tanto na mídia, como nos ambientes universitários, de uma
única corrente de pensamento, que, por ser muitas vezes diferenciada por nuances, leva a maioria
dos observadores a acreditar que existe um debate verdadeiro entre as diversas posições e opiniões
divulgadas com freqüência.
Para permitir esse confronto é importante divulgar os textos de Olavo de Carvalho que, apesar de
seu estilo muitas vezes provocador, não se limita a emitir opiniões, mas apresenta sempre fontes de
informações, ou autores no geral pouco acessíveis à maioria dos leitores, para embasar suas posições.
O convite que fazemos a todos os que tiverem acesso a esta separata, e desejarem contestar as
opiniões de Olavo de Carvalho é para que o façam com base em argumentos e não meras
contestações retóricas que procuram desqualificar o autor dos textos, ao invés de refutarem suas
posições.
O Diário do Comércio está aberto para abrigar as opiniões divergentes, desde que apresentadas
no plano das idéias, ou mesmo ideologias, pois estamos certos de que esse confronto beneficiará o
Brasil, que anda carente de um debate intelectual de alto nível, que reflita o pluralismo existente na
sociedade e não apenas as posições de um determinado grupo.
Estamos certos de que Olavo de Carvalho, que sempre tem combatido " o bom combate", não
se furtará ao debate.

Guilherme Afif Domingos


Presidente da Associação Comercial de São Paulo

MuNDOreAL 3
Introdução
E
stou muito feliz com a pu- de São Paulo é a organização política mais poderosa
blicação desta coletânea e que já existiu no continente. Ao longo da história la-
agradeço à Associação Co- tino-americana, nenhuma outra entidade jamais
mercial de São Paulo, prin- congregou tantos líderes, chefes de Estado, capo-
cipalmente nas pessoas de mafiosi e comandantes guerrilheiros num esforço
Guilherme Afif Domingos, Mar- comum de tomada do poder em escala continental.
cel Solimeo e Moisés Rabinovici, o Só uma das entidades envolvidas - as Farc, Fuerzas
reconhecimento público da utili- Armadas Latino-Americanas de Colombia - chegou
dade do esforço que venho desen- a ter recursos econômicos e bélicos superiores a to-
volvendo na coluna Mundo Real das as forças armadas da região.
do Diário do Comércio. Num país Em termos de lógica e bom senso, qualquer ten-
onde tantos vêm me bajular em tativa de negar ou questionar a importância es-
privado para depois sair negando sencial dessa entidade para a decisão dos rumos
que me conhecem, essa homena- da história continental é loucura completa ou
gem supõe uma quota nada des- mentira interesseira. Não creio que seja admissí-
prezível de bravura e honradez. O vel qualquer discussão quanto a esse ponto.
que mais me agrada nela é que Também não vejo como negar, por meios racio-
seus benefícios se estendem para nais, o caráter intrinsecamente criminoso do empre-
muito além da pessoa do home- endimento. O caso das Farc ilustra-o com eloqüên-
nageado, contribuindo decisiva- cia gritante. Enquanto vinham à tona as provas de
Olavo de mente para ampliar e consolidar que a narcoguerrilha colombiana abastecia o merca-
Carvalho os efeitos que ele vem buscando do nacional com duzentas toneladas anuais de co-
jornalista, alcançar com o seu trabalho. Esses efeitos são três: caína, o então candidato presidencial Luís Inácio
escritor e Lula da Silva se reunia discretamente com os chefes
professor de
Filosofia,
mora hoje
1 Conscientizar os brasileiros quanto ao fenômeno
da existência, atuação e periculosidade do Foro
de São Paulo, evidenciando o caráter intrinseca-
dessa quadrilha para tratar de interesses estratégi-
cos comuns e ainda assinava manifestos em favor
dos delinqüentes. Empossado na presidência, ele
nos EUA mente criminoso de uma entidade em que políticos, continuou a participar dos encontros através de seu
terroristas e narcotraficantes, a salvo dos olhos do assessor Gilberto Carvalho, trocando gentilezas e
público, fazem planos em comum para a conquista favores com os megadelinqüentes, montando com
do poder total no continente. eles um esquema de poder de dimensões continen-
tais, ao mesmo tempo que a polícia brasileira denun-

2 Alertar os leitores quanto à fraude jornalística


geral e persistente que por dezesseis anos ocul-
tou esse fenômeno e, uma vez furada a cortina de si-
ciava a presença de agentes das Farc nas quadrilhas
de criminosos que espalhavam o terror nas ruas de
São Paulo e do Rio.
lêncio, se dedica agora a tentar minimizá-lo ex post
facto para atenuar o escândalo da sua própria cum- 2. A fabricação do segredo
plicidade com o crime. Em qualquer país normal, os políticos envolvi-
dos nesse conluio macabro seriam denunciados,

3 Colocar à disposição dos leitores novos concei-


tos de filosofia política apropriados à compreen-
são desses dois fenômenos no quadro do poder
expostos à execração pública, presos, julgados e
condenados. O problema foi que esses políticos
eram muitos - e precisamente aqueles nos quais a
mundial em formação. mídia havia apostado a sorte do país como porta-
dores ungidos da redenção nacional. Se os fatos
Passo a analisar brevemente esses três pontos. fossem divulgados, se os crimes fossem julgados
segundo a sua gravidade objetiva, a decepção na-
1. O governo secreto cional com os partidos de esquerda seria muito
Reunindo os partidos legais de esquerda com or- mais do que o foi ante a simples revelação de casos
ganizações terroristas e quadrilhas de narcotrafi- de corrupção vulgar, ainda que em escala masto-
cantes de todos os países da América Latina, o Foro dôntica. Seria o fim da esquerda brasileira. Mas

4 MuNDOreAL
àquela altura já não havia nenhuma direita organi- tícias vistosas, os fatos verdadeiramente importantes
zada capaz de ocupar o lugar dela, e os poucos di- escapam à visão da mídia diária, que é a principal fon-
reitistas isolados que ainda sobreviviam no cená- te de informações mesmo para as camadas cultas da
rio nacional eram os célebres "filhotes da ditadu- população. De outro lado, faltam os conceitos articu-
ra", que a mídia em peso odiava mais que à peste. ladores que possam colocar essas informações numa
Ante a perspectiva abominável de um "retorno da perspectiva inteligível. Faltam porque as chaves ex-
direita", os gerentes autonomeados da opinião pú- plicativas mais usuais em circulação no debate nacio-
blica concluíram que era melhor fazer de conta que nal estão todas viciadas: umas foram concebidas para
não tinham visto nada e desviar o foco de todas as situações anteriores e mais esquemáticas, outras são
discussões para assuntos laterais e secundários. estereótipos sem o menor alcance cognitivo, outras,
Foi nesse momento que o Brasil abdicou, definiti- ainda, são meros slogans de propaganda eleitoral.
vamente, de ser um país normal. Optou pela nega- Nunca a situação do país foi mais complexa, e nunca
ção psicótica da realidade, mergulhando de cabeça os instrumentos intelectuais usados para discuti-la
na alienação e na desconversa. foram mais simplórios.
Por caridade, nem pensem em me sugerir que es- O desnível entre a inteligência nacional e os novos
sa formidável articulação de silêncios foi coincidên- problemas colocados pelas transformações históri-
cia, mera coincidência. Não é humanamente conce- co-culturais, políticas e econômicas do mundo nos
bível que tantos diretores de jornais, revistas e ca- últimos trinta anos foi ainda ampliado pelo fato de
nais de TV, tantos chefes de redação, tantos repór- que, justamente nesse período, a conquista da hege-
teres ávidos de escândalos, tantos comentaristas monia cultural e jornalística pela esquerda em ascen-
políticos iluminados tenham cochilado em unísso- são reduziu as instituições de cultura a centros de for-
no ao longo de dezesseis anos, com inocência de be- mação de militantes, destruindo toda possibilidade
bês recém-nascidos, malgrado todos os avisos e pro- de vida intelectual. Não é preciso dizer que até mes-
vas que eu ia espalhando na mídia, malgrado tantos mo os conservadores e liberais foram afetados por es-
alertas e furiosas mensagens de protesto que lhes se processo, na medida em que, disputando num ter-
enviei durante esse tempo. reno previamente demarcado pelo adversário, con-
Essa monumental gafe coletiva, essa formidável sentiram em limitar o debate nacional à esfera dos as-
conjunção de distrações teria constituído a mais suntos econômicos imediatos que lhes eram
vasta epidemia de inépcia já observada na história designados pela própria esquerda. O prejuízo que ti-
do jornalismo universal. Por si, ela bastaria para veram com isso foi duplo: de um lado, entregaram à
desmoralizar totalmente a classe jornalística brasi- esquerda o monopólio do temário cultural e moral de
leira, para eliminar qualquer vestígio de credibili- maior interesse público; de outro, limitaram drama-
dade que lhe restasse, para suprimir qualquer pre- ticamente o seu próprio horizonte intelectual, blo-
texto, por mais mínimo, que o público ainda tivesse queando o acesso a uma compreensão das transfor-
para acreditar na mídia nacional. mações maiores no cenário do mundo.
Mas não foi isso o que aconteceu. A mídia brasi- Era, enfim, toda uma cultura - pré-moldada pela
leira não pecou por uma dose cavalar de incompetên- hegemonia esquerdista - que se opunha ao trabalho
cia, mas por uma quota ainda maior de mendacidade da inteligência para alcançar uma visão adequada
e cinismo. Busquem na História, e não encontrarão do presente estado de coisas no país e dos fatores in-
caso similar de amputação política do noticiário em ternacionais que o determinavam.
tão vastas proporções e por período tão longo em ne- Elevar os homens acima das limitações da cultura
nhum país democrático do mundo. Encontrarão al- ambiente é a tarefa por excelência da filosofia. Não
guns, é claro, nos regimes totalitários da URSS, da tem nada a ver com "crítica cultural", uma frescura in-
China e da Alemanha nazista. Imitá-los em regime ventada pela escola de Frankfurt. A crítica cultural
democrático, um feito quase impossível, é uma glória consiste em solapar as bases de uma cultura, mas pro-
que ninguém pode negar ao jornalismo brasileiro. clamando ao mesmo tempo que o ser humano não
pode se libertar dela nunca, só restando portanto es-
3. Compreendendo a situação timular tudo quanto nela exista de negativo, de mal-
Fenômenos tão monstruosamente anormais não doso, de criminoso, para transformá-la numa cultura
sucedem apenas por suceder, apenas porque sim. de ódio a si mesma, numa contracultura. É a idéia he-
Refletem correntes profundas do acontecer históri- geliana do "trabalho do negativo" transformada em
co, que neles se manifestam de maneira parcial e ativismo cultural. Um dos seus procedimentos mais
fragmentária, sem que o público, pela pura visão característicos é depreciar a cultura vigente por meio
das novidades de superfície, consiga atinar com a de comparações pejorativas com outras culturas,
unidade do processo subjacente. concedendo a estas últimas o benefício do relativismo
A dificuldade aí é dupla. De um lado, podem faltar e espremendo aquela entre as exigências drásticas do
as informações essenciais. Sob uma enxurrada de no- moralismo absoluto. A crítica cultural inventou e dis-

MuNDOreAL 5
seminou a "guerra assimétrica". O primeiro é um preceito metodológico segundo o
A análise filosófica, ao contrário, acredita que qual- qual toda generalização histórico-sociológica que
quer indivíduo pode transcender as limitações da sua não possa ser decomposta analiticamente até os mí-
cultura, pois se não fosse assim toda comparação entre nimos atos e personagens individuais cuja somatória
culturas seria impossível. O teatro grego, antepassado a compõe não passa de uma figura de linguagem, en-
imediato da filosofia, já escolhia de vez em quando um ganadora no mais das vezes. Se, por exemplo, acom-
estrangeiro como herói do enredo trágico, para ensi- panhando o consenso historiográfico vigente (criado
nar à platéia que a compaixão era universal, não limi- pelos marxistas), dizemos que na Revolução France-
tada por fronteiras nacionais ou culturais. A negação sa de 1789 "a burguesia tomou o poder", essa sentença
fácil da possibilidade de conhecer verdades univer- só faz sentido se pudermos apontar, entre os líderes
sais, a sujeição completa do homem ao condiciona- desse movimento, um número significativo de em-
mento cultural, já é um crime contra a inteligência. A preendedores capitalistas. O fato é que não havia ali
crítica cultural agrava esse crime, ao jogar a cultura praticamente nenhum. A Revolução Francesa foi um
contra si mesma e aprisionar os homens num emara- movimento anticapitalista e antiburguês, determi-
nhado insuportável de conflitos do qual buscarão alí- nando a longo prazo o rumo acentuadamente esta-
vio em explosões revolucionárias perfeitamente vãs. tizante e socializante tomado pela economia francesa
Uma vez, uma cretiníssima apresentadora de te- e provocando inevitavelmente com isso a decadência
levisão, querendo me fazer ciúme, disse que o me- do país que era o mais rico e poderoso do mundo. O
lhor crítico cultural brasileiro era o Sérgio Augusto. mito da "revolução burguesa" é talvez o fantasma
Concordei. Não sou nem jamais serei um crítico cul- mais assombroso que já se apossou da mente dos so-
tural. Para isso serve qualquer Sérgio Augusto. Meu ciólogos e historiadores brasileiros, infundindo nela
negócio não é transformar a cultura numa ratoeira. uma infinidade de erros letais na interpretação do
É fazer com que os homens enxerguem para além da nosso passado e presente.
sua cultura, mostrar-lhes que a ratoeira não existe A teoria do sujeito da História diz que nenhum gru-
exceto como ilusão hipnótica. po, comunidade ou entidade de qualquer natureza
Para despertá-los do sono hipnótico da cultura pode ser o agente da transformação histórica se não
brasileira recente, era preciso reconstruir de alto a atende a três condições: (1) tem de possuir uma uni-
baixo uma visão da história infectada de cacoetes dade real e não apenas simbólica e analógica; (2) essa
marxistas inconscientes. unidade tem de ser forte o bastante para determinar
O trabalho teórico que desenvolvi para isso está re- por si os valores, preferências e escolhas dos indiví-
gistrado em gravações e apostilas de cursos e confe- duos que as compõem; (3) tem de continuar existindo
rências proferidos no Centro Universitário da Cidade por tempo suficiente para garantir uma continuidade
do Rio de Janeiro na década de 90 e sobretudo na PUC de ação para além do prazo de vida desses indivíduos.
do Paraná entre 2001 e 2005. Os artigos que publiquei Essas condições, embora escapem quase sempre à vi-
no Diário do Comércio, e que constituem o miolo des- são dos intérpretes sociológicos da História, são ób-
ta edição do Digesto Econômico, são a ilustração prá- vias tão logo enunciadas. Na verdade elas são o único
tica dos conceitos e métodos ali expostos. É claro que conteúdo identificável do conceito mesmo de ação
podem ser lidos e compreendidos sem essa retaguar- histórica. Basta um exame superficial para evidenciar
da teórica. Se estou avisando que ela existe, é para fa- que, dentre os usuais "sujeitos da história" - as classes,
zer notar que nada naqueles artigos é opinião solta, as nações, os Estados, as raças, as culturas - não aten-
efusão momentânea de impressões pessoais. Tudo, dem de maneira alguma às três juntas, isto é, não são
neles - exceto, evidentemente, algum lapso devido à verdadeiros sujeitos da história, mas sombras projeta-
pressa da redação jornalística ou a desatenções do au- das pelos verdadeiros agentes. Sujeitos da História,
tor -, tem razões de ser, nem sempre declaradas, que em sentido estrito, são somente os seguintes: (a) as
recuam até os fundamentos últimos do problema igrejas e seitas religiosas; (b) as sociedades místicas,
abordado, o que quer dizer que, em princípio, para iniciáticas e esotéricas; (c) as dinastias aristocráticas e
cada afirmação ali vertida há toda uma retaguarda de oligárquicas; (d) os movimentos políticos organizados
provas lógicas e documentais que não são apresenta- como seitas religiosas ou sociedades esotéricas. Não
das por extenso no corpo do texto, mas que, na maior existe um quinto agente histórico (o estudo dos fatores
parte dos casos, já foram desenvolvidas oralmente históricos extra-humanos, naturais ou sobrenaturais,
em cursos, debates e conferências e podem sê-lo no- é um tema em separado, que seria longo explicar aqui).
vamente em caso de necessidade. As nações, classes, Estados etc., são cenários, locais ou
No que diz respeito aos fundamentos teóricos, os objetos da ação, nunca agentes. A História contada
de maior importância prática para as breves análi- com esses falsos agentes como focos produz continui-
ses expostas nesses artigos são o atomismo históri- dades e encadeamentos causais simbólicos e ilusórios,
co-sociológico, a teoria do sujeito da História, a teo- como o das figuras de animais formadas pelas nuvens
ria das castas e a teoria dos quatro discursos. em movimento. Por trás desses nexos aparentes, sem-

6 MuNDOreAL
pre se encontrará, escavando um pouco, a mão dos buscá-la, ou pelo menos de abster-se de opinar até a
verdadeiros agentes. Muitas das análises que apresen- posse de maiores conhecimentos. Como imaginação e
tei no Diário do Comércio não são senão exemplos de sanidade intelectual faltam quase por completo aos
aplicação desse método. formadores de opinião midiática e universitária, pra-
A teoria das castas, que adaptei da tradição hindu, ticamente tudo o que esses senhores escreveram ou
visa a descobrir a verdade por trás da falsa identidade disseram sobre o meu pensamento político (para nada
histórica das classes sociais e sobretudo por trás do dizer das opiniões abalizadíssimas de estudantes se-
mito da "ideologia de classe". Todas as supostas mi-analfabetos que superlotam as listas de discussão
"ideologias de classe" foram inventadas por uma só na internet) é pura fantasia construída em cima de
classe: os intelectuais. E destinam-se tão-somente a fragmentos isolados. Nunca esperei deles outra coisa.
encobrir a manipulação política das demais classes Numa vida anormalmente agitada de jornalista,
pelos intelectuais. Mas estes não são, em nenhum conferencista itinerante, editor de textos alheios, mi-
sentido socio-econômico identificável, uma classe. cro-empresário, ongueiro virtual e agora correspon-
São uma casta. As castas são tipos psicológicos (em dente no Exterior, não tive tempo de organizar para
geral distribuídos pelas várias classes) e por isso são publicação as gravações e transcrições de minhas au-
determinantes diretos da conduta humana. Não são las, que no mais modesto dos cálculos sobem a vinte
propriamente agentes da história, mas são o molde mil páginas de texto. Nem mesmo artigos de jornal pu-
estrutural onde esses agentes nascem e se definem. de coligir e publicar em livro desde o segundo volume
Por isso, toda e qualquer ação histórica leva uma mar- de O Imbecil Coletivo (Topbooks, 2000). Vocês podem
ca de casta. As quatro castas têm existência perma- portanto imaginar a minha alegria quando a Associa-
nente, independentemente das variações da estrutu- ção Comercial de São Paulo sugeriu a publicação desta
ra socio-econômica. Perceber a identidade de casta coletânea. Ela é o primeiro passo para que, aos poucos,
dos agentes históricos é essencial para compreender a unidade do meu pensamento político - e da elabora-
a lógica de suas ações. ção filosófica por baixo dele - comece a se tornar visível
A teoria dos quatro discursos - a única, das aqui fora do meu círculo de alunos.
mencionadas, que circula em formato de livro (Aris- Quanto ao título, creio que não preciso explicá-lo
tóteles em Nova Perspectiva, Rio, Topbook, 1998, reed. muito. Fisicamente, o Brasil parece continuar ancora-
São Paulo, É-Realizações, 2006) -- é um estudo dos do no solo, mas, psicologicamente, está vagando em
meios essenciais de persuasão, portanto dos meios de algum lugar da estratosfera. Sem a menor idéia do que
influência do homem sobre o homem. Ela ajuda a rea- se passa no mundo, tem opiniões sobre tudo e as emite
lizar a distinção entre o discurso dos agentes do pro- com uma paixão, com um furor, que já prova serem
cesso e o discurso explicativo do observador analítico frutos da autopersuasão imaginária, sempre mais
- distinção que, segundo Aristóteles, é o começo da emocionante do que a mera observação dos fatos. Daí
ciência política. Essa distinção desemboca numa ou- a necessidade destas cartas de um terráqueo, modes- O autor
tra, de alto valor prático imediato. Todo discurso de tas tentativas de trazer de volta ao nosso velho planeta sentado na
agente contém, de maneira compactada e indistinta, uma nação perdida no espaço. estátua de
dois elementos: os dados verdadeiros ou falsos que ele Lênin, atrás
possui sobre a situação e as ações que pretende desen- OLAVO DE CARVALHO do Palácio
cadear com o seu discurso. A força da sua influência Richmond, Virginia, 17 de janeiro de 2007. Brancovan,
sobre os ouvintes depende, muitas vezes, de que esses na Romênia
dois elementos permaneçam mesclados. Por isso mes- Arquivo pessoal

mo há em toda ação histórica um componente de mis-


tificação, que pode chegar à completa automistifica-
ção. A análise decompõe esses fatores, tornando inte-
ligível o processo na mesma medida em que fornece os
meios de neutralizar, se preciso, a força agente. Muitos
dos artigos que publiquei no Diário do Comércio não
são senão aplicações dessa distinção, cuja importância
vai muito além do puro interesse científico.
Meus alunos - e os poucos leitores de meus livros e
apostilas - percebem claramente que esses artigos, co-
mo quaisquer outros publicados por mim, são apenas
portas de entrada para toda uma rede de conexões
subterrâneas. Para os demais leitores, essa rede per-
manece invisível, mas basta um pouquinho de imagi-
nação para suspeitar que ela existe, e basta um pouqui-
nho de sanidade intelectual para despertar o desejo de

MuNDOreAL 7
Obviedades temíveis
Luiz Guedes

A
esta altura já se tornou óbvio que mes-
mo alguns dos mais ferrenhos acusado-
res da corrupção governamental estão
antes interessados em salvar a imagem
do PT do que em descobrir a verdade. Já
disse dezenas de vezes e repito: a esquerda or-
ganizada - não o PT sozinho, mas a articulação
dos partidos pertencentes ao Foro de São Paulo
- é mais poderosa que o Parlamento, mais po-
derosa que o empresariado, mais poderosa que
a Justiça, mais poderosa que a Igreja, mais po-
derosa que a mídia, mais poderosa que as For-
ças Armadas. Ninguém tem meios de puni-la,
faça ela o que fizer. O Estado brasileiro, para ela,
é apenas matéria dúctil da qual ela se servirá a
seu belprazer, moldando-a e remoldando-a à
sua imagem e semelhança, no instante em que
quiser, no estilo em que quiser, sem suscitar se-
não reclamações isoladas, débeis e impotentes.
O simples fato de que seus opositores se limi-
tem a imputações de detalhe, sem coragem ou
capacidade para denunciar o esquema ideoló-
gico e estratégico por trás de tudo, já é a prova
mais contundente de que eles estão derrotados,
submissos, agarrando-se a subterfúgios fúteis
para não ter de enxergar a extensão da tragédia
em que uma persistente covardia os mergu-
lhou. Disputam no varejo porque sabem que,
no atacado, já perderam. E não falo só do Brasil:
o continente latino-americano, com exceção da
Colômbia, do Chile e dos pequenos países da
América Central, já está sob o domínio comu-
nista e não sairá ileso dessa brincadeira, como
nenhum povo submetido a experiência similar
jamais saiu. Desde que os setores mais vital-
mente interessados na sobrevivência da demo-
cracia capitalista caíram no engodo do "fim do
comunismo" e reprimiram em si próprios toda
veleidade de anticomunismo, estavam virtual-
mente mortos e enterrados. A começar pelos
grão-senhores da mídia, coelhinhos assusta-
dos, trêmulos ante os chefetes comunistas que
eles próprios nomearam e ante os bancos ofi-
ciais que prestam socorro a suas empresas pe-
riclitantes. A sorte do continente latino-ameri-
cano está decidida: o futuro chama-se União
das Repúblicas Socialistas da América Latina.
A profecia de Fidel Castro, lançada na IV As-
sembléia do Foro de São Paulo, está em vias de
se realizar plenamente: o movimento comunis-

8 MuNDOreAL
ta internacional já está reconquistando na Amé- grante, é porque sabe utilizar o duplo efeito,
rica Latina tudo o que perdeu no Leste Europeu. estimulante e tranqüilizante, da propaganda
Com uma diferença: no Leste Europeu ele avan- enganosa: inocular medo e ódio nos corações
çou sobre cadáveres de heróis e mártires; na de nacionalistas sonsos (militares especial-
América Latina vai deslizar suavemente sobre a mente), anestesiar empresários idiotas infun-
pasta amorfa da pusilanimidade, da omissão e dindo-lhes uma esperança insensata.
do colaboracionismo. Mas talvez a insensatez maior dos antipetis-
E não se iludam com uma intervenção sal- tas seja a confiança que têm no PSDB. Esse par-
vadora dos EUA. A ascensão do comunismo tido pertence à Internacional Socialista, foi res-
na América Latina é do mais alto interesse da ponsável durante o governo Fernando Henri-
esquerda chique americana que aqui repre- que pela transformação do MST no mais pode-
senta a nata do poder econômico e, na escala roso movimento de massas do continente e
mundial, a vanguarda intelectual e financeira pela introdução maciça da propaganda comu-
do globalismo. É verdade que aqui essa gente nista nas escolas. Aceitá-lo como encarnação
enfrenta uma resistência feroz dos conserva- da "direita" é cair na armadinha verbal do pe-
dores e nacionalistas, mas estes começaram a tismo, que demarcou a esquerda moderada
lutar muito tarde, só na década de 70, ao passo como forma extrema de direitismo permitido,
que a esquerda já dominava os círculos de eli- criminalizando tudo o mais para assegurar a si
te, as universidades, as diversões públicas e a próprio o domínio do espectro político inteiro,
grande mídia desde os anos 30. Hoje os esquer- bloqueando o surgimento de uma autêntica
distas são os donos das verbas oficiais de ajuda oposição capitalista-democrática.
ao Terceiro Mundo, que, junto com o dinheiro O próprio Fernando Henrique, sob as pal-
das fundações multibilionárias, fluem para os mas entusiásticas do petista Christovam Buar-
movimentos revolucionários e são negados a que, já declarou que seu partido não tem diver-
tudo o que seja ou pareça "de direita". Experi- gências ideológicas ou estratégicas com o PT,
mentem. Tirem a prova. Façam um projeto ins- que entre eles não há senão miúdas disputas de
pirado em valores judaico-cristãos, na defesa poder (inevitáveis mesmo dentro de um regime
dos direitos individuais e da economia de mer- de tipo soviético) e que os objetivos finais de um
cado, e tentem obter ajuda de alguma institui- e de outro são exatamente os mesmos. A malícia
ção governamental ou megafundação ameri- pueril brasileira pode enxergar nessa declara-
cana. Na melhor das hipóteses, receberão eva- ção nada mais que uma concessão da boca para
sivas educadas. Depois inventem alguma to- fora, um golpe de astúcia caipira. Mas Fernan-
lice alegando "combate às desigualdades", do Henrique não é estúpido o bastante para
abortismo, feminismo, direitos gays, etc.: os querer enganar um adversário tarimbado por
cofres se abrirão generosamente. É claro que meio da lisonja barata. Estúpido é o ouvinte que
aqui existe muita gente contra isso, é claro que não percebe que o ex-presidente disse apenas
os conservadores têm hoje o apoio da maioria uma verdade factual, material, auto-evidente A esquerda
da população, é claro que uma redescoberta para todos os petistas e tucanos informados. organizada
dos valores americanos tradicionais tem cria- Petismo e tucanismo correspondem, no mi- é mais poderosa
do dificuldades excepcionais para a elite es- crocosmo nacional, ao comunismo e ao socia- que o parlamento,
querdista, mas ainda há pela frente uma luta lismo fabiano na escala internacional. O socia- mais poderosa
de muitas décadas antes que isso possa se re- lismo fabiano é a ideologia orientadora da Co-
que o
fletir numa mudança efetiva da política inter- munidade Européia e, em larga medida, da
nacional americana. Mesmo no Oriente Mé- ONU (leiam The European Union Collective, empresariado,
dio, onde o plano Bush de espalhar a democra- de Christopher Story, Londres, Edward Harle, mais poderosa
cia entre os povos islâmicos vem alcançando 2002). Sua idéia básica é instaurar a ditadura que a Justiça.
sucessos espetaculares - reconhecidos até no socialista - o pleno domínio do Estado sobre to-
Brasil por um esquerdista doente como Caio das as iniciativas humanas - não através da re-
Blinder -, o apoio interno ao presidente é con- volução, mas de mudanças progressivas na le-
tinuamente boicotado por meio de campa- gislação. O símbolo do socialismo fabiano é a
nhas de propaganda, mentirosas até à alucina- tartaruga, designando a lentidão persistente
ção, que arriscam abortar a ação americana e em contraste com a precipitação comunista
devolver o Iraque à quadrilha de Saddam (durante todas as reuniões de fundação da Co-
Hussein. Como, nessas condições, poderiam munidade Européia, a mesa diretora ostentou
os EUA intervir na América Latina? Se a pró- uma tartaruga de louça, trazida pelo ex-presi-
pria esquerda alardeia como realidade imi- dente francês Valéry Giscard d'Estaing). Hoje
nente o que é de fato uma impossibilidade fla- sabe-se que os criadores do socialismo fabiano

MuNDOreAL 9
Les Stone/Corbis

A América Latina
está quase toda sob
domínio comunista
e não sairá ilesa
dessa brincadeira

- Sidney e Beatrice Webb - agiam sob orienta- tar. Se vocês querem fazer algo de efetivo contra
ção direta do governo soviético, apresentando a hegemonia esquerdista, parem de se iludir
como alternativa ao comunismo aquilo que era com a eficácia utópica das meias-medidas, pa-
apenas o comunismo agindo por meios mais rem de confiar em comissões de inquérito pre-
anestésicos. Passados oito décadas, a divisão sididas pelos próprios investigados, parem de
de trabalho não mudou. Também não muda- querer furar com alfinetes uma couraça de ele-
ram em nada as briguinhas internas que jogam fante. Admitam que, contra uma estratégia co-
areia nos olhos da platéia. Quando Fernando munista de envergadura continental, só uma
Henrique declara que, nas investigações sobre estratégia anticomunista de idênticas propor-
o escândalo do Mensalão, é importante "não ções pode alguma coisa. Admitam que só o que
destruir o PT", ele sabe o que está dizendo. Tra- os pode salvar é aquilo que vocês mais temem: o
ta-se de garantir para o PSDB um lugar me- enfrentamento ideológico sistemático, abran-
lhorzinho no esquema de poder socialista, não gente, completo. Assumam a defesa dos valo-
de eliminar o esquema enquanto tal. res judaico-cristãos, do modelo ocidental de de-
O tremendo respaldo internacional que es- mocracia, das liberdades individuais e decla-
se esquema tem nos círculos globalistas da Eu- rem em voz alta o nome do inimigo: comunis-
ropa e dos EUA pode ser medido pela papari- mo. Se vocês têm medo até mesmo de nomear o
cação de Lula por parte da grande mídia ame- bicho, como poderão vencê-lo?
ricana (arraigadamente anti-Bush), de vários Sei que é tarde, é demasiado tarde, para co-
governos europeus e do próprio Fundo Mone- meçar uma briga dessas proporções. Mas há
tário Internacional, que aí no Brasil ninguém algumas coisas que podem ser feitas com
parece saber que é um órgão da burocracia glo- meios modestos e de grande eficácia. Uma de-
balista, não um baluarte da liberdade econô- las é, admitindo francamente que já não existe
mica como o apresentam os esquerdistas para no Brasil autoridade superior à esquerda orga-
camuflar a ajuda que recebem dele. nizada, reconhecer que está na hora de apelar
Se há algo que me desgosta e me irrita é ter de ao julgamento internacional, usando as armas
abandonar o plano das análises e diagnósticos, do próprio globalismo contra os seus protegi-
onde me movo à vontade, pelo das sugestões dos locais. Não custa nada algum grupo inte-
práticas que não cabem ao estudioso e sim aos ressado encaminhar à Organização dos Esta-
políticos. Odeio dar conselhos. Mas há um que dos Americanos uma petição requerendo uma
não posso reprimir. É de uma burrice insana comissão investigativa internacional, inde-
tentar combater com acusações pontuais um pendente, para averiguar os crimes do PT. Du-
esquema estratégico abrangente, que inclui vido que alguém aí tenha coragem para isso,
Diário do Comércio desde o envenenamento ideológico das crian- mas, quando todas as portas se fecham, é pre-
01/08/2005 ças pequenas até vastas redes internacionais de ciso lembrar que ainda existem janelas. Direi
apoio econômico, político, publicitário e mili- mais sobre isso nos próximos artigos.

10 MuNDOreAL
Luis Acosta/AFP

u c o n f e s s o
Lula , r é tiveram aí o tempo todo. Tendo sabido do discurso desde a da-
ta em que foi pronunciado, ainda assim continuaram em silên-
cio, provando que sua persistente ocultação dos fatos não foi
fruto da distração ou da pura incompetência: foi cumplicidade

E
u deveria estar grato ao sr. presidente da República. Quan- consciente, maquiavélica, com um crime do qual esperavam
do praticamente a mídia nacional inteira se empenha em obter não se sabe qual proveito.
camuflar as atividades ou até em negar a existência do Fo- O sentido destes parágrafos, uma vez desenterrado do li-
ro de São Paulo, tachando de louco ou fanático aquele que xo verbal que lhe serve de embalagem, é de uma nitidez con-
as denuncia, vem o fundador mesmo da entidade e dá to- tundente:
do o serviço, comprovando de boca própria as suspeitas mais de- "Em função da existência do Foro de São Paulo, o compa-
primentes e algumas ainda piores que elas. nheiro Marco Aurélio tem exercido uma função extraordinária
O discurso presidencial de 2 de julho de 2005, pronuncia- nesse trabalho de consolidação daquilo que começamos em
do na celebração dos quinze anos de existência do Foro e re- 1990... Foi assim que nós, em janeiro de 2003, propusemos ao
produzido no site oficial do governo, http://www.in- nosso companheiro, presidente Chávez, a criação do Grupo de
fo.planalto.gov.br/download/discursos/pr812a.doc, é a Amigos para encontrar uma solução tranqüila que, graças a
confissão explícita de uma conspiração contra a soberania Deus, aconteceu na Venezuela. E só foi possível graças a uma
nacional, crime infinitamente mais grave do que todos os ação política de companheiros. Não era uma ação política de
delitos de corrupção praticados e acobertados pelo atual go- um Estado com outro Estado, ou de um presidente com outro
verno; crime que, por si, justificaria não só o impeachment presidente. Quem está lembrado, o Chávez participou de um
como também a prisão do seu autor. dos foros que fizemos em Havana. E graças a essa relação foi
À distância em que estou, só agora tomei ciência integral possível construirmos, com muitas divergências políticas, a
desse documento singular, mas os chefes de redação dos gran- consolidação do que aconteceu na Venezuela, com o referendo
des jornais e de todos os noticiários de rádio e TV do Brasil es- que consagrou o Chávez como presidente da Venezuela.

MuNDOreAL 11
"Foi assim que nós pudemos atuar junto a mente quando se sabe que entre as entidades
outros países com os nossos companheiros do participantes dessas reuniões decisórias
movimento social, dos partidos daqueles paí- constam organizações como o MIR chileno,
ses, do movimento sindical, sempre utilizan- seqüestrador de brasileiros, e as Farc, narco-
do a relação construída no Foro de São Paulo guerrilha colombiana, responsável, segun-
para que pudéssemos conversar sem que pa- do seu parceiro Fernandinho Beira-Mar, pe-
recesse e sem que as pessoas entendessem la injeção de duzentas toneladas anuais de
qualquer interferência política." cocaína no mercado nacional.
O que o sr. presidente admite nesses trechos Nunca um presidente eleito de qualquer
é que: Fala de país civilizado mostrou um desprezo tão com-
1º. O Foro de São Paulo é uma entidade se- Lula de pleto à Constituição, às leis, às instituições e ao
creta ou pelo menos camuflada ("construída... 2 de julho é a eleitorado inteiro, ao mesmo tempo que con-
para que pudéssemos conversar sem que pa- confissão cedia toda a confiança, toda a autoridade, a
recesse e sem que as pessoas entendessem explícita de uma uma assembléia clandestina repleta de crimi-
qualquer interferência política"). nosos, para que decidisse, longe dos olhos do
2º. Essa entidade se imiscui ativamente na
conspiração povo, os destinos da nação e suas relações com
política interna de várias nações latino-ameri- contra a os vizinhos. Nunca houve, no Brasil, um trai-
canas, tomando decisões e determinando o ru- soberania dor tão descarado, tão completo e tão cínico
mo dos acontecimentos, à margem de toda fis- nacional quanto Luís Inácio Lula da Silva.
calização de governos, parlamentos, justiça e A maior prova de que ele ludibriou cons-
opinião pública. cientemente a opinião pública, mantendo-a na
3º. O chamado "Grupo de Amigos da Vene- ignorância das operações do Foro de São Pau-
zuela" não foi senão um braço, agência ou fa- lo, é que, às vésperas da eleição, amedrontado
chada do Foro de São Paulo (" em função da pelas minhas constantes denúncias a respeito
existência do Foro... foi que propusemos ao dessa entidade, mandou seu "assessor para as-
companheiro presidente Chavez..."). suntos internacionais", Giancarlo Summa,
4º. Depois de eleito em 2002, ele, Luís Inácio acalmar os jornais por meio de uma nota oficial
Lula da Silva, ao mesmo tempo que pró forma do PT, segundo a qual o Foro era apenas um
abandonava seu cargo de presidente do Foro inocente clube de debates, sem nenhuma atua-
de São Paulo, dando a impressão de que estava ção política (v. http://www.olavodecarva-
livre para governar o Brasil sem compromis- lho.org /semana/10192002globo.htm).
sos com alianças estrangeiras mal explicadas, E agora ele vem se gabar da "ação política de
continuou trabalhando clandestinamente pa- companheiros", praticada com recursos do go-
ra o Foro, ajudando, por exemplo, a produzir verno brasileiro às escondidas do Parlamento,
os resultados do plebiscito venezuelano de 15 da justiça e da opinião pública.
de agosto de 2004 (" graças a essa relação foi Comparado a delito tão imenso, que impor-
possível construirmos a consolidação do que tância têm o Mensalão e fenômenos similares,
aconteceu na Venezuela "), sem dar a menor sa- senão enquanto meios usados para subsidiar
tisfação disso a seus eleitores. operações parciais no conjunto da grande estra-
5º. A orientação quanto a pontos vitais da tégia de transferência da soberania nacional pa-
política externa brasileira foi decidida pelo sr. ra a autoridade secreta de estrangeiros?
Lula não como presidente da República em Pode haver desproporção maior do que entre
reunião com seu ministério, mas como parti- vulgares episódios de corrupção e esse crime su-
cipante e orientador de reuniões clandestinas premo ao qual serviram de instrumentos?
com agentes políticos estrangeiros ("foi uma A resposta é óbvia. Mas então por que tantos
ação política de companheiros, não uma ação se prontificam a denunciar os meios enquanto
política de um Estado com outro Estado, ou de consentem em continuar acobertando os fins?
um presidente com outro presidente"). Acima Aqui a resposta é menos óbvia. Requer uma
de seus deveres de presidente ele colocou sua distinção preliminar. Os denunciantes divi-
lealdade aos "companheiros". dem-se em dois tipos: (A) indivíduos e grupos
O sr. presidente confessa, em suma, que comprometidos com o esquema do Foro de
submeteu o país a decisões tomadas por es- São Paulo, mas não diretamente envovidos no
trangeiros, reunidos em assembléias de uma uso desses meios ilícitos em especial; (B) indi-
entidade cujas ações o povo brasileiro não de- víduos e grupos alheios a uma coisa e à outra.
via conhecer nem muito menos entender. O raciocínio dos primeiros é simples: vão-se
Não poderia ser mais patente a humilha- os anéis mas fiquem os dedos. Já que se tornou
ção ativa da soberania nacional, principal- impossível continuar ocultando o uso dos ins-

12 MuNDOreAL
trumentos ilícitos, consentem em entregar às Seria absurdo imputar tão somente a Lula e ao
feras os seus operadores mais notórios, de mo- Foro de São Paulo a culpa do apodrecimento
do a poder continuar praticando o mesmo cri- moral brasileiro, esquecendo a contribuição que
me por outros meios e outros agentes. O con- receberam desses moralistas de ocasião, tão afoi-
teúdo e até o estilo das acusações subscritas tos em denunciar as partes quanto solícitos em
por essas pessoas revelam sua natureza de pu- O ocultar o todo. Nada poderia ter fomentado
ras artimanhas diversionistas. Quando atri- chamado mais o auto-engano nacional do que essa prodi-
buem a corrupção do PT, que vem desde 1990, "Grupo de giosa rede de cumplicidades e omissões nasci-
a acordos com o FMI firmados a partir de 2003, Amigos da das de motivos diversos mas convergentes na
mostram que sua ânsia de mentir não se inibe Venezuela" não direção do mesmo resultado: criar uma falsa im-
nem diante da impossibilidade material pura pressão de investigações transparentes, uma fa-
e simples. Quando lançam as culpas sobre "um
foi senão um chada de normalidade e legalidade no instante
grupo", escamoteando o fato de que as rami- braço ou fachada mesmo em que, roída invisivelmente por den-
ficações da estrutura criminosa se estendiam do Foro de São tro, a ordem inteira se esboroa.
da Presidência da República até a prefeituras Paulo A destruição da ordem e sua substituição
do interior, abrangendo praticamente o parti- por " um novo padrão de relação entre o Estado
do inteiro, provam que têm tanto a esconder e a sociedade ", decidido em reuniões secretas
quanto os acusados do momento. com estrangeiros, tal foi o objetivo confesso do
Mais complexas são as motivações do grupo sr. Lula. Esse objetivo, disse ele em outra pas-
B. Em parte, ele compõe-se de personagens sem sagem do mesmo discurso, deveria ser alcan-
fibra, física e moralmente covardes, que prefe- çado e consolidado " de tal forma que isso pos-
rem ater-se ao detalhe menor por medo de en- sa ser duradouro, independente de quem seja
xergar as dimensões continentais do crime to- o governo do país ".
tal. Há também o subgrupo dos intelectual- Os O que se depreende da atitude daqueles
mente frouxos, que apostaram na balela da intelec- seus críticos e acusadores é que, nesse objetivo
"morte do comunismo" e agora se sentem obri- tualmente geral, o sr. Lula já saiu vitorioso, independen-
gados, para não se desmentir, a reduzir a maior frouxos fingem temente do sucesso ou fracasso que venha a
trama golpista da história da América Latina às obter no restante do seu mandato. A nova or-
que Lula é nada
dimensões mais manejáveis de um esquema de dem cujo nome é proibido declarar já está im-
corrupção banal, despolitizando o sentido dos mais do que um plantada, e sua autoridade é tanta que nem
fatos e fingindo que Lula é nada mais que um Fernando Collor mesmo os inimigos mais ferozes do presidente
Fernando Collor sem jet ski. Há os que, por sem jetski ousam contestá-la. Todos, de um modo ou de
oportunismo ou burrice, colaboraram demais outro, já se conformaram ao menos implicita-
com a ascensão do partido criminoso e agora se mente em colocar o Foro de São Paulo acima da
sentem divididos entre o impulso de se limpar Constituição, das leis e das instituições brasi-
do ranço das más companhias e o de minimizar leiras. Se reclamam de roubalheiras, de des-
o crime para não sentir o peso da ajuda cúmpli- vios de verbas, de mensalões e propinas, é pre-
ce que lhe prestaram. Há os pseudo-espertos, cisamente para não ter de reclamar da transfe-
que dão refrigério ao inimigo embalando-se na rência da soberania nacional para a assembléia
ilusão louca de que é mais viável derrotá-lo continental dos "companheiros", como Hugo
roendo-o pelas beiradas do que acertando-lhe Chávez, Fidel Castro, os narcoguerrilheiros
um golpe mortal no coração. Há por fim os que colombianos e os seqüestradores chilenos. É
realmente não estão entendendo nada e, com o como a mulher estuprada protestar contra o
tradicional automatismo simiesco da fala bra- estrago no seu penteado, esquecendo-se de di-
sileira, saem apenas repetindo o que ouvem, na zer alguma coisinha, mesmo timidamente,
esperança de fazer bonito. contra o estupro enquanto tal.
Peço encarecidamente a todos os inflamados Talvez os feitos do sr. Lula e do seu maldito
acusadores anticorruptos das últimas semanas - Foro não tenham trazido ao Brasil um dano tão
- políticos, donos de meios de comunicação, em- vasto quanto essa inversão total das propor-
presários, jornalistas, intelectuais, magistrados, ções, essa destruição completa do juízo moral,
militares - que examinem cuidadosamente suas essa corrupção integral da consciência públi-
respectivas consciências, se é que alguma lhes ca. Nunca se viu um acordo tão profundo entre
resta, para saber em qual desses subgrupos se acusado e acusadores para permitir que o cri-
encaixam. Pois, excetuando aqueles poucos bra- me, denunciado com tanto alarde nos deta-
sileiros de valor que subscreveram em tempo as Diário do Comércio lhes, fosse tão bem sucedido nos objetivos de
denúncias contra o Foro de São Paulo, todos os 26/09/2005 conjunto " sem que parecesse e sem que as pes-
demais fatalmente se encaixam em algum. soas entendessem ".

MuNDOreAL 13
A prova cabal da mentira
S
ob o título "Paranóia", encontro no site
oficial da campanha lulista
( h t t p : / / w w w . l u l a p r e s i d e n-
te.org.br/boletim.php?codigo=21) uma
declaração sobre o Foro de São Paulo que
deve ser analisada com a maior atenção e rigor,
porque fornece a prova cabal de que o PT é um
partido de sociopatas cínicos, amorais, sem es-
crúpulos, mentirosos até à alucinação.
Publicado sem assinatura de autor, portan-
to endossado pelos chefes mesmos da campa-
nha presidencial de Lula, o documento come-
ça anunciando que "alguns artigos na impren-
sa e muitas mensagens na internet divulgam
uma 'denúncia' seríssima: a de que o PT seria
integrante de uma perigosa organização inter-
nacional chamada Foro de São Paulo."
As aspas na palavra "denúncia" dão a enten-
der que ela não é uma denúncia de maneira al-
guma, não é a revelação de ações graves e ma-
lignas, mas sim apenas uma tentativa artificio-
sa de fazer onda em torno de fatos já ampla-
mente conhecidos ou inócuos. Veremos
adiante se esses fatos são realmente assim.
"Pois bem: a tal organização existe, chama-
se mesmo Foro de São Paulo mas só oferece pe-
rigo para os partidos neoliberais."
Como não faz nenhum sentido reconhecer
publicamente a existência de algo que já é pu-
blicamente reconhecido como existente, este
parágrafo é uma confissão de que o Foro de São
Paulo, a mais vasta e poderosa organização
política da América Latina, fundada por duas
celebridades mundiais (Lula e Fidel Castro) e
composta por todos os líderes da esquerda
continental, continua desconhecido do públi-
co geral após dezesseis anos de atividade.
Mas será normal, inócuo e indigno de de-
núncia o fato de que tantos chefes de Estado,
tantos líderes de partidos, tantos comandantes
de guerrilhas tenham reuniões periódicas pa-
ra discutir assuntos políticos durante mais de
uma década e meia sem que ninguém fora do
círculo dos eleitos fique sabendo de nada?
Ou, ao contrário, a denúncia não tem nada
de artificioso, é a revelação jornalística obriga-
tória de um fato importante e colocá-la entre
aspas é que é uma tentativa pueril de esconder
um elefante por baixo de um pires?
Raciocinem um pouco. Mesmo que aqueles
Claudia Daut/Reuters

14 MuNDOreAL
indivíduos se reunissem sem qualquer intuito artigo publicado em O Globo em 19 de outubro
político, mesmo que fossem ali apenas para de 2002 (v. http://www.olavodecarva-
beber cerveja e jogar futebol-de-botão, o nú- lho.org/semana/10192002globo.htm).
mero e a magnitude deles já faria do aconteci- Não sei como o acordo de sumir com a no-
mento um alvo necessário e indispensável de tícia veio a ser obedecido tão fielmente por to-
atenção jornalística. O silêncio total da mídia a dos os órgãos de mídia (se bem que no Brasil
respeito assinalaria, no mínimo, uma falha eles não sejam tantos que não se possa subor-
profissional imperdoável, mesmo que o en- ná-los, ou intimidá-los, ou simplesmente se-
contro se realizasse uma única vez. A persis- duzi-los por atacado). Mas sei de onde partiu a
tência da omissão por dezesseis anos segui- ordem de sumiço: partiu do próprio Foro de
dos, mesmo se não levarmos em conta suas im- São Paulo, na pessoa do seu
plicações políticas e a considerarmos apenas fundador e diri-
do ponto de vista técnico-jornalístico, já seria gente máxi-
por si um fenômeno alarmante no mais alto
grau. Ainda supondo-se que não houvesse
nisso nenhum esforço de ocultação, apenas
um lapso de atenção profissional, é evidente
que uma gigantesca falha de cobertura, repe-
tida uniformemente por todos os jornais, ca-
nais de TV e noticiários de rádio ao longo de
tanto tempo, comprovaria uma epidemia ge-
ral de inépcia jornalística como nunca se viu na
história mundial da mídia. Dizer que isso não
constitui motivo de denúncia ultrapassa a
margem do que se pode conceder à hipótese
da estupidez. É cinismo puro e simples. É men-
tira consciente, produzida no intuito de ludi-
briar os votantes às vésperas de uma eleição.
Mas quem, em sã consciência, pode acredi-
tar numa tão vasta, geral e duradoura conjun-
ção de inépcias jornalísticas acumuladas em
todas as redações, em todas as cabeças de jor-
nalistas do país ao longo de dezesseis anos
por mero acaso, por pura coincidência? Se es-
sa coincidência tivesse realmente aconteci-
do, sua improbabilidade matemática seria
tão gigantesca que, por si, o fenômeno mere- mo, Luís Inácio
ceria estudo científico. Querer que acredite- Lula da Silva.
mos nisso é esperar que abdiquemos total- Quem me contou
mente da inteligência racional e do senso das isso? Foi ele mes-
proporções, para apostar na palavra sacros- mo, ora bolas! No
santa de um redator de aluguel a serviço de seu discurso de 26
um partido de ladrões. de setembro de 2005,
Para qualquer observador com QI superior comemorativo dos
a 12, é claro que houve ocultação deliberada do quinze anos de funda-
Foro de São Paulo e, uma vez vazado o segre- ção do Foro, ele declarou
do, um esforço proposital de abafar o escânda- que essa entidade era um sistema
lo por meio de evasivas, desconversas e novas de relações construído entre ele e
ocultações. Essas duas etapas da fraude se evi- outros líderes esquerdistas "para
denciaram, respectivamente, no sumiço com- que pudéssemos conversar sem
pleto do site do Foro de São Paulo logo após eu que parecesse e sem que as pes-
começar a divulgar trechos das atas de suas as- soas entendessem qualquer inter-
sembléias, e na nota oficial do PT, assinada por ferência política". Pergunto ao au-
seu assessor de imprensa Giancarlo Summa, tor do documento: Você não sabe
que afirmava ser o Foro apenas um inofensivo ler, desgraçado? Não entende o
centro de debates, sem intuito decisório, afir- que o seu próprio chefe admite
mativa que desmenti, com provas cabais, em com clareza máxima? Entende
Epitácio Pessoa/AE

MuNDOreAL 15
sim, e porque entende, esconde. No caso, es- mente admissíveis. O primeiro perigo que o
conder se torna ainda mais fácil porque o dis- Foro promete para os partidos inimigos é este:
curso com a confissão explícita da ocultação torná-los inviáveis como força política e cultu-
proposital também foi ocultado por sua vez: ral. A promessa é clara, e exclui in limine a pos-
publicado no site oficial do governo sibilidade do rozídio no poder por via eleito-
(ht tp:// www.i nfo.p lanalt o.gov.br/d own- ral, que supõe a existência política e cultural
load/discursos/pr812a.doc), não foi citado do adversário como força organizada. Pode-se
por nenhum jornal, revista, canal de TV ou es- concorrer com esse adversário, é claro, mas só
tação de rádio deste país, mesmo depois que o como meio temporário destinado, em última
denunciei nas minhas colunas, aqui, no Jornal Declaração instância, a "erradicá-lo". Nenhum partido ou
do Brasil e no Mídia Sem Máscara. Vai me di- sobre o organização rotulada como "neoliberal" ja-
zer, moleque idiota, que isso também foi coin- Foro de São Paulo mais ambicionou "erradicar a esquerda". Li-
cidência, mera coincidência? em site lulista mitam-se a tentar vencê-la nas eleições, quan-
A segunda frase do parágrafo admite que o do podem, e em seguida aceitá-la como opo-
fornece a prova de
Foro é perigoso, "mas só para os partidos neo- sição democrática sem perspectiva de extin-
liberais". Não interessa, no momento, discu- que o PT é um ção. A assimetria é evidente.
tir o sentido objetivo do termo "neoliberal", partido de Se, porém, "ser erradicado" política e cultu-
que já investiguei em artigo anterior sociopatas cínicos, ralmente já é temível o bastante, expondo mi-
(http: //www.olavod ecarvalho.org/sema- amorais, sem lhões de pessoas ao perigo de ficar sem repre-
na/050725dc.htm). Interessa que, para os es- escrúpulos, sentação política ou meios de autodefesa cole-
querdistas em geral, incluindo o autor do do- tiva, as entidades filiadas ao Foro não se con-
mentirosos até à
cumento, o termo designa pessoas e entida- tentam com perigo tão modesto. Entre elas
des que eles parecem não ter a menor dificul- alucinação. constam organizações armadas como as Farc,
dade de identificar, tal o sentimento de o MIR chileno, os Tupamaros, que já enviaram
certeza com que o aplicam a esses alvos. As para o beleléu, fisicamente, uma quantidade
duas perguntas que a afirmação suscita são, considerável de "neoliberais". O número exato
portanto: (a) Que tipo de perigo, concreta- é de cálculo difícil, mas já passou de algumas
mente falando, o Foro apresenta para os par- dezenas de milhares.
tidos que tenham a infelicidade de enqua- O "perigo" anunciado é portanto bem claro:
drar-se na classificação de "neoliberais"?; (b) Neoliberais (seja isto lá o que for), nós vamos
É realmente só esse o grupo ameaçado, ou os matar vocês. Os que sobrarem, nós vamos ex-
perigos aludidos se estendem também a ou- cluir da política e da vida social decente.
tros grupos não mencionados? O autor do documento é pérfido o bastante
Com relação ao item "a", o autor nada escla- para deixar essa ameaça no ar com a certeza
rece. Como o documento se constitui de pala- É claro que quase infalível de que fala em código, só para
vras escritas em defesa das ações do Foro, de- houve os do círculo interno, já que os de fora tomarão
vemos portanto recorrer a estas para esclare- automaticamente a palavra "perigo" como
ocultação
cer o sentido daquelas. O que o Foro tem feito mera hipérbole vazia, sem que lhes ocorra in-
contra os neoliberais mostrará a quais novos
deliberada do terpretar as palavras pelas ações e descobrir a
perigos o autor do documento promete agora Foro de São Paulo presença explosiva da ameaça velada.
submetê-los. Por outro lado, o Foro não age di- e, uma vez vazado Quanto à pergunta "b", isto é, se o perigo se
re t a m e n t e , m a s a t r a v é s d a s e n t i d a d e s o segredo, um circunscreve aos grupos neoliberais, não creio
que cumprem suas resoluções. Ora, as ações esforço proposital que seja possível enquadrar nessa classifica-
que essas entidades têm empreendido contra ção os milhares de jovens e crianças que mor-
de abafar o
os chamados "neoliberais" constituem-se, em rem anualmente de drogas distribuídas pelas
grande parte, de guerra cultural e combate
escândalo com Farc no Brasil, na Colômbia, na Venezuela e
político. O objetivo com que as empreendem evasivas e nos EUA. Também não creio que haja algum
foi declarado explicitamente pelo próprio desconversas (...) neoliberalismo na mente de todas as vítimas
inventor e mentor do Foro de São Paulo, de seqüestros realizados pelo MIR chileno, co-
Fidel Castro: "Erradicar o neoliberalismo" mo por exemplo o publicitário Washington
( h t t p : / / w w w. p t . o rg . b r / s i t e / s e c re t a- Olivetto, que não esconde suas simpatias es-
rias_def/secretarias_int.asp?cod querdistas. Mais rebuscado ainda seria cha-
=2255&cod_sis=9&cat=7). Não se trata, por- mar de neoliberais todas as vítimas assassina-
tanto, de concorrer com o neoliberalismo nas das, em fuzilarias a esmo ou em disputas de
eleições, alternando-se com ele no poder, de- quadrilhas, por bandidos que a Farc instruiu e
mocraticamente: trata-se de eliminá-lo, de treinou em técnicas de guerrilha urbana. Cá
varrê-lo do círculo das possibilidades social- entre nós, que o autor do documento não nos

16 MuNDOreAL
ouça, a afirmativa de que o Foro de São Paulo " Chega a ser maravilhoso. Que é que os men-
só oferece perigo para os partidos neoliberais" tores do Mensalão, os maiores narcotrafican-
é um eufemismo pérfido e mentiroso. O Foro tes do continente e o único governante latino-
de São Paulo oferece perigo para qualquer um americano empenhado em militarizar seu
que atravesse o seu caminho, não só no sentido país para a "guerra del pueblo entero" (nos ter-
de oposição política, mas até no de ficar plan- mos dele mesmo) podem sugerir para comba- O primeiro
tado, por acaso, na direção de onde venha uma te aos três males que eles próprios personifi- perigo que
bala perdida disparada por qualquer discípu- cam eminentemente? Não sei, mas sugiro aos o Foro de São
lo local das Farc. O Foro de São Paulo oferece interessados: prendam todos os participantes Paulo promete
perigo para toda a população. do XIII encontro do Foro de São Paulo, e verão
para os partidos
Prossegue o documento: "O Foro de São o crime organizado, o narcotráfico e a milita-
Paulo, como diz o nome, é um 'foro' ou 'fórum', rização diminuírem consideravelmente na inimigos é este:
que faz reuniões anuais de que participam não América Latina. Eles é que não vão trancafiar- torná-los inviáveis
apenas partidos latino-americanos, mas tam- se a si próprios, como o Dr. Simão Bacamarte. como força política
bém partidos socialistas e progressistas da Eu- O psiquiatra de Itaguaí era louco, mas teve a e cultural. (...)
ropa, África e Ásia." honestidade científica de reconhecer que o
Agora o fulano quer nos fazer engolir que era. Libertou a população que ele próprio in-
as Farc são um partido político, não a quadri- ternara e foi para o hospício em lugar dela.
lha armada que vende cocaína no Brasil atra- Mutatis mutandis, os homens do Foro são
vés de seu sócio Fernandinho Beira-Mar, ati- bandidos, mas jamais hão de reconhecer que o a extrusão
ra nos soldados do nosso Exército e treina as- são. Vão combater o crime metendo na cadeia total da
sassinos para que aterrorizem a população. quem não é seu cúmplice, reprimir o narcotrá-
sujeira petista
O MIR chileno é um partido político, não fico ampliando a clientela das Farc e eliminar
uma quadrilha de seqüestradores armados? o militarismo alistando todo mundo no exér-
enterrada é
Para quem esse sujeito pensa que está escre- cito de Hugo Chávez. inevitável, seja
vendo? Para crianças de sete anos? Para bo- A declaração do PT foi publicada um dia de- nesta eleição ou
bocas ludibriáveis ad infinitum? Se essa ób- pois de sair no Jornal do Brasil o artigo em que depois. Mesmo
via fraude publicitária não é crime eleitoral, eu sugeria ao candidato Alckmin cobrar do que seja vencedor
eu sou o Lula em pessoa. oponente explicações sobre suas atividades no nesta eleição, Lula
A explicação acaciana de que o foro é um fo- Foro de São Paulo. Ela é um arremedo grotesco
ro, "ou fórum", é uma papagaiada incumbida de antídoto, preparado às pressas por puro te-
um dia sairá do
de revender, abreviadamente, a mentira boba mor de um vexame politicamente catastrófico, poder pelo esgoto.
inventada pelo sr. Giancarlo Summa, de que a a revelação, em pleno debate eleitoral, das
entidade "é um foro de debates, e não uma es- ações clandestinas do sr. Luís Inácio Lula da
trutura de coordenação política internacio- Silva como parceiro e protetor dos maiores cri-
nal", à qual não preciso responder porque já minosos do continente.
respondi em 2002: "Porca miséria, quem já viu Em matéria de confronto polêmico, a de-
um mero foro de debates emitir 'resoluções' ao núncia do Foro de São Paulo é um autêntico ro-
fim das assembléias? Resolução é decisão, é di- to-rooter capaz de trazer à tona crimes e per-
retriz prática, é norma de ação. Uma assem- fídias em comparação com os quais tudo o que
bléia que emite resoluções, subscritas unani- se denunciou do PT até hoje é agradinho.
memente por organizações de vários países, Não sei se o sr. Alckmin terá a coragem de
não pode estar fazendo outra coisa senão co- usar o equipamento. Mas sei que a extrusão to-
ordená-las politicamente. É, aliás, o que afir- tal da sujeira petista enterrada é inevitável, se-
ma a resolução final do I Foro (São Paulo, 4 de ja nesta eleição ou depois dela. Entendo o de-
julho de 1990), ao expressar seu intuito de ' sespero da campanha petista. Mesmo que seja
avanzar propuestas de unidad de acción con- vencedor nesta eleição, Lula um dia sairá do
sensuales'. O esforço comum para formular poder pelo esgoto. O PT se acha esperto ao
uma 'unidade de ação' não pode ser puro de- ponto de ser o "Partido Príncipe" sugerido por
bate, sobretudo quando se cristaliza em 'reso- Antonio Gramsci. Mas terá sido o primeiro
luções': ele é, no mais pleno sentido do termo, Príncipe, na História, que foi presunçoso e tolo
coordenação política." o bastante para tentar enganar todo mundo in-
Mas o mais bonito do documento vem no definidamente. No fim, como diz a Bíblia, sua
anúncio do XIII encontro do Foro (San Salva- loucura será exposta aos olhos de todos. No
dor, janeiro de 2007), quando será discutido, outro mundo, Maquiavel está chorando e Diário do Comércio
entre outros temas, o "combate ao crime orga- Abraham Lincoln está rindo, porque já conhe- 16/10/2006
nizado, ao narcotráfico e à militarização". cem o final da novela.

MuNDOreAL 17
Enrique Marcarian/Reuters

Traição anunciada
Os presidentes Lula e Morales, em Puerto Iguazu,
na Argentina: "povo sofrido" tem de romper
contratos e assaltar seus parceiros de negócios.

P
ela primeira vez na História humana, animal, vege- vido de conseqüências pedagógicas úteis. Numa só alocução,
tal ou mineral, um presidente, vendo as proprieda- com breves palavras, o sr. presidente rasgou de uma vez a fa-
des nacionais no exterior invadidas e confiscadas chada de "nacionalismo" com que a esquerda brasileira vinha
manu militari pelo governo local, se abstém por com- enganando aqueles que não conhecem a sua história ou que
pleto de defender os interesses e a honra da nação e, não conseguem lembrá-la no momento apropriado. Espero
bem ao contrário, sai elogiando os autores da brutalidade. E que agora pelo menos alguns dos militares com que andei dis-
o detalhe mais extravagante no caso é que o homem tenta dar cutindo aqui semanas atrás, tão propensos a acreditar nas afei-
a impressão de que, ao fazer isso, age como um cristão exem- ções patrióticas de quem quer que as proclame do alto de um
plar, voltando humildemente a outra face em vez de revidar palanque, entendam onde foi que se meteram ao buscar uma
o insulto. Seria assim, de fato, se não houvesse alguma di- aproximação com a esquerda com base na confusão entre pa-
ferença entre oferecer a própria face e a face dos outros - a face triotismo e anti-americanismo.
de um povo inteiro. A resposta do sr. Luís Ignácio Lula da Também seria injusto dizer, no entanto, que foi ato inespe-
Silva à agressão boliviana não é nenhuma efusão de bons rado, de improviso, surgido do nada.
sentimentos. É o ato de entreguismo mais explícito, mais Num texto publicado em 2003, bem lembrado pelo articulista
descarado, mais cínico e mais subserviente que já se viu nes- Cristiano Romero no jornal Valor, o secretário-geral do Itama-
te país ou em qualquer outro. raty, Samuel Pinheiro Guimarães, expunha o que tem sido a di-
Se causas faltassem para um impeachment, só essa conduta, retriz básica da política externa do governo Lula. Diz Romero:
isolada, já bastaria para justificá-lo com sobra de fundamento "'Generosidade' nas relações com os vizinhos sul-ameri-
e razão. Nunca a traição foi tão clara, nunca tão patente a re- canos é um conceito caro a Samuel Pinheiro Guimarães.
dução do patrimônio comum dos brasileiros a instrumento Num texto intitulado 'O Gato e a Onça: ameaças e estraté-
dócil de objetivos transnacionais sobre os quais os eleitores gia', ele defende, como 'objetivo fundamental' da política
não foram consultados, aliás nem informados. externa, a construção do que chama de espaço econômico e
Não seria certo, porém, dizer que foi acontecimento despro- político sul-americano. Diz que o Brasil deve fazer isso sem

18 MuNDOreAL
qualquer pretensão hegemônica e com base na generosida- fissão mais explícita de que, para esse homem, os interesses na-
de 'decorrente das extraordinárias assimetrias entre o Brasil cionais que nominalmente ele estava incumbido de represen-
e cada um de seus vizinhos'. 'É necessário praticar o prin- tar deviam submeter-se a considerações mais altas, isto é, à es-
cípio do tratamento especial e diferenciado quase que na tratégia de dominação continental comunista delineada pelo
proporção das assimetrias reais'." Foro de São Paulo. O compromisso dele não era para com seus
Isso já era, antecipadamente, o nosso presidente defenden- eleitores brasileiros: era para com seus "companheiros" da Ve-
do o direito que "um povo sofrido" tem de romper contratos e nezuela e de Cuba.
assaltar seus parceiros de negócios. Meses depois, em 12 de dezembro de 2005, mais explicita-
Vendo a teoria de Guimarães ser levada à prática de maneira mente ainda, o Plano de Trabalho da Secretaria de Relações In-
tão literal, o embaixador Rubens Barbosa, lembrando uma fra- ternacionais do PT informava a "linha justa" a ser seguida pelo
se do ex-secretário de Estado americano John Foster Dulles, Partido: "Aprofundar a prática internacionalista do Partido,
declarou que "essa é uma visão ingênua, porque países não nos vários sentidos desta palavra: a solidariedade, as relações
têm amigos; têm interesses". Mas o que é ingenuidade à luz dos com organizações comprometidas com o socialismo e com ou-
interesses nacionais manifestos pode ser esperteza desde o tra ordem internacional, a mobilização interna e externa em
ponto de vista de interesses supranacionais ocultos. Quem leu torno de temas de nosso interesse, a ação parlamentar e de go-
o meu artigo no Diário do Comércio de 26 de setembro de 2005 vernos no plano internacional." Para que não pairassem dú-
(http://www.olavodecarvalho.org/semana/050926dc.htm) vidas quanto ao tipo de ligações aí aludidas, o documento es-
já sabia, desde então, que o sr. presidente, eleito em nome da clarecia: "Este é o motivo principal pelo qual o PT seguirá in-
"transparência", tomava decisões de governo em reuniões se- vestindo suas energias na existência e consolidação do Foro de
cretas com ditadores e criminosos estrangeiros, longe dos São Paulo, organização criada em 1990."
olhos do povo, do parlamento, da mídia e da justiça. Ele pró- Sabendo-se que desde os tempos da sua campanha elei-
prio, de porre ou sóbrio, tinha confessado isso no seu discurso toral o próprio sr. Evo Imorales anunciava seu propósito de
de 2 de julho de 2005, pronunciado na celebração dos quinze estatizar todos os campos de petróleo da Bolívia, as fontes
anos de existência do Foro de São Paulo. Nesse documento nacionais já forneciam material mais que suficiente para
fundamental, cujo significado a grande mídia nacional em pe- que, delas, qualquer pessoa medianamente acordada con-
so fez questão de amortecer ou omitir completamente, Lula cluísse qual seria a reação do nosso governo quando o pre-
admitia que o Foro de São Paulo, fundado por ele e Fidel Cas- sidente boliviano transformasse suas palavras em ações:
tro, era uma entidade secreta ou pelo menos camuflada ("cons- afagar-lhe o ego paternalmente, como há décadas o partido
truída... para que pudéssemos conversar sem que parecesse e dominante vem fazendo com todos os delinqüentes e trans-
sem que as pessoas entendessem qualquer interferência polí- gressores, desculpando-os como vítimas da "desigualdade"
tica"), criada para imiscuir-se ativamente na política interna de e da "exclusão social". O princípio que se aplica aos indiví-
várias nações latino-americanas, tomando decisões e determi- duos serve, com muito mais razão, a povos inteiros: a "ge-
nando o rumo dos acontecimentos, à margem de toda fiscali- nerosidade" do sr. Samuel Pinheiro Guimarães não é senão a
zação de governos, parlamentos, justiça e opinião pública. Ele "política de direitos humanos" do governo, transposta à es-
admitia também haver decidido pontos fundamentais da po- cala internacional. A evolução da caridade petista, nesse
lítica externa brasileira não enquanto presidente da República sentido, é notavelmente coerente: começou defendendo o
em reunião com seu ministério, mas enquanto participante e direito de os trombadinhas da praça da Sé meterem as mãos
orientador de reuniões clandestinas com agentes políticos es- nos bolsos dos transeuntes, depois foi gradativamente en-
trangeiros ("foi uma ação política de companheiros, não uma sinando à nação estupefata que os invasores de terras eram
ação política de um Estado com outro Estado, ou de um pre- vítimas em vez de agressores, que os únicos grupos crimi-
sidente com outro presidente"). Não seria possível uma con- nosos merecedores de punição eram os policiais, os empre-
sários e os políticos ditos conservadores, que o Estado deve
indenizar os seqüestradores em vez dos seqüestrados, que
os traficantes de cocaína são heróis da liberdade e que o
A resposta Se causas
combate ao narcotráfico é terrorismo de Estado. Que mais
do sr. Luiz faltas- faltava, senão oferecer as garantias da alta moralidade ao
Ignácio Lula da sem para um assalto entre nações?
Silva à agressão impeachment, Deixemo-nos, portanto, de nhem-nhem-nhem, como diria
boliviana é o ato só essa conduta, FHC. Ninguém foi surpreendido pelo imprevisível. Todo
de entreguismo isolada, já mundo sabia o que ia acontecer e como o sr. Lula ia reagir. O
único aspecto surpreendente no episódio foi a falta completa
mais explícito, bastaria para
do elemento surpresa.
mais descarado, justificá-lo Mas, se foi assim, por que ninguém alertou para o perigo
mais cínico e com sobra de nem fez algo para evitá-lo? E, uma vez consumado o delito, por
mais subserviente fundamento que tantos ainda hesitam em condená-lo como tal, por que se
que já se viu e razão sentem ainda entorpecidos por dúvidas insanáveis, por que
relutam em admitir a evidência da escalada criminosa, prote-

MuNDOreAL 19
Jorge Araújo/Folha Imagem
nácio Lula da Silva em
reuniões que não precisa-
vam nem mesmo ser se-
cretas (já que ninguém
queria divulgá-las), pode-
ria ter chegado ao ponto a
que chegou.
Agora, é tarde para re-
vertê-lo. Imaginar que re-
sistências pontuais, que
protestos avulsos contra
abusos isolados possam
deter a marcha do mons-
tro ou aplacar sua voraci-
dade é apegar-se a uma
ilusão pateticamente im-
potente. Uma estratégia
abrangente só pode ser
combatida por outra es-
tratégia abrangente, e a
idéia mesma de conceber
uma é coisa que ainda
Agressão: tropas bolivianas ocupam a refinaria da Petrobras nem passa pela cabeça da
maioria dos liberais e con-
servadores, persistente-
lando por meio de tergiversações sem fim a conclusão de um mente ocupados, depois de tudo o que aconteceu, em ater-se a
silogismo incontornável? elegantes declarações doutrinais genéricas e em evitar cuida-
A resposta é simples: para apreender o sentido de uma su- dosamente o rótulo de "anticomunistas".
cessão de acontecimentos, não basta conhecer os fatos. É Durante uma década e meia tentei fazer com que essa gente
preciso ter os conceitos, os termos gerais capazes de ilumi- acordasse. Agora começo a achar que despertá-la seria uma
nar o desenho exato dos detalhes e permitir unificá-los num crueldade, tão feio é o panorama que se abriria ante seus olhos
quadro coerente. No caso, o termo geral era "estratégia re- quando isso acontecesse. O melhor mesmo é deixar que dur-
volucionária continental", ou, mais sinteticamente, "Foro ma. O que a aguarda, em qualquer das hipóteses, é o sono eter-
de São Paulo". Só vista nessa perspectiva a multidão dos de- no. Seu fim está decretado e é quase tão irreversível quanto o
talhes soltos adquiria uma forma, uma direção, um sentido. giro da Terra em torno do Sol. Uns vinte anos atrás, Roberto
Ora, esse elemento articulador foi sistematicamente supri- Campos, perguntado sobre qual seria o destino do Brasil no ca-
mido dos debates nacionais ao longo de dezesseis anos por so de Lula ser eleito presidente, disse que haveria duas saídas:
um decreto unânime dos donos da opinião pública. Quem Galeão e Cumbica. Não sei se a vida imita a arte. Mas no Brasil
quer que ousasse falar disso, nos jornais, na TV ou no Par- ela imita cada vez mais o humorismo. Já começo a me abster de
lamento, tornava-se primeiro alvo de chacota, depois era ro- ouvir piadas, por medo de que
tulado de louco, depois abertamente difamado, depois boi- se tornem realidade. Não me
cotado profissionalmente, por fim calado por meio da inti- acusem, porém, de derrotis-
midação direta, como o sr. Lula fez no ar com o âncora da TV mo, de matar as esperanças
Record, Boris Casoy, ou da demissão pura e simples, como dos brasileiros. Ao contrário: o
veio a acontecer comigo e com o próprio Boris. que tem matado os brasileiros
Nunca, na história universal da manipulação de notícias, se é a esperança. Recusar-se a ad-
viu um esforço tão vasto, tão geral, tão uniforme de ocultar o mitir uma situação desespera-
essencial, de desviar as atenções, de paralisar a inteligência da dora é recusar-se às ações de-
vítima para que não sentisse de onde vinha o ataque. sesperadas que poderiam,
Todos os chefes de redação e donos de empresas jornalísticas contra toda a esperança, rever-
deste país, com raríssimas e louváveis exceções que no conjunto ter o quadro da tragédia. O
acabaram não fazendo diferença prática, acumpliciaram-se ati- Brasil não precisa de esperan-
vamente, persistentemente ao projeto petista de anestesiar e es- ça. Precisa é de coragem infle-
tupidificar a opinião pública, preparando-a para aceitar com apa- xível e lucidez heróica. Não me
tetada e ignóbil passividade o confisco progressivo dos seus di- chamem de derrotista por re-
reitos, da sua liberdade e do seu patrimônio. cusar-me a afagar cabeças mo- Diário do Comércio
Sem o silêncio cúmplice da mídia, jamais o projeto continen- ralmente covardes e intelec- 08/05/2006
tal de poder, urdido por Fidel Castro, Hugo Chávez e Luís Ig- tualmente indolentes.

20 MuNDOreAL
Por trás da subversão

Raul Reyes,
em posto
avançado
na selva
colombiana:
visita de
ilustres
norte-
americanos
João Wainer/Folha Imagem/20/08/2003

MuNDOreAL 21
N
o começo de 2001, o Council on Foreign só a interpreta assim quem não entende as su-
Relations (CFR), bilionário think tank tilezas do metagoverno. O sentido literal da
de onde já emergiram tantos presiden- frase expressava, de fato, o oposto simétrico do
tes e secretários de Estado que há quem que o CFR pretendia.
o considere uma espécie de metago- ENTIDADE SEMI-SECRETA - Desde lo-
verno dos EUA, criou uma "força-tarefa", trans- go, o Foro de São Paulo, para continuar se imis-
bordante de Ph.-Ds, presidida pelo historiador cuindo impunemente na política interna de
Kenneth Maxwell e encarregada de sugerir mo- várias nações latino-americanas, necessitava
dificações na política de Washington para com manter sua condição de entidade discreta ou
o Brasil. A primeira lista de sábios conselhos, semi-secreta, e o próprio chefe da força-tarefa
publicada logo em 12 de fevereiro, enfatizava "a o ajudava nisso. Em artigo publicado na New
urgência de trabalhar com o Brasil no combate à York Review of Books - e, é claro, reproduzido
praga das drogas e à sua influência corruptora na Folha --, Maxwell declarava que o Foro sim-
sobre os governos". plesmente não existia, porque "nem os mais
COMBATE APOLÍTICO - Naquele mo- bem informados especialistas com quem con-
mento, destruídos os antigos cartéis, emer- versei no Brasil jamais ouviram falar dele".
giam como dominadoras do mercado de Para um historiador profissional, confiar-se
drogas na América Latina as Forças Arma- à opinião de terceiros em vez de averiguar as
das Revolucionárias da Colômbia, delibera- fontes primárias, então fartamente disponí-
damente poupadas pelo Plano Colômbia do veis no próprio site do Foro, era uma escanda-
governo Clinton sob o pretexto de que o losa prova de inépcia. Na época, o sr. Maxwell
combate ao narcotráfico deveria ser apolíti- pertencia (pertence ainda) ao círculo de ilumi-
co. As Farc, uma organização comunista, ha- nados que costumava (costuma ainda) ser ou-
viam entrado no mercado das drogas para fi- vido com o máximo respeito pela mídia brasi-
nanciar suas operações terroristas e a toma- leira, especialmente pela Folha de S. Paulo. Is-
da do poder. Desde 1990 faziam parte do Fo- so parecia dar uma prova incontestável de que
ro de São Paulo, onde articulavam suas ele era de fato um jumento, tendo agido de ma-
ações com a estratégia geral da esquerda la- neira tão extravagante em pura obediência à
tino-americana, garantindo apoios políticos sua natureza animal. Mas agora noto que isso
que as tornavam virtualmente imunes a per- não explicava tudo. Logo depois, outro inte-
seguições em vários países onde operavam. lectual de grande reputação nos círculos asini-
No Brasil, por exemplo, a despeito das cen- nos, Luiz Felipe de Alencastro, professor de
tenas de toneladas de cocaína que por meio História do Brasil na Sorbonne e colunista da
do seu sócio Fernandinho Beira-Mar elas Veja, brilhava num debate do CFR emprestan-
despejavam anualmente no mercado, e ape- do à tese da inexistência do Foro de São Paulo o
sar dos tiros que de vez em quando trocavam aval da sua formidável autoridade e ainda
com o Exército na floresta amazônica, as Farc acrescentava ter sido eu o criador da lendária
eram bem tratadas: seus líderes circulavam organização... Dar sumiço na coordenação
livremente pelas ruas sob a proteção das au- continental do movimento comunista latino-
LaRouche (acima) e o
toridades federais e eram recebidos como americano parecia ter-se tornado um hábito
pastor Pat Robertson:
hóspedes oficiais pelo governo petista do consagrado no CFR.
conspiração
Estado do Rio Grande. Nunca, portanto, as BOLSA DE NY - Isso poderia ser apenas
relações entre narcotráfico e política tinham um inocente acúmulo de erros de interpreta-
sido mais íntimas. Arriscavam tornar-se ain- ção se a entidade não tivesse cultivado simul-
da mais intensas porque Luís Inácio Lula da taneamente um outro hábito: o das boas rela-
Silva, fundador do Foro e portanto orques- ções com as Farc. Em 1999, o presidente da
trador maior da estratégia comum entre par- Bolsa de Valores de Nova York, Richard Gras-
tidos legais de esquerda e organizações cri- so, membro do CFR, fez uma visita de cortesia
minosas, parecia destinado a ser o próximo ao comandante das Farc, Raul Reyes, e saiu
presidente do Brasil. dali festejando a comunidade de interesses
A integração crescente de narcotráfico e po- entre a quadrilha colombiana e a elite finan-
lítica tornava portanto urgente combater "a ceira "progressista" dos EUA. Logo em segui-
praga das drogas e sua influência sobre os go- da, outros dois membros do CFR, James Kim-
vernos". E a única maneira de fazer isso era, sey, presidente emérito da America Online, e
evidentemente, desmantelar o Foro de São Joseph Robert, chefe do conglomerado imo-
Paulo. Vista nessa perspectiva, a sugestão da biliário J. E. Robert, tinham um animado en-
"força-tarefa" parecia mesmo oportuna. Mas contro com o próprio fundador das Farc, o ve-

22 MuNDOreAL
lho Manuel Marulanda, e em seguida iam ao nários e comunistas revolucionários? O senti-
presidente colombiano Pastrana para tentar do dos acontecimentos é transparente demais,
convencê-lo, com sucesso, a ficar de bem com mas o cérebro das nossas elites ainda é capaz
a narcoguerrilha. de projetar sobre eles a sua própria obscurida-
FORO DE SÃO PAULO - A divisão de tra- de para esquivar-se de tirar as conclusões que
balho era nítida: os potentados do CFR nego- eles impõem.
ciavam com a pricipal força de sustentação mi- TEORIA DA CONSPIRAÇÃO - É claro
litar e financeira do Foro de São Paulo, en- que não endosso a idéia de que o CFR, como
quanto seus office-boys intelectuais cuidavam instituição, seja uma central conspiratória
de despistar a operação proclamando que o pró-comunista. Muitos de seus membros são
Foro nem sequer existia. O CFR alardeava a in- patriotas americanos que jamais endossa-
tenção de eliminar a influência do narcotráfico riam conscientemente uma política prejudi-
nos governos ao mesmo tempo que contribuía cial ao seu país. Mas não dá para esconder
ativamente para que essa influência se tornas- que, ali dentro, um grupo de bilionários re-
se mais vasta e fecunda do que nunca. formadores do mundo, incalculavelmente
Ao CFR pertencia também o presidente As Farc, poderosos, tem induzido a entidade a in-
Clinton, cujo famigerado Plano Colômbia ti- uma fluenciar o governo de Washington, quase
nha tido por principal resultado eliminar os sempre com sucesso, no sentido mais es-
organização
concorrentes e entregar às Farc o quase mo- querdista e anti-americano que se pode ima-
nopólio do mercado de drogas na América
comunista, ginar. Nos EUA isso é um fato de conheci-
Latina. Em 2002, a política latino-americana haviam entrado mento geral. Ninguém o coloca em dúvida.
dos grão-senhores globalistas sofria um up- no mercado das Só o que se discute é a "teoria da conspiração"
grade: ao esforço de embelezar as Farc soma- drogas para usada para explicá-lo. Essa teoria tem entre
va-se agora o empenho de fazer do presiden- financiar suas seus defensores alguns intelectuais de pri-
te do Foro de São Paulo o presidente do Bra- operações meira ordem como Carroll Quigley, profes-
sil. Poucos dias antes da eleição de 2002, a sor de História em Harvard e mentor de Bill
embaixadora americana Donna Hrinak, que
terroristas e a Clinton, ou o economista Anthony Sutton,
não sei se pertence pessoalmente ao CFR mas tomada do poder autor do clássico Western Technology and
está entre os fundadores de uma entidade es- Soviet Economic Development (4 vols.).
treitamente associada a ele, o Diálogo Intera- Contribui ainda mais para a credibilidade da
mericano, fazia propaganda descarada do tese o fato de que o primeiro é um adepto en-
candidato petista, proclamando-o "uma en- tusiasta e o segundo um crítico devastador
carnação do sonho americano". Embora fos- da elite globalista. E o que a torna ainda mais
se uma interferência ilegal e indecente de au- O atraente é o fato de que o CFR, reconhecendo
toridade estrangeira numa eleição nacional - famigerado a existência dela ao ponto de lhe oferecer um
- só não causando escândalo porque até a pre- desmentido explícito no seu site oficial, se
Plano Colômbia de
potência imperialista se torna amável quan- esquive de debater com esses dois pesos-pe-
do trabalha para o lado politicamente correto
Clinton tinha por sados e com dezenas de outros estudiosos sé-
-, e embora a fórmula verbal escolhida para principal rios que escreveram a respeito, e prefira em
realizá-la fosse uma absurdidade sem par resultado eliminar vez disso ostentar uma vitória fácil e postiça
(pois não consta que muitos americanos ti- os concorrentes e num confronto com as versões popularescas
vessem como suprema ambição parar de tra- entregar às Farc o e caricaturais da tese conspirativa, inventa-
balhar aos 24 anos para fazer carreira num das por tipos como Lyndon LaRouche e o
quase monopólio
partido comunista), a expressão fez tanto su- pastor Pat Robertson. Este é um bom sujeito
cesso que, logo em seguida, foi repetida ipsis
do mercado de que jamais mentiria de caso pensado, mas é
litteris, sem citação de fonte, num artigo da drogas na um boquirroto, campeão continental de ga-
New York Review of Books que celebrava en- América Latina fes eclesiásticas. Discutir com ele é a coisa
tusiasticamente a vitória de Lula. Adivi- mais fácil, porque ele sempre vai acabar di-
nhem quem assinava o artigo? O indefectível zendo alguma inconveniência e pondo sua
Kenneth Maxwell. opinião a perder, mesmo quando está com a
ESQUERDISMO - Diante desses fatos, al- razão. LaRouche, que chegou a ser pré-can-
guém ainda hesitará em perceber que as liga- didato presidencial pelo Partido Democrata,
ções entre o esquerdismo pó-de-arroz do CFR é ele próprio um conspirador que só enxerga
e o esquerdismo sangue-e-fezes dos Marulan- as conspirações dos outros pelo prisma de-
das e Reyes são mais íntimas do que caberia na formante dos seus objetivos e interesses pró-
imagem estereotipada de uma hostilidade es- prios. Tomar esses dois como porta-vozes re-
sencial e irredutível entre capitalistas reacio- presentativos das acusações de conspiração

MuNDOreAL 23
contra o CFR é o mesmo que derrubar o dr. patriotas se idiotizam, deixando aos traidores,
Emir Sader e sair cantando vitória sobre Karl conspiradores e revolucionários o monopólio
Marx. Que o CFR use desse expediente es- da esperteza.
quivo para se safar das denúncias é um sério A história da manipulação dos patriotas
indício de que elas têm pelo menos algum brasileiros por espertalhões de esquerda é
fundo de verdade. em si mesma uma tragicomédia. Desde há
LA ROUC HE - Para vocês avaliarem o décadas, a liderança esquerdista vem sub-
quanto a nossa elite econômica, política e mi- metendo essa gente a um tratamento pavlo-
litar está alienada e por fora do mundo, basta viano, na base de um-choque-um-queijo,
notar que sua principal fonte de informação que se demonstrou eficaz ao ponto de mui-
sobre o CFR, o Diálogo Interamericano e ou- tos oficiais de alta patente, ideologicamente
tros organismos globalistas tem sido justa- anticomunistas, acharem hoje que é uma lin-
mente o sr. Lyndon LaRouche, cuja Executive deza sumamente honrosa transformar os
Intelligence Review é lida pelos luminares da nossos soldados em cavouqueiros e tratoris-
Escola Superior de Guerra como se fosse o tas a serviço do MST. Como é que se leva um
exemplar mais puro de inside information (ele cérebro humano a mergulhar nesse abismo
está tão bem informado que chegou a me clas- de estupidez? É simples: basta criar uma
sificar - logo a mim, porca miséria - como após- equipe selecionada entre esquerdistas bem
tolo do globalismo, pelo fato de eu escrever en- falantes e dividi-la em duas alas, encarrega-
tão num jornal chamado O Globo). As outras das de tarefas opostas -- uma infiltrada na
fontes conhecidas no país são todas de esquer- mídia, incumbida de espalhar mentiras es-
da, e o que elas têm em comum com o boletim cabrosas, fomentando o ódio anti-militar;
do sr. LaRouche é que distorcem monstruosa- outra, bem colocada nos próprios círculos
mente os fatos ao apresentar os círculos globa- militares e na ESG, encarregada de afagar o
listas como representantes do bom e velho ego das Forças Armadas e induzi-las à con-
"imperialismo americano" em luta desigual ciliação e à colaboração com a estratégia co-
contra as soberanias nacionais dos países po- munista continental por força do seu pró-
brezinhos. Não sei se rio ou se choro ao ver prio patriotismo, facilmente convertido em
quantos brasileiros, que de esquerdistas não anti-americanismo por meio de um fluxo ha-
têm nada, levam essa versão a sério e baseiam bilmente planejado de informações falsas
nela suas análises estratégicas e propostas de (entre as quais é claro, as fornecidas pelo sr.
governo. É ridículo e trágico ao mesmo tempo. LaRouche). Na primeira equipe, destacam-
Com tantas fontes primárias e diagnósticos de se Caco Barcelos, Cecília Coimbra e Luiz
alto nível à disposição, por que comer lixo e ar- Eduardo Greenhalgh. Na segunda, Márcio
rotar o cardápio do Tour d'Argent? Do lamaçal Moreira Alves, Mário Augusto Jacobskind e
cultural subdesenvolvido só brotam flores de Cesar Benjamin. A duplicidade de tratamen-
ignorância e auto-engano. to deixa a vítima desnorteada e acaba por
O site www.vermelho.org, por exemplo, subjugá-la. Entre tapas e beijos, boa parte da
apresenta o Diálogo Interamericano como re- nossa oficialidade se deixou facilmente cair
pleto de "personalidades da direita mais con- no engodo, mostrando ter mesmo QI de ra-
servadora", e estas como "representantes do tinho de laboratório. A recente palestra do
Establishment americano". Nos EUA, até comandante do Exército em Porto Alegre
crianças de escola sabem que Establishment mostra até que ponto uma instituição calu-
quer dizer "esquerda chique", que não há nem niada, marginalizada e espezinhada sente
pode haver ali dentro "personalidades da di- alívio e reconforto ante a oferta humilhante
reita mais conservadora", e que, se alguma so- de um lugarzinho no banquete de seus tra-
berania nacional é posta em risco pelo Esta- dicionais detratores.
blishment, é a dos EUA em primeiríssimo lu- Ardis semelhantes foram aplicados entre
gar. A longa e feroz polêmica movida pelos empresários e políticos, com igual eficácia.
conservadores e nacionalistas contra o CFR, o É por isso que se tornou tão difícil explicar
Diálogo Interamericano e os círculos globalis- aos brasileiros aquilo que, entre os conserva-
tas em geral é completamente desconhecida dores americanos, até os mais lerdos de inte-
pelos tagarelas da ESG e pelo "bando de gene- ligência entendem perfeitamente bem: que a
rais" que acredita nas fontes esquerdistas e no elite globalista é o inimigo número um da so-
Diário do Comércio sr. LaRouche. Nessa multidão de caipiras cré- berania nacional americana e, por tabela,
05/06/2006 dulos há inúmeros patriotas sinceros. Mas a mas somente por tabela, de todas as demais
destruição de um país começa quando seus soberanias.

24 MuNDOreAL
A fraude do populismo
continental

MuNDOreAL 25
N
o número de agosto da revista cultural resto do mundo. Os partidos comunistas chi-
britânica Prospect, Jorge Castañeda re- leno, uruguaio, brasileiro, salvadorenho e, an-
toma e elabora sua tese das "duas es- tes da revolução de Castro, o cubano, obtive-
querdas" latino-americanas, apresen- ram parcelas significativas do voto popular,
tada na edição maio-junho de Foreign participaram de governos de 'unidade nacio-
Affairs, publicação oficial do CFR. nal' nos anos 30 e 40, estabeleceram uma pre-
A tese foi impugnada pelo historiador Ken- sença sólida e exerceram uma forte influência
neth Maxwell, guru do CFR para assuntos bra- No início nos círculos acadêmicos e intelectuais".
sileiros, mediante o argumento de que não po- da década A origem da outra esquerda, a burra, é es-
de haver uma esquerda malvada e outra boa- pecificamente local: ela não nasceu do comu-
de 90, a esquerda
zinha porque tudo o que é esquerdista é bom. nismo, mas do populismo latino-americano.
Castañeda está realmente enganado, mas, é
tratava de se Suas divindades tutelares não são Marx, Lênin
claro, não por esse motivo. Como Maxwell é unificar, de se e Che Guevara, mas tipos como o argentino
aquele sujeito segundo o qual o Foro de São organizar em Juan Perón, o peruano Victor Raúl Haya de la
Paulo não existe e Lula é um típico self-made escala continental, Torre, o equatoriano José Velasco Ibarra e o
man americano, é vantajoso para a saúde do de se articular com brasileiro Getúlio Vargas.
cérebro humano ignorar o que quer que ele di- quadrilhas de Além de nacionalistas extremados, "os po-
ga, sobre esse assunto ou qualquer outro. pulistas são, com freqüência, virulentamente
A tese das "duas esquerdas" é interessante
narcotraficantes anticomunistas, sempre autoritários e mais in-
porque do fundo do seu erro transparece, em (...) teressados em obter e conservar o poder do
filigrana, a verdade sobre a situação política que em formular políticas".
do continente. A culpa de toda a confusão atual na Amé-
Castañeda começa dizendo que desde o rica Latina é desses malditos populistas, que
início da década de 90 previa a ascensão da es- não evoluíram intelectualmente junto com os
querda na América Latina, baseado em duas comunistas.
razões: (1) Com a queda do regime soviético, Essa é a teoria de Castañeda. Na verdade
os EUA não podiam mais acusar os partidos não é uma teoria. É a simples projeção mecâ-
esquerdistas latino-americanos de ser paus- nica da receita tradicional do CFR para os ma-
mandados de Moscou. Livre desse estigma, a les do mundo: converter os comunistas ao so-
esquerda podia se apresentar em público cialismo reformista, fabiano, e construir com
com nova cara. (2) A América Latina perma- eles a utopia globalista que eliminará do pla-
necia uma das regiões mais afetadas pela de- neta as soberanias nacionais, o capitalismo
sigualdade social, "e a combinação de desi- clássico, a democracia constitucional america-
gualdade e democracia tende a causar uma na e a cultura judaico-cristã, unificando a es-
guinada para a esquerda". pécie humana sob o governo de uma casta de
Em seguida ele confessa ter imaginado, er- planejadores sociais iluminados. Se a América
roneamente, que a esquerda cujo sucesso vis- Latina deu errado, foi porque alguns esquer-
lumbrava seria toda democrática, moderniza- distas não aderiram a tão lindo programa, pre-
da, consciente das lições adquiridas com o fra- ferindo apegar-se a velhos populismos nacio-
casso dos regimes comunistas no Leste euro- nalistas... e anticomunistas.
peu, aberta aos benefícios da economia de Mas vamos por partes.
mercado e disposta, em última instância, a ab- No início da década de 90, eu também previ
dicar de seu velho ódio aos EUA. a ascensão da esquerda, mas por motivos bem
Se isso não aconteceu, se por toda parte diversos dos alegados por Castañeda. Equa-
emergiram ambições ditatoriais e as relações ções genéricas, por mais realistas que sejam,
da América Latina com os EUA se tornaram nunca dão fundamento a previsões sobre o de-
piores do que nunca, foi porque a esquerdiza- senrolar dos fatos. Fatos não são evoluções es-
ção geral levou ao poder não uma, mas duas pontâneas de "tendências dominantes", mas o
esquerdas. "Uma é moderna, de mente aberta, resultado de ações concretas de seres huma-
reformista e internacionalista... A outra é na- nos. Prevê-los com acerto não depende de fa-
cionalista, barulhenta e de mente fechada." rejar "tendências" no falatório da moda, mas
Castañeda completa esse diagnóstico ex- de observar quem está fazendo o que. No iní-
pondo aquilo que, no seu entender, constitui a cio da década de 90, a esquerda estava tratan-
origem histórica dessas duas esquerdas e a ra- do de se unificar, de se organizar em escala
zão das suas diferenças. A ala esclarecida, diz continental, de se articular localmente com as
ele, "nasceu da Revolução bolchevique e se- quadrilhas de narcotraficantes, internacional-
guiu um caminho similar ao da esquerda no mente com as "redes" globais de informação e
com os movimentos radicais islâmicos, de damente a aposentadoria ideológica da qual
comprar armas e juntar recursos financeiros em breve estariam desfrutando.
em escala jamais pensada por qualquer outro Numa data que não recordo bem, após a
movimento político ao longo de toda a história vitória de Fernando Henrique, creio que em
humana, entrando aí o comércio de drogas e a 1996, tomei parte de um dos célebres almo-
luta pelo domínio quase monopolístico das ços de aniversário do jornalista Aristóteles
fontes de subsídios estatais e privados nos Drummond, um direitista histórico, vetera-
EUA e na Europa através de uma infinidade de no da Revolução de 64. Essas reuniões eram,
ONGs. Enquanto isso, a direita continental na verdade, encontros políticos, ocasiões pa-
ocupava-se apenas de (1) desarmar-se ideolo- ra tomar o pulso da direita nacional. Nesse
gicamente, imbuindo-se da crença de que o co- dia, sentado ao lado de Eduardo Mascare-
munismo morrera e portanto reprimindo em nhas, ídolo intelectual da esquerda recém-
suas fileiras qualquer veleidade anticomunis- convertido ao tucanismo, observei que a at-
ta, acusada de passadista e reacionária; (2) di- mosfera geral era de afetuosa abertura aos
luir-se politicamente, apostando tudo no su- esquerdistas presentes, quase tão numero-
cesso da "esquerda modernizada" e adaptan- sos quanto seus adversários tradicionais.
do-se a ela ao ponto de tornar-se mera força au- Todos tomavam cuidado para que uma apo-
xiliar a serviço dela, como aconteceu nas logia demasiado ostensiva da economia de
eleições brasileiras de 1994, 1998 e 2002. Era co- mercado não parecesse provocação ou acin-
mo se, às vésperas de uma luta pelo título te aos convidados, ainda mal refeitos da que-
mundial de boxe, um dos contendores estives- da da URSS. O único que cantava vitória era
se tomando proteínas e se adestrando esparta- Roberto Campos, mas, acrescentava ele, fa-
namente, enquanto o outro varasse as noites zendo troça com sua idade avançada, "vitó-
em farras com mulheres enviadas pelo adver- ria póstuma". O gracejo atenuava o contraste
sário, a quem por isso considerasse seu bom e reforçava o sentido geral do encontro: ali
amigo, encarando com crescente repugnância não se comemorava uma vitória, mas a paz.
a perspectiva de esmurrá-lo. Paz unilateral, demissionária, suicida. En-
Descritos os fatos, não era preciso ser muito quanto a milhares de quilômetros dali Fidel
esperto para prever o desenrolar da situação. Castro, Lula e Frei Betto montavam a maior
Os elementos apontados por Castañeda eram, articulação política da história continental,
nisso, secundários ou mesmo irrelevantes. O juntando partidos legais e bandos de crimi-
próprio Castañeda é que não era. Sua pessoa e nosos armados para o assalto ao poder, a di-
suas idéias forneceram um poderoso anestési- reita cansada de guerra erguia um brinde ao
co para a direita, que via nelas a prova de que a seu direito de voltar para casa e viver de lem-
esquerda se tornara civilizada e inofensiva branças. Voltei do encontro dizendo para os
(ele não dá o menor sinal de perceber o quanto meus botões: "Hoje a direita nacional feste-
colaborou para que sua previsão não se reali- jou seu próprio sepultamento."
zasse por completo). Com a abdicação geral da direita, o cenário
Mas a minha perspectiva ainda diferia da passava a dividir-se entre as duas esquerdas,
dele num ponto essencial. separadas, como observou o próprio Fernan-
Que havia na esquerda uma ala moderni- do Henrique, apenas por diferenças políticas
zada, disposta até a abdicar do marxismo co- de ocasião, mas unidas pelo mesmo fundo
mo acontecera com os partidos socialistas eu- ideológico, pelas mesmas referências cultu-
ropeus, era coisa óbvia. Durante algum tem- rais e pelo sentimento de solidariedade mútua A analogia
po os porta-vozes mais tagarelas dessa cor- alicerçado numa longa história de lutas contra entre
rente - Eduardo Mascarenhas, José Arthur o inimigo comum que, justamente, acabava de
Cháves e os velhos
Gianotti, Arnaldo Jabor, o próprio Fernando abandonar o campo.
Henrique - brilharam nos jornais e na TV co- Num lapso de tempo brevíssimo, as idéias
'país dos pobres'
mo se fossem a encarnação viva dos novos conservadoras desapareceram do cenário e a é puramente
tempos. Cada novo comunista ou pró-comu- uniformidade ideológica total espalhou-se estética, não
nista que se tucanizava era motivo de festa pelo país, formando o panorama que descrevi política ou
entre os direitistas, mas, significativamente, em O Imbecil Coletivo e cuja expressão eleito- ideológica. Seu
o sentimento com que estes o recebiam não ral perfeita se viu em 2002, com uma eleição
estilo bufão foi
era de triunfo: era de alívio. Não festejavam a disputada entre quatro candidatos esquerdis-
derrota do adversário, mas um vago arreme- tas que, na falta de divergências efetivas, tra-
copiado menos de
do de empate técnico que, pro forma, os dis- varam um campeonato de pureza ideológica, Perón que de Fidel
pensava de lutar. Comemoravam antecipa- cada um tratando de provar que os outros

MuNDOreAL 27
eram menos fiéis às suas origens (situação única realidade política que tem peso no con-
análoga à que viria a ocorrer no Peru entre Ol- tinente. Chamar o neocomunismo de "popu-
lanta Humala e Alan García). lismo" só é útil a ele próprio, ajudando-o a
Como o unanimismo reinante era indecente crescer mais um pouco sob a camuflagem
demais para ser proclamado oficialmente, a protetora e a adquirir até algum encanto su-
solução espontânea foi nomear a esquerda plementar aos olhos de alguns militares mo-
moderada como "direita" ad hoc e remover os lengas que, não tendo fibra para suportar
poucos remancentes da direita genuína para a com honra as cusparadas da mídia e o des-
"extrema direita", situada em algum lugar in- prezo do ambiente impregnado de esquer-
certo entre o passado abominável, o crime he- dismo, já se sentem coitadinhos ao ponto de
diondo e o nada absoluto. suspirar, como vagabunda esbofeteada, por
Fazendo entre as duas esquerdas a mesma um olhar de simpatia do agressor.
comparação de ações respectivas que havia Cá entre nós, duvido muito que o próprio
feito entre a direita e a esquerda no começo da Castañeda não saiba de tudo isso. Há idéias
década, notei que a ala radical tratava de ex- que, precisamente por não valer nada como
pandir formidavelmente sua militância, con- descrições da realidade, valem muito como
solidar sua hegemonia cultural, preparar-se instrumentos de manipulação. Não são idéias,
para grandes ações de massa e fortalecer suas são ações políticas. Castañeda sabe quem per-
alianças continentais no Foro de São Paulo, en- de e quem ganha por acreditar na sua versão
quanto a moderada, tucana, se contentava dos fatos. Ela não tem nada a ver com a reali-
com política eleitoral local e manobras de ga- dade, mas serve para aproximar mais ainda o
binete. Mais ainda, a esquerda tucana, no po- CFR e os comunistas latino-americanos. Afi-
der, fortalecia sua adversária, alimentando o nal, ele só critica neles o nacionalismo, um re-
MST com verbas federais, espalhando a pro- síduo direitista. Mas todos sabemos e ele tam-
paganda esquerdista nas escolas e atraindo bém sabe que esse nacionalismo é só uma fa-
contra si o ódio das Forças Armadas por meio chada para ludibriar militares e induzi-los a
de cortes orçamentários e de prêmios em di- colaborar com a absorção das soberanias na-
nheiro público oferecidos a terroristas aposen- cionais no quadro da grande América Latina
tados. Era impossível, diante disso, não perce- socialista. A abertura de todas as fronteiras
ber qual das duas acabaria vencendo. continentais às Farc e aos seqüestradores do
Que a esquerda radical seja populista em MIR chileno, a extensão da jurisdição cubana
vez de comunista ou pró-comunista, como ao território da Venezuela, as intervenções
pretende Castañeda, é uma idéia tão boba crescentes e unanimemente aplaudidas do sr.
que nem mereceria atenção, se o CFR não a Hugo Chávez na política dos países em torno e
usasse como instrumento para induzir a di- a confissão do sr. Lula de que governa o Brasil
reita norte-americana a se desarmar ideolo- em parceria secreta com estrangeiros, são pro-
gicamente a exemplo do que fez a latino- vas cabais de que ninguém no Foro de São Pau-
americana. O sr. Castañeda foi útil num caso lo liga a mínima para nações e nacionalismo,
como está sendo no outro. A palavra "popu- exceto como instrumentos ocasionais de um
lismo" espalhou-se, como um mantra, pelos anti-americanismo que não contraria em nada
círculos do Partido Republicano, ali exercen- os objetivos do CFR. E quando Hugo Chávez
do um considerável efeito entorpecente. adotou como divisa o "bolivarianismo", ele co-
Ninguém jamais viu um cartaz de Getúlio nhecia o sentido simbólico profundo dessa
Vargas ou Velasco Ibarra, em vez de Che Gue- bandeira, ignorado pela massa que o segue e
vara e Fidel, brandido pelos jovens enragés até pelos "formadores de opinião" da grande
do Fórum Social Mundial. Ninguém leu ja- mídia nacional e internacional, todos eles, co-
mais uma única sentença anticomunista - mo é notório, cultíssimos e sapientíssimos. Si-
muito menos "virulentamente anticomunis- món Bolívar escreveu em 1832: "As nações que
ta" -- nas atas do Foro de São Paulo, nas car- fundei serão eclipsadas após uma demorada e
tilhas do MST, nos anais de congressos do PT amarga agonia, depois reemergirão como Es-
ou dos movimentos chavistas. A analogia en- tados de uma grande república, a América." É
tre Chávez e os velhos "pais dos pobres" é pu- esse o programa do Foro de São Paulo, como
ramente estética, não política ou ideológica. aliás é o do CFR. Os Castañedas e similares só
Seu estilo bufão aliás foi copiado menos de fazem onda contra o "populismo nacionalista"
Diário do Comércio Perón ou Batista que do próprio Fidel Castro. porque sabem que ele não existe, mas que, se a
31/07/2006 A unidade ideológica e estratégica do Foro direita americana acreditar que ele existe, ela
de São Paulo é uma realidade poderosa, a nada fará contra aquilo que realmente existe.
A nova era das ditaduras
Todd Davidson/Corbis

H
á quem acredite que, com a morte de
Augusto Pinochet e o próximo desa-
parecimento de Fidel Castro, a era dos
ditadores estará extinta na América
Latina. É esperança louca. O que está
em vias de acabar é a era dos ditadores nacio-
nais, prenunciando o advento da ditadura
continental. Não estamos vendo o fim, mas
um upgrade da tirania latino-americana.
Começo com uma distinção óbvia. Excluindo
as tiranias dinásticas, oligárquicas e populistas,
que realmente pertencem a uma fase histórica
extinta, há ditaduras reacionárias e revolucioná-
rias. As primeiras são temporárias por natureza,
pois têm ambições limitadas, visam à restaura-
ção de um estado anterior e se diluem tão logo
alcancem seus objetivos. As ditaduras revolu-
cionárias arrancam as raízes do passado e criam
do nada um mundo novo. Não raro, pretendem
modificar não só a estrutura da sociedade, mas a
própria natureza humana. Promovem transfor-
mações tão profundas - e tão perversas -, que,
quando se extinguem, já não é possível nem res-
taurar o que existia nem criar um novo padrão
de normalidade. Muitas ditaduras reacionárias,
findo o pesadelo, deixaram saldos positivos. O
Chile, a Espanha e Portugal, quando se desven-
cilharam de Pinochet, Franco e Salazar, eram
países livres e prósperos. As ditaduras revolu-
cionárias não deixam outra coisa senão um ras-
tro macabro de devastação e morte que só pode
resultar em novas ditaduras ou numa decadên-
cia longa e irreversível. A França do Antigo Re-
gime era a nação mais rica e poderosa do mun-
do. Depois da Revolução, veio de queda em que-
da até reduzir-se a uma burocracia falida, de-
pendente da ajuda americana, subserviente a
ditadores estrangeiros e incapaz de resistir à in-
vasão cultural islâmica. O Vietnã e a Coréia do
Norte são cemitérios mal administrados. A Chi-
na pós-Mao é a festa permanente dos generais
em meio à miséria do povo. A Rússia mergu-
lhou no caos e na corrupção. A única esperança O que está em vias de acabar
de uma nação, após a experiência da ditadura é a era dos ditadores
revolucionária, é ser salva desde fora, como o foi nacionais, prenunciando o advento
a Alemanha. Mas ninguém pode querer isso e
da ditadura continental. Não estamos
depois ter o direito de choramingar que os EUA
são a polícia do mundo.
vendo o fim, mas um upgrade da
As ditaduras em formação na América La- tirania latino-americana.
tina definem-se por duas características: (1)

MuNDOreAL 29
são todas revolucionárias, prometendo a mu- das, assim como o fato hoje bem comprovado de
tação radical e a militarização integral da so- que o presidente chileno era agente pago da
ciedade; (2) não são fenômenos isolados, na- KGB. Era obrigação estrita do exército chileno
cionais, mas o resultado de uma articulação prender esse criminoso e, caso resistisse, matá-lo
continental que começou na década de 60, com como a um cachorro louco. Chamar isso de "gol-
a OLAS (Organização de Solidariedade Lati- pe" já é um abuso semântico intolerável. Na ca-
no-Americana) e colheu seus primeiros frutos beça de Alexei Bueno, porém, foi mais que golpe:
após a criação do Foro de São Paulo em 1990. foi "traição". Para ser um bom sujeito, Pinochet
Desde então o projeto da revolução latino- deveria desprezar a ordem legal e pegar em ar-
americana vem alcançando vitória em cima de mas contra o Congresso e a Suprema Corte em
vitória, sem encontrar qualquer resistência se- troca de ser mantido no cargo ministerial. Com
não da parte de esquerdistas light que, mal- base nesse princípio, Alexei poderia concluir
grado seus escrúpulos democráticos ao menos que só quem agiu errado no caso do Mensalão
formais, são no fim das contas escravos ideo- foi o Roberto Jefferson, ao romper o pacto de leal-
lógicos do mito revolucionário e, por isso mes- dade mafiosa. Os outros foram exemplos de mo-
mo, meros colaboracionistas disfarçados. ralidade superior.
A possibilidade de que o processo venha a "Enquanto o generaleco-agente da CIA ar-
ser detido pela emergência de ditaduras rea- mou uma quartelada na qual não pegou pes-
cionárias, mesmo locais e isoladas, é pratica- soalmente num canivete, Fidel comandou o
mente nula. Os poderes internacionais e a ataque a Moncada, foi preso, exilou-se para não
grande mídia européia e americana oscilam ser morto, realizou o quixotesco desembarque
entre os protestos fingidos e a cumplicidade As do Granma e a epopéia de Sierra Maestra."
explícita. E a máquina democrática em cada ditaduras Conversa mole. Fidel Castro, enquanto
país foi tão bem alterada desde dentro, que já revolucionárias seus companheiros morriam no ataque frus-
não pode servir senão para legitimar a tirania trado ao quartel de Moncada, fugia covarde-
não deixam senão
por meio da aprovação popular. mente. Quanto à "epopéia de Sierra Maestra",
A era das ditaduras no continente não aca- um rastro foi de cabo a rabo uma criação literária de Her-
bou. Está apenas começando. Como diria o sau- macabro de bert L. Mathews, inventivo repórter esquer-
doso Paulo Francis, there's coming a shitstorm. devastação e dista do New York Times já totalmente desmo-
morte que resulta ralizado pela pesquisa histórica. O comandan-
Alexei Bueno, um bobão que no presente es- em novas te Huber Matos, que esteve ao lado de Fidel o
tado de coisas é tido nos círculos editoriais como tempo todo ao longo dos combates, atesta que
ditaduras ou
poeta e até como erudito, está fazendo circular ele jamais deu um tiro. Che Guevara deu mui-
pela internet uma comparação entre Augusto numa decadência tos, mas principalmente em prisioneiros
Pinochet e Fidel Castro na qual exemplifica às longa e amarrados. Aliás a "epopéia" padece de uma
mil maravilhas a capacidade que a esquerda tem irreversível. deplorável escassez de feitos militares: o total
de mentir, depois esquecer que mentiu e por fim de anticastristas mortos em combate foi de
acreditar apaixonadamente na mentira. pouco mais de mil pessoas (incluindo o poste-
"Pinochet - começa ele -- é, antes de tudo, rior episódio da Baía dos Porcos) e, quando os
um traidor, essa coisa asquerosa, de um presi- guerrilheiros desceram para ocupar Havana,
dente eleito que o colocou, ingenuamente, co- já não encontraram resistência nenhuma, pois
mo Ministro do Exército. Não me consta que Batista, derrubado pela pressão norte-ameri-
Fidel tenha sido jamais ministro de Fulgencio cana, já havia fugido com seus cúmplices prin-
Batista, muito ao contrário foi sempre seu figa- cipais. O grosso do heroísmo castrista foi mes-
dal e público opositor." mo praticado contra civis desarmados (veja os
Se Fernando Collor de Melo, diante da imi- números mais adiante).
nência do impeachment, se fechasse no palácio "Quanto a ditaduras sanguinárias, não me
com guardas armados, bradando ameaças, que consta que em Cuba tenham posto crianças e
fariam os poderes legislativo e judiciário? Con- velhos vivos em fornos, como na Argentina."
vocariam o Exército para tirá-lo de lá à força. Pi- O que a mim não me consta, em primeiro lu-
nochet fez exatamente isso: cercou o Palácio de gar, é que Pinochet tenha governado a Argenti-
La Moneda por ordem do Congresso e da Supre- na. Consta, sim, o hábito esquerdista de inculpar
ma Corte que já haviam condenado o presidente por associação de idéias. Pinochet é um milico de
corrupto, golpista e assassino. Sim, assassino. As direita, os governantes da Argentina eram mili-
centenas de homicídios praticados pelos cuba- cos de direita, logo Pinochet é culpado do que
nos da guarda pessoal de Allende são meticulo- quer que tenha acontecido na Argentina. Quan-
samente omitidas pela mídia nacional há déca- to aos hediondos fornos crematórios argentinos,

30 MuNDOreAL
Alexei fica nos devendo alguma indicação docu- exemplo de sua idoneidade histórico-aritmé-
mental, por mínima que seja, que comprove a tica ele nos fornece neste seu parágrafo de en-
existência deles. Ele também poderia nos expli- cerramento:
car por que um detalhe tão pitoresco jamais apa- "Podem todos carpir, guaiar e gemer, mas o
receu na grande mídia antimilica. fato é que Fidel Castro ficará como um dos
"Todos os que foram para o célebre 'pare- maiores líderes antiimperialistas do século
dón', muitos deles torturadores e assassinos XX, ao lado de um Mustafá Kemal Atatürk ou
de Batista, foram julgados e condenados em de um Ho Chi Min. Todos foram ditadores,
tribunais revolucionários, mas não 'desapare- prefiro qualquer um deles ao grande demo-
ceram' jogados no mar, ou metidos em buracos crata George W. Bush, que matou muito mais
cheios de dinamite." gente que os três juntos."
Pela primeira vez na vida vejo alguém insi- Descontemos o uso despropositado do verbo
nuar que tribunais revolucionários - onde o su- "guaiar", que é pura veadagem léxica. Mesmo
jeito entra condenado e em quinze minutos sai que aceitássemos os números mais exagerados
morto - são uma forma de justiça superior ao ho- fornecidos pela propaganda esquerdista quanto
micídio. Mas, qualquer que seja o caso, essas mi- à guerra do Iraque - pois não consta que George
mosas instituições só foram criadas numa fase As W. Bush tenha iniciado outras guerras -, a com-
avançada da revolução cubana. No começo, Che ditaduras paração, em matéria de fidelidade histórica e
Guevara, dispensando esse luxo, assinava sem exatidão aritmética, basta para nivelar historica-
reacionárias são
ler pilhas e pilhas de sentenças de morte e não ra- mente Alexei Bueno à precisa soma aritmética
ro as executava pessoalmente. Ademais, no total
temporárias por da besta quadrada com a besta ao quadrado. Ho-
de vítimas da revolução cubana, as que passa- natureza, pois têm je entendo por que o Bruno Tolentino costumava
ram por algum julgamento, mesmo simulado, ambições chamá-lo de Dislexei Bueno.
são uma fração ínfima em comparação com a limitadas, visam à
quota de "desaparecidos". O monopólio esquer- restauração de um O restante do artigo do sr. Dalmo Dallari,
dista do uso dessa palavra na mídia só tem ser- estado anterior e cujo início comentei quinta-feira passada
vido para fazê-los desaparecer uma segunda (http: //www.olavod ecarvalho.org/sema-
vez, ocultando o fato de que eles foram em maior
se diluem tão logo na/061214dce.html), é de uma mendacidade
número em Cuba do que em qualquer outra di- alcancem seus tão despudorada que mais justo seria xingá-lo
tadura latino-americana. Os números totais do de tudo quanto é nome em vez de honrá-lo
morticínio cubano, reunidos ao longo de vinte com um comentário.
anos de pesquisas pelo economista Armando M. Desde logo, não há atitude que eu mais des-
Lago, presidente da Câmara Ibero-Americana preze, num articulista, do que macaquear, com
de Comércio e consultor do Stanford Research finalidade leviana, expressões verbais que
Institute, são os seguintes: objetivos. usei para transmitir conteúdo sério. Não estou
Fuzilados: 5.621. Assassinados extrajudi- aqui para alimentar parasitas. Se querem men-
O Chile, a
cialmente: 1.163. Presos políticos mortos no tir, que pelo menos tenham a bondade de fazê-
cárcere por maus-tratos, falta de assistência
Espanha e lo com suas próprias palavras, em vez de sugar
médica ou causas naturais: 1.081. Guerrilhei- Portugal, quando as minhas para depois vomitá-las como farsa.
ros anticastristas mortos em combate: 1.258. se desvencilharam Quando comecei a falar de "ocultação de no-
Soldados cubanos mortos em missões no exte- de Pinochet, tícias", anos atrás, eu me referia a fatos de impor-
rior: 14.160. Mortos ou desaparecidos em ten- Franco e Salazar, tância universal, cuja longa e obstinada ausência
tativas de fuga do país: 77.824. Civis mortos nos jornais denunciava um intuito consciente de
eram países
em ataques químicos em Mavinga, Angola: ludibriar os leitores. Fenômenos como a matan-
5.000. Guerrilheiros da Unita mortos em com-
livres e prósperos. ça de mais de um milhão de cristãos nos países
bate contra tropas cubanas: 9.380. Total: comunistas e islâmicos, ou como as assembléias
115.127 (não inclui mortes causadas por ativi- do Foro de São Paulo, que reuniam anualmente
dades subversivas no exterior, como por os mais poderosos líderes da esquerda latino-
exemplo as vítimas do terrorismo brasileiro americana, não eram coisinhas de somenos, que
subsidiado pelo governo cubano). pudessem ser ignoradas unanimemente por ar-
"Sugiro ao leitor que disse ser a ditadura cu- ticulistas, pauteiros, repórteres e chefes de reda-
bana a mais sanguinária da América Latina ler ção do país inteiro ao longo de mais de uma dé-
um pouco de História ou aprender aritmética." cada, sem que houvesse nisso algo de monstruo-
Da minha parte não sugiro a Alexei Bueno samente anormal segundo todos os cânones da
nem uma coisa nem a outra, pois estão ambas profissão jornalística.
formidavelmente acima não só de sua capaci- De uns meses para cá, uma multidão de ca-
dade, como também de suas intenções. Um bos eleitorais, agentes de influência e mentiro-

MuNDOreAL 31
sos compulsivos, a serviço do partido gover- cotar a polícia e ajudar os bandidos, devendo
nante, se apossaram do tema e passaram a tocá- por isso ser publicado. Mas, por favor, compa-
lo, com leves variações, a propósito de qualquer rem: contra a polícia, essa gente fez campanhas
noticinha vagabunda, de qualquer zunzum de milionárias, produziu filmes e programas de
comadres, de qualquer factóide de interesse do TV, publicou centenas de livros e teses univer-
petismo, casualmente omitidos pela grande sitárias, fez dúzias e dúzias de discursos no par-
mídia na correria dos fechamentos. lamento, espalhou milhões de mentiras e, por
Criaram assim a lenda da mídia direitista, fim, promulgou leis que detêm a ação dos po-
reacionária, empenhada em sufocar, como no liciais e os entregam inermes nas mãos dos ban-
tempo dos censores, a voz heróica da esquerda didos. O resultado é uma polícia desarmada,
nacional. acossada, temerosa de cumprir o dever para
Tão fantástica inversão da realidade arris- não ser desancada na mídia e conformada, en-
caria expor seus autores ao riso geral, se não fim, com seu novo papel de fornecedora de al-
tratassem de empacotá-la numa linguagem vos para os bandidos equipados de fuzis Ka-
que, por ter sido usada ao longo de uma déca- lashnikov e metralhadoras UZI. Depois de con-
da para expressar verdades comprovadas, ad- sumada essa grande obra, que fazem os seus
quiriu uma espécie de credibilidade automá- autores? Assinam um miserável manifestinho,
tica apta a ser usurpada para dizer precisa- um factóide, uma simulação ridícula de solida-
mente o contrário, com eficácia multiplicada riedade que não serve nem para desencargo de
por aquela capacidade tão própria da mente consciência, e ainda querem cobertura, reper-
esquerdista, de simular nobreza moral por cussão, câmeras, holofotes, reconhecimento
meio de esgares de dor e revolta desesperado- público! E, se a mídia não lhes fornece o espaço
ramente postiços. que desejam, saem choramingando que foram
Se o leitor se recorda do que escrevi aqui so- censurados. Ora, que vão para o diabo. Sob
bre os efeitos psico-sociais do desconstrucio- qualquer critério jornalístico que se examine, o
nismo, compreenderá facilmente que ativistas lugar dessa notícia é o lixo.
com longa prática em esvaziar as palavras de Por fim, queixa-se o ilustríssimo de que a
todo significado objetivo estão equipadíssi- mídia, fazendo alarde do dossiê ilegal com-
mos para mais esse assalto entrópico e obscu- prado pelo PT para desgraçar seus concorren-
recedor à inteligibilidade da linguagem. tes eleitorais, se omitiu, criminosamente, de
O sr. Dallari só se distingue dos demais pela divulgar o mais importante: o conteúdo do do-
dose extra de cara de pau com que comprime, cumento, as acusações levantadas nele contra
num só artigo, gesticulações indignadas ante o tucanato. Aí o fingimento hipócrita já se ele-
três exemplos de "supressão de notícias" dos va às alturas de um arrebatamento místico.
quais um é materialmente falso e os outros Pois se o dossiê foi forjado justamente para ser
dois são absurdos. divulgado e fazer barulho na mídia, e se a po-
O primeiro é o manifesto pró-Sader, que, se- lícia comprovou o caráter criminoso da opera-
gundo ele, a mídia omitiu por completo. Como ção, divulgar seu conteúdo seria simplesmen-
eu mesmo vi esse manifesto transcrito com es- te dar execução cabal ao plano depois de de-
palhafato em alguns dos maiores jornais do nunciado e condenado, neutralizando a ação
país, não creio estar errado em concluir que ou policial que o abortou em tempo. Para fazer is-
o sr. Dallari é um irresponsável que ataca sem so, a mídia, originariamente escolhida pelo PT
nem mesmo buscar provas, ou é um mentiroso como instrumento passivo do delito, teria de
contumaz que, com as provas na mão, afirma o consentir em praticá-lo, agora, como cúmplice
contrário do que elas atestam. Nos dois casos a ativa e consciente.
única resposta que ele merece é algum pala- O sr. Dallari não tem, em si, a mínima impor-
vrão bem cabeludo, que não registro aqui mas tância. É um puro ninguém de toga e cátedra.
que lhe direi na cara se tiver o desgosto de en- Mas, com esse seu artigo, ele se tornou o im-
contrá-lo um dia. portante sintoma denunciador de males cuja
A segunda notícia injustamente suprimida é dimensão mastodôntica talvez escape à sua
a mensagem, subscrita por ativistas de "direitos própria percepção. Quando um sujeito que a
humanos" (entre sólidas aspas), em louvor de sociedade aceita como jurista acusa de crime a
policiais mortos e feridos no cumprimento do recusa de praticar um crime, é porque de há
dever. Isso, de fato, não li em parte alguma, mas muito já nos evadimos do antigo território de-
Diário do Comércio que importância objetiva tem esse documento? nominado "realidade": tornamo-nos persona-
18/12/2006 Segundo Dallari, ele prova que é falsa a noção gens da fantasia insana do marquês de Sader,
geral de que os tais ativistas só tratam de boi- habitantes do "mundo às avessas".

32 MuNDOreAL
N
ormalmente, no Brasil, políticos e intelectuais de
esquerda se esquivam de declarar que são comu-
nistas. Vivem dizendo que a direita não assume o
próprio nome - o que é no mínimo inadequado,
pois uma corrente política que não existe ideologi-
camente não tem por que assumir nome nenhum -, mas, pe-
lo menos desde a queda do Muro de Berlim, são os esquer-
distas os principais usuários de substitutivos eufemísticos.
E por certo não é a "direita" quem tenta impor a proibição
legal de chamar as coisas pelos seus termos apropriados. É
até cômico que os censores politicamente corretos do voca-
bulário exijam dos outros a linguagem franca que eles pró-
prios buscam abolir por todos os meios.

MuNDOreAL 33
Ocultar a condição de comunista sempre citando Roberto Schwarz, ele proclama que a
foi uma obrigação para os militantes envolvi- conjuntura "é ótima para renovar o pensamen-
dos na parte clandestina das operações do to brasileiro pelo marxismo". Provando que o
Partido, mesmo em épocas e países com plena senso das proporções não é o mesmo numa ca-
vigência dos direitos democráticos. A univer- A revisão beça de comunista e na da humanidade nor-
salização da camuflagem como estilo de vida mal, ele se queixa de que a dose de estupefa-
do
foi uma das grandes contribuições do comu- ciente marxista fornecida aos estudantes uni-
nismo à cultura do século XX (v. Double Lives,
discurso da versitários é escassa, porque "não se sabe com
de Stephen Koch). esquerda é que profundidade Marx foi lido". Uai, até ob-
Mas, desde os anos 90, a obrigação de des- 'botox' ideológico servadores menos atentos podem notar que o
pistar ligações com o movimento comunista para apagar o pensamento marxista não domina os cursos
foi reforçada pelo descrédito geral do regime passado de nacionais de direito, filosofia e ciências huma-
soviético. Como assinalou Jean-François Revel bajuladores de nas por ser muito estudado, mas porque aí não
em La Grande Parade, a década foi marcada se estuda praticamente nada além dele. Não é
por uma intensa revisão do discurso esquer-
genocidas preciso conhecer bastante alguma coisa para
dista, um botox ideológico destinado a apagar poder ignorar tudo o mais. O "Dicionário Crí-
as marcas do passado nas carinhas bisonhas tico do Pensamento da Direita", que citei aqui
dos mais subservientes e pertinazes bajulado- dias atrás, obra de 104 professores universitá-
res de genocidas, para que pudessem apresen- rios esquerdistas e por isso amostragem sufi-
tar como novidades auspiciosas as mesmas Francisco ciente da mentalidade da classe, mostra até
propostas comunistas de sempre. Desde en- de que ponto vai a ignorância dessa gente a res-
tão, proliferaram os eufemismos, alguns anti- peito das correntes de idéias alheias ao marxis-
Oliveira se
gos, como "democracia popular", "socialismo mo. A grande força do marxismo universitário
democrático" etc., outros novos, como "revolu- queixa: dose de brasileiro é justamente a rarefação da sua
ção bolivariana" ou o mais lindo de todos: "am- estupefaciente substância intelectual, que permite sua distri-
pliar a democracia", que significa fechar jor- marxista buição rápida a milhões de idiotas.
nais, proibir críticas ao presidente e dar tiros oferecida a De passagem, o sr. Oliveira resmunga que,
numa massa de manifestantes para em segui- universitários é mesmo no auge da moda marxista entre nós,
da acusá-la de matar-se a si própria com o in- nos anos 70, o pensamento dos frankfurtianos
escassa
tuito maldoso de desmoralizar o governo. O esteve "praticamente ausente" da universida-
regime atual da Venezuela já é uma democra- de brasileira, o que, a julgar pelo volume oceâ-
cia ampliada. Ampliada até além-fronteiras: nico de citações a Adorno e Benjamin desde
policiais e juízes enviados por Fidel Castro têm então até hoje, só pode ser interpretado no sen-
jurisdição para entrar no país à vontade e pren- tido de Stanislaw Ponte Preta: "Sua ausência
der cubanos foragidos ou até cidadãos vene- preencheu uma lacuna".
zuelanos considerados inconvenientes. Mas o ponto mais significativo do diagnós-
O fogo das denúncias de corrupção no go- tico oliveiriano dos males do marxismo brasi-
verno Lula derreteu rapidamente a maquia- leiro é a crítica ao "reformismo" do PCB nos
gem verbal, de baixo da qual emergiu, em toda anos 60 e a apologia à "única exceção criadora"
a sua formosura, o bom e velho discurso da or- da ocasião, o filósofo Caio Prado Júnior. A pre-
todoxia marxista. Com uma desenvoltura e sente geração de estudantes dificilmente ati-
uma petulância que seriam inimagináveis na nará com o sentido dessa alusão, mas, para
época da campanha eleitoral, Lênin e Mao as- quem a percebe, a analogia com a situação
somaram ao microfone do ciclo "O Silêncio atual é óbvia. Num momento em que a esquer-
dos Intelectuais" e em várias colunas de im- da, como hoje, lambia as feridas de um fiasco
prensa, com aquele sincronismo que muitos monumental e buscava meios de salvar a hon-
atribuiriam misticamente a coincidências jun- ra, o autor de A Revolução Brasileira foi, entre
guianas e no qual só os paranóicos - sim, só os comunistas históricos, o mais destacado crí-
eles, eu incluso - ousariam pressentir o sinal de tico da "aliança com a burguesia nacional" e o
uma instrução transmitida a toda a massa de propugnador emérito da ruptura violenta que
"trabalhadores intelectuais", concitando-os a gerou a guerrilha. Quando Marx disse que a
juntar forças para atribuir todos os crimes do história se repete como farsa, estava anteci-
PT à política "tucanizada" e oferecer como re- pando a epopéia tragicômica do movimento
médio à debacle do partido a palavra-de-or- comunista, toda ela composta de sucessivas
dem salvadora e unânime: Marxismo já! reencarnações farsescas de si própria. O vai-
O sr. Francisco de Oliveira, no resumo pu- vém cíclico entre apaziguamento maquiavéli-
blicado da sua conferência no ciclo, é explícito: co e radicalismo assassino, com periódicas fu-

34 MuNDOreAL
(...) o PT
de Lula é o
PCB corrompido e
'reformista' que
deu com os burros
n'água em 1964

sões dos dois elementos, é um dos lances infa- ma ter sido A Essência do Cristianismo, de
líveis desse enredo criminoso. O sr. Oliveira é Ludwig Feuerbach, "o livro que mais influen- A Sra.
em suma o novo Caio Prado Júnior, assim co- ciou o jovem Marx". Quem quer que tenha es- Marilena
mo o PT de Lula é o PCB corrompido e "refor- tudado o assunto sabe que Marx só engoliu Chauí restaura a
mista" que deu com os burros n'água em 1964. com reservas as especulações feuerbachianas.
lição da vulgata
A solução é, pela enésima vez, o retorno puri- O verdadeiro guru e introdutor dele e de En-
ficador às fontes do marxismo, seguido de al- gels no comunismo foi Moses Hess, satanista segundo a qual
gum tipo de videotape das guerrilhas, prova- praticante, de cujo livro Die Folgen der Revo- quem move tudo
velmente ampliadas às dimensões das FARC. lution des Proletariats ("Conseqüências da re- é a luta de classes
Esse pessoal não aprende nunca. volução proletária", 1847), trechos inteiros do
De maneira ainda mais estereotípica, a sra. Manifesto de 1848 são quase uma paráfrase.
Marilena Chauí adverte contra a "crença peri- (Mais tarde Hess se arrependeu e voltou ao ju-
gosa" (sic) de que as idéias movem o mundo, daísmo, mas era tarde: sua prole infernal já es-
restaura a lição da vulgata segundo a qual quem tava espalhada pelo mundo.)
move tudo é a luta de classes, e repete com ad- Segundo: o sr. Wolff proclama que uma das
mirável fidelidade canônica a excomunhão grandes desventuras do Brasil é o abandono da
marxista da "separação entre trabalho manual e Teologia da Libertação, cujos próceres "perde-
intelectual no capitalismo" (no socialismo, co- ram a guerra contra o clero vigarista infiltrado
mo se sabe, cada varredor de rua é um novo em toda a vida nacional". O leitor, como eu, terá
Leonardo da Vinci). Complementada por uma alguma dificuldade em enxergar os padres rea-
oportuna entrevista que lança sobre o indefec- cionários que superlotam o Senado, a Câmara,
tível "neoliberalismo" as culpas do governo Lu- os Ministérios, o aparato estatal de cultura, o mo-
la - como se os crimes denunciados não viessem vimento editorial, os canais de TV, as redações de
do tempo em que a própria Chauí se tornou a jornais e as editoras de livros, assim como em
musa inspiradora do marxismo petista -, a alo- constatar a ausência concomitante, nesses locais
cução da professora da USP no ciclo "O Silêncio e até na Presidência da República, de discípulos
dos Intelectuais" traz um enfático reforço à es- de Frei Betto e Leonardo Boff. Mas a percepção
tratégia reencarnacionista do sr. Oliveira. do sr. Wolff, sobretudo depois das duas da ma-
Ao mesmo tempo, na mídia, o apelo por um drugada, penetra em regiões inacessíveis à visão
retorno ao marxismo puro ecoa por toda parte normal humana. Ele vê coisas.
com idêntico vigor. Para dar só um exemplo Para mim, tudo isso foi uma autêntica Hora
entre muitos, que comentarei se possível nas da Saudade. Ouvindo a sra. Marilena Chauí,
próximas semanas, o sr. Fausto Wolff, célebre lendo os srs. Francisco Oliveira e Fausto Wolff,
como relações públicas de Yasser-Arafat, entre tantos outros, revivi, proustianamente, a
anuncia "uma lição de casa para os petistas" e, minha juventude de militante, quando varava
com o didatismo de um instrutor do MST, for- noites decorando o Manual de Marxismo-Le-
nece dados biográficos seguidos de um resu- ninismo da Academia de Ciências da URSS e
mo esquemático das doutrinas de Karl Marx. comovendo-me até às lágrimas com a convo-
Confesso não estar habilitado a sondar a pro- cação de Caio Prado Júnior à sangueira reden-
fundidade dos ensinamentos do sr. Wolff, já tora que nos libertaria da vexaminosa "acomo-
que me falta no momento o único instrumento dação burguesa" do PCB. Na época não exis-
de análise apropriado para isso: o bafômetro. tiam os termos "neoliberalismo" e "tucanis-
Limito-me a anotar no seu artigo dois pontos mo". O pecado chamava-se "reformismo" ou
interessantes. Primeiro, ele não parece ter do 'revisionismo'. Mas, para o automatismo men- Diário do Comércio
marxismo conhecimentos que vão muito além tal comunista, a mera troca de palavras já é 29/08/2005
da lauda e meia ali preenchida, já que procla- uma inovação formidável.

MuNDOreAL 35
Honra ao mérito

Francenildo,
caseiro que
teve o seu
sigilo
bancário
violado e se
tornou um
herói
nacional

Beto Barata/AE/10/3/2006

36 MuNDOreAL
L
eio no site do meu caro Políbio Braga iluda quanto à possibilidade de reverter o estado
(http://www.polibiobraga.com.br), um de coisas pela via eleitoral normal, sem uma con-
dos melhores comentaristas políticos do tra-estratégia de conjunto e um combate antico-
Rio Grande, o seguinte: munista explícito, será um caso de ingenuidade
" Se você tem conta na Caixa Econômi- política irreversível e fatal.
ca Federal, muita atenção: a Caixa viola o sigilo
bancário dos seus clientes. Saia da Caixa Fede-
ral enquanto é tempo e fuja de repartições pú-
blicas ocupadas por trotsquistas ou ex- trots-
1 No entender de Gramsci, o "poder" não se
constitui apenas do aparelho estatal, mas de
uma complexa trama de organizações espalha-
quistas enquistados no PT, porque eles são ca- das pela sociedade civil, por meio das quais a
pazes de tudo e não têm compromisso algum Não "ideologia" dominante se perpetua através das
com a chamada 'ordem burguesa'. Ficou com- sejamos gerações, criando uma barreira de proteção in-
provado que a violação do sigilo bancário do visível contra a ação revolucionária.
injustos com a
caseiro Francenildo dos Santos Costa partiu
Caixa. Ela não é
da própria Caixa Econômica Federal. O for-
mulário de extração de dados da movimenta-
ção bancária de Francenildo é exclusivo do sis-
uma ilha de
espionagem
2 Portanto, o principal objetivo do Partido re-
volucionário não deve ser a tomada do poder
político, mas a conquista do controle - "hegemo-
tema interno da estatal, ao qual nem clientes comunista num nia" - sobre essa rede informal de organizações
têm acesso. As duas pessoas, em última ins- mar de que produzem a "cultura", isto é, a ideologia do-
tância, responsáveis pelo sigilo dos dados dos confiabilidade minante. (O Partido não precisa ser formalmen-
clientes são gaúchas. São o próprio presidente, te um só, reconhecido como tal nos registros elei-
Jorge Mattoso, conhecido trotsquista de Porto
e decência. torais "burgueses", mas pode ser um amálgama
Alegre, amigo de Luís Favre, o marido de Mar- de organizações diversas e sem estratégia nomi-
ta Suplicy, também ele um trotskista histórico, nal unificada, algumas até sem existência legal,
além de Clarice Coppetti, a guardiã da área de como acontece com o MST.)
segurança da informação da Caixa, que antes
de ir para Brasília ocupou uma das Diretorias
da Procempa, à época presidida pelo trots-
quista Jorge Mazzoni. São todos enfezados mi-
3 A hegemonia não é apenas um meio de obter
suporte social para a conquista do poder po-
lítico. Isso seria reduzi-la a um apêndice da velha
litantes do PT. Clarice Copetti é mulher de Cé- estratégia leninista. Ao contrário, ela é, desde já,
sar Alvarez, do PT gaúcho, homem que despa- a transição revolucionária para o socialismo,
cha ao lado do gabinete do Presidente Lula, no operada por meios tão difusos e onipresentes
Palácio do Planalto." que se torna difícil combatê-los ou mesmo reco-
Não sejamos injustos com a Caixa Econômi- Todas as nhecê-los. Daí o nome "revolução passiva". É a
ca Federal. Ela não é uma ilha de espionagem estatais revolução que acontece sem que ninguém possa
comunista num mar de confiabilidade e decên- ser apontado como seu autor e mesmo sem que
[...] têm hoje um,
cia. Todas as estatais, todos os órgãos da admi- as vítimas do processo tomem consciência clara
nistração federal, estadual e municipal, todos
dois, vinte, trinta do que está acontecendo.
os sindicatos, todos os bancos, todas as grandes agentes
infiltrados a
empresas privadas, todas as escolas privadas e
públicas de qualquer grau, todas as instituições
de cultura, todos os jornais, revistas e canais de
serviço da 4 No esquema leninista, a transição para o re-
gime comunista seria feita por meio de uma
etapa intermediária socialista. O Estado, nessa
máquina
TV, todos os partidos políticos sem exceção têm perspectiva, seria fortalecido e ampliado até
esquerdista.
hoje um, dois, vinte, trinta agentes infiltrados a apropriar-se de todos os meios de ação social
serviço da máquina esquerdista de informação existentes. Quando nada mais restasse fora da
e contra-informação. esfera do Estado, este desapareceria como tal:
Essa "ocupação de espaços" começou quaren- onde tudo é Estado, nada é Estado. Pelo menos a
ta anos atrás e prosseguiu discretamente, imper- dialética hegeliana ensina a raciocinar assim.
turbavelmente, sem encontrar a menor resistên- Marx, Lenin e tutti quanti tomavam como disso-
cia, ao longo de duas gerações de brasileiros. Ela lução real do poder de Estado essa pura trans-
nasceu da mutação estratégica sucedida nos mutação semântica do tudo em nada. Foi por
partidos de esquerda a partir da publicação das meio dessa grotesca mágica verbal que o totali-
obras de Antonio Gramsci pela Editora Civiliza- tarismo perfeito pôde ser aceito como a perfeita
ção Brasileira, na década de 60. Vou resumir bre- democracia. O esquema de Gramsci é bem dife-
vemente essa mutação e em seguida analisar cri- rente. Nada tem de um engodo dialético. É uma
ticamente o seu estado atual. Quem depois disso transformação material, efetiva, da estrutura de
não entenda o que está acontecendo e ainda se poder. A conquista da hegemonia, conforme ele

MuNDOreAL 37
a encarava, já viria a constituir, em si e imedia- reconhecida como tal, pois corresponderia à
tamente, a dissolução da ordem estatal, substi- simples realização de expectativas "normais" já
tuída pela obediência espontânea das massas prefiguradas e legitimadas na "cultura".
aos estímulos acionados pelos comandos cultu- Nenhum ser humano com QI superior a 12
rais espalhados por todo o corpo da sociedade. A pode deixar de perceber que a transformação
burocracia estatal é uma expressão da cultura revolucionária gramsciana não é um risco que
dominante e nada pode contra ela. Ainda que se abre diante de nós, mas a situação em que o
continuasse formalmente vigente, a ordem esta- país já vive desde há muitos anos, um processo
tal, inerme ante a força onipresente e invisível da tão geral, profundo e avassalador que nin-
"cultura", se tornaria um adorno inócuo e se dis- guém mais pensa em lhe oferecer resistência
solveria por si mesma. Seria o comunismo não de conjunto: mesmo os descontentes com o es-
declarado, implantado sem a etapa intermediá- tado de coisas só reagem a pontos de detalhe.
ria socialista. Suas ações se dissolvem espontaneamente no
oceano da hegemonia cultural e com a maior

5 Nesse processo, a submissão coercitiva à au-


toridade estatal seria substituída pela obe-
diência inconsciente e irreversível à "cultura", is-
facilidade são reaproveitadas para o fortaleci-
mento do contole partidário monopolístico.
Alguns exemplos especialmente depri-
to é, ao conjunto de estímulos, slogans e cacoetes mentes:
mentais injetados sutilmente na sociedade pelos
"intelectuais", a vanguarda partidária espalhada
informalmente nos milhares de organizações da
A Aqueles que se revoltam contra a prepotên-
cia do MST já não têm sequer a força interior
de lutar contra os objetivos do movimento e se
sociedade civil. A profundidade e abrangência limitam a protestar contra uma ou outra ação
dessa penetração pode ser medida pelo fato de isolada. Contra a subversão agrária, o máximo
que a rede de organizações a ser conquistada que conseguem propor é a "reforma agrária
abrangia até escolas maternais, igrejas e confes- dentro da lei", isto é, a reforma agrária condu-
sionários, consultórios de psicologia clínica e zida pelos agentes do mesmo movimento que
aconselhamento matrimonial: nada na ativida- só se diferenciam dos invasores de terras por-
de psíquica da sociedade poderia escapar à in- que ocupam cargos na burocracia estatal. O
fluência do Partido, que adquiriria assim, segun- ponto que ainda resta em disputa é apenas uma
do as palavras do próprio Gramsci, "a autorida- diferença quanto aos meios de fortalecer o MST:
de onipresente e invisível de um imperativo ca- deixando-o invadir e queimar fazendas ou en-
tegórico, de um mandamento divino". tregando-lhe oficialmente tudo o que ele exige e
mais alguma coisa.

6 No esquema gramsciano, a identificação do


perfeito controle totalitário com a perfeita li-
berdade democrática, que em Lênin era apenas
B É mais que evidente que os organismos po-
liciais e de inteligência não foram deixados
de lado na conquista da hegemonia. Eles estão
um giro semântico demagógico, se torna um hoje sob o controle completo da organização
processo psicológico real vivenciado pelas mul- partidária que, ao mesmo tempo, fomenta o ban-
tidões, que, não percebendo nenhuma autorida- ditismo através de legislações propositadamen-
de estatal a coagi-las ou atemorizá-las por meios te liberalizantes e sobretudo da intensa colabo-
visíveis, acreditam piamente estar vivendo na ração entre as quadrilhas de traficantes e as or-
mais libertária das democracias, no instante ganizações subversivas estrangeiras associadas
mesmo em que se curvam à completa obediên- ao partido governante através do Foro de São
cia, incapazes até mesmo de conceber algum ti- Paulo. É a perfeita articulação da "pressão de bai-
po de ação que escape à conduta que o Partido xo" com a "pressão de cima". Espremida entre es-
espera delas. ses pólos, a sociedade não tem alternativa: ou se
conforma com a violência criminosa descontro-

7 A subversão ativa por meio dos mecanismos


tradicionais de ação comunista - greves, inva-
sões de terras, protestos de toda ordem - não se-
lada, ou fortalece o partido governante confian-
do-se à sua proteção, sem ousar confessar a si
mesmo que assim está se entregando oficial-
ria abandonada, mas articulada à conquista da mente aos próprios bandidos.
hegemonia pela elite "intelectual", formando o
"bloco histórico", isto é, a perfeita convergência
da "pressão de cima" com a "pressão de baixo".
C Durante anos, a elite partidária articulou vio-
lentas campanhas de combate à corrupção
com a construção discreta e abrangente de uma
Operando sobre um fundo psicológico prepara- máquina de corrupção incomparavelmente
do pela hegemonia, a subversão já não encontra- maior e mais destrutiva do que todas aquelas que
ria resistência e nem mesmo seria nominalmente ia desmantelando pelo caminho. Pressão de ci-

38 MuNDOreAL
ma e pressão de baixo. Durante esse período, os de poder. Só não sabia diferenciar o bem do
feitos mais espetaculares do moralismo acusa- mal. Era um gênio da engenharia social com a
dor deviam-se exclusivamente ao progressivo consciência moral de um rato de esgoto. Se o
controle que os partidos de esquerda iam adqui- Brasil é hoje a nação recordista mundial de ho-
rindo sobre os meios de informação e contra-in- micídios no mundo e ao mesmo tempo o único
formação através de uma infinidade de "arapon- país em que a estratégia gramsciana foi aplica-
gas" infiltrados em toda parte. Na época, a socie- da de maneira integral e bem sucedida, só ti-
dade já estava tão estupidificada e submissa que pos patéticos nos quais a impotência e a creti-
fechava os olhos a essa monstruosa destruição da nice tenham chegado à síntese perfeita da es-
ordem legal desde dentro e só se enfezava contra tupidez superior podem achar que uma coisa
os corruptos avulsos que a máquina de subver- não tem nada a ver com a outra. Ora, pratica-
são esquerdista apontava à execração popular. A mente toda a política "de oposição", no mo-
situação descrita por Políbio Braga no parágrafo mento, consiste precisamente em agir como se
citado acima não é nova. O esquema esquerdista uma coisa não tivesse nada a ver com a outra. Aqueles
tem toda a máquina de informações na mão, po- Quando observo esse estado de coisas e me que se
dendo usá-la à vontade tanto para enriquecer ili- lembro de que, ao longo das décadas, todas as
revoltam contra
citamente como para intimidar, assassinar mo- minhas tentativas de denunciar o processo antes
ralmente ou mesmo mandar para a cadeia quem que ele chegasse às suas últimas conseqüências
a prepotência do
quer que ouse denunciar o que ele está fazendo. foram recebidas com bocejos de indiferença ou MST já não têm a
A esta altura, qualquer político anti-esquerdista com aquela franca hostilidade que os preguiço- força interior de
que ache possível vencer esse esquema por meio sos e comodistas reservam para os portadores de lutar contra os
de acusações isoladas de corrupção, apegando- notícias desagradáveis, não posso escapar à con- objetivos do
se a esse ponto para fugir a um confronto com a clusão de que as vítimas da opressão esquerdista movimento.
estratégia geral gramsciana, é evidentemente receberam exatamente aquilo que fizeram por
um bocó inofensivo que só merece, de seus ini- merecer. No fundo do caos, da violência, do ci-
migos esquerdistas, um riso de desprezo. nismo triunfante e da mais formidável degrada-
No Brasil atual, a autodemolição do Estado e ção moral que qualquer nação do mundo já vi-
sua substituição pela onipotência do Partido já venciou, reina, no fim das contas, uma certa jus-
são fatos consumados e, nesse sentido, a profecia tiça. Todos estão sendo recompensados pelos
gramsciana se revelou perfeitamente veraz. O méritos da sua covardia moral e da sua indolên-
problema com Gramsci não é a falta de realismo. cia intelectual. Parabéns.
Gramsci nunca foi vitima de utopismo revolu-
cionário. Ele sempre foi atento aos fatos e sensí- Nota - Naanálisedosfatos,Gramscisófalhou
vel à hierarquia das forças objetivas que movem num ponto decisivo. Ele não entendia absoluta-
a sociedade. O problema com ele não está nos fa- mente nada de economia, e por isso imaginou
tos, mas nos valores. Tal como seu guru Maquia- que a aplicação bem sucedida da sua estratégia
vel, ele tinha uma consciência moral doente, dis- produziria automaticamente a transfiguração
forme, incapaz de sentir o mal mesmo nas suas mágica do sistema econômico. Ao contrário, a
expressões mais óbvias e escandalosas. Por evolução posterior dos acontecimentos mostrou
exemplo, ele via a dissolução do Estado como o que a implantação de um sistema de poder co-
advento de uma era de liberdade jamais sonha- munista gramsciano é inteiramente compatível
da. Mas o Estado é uma ordem explícita sobre a com a subsistência do capitalismo monopolísti-
qual sempre se pode exercer um controle crítico. co. Na verdade, ela até exige isso, porque, a eco-
Já a rede de operadores da hegemonia é oculta, nomia comunista sendo inviável em si (a de-
inacessível ao público. É uma elite onipotente co- monstração cabal disto já foi feita desde 1928 por
mo uma casta de deuses, controlando o processo Ludwig von Mises), o esquema gramsciano pre-
desde alturas inatingíveis. Só uma mente per- cisa de uma certa quota de capitalismo para
versa pode conceber isso como um reino da li- manter-se de pé, exatamente como acontece na
berdade. Ao mesmo tempo, é óbvio que a elite economia nazista ou fascista. Daí a parceria in-
esquerdista pode dissolver o Estado por meio do fernal do partido governante com os bancos.
fomento ao banditismo, mas com isso entrega a Mantendo satisfeita uma parcela da burguesia,
população à sanha de traficantes e assassinos, esse esquema pode durar indefinidamente. E, se
sem lhe deixar esperança de refúgio exceto por alguém acha ruim, o protesto mesmo pode ser
meio de um retorno ao Estado forte, dominado, é canalizado em favor da propaganda esquerdis-
claro, pela mesma elite que criou, protegeu e ali- ta, lançando-se as culpas do mal sobre o "siste- Diário do Comércio
mentou o império do crime. ma", como se o sistema não fosse o próprio 27/03/2006
Gramsci sabia como funcionava a estrutura gramscismo realizado.

MuNDOreAL 39
O sucesso do fracasso

Vinícius Torre Freire/Folha Imagem/1/12/1995


Jacques Derrida, sacerdote supremo do desconstrucionismo

T
odos os "movimentos sociais" atuantes no Brasil, sem necessário, criminalizar toda resistência.
exceção, bem como as entidades que os representam e 4 Só então as propostas chegam aos países do Terceiro Mun-
as leis baseadas nas suas reivindicações, nasceram da do, por meio de ONGs e agentes pagos que as inoculam nos
seguinte maneira: círculos de intelectuais mais ativos, os quais as retransmitem
1 Com dez, vinte, trinta anos de antecedência, os inte- aos estudantes e à mídia, não raro apresentando-as como suas
lectuais esquerdistas de maior peso discutem e elaboram os criações pessoais e originalíssimas, de modo que a multidão
conceitos e a linguagem das novas idéias destinadas a revigorar dos aderentes não tenha a mais mínima idéia da existência de
e ampliar o movimento revolucionário mundial. um empreendimento internacional organizado por trás dos
2 Em seguida essas propostas passam à alçada das grandes efeitos políticos que se seguem inexoravelmente.
fundações bilionárias e organismos internacionais, onde o se- 5 A última etapa é a produção desses efeitos, por meio dos agen-
gundo escalão intelectual - técnicos, planejadores sociais, pu- tes políticos - militância organizada, agentes de influência, legis-
blicitários, ativistas - lhes dá o formato operacional para trans- ladores - que transformam as propostas em leis e instituições.
mutá-las em propostas concretas. Na última etapa, as origens intelectuais das propostas e a
3 Essas propostas são então espalhadas pelo mundo por sua base internacional de sustentação financeira e organiza-
meio de uma infinidade de livros, artigos, conferências, filmes, cional já se tornaram praticamente invisíveis para a população
espetáculos de teatro, sempre subsidiados pelas mesmas fon- em geral, de modo que toda a discussão a respeito, destinada a
tes, mas apresentados como iniciativas independentes, de mo- fazer com que a adoção das novas medidas pareça surgir do
do a dar a impressão de que a mudança planejada provém de fluxo normal e espontâneo da vida democrática, se atenha às
uma fatalidade histórica impessoal e não de uma ação orga- definições nominais e aos aspectos mais periféricos das ques-
nizada. Ao mesmo tempo, desencadeia-se um conjunto de tões respectivas, sem possibilidade de examinar seja o esque-
operações preventivas destinadas a neutralizar, reprimir e, se ma de poder que articulou a seu belprazer a situação de debate,

40 MuNDOreAL
seja as implicações históricas de longo prazo que advirão das
transformações pretendidas. Quando essas conseqüências se (...) os esquerdistas, a salvo de qualquer
revelam catastróficas, a culpa pelo erro que as produziu já está
fiscalização crítica da parte de seus
tão disseminada pela sociedade que toda tentativa de rastrear
e responsabilizar os autores das propostas iniciais, caso ainda adversários, inventam as mentiras e alucinações
ocorra a alguém a tentação de empreendê-la, começa a parecer com que dominarão a consciência das multidões.
rebuscada e artificiosa "teoria da conspiração".
A primeira condição para a existência de um movimento
conservador ou liberal é a formação de equipes de estudiosos
qualificados para fazer esse rastreamento e expor aos olhos da do desse debate lhes parece falso e alucinatório e por isso supre-
multidão o processo inteiro da "transformação social", para mamente tedioso, não percebem que por trás dessa falsidade e
que ela perca seu prestígio místico de fatalidade histórica ou alucinação há um método e uma estratégia. Nem muito menos
vontade divina e possa ser discutida às claras como qualquer que a falsidade louca de uma idéia jamais foi obstáculo ao seu
outro projeto de poder. sucesso político. Enquanto os liberais e conservadores discutem
Infelizmente, as forças econômico-sociais cuja sobrevivên- economia, criando esquemas saudáveis e racionais que jamais
cia a longo prazo depende do sucesso de um movimento libe- serão levados à prática, os esquerdistas, a salvo de qualquer fis-
ral-conservador - principalmente a classe empresarial que é a calização crítica da parte de seus adversários, inventam as men-
concorrente número um dos planejadores e burocratas ilumi- tiras e alucinações com que dominarão a consciência das mul-
nados - têm um horizonte de visão histórica muito restrito e tidões e conduzirão o processo histórico para onde bem enten-
dificilmente compreendem a necessidade de uma estratégia dam, com a facilidade com que um menino-pastor puxa um bú-
de longo prazo. Concentram-se na defesa dos seus interesses falo de uma tonelada pela argola do nariz.
imediatos reais ou imaginários e, sem perceber, acabam cola- Vou dar aqui um único exemplo de doutrina alucinatória que
borando com os planos mais vastos e gerais da esquerda, seja jamais vi despertar o interesse dos liberais e conservadores bra-
por meio de concessões conscientes que lhes parecem muito sileiros e que por isso mesmo consegue praticamente dominar o
espertas na hora, seja por meio de resistências pontuais arbi- ambiente universitário, cultural e midiático nacional, influen-
trárias e inconexas que sempre podem ser absorvidas e neu- ciando o curso dos acontecimentos e impondo derrotas humi-
tralizadas no quadro maior da estratégia esquerdista, seja por lhantes à racionalidade econômica liberal-conservadora.
meio da adaptação passiva, lenta e quase imperceptível à lin- Refiro-me à escola "desconstrucionista" de Jacques Derrida,
guagem e à cosmovisão de seus inimigos. Jean-François Lyotard, Paul de Man, Gianni Vattimo e outros,
O domínio do tempo histórico das transformações político- que torna inviável toda idéia de veracidade objetiva e instaura
sociais tornou-se monopólio da elite esquerdista internacio- em seu lugar o primado da ficção militante.
nal. O mero fracasso econômico das propostas socialistas não Como em artigos vindouros pretendo abordar aqui vários
diminui em nada o poder hipnótico que exercem sobre a mul- fenômenos da política brasileira que jamais teriam podido
tidão nem o controle hegemônico da esquerda sobre o proces- produzir-se exceto num ambiente intelectual dominado por
so histórico, porque esse fracasso é apenas um fato, e os fatos essa escola, a utilidade essencial de conhecê-la se tornará mais
não se transformam por si em elementos de persuasão quando evidente nas próximas semanas.
não integrados como símbolos num universo imaginário, isto Usei o termo "escola", mas os próprios desconstrucionistas o
é, quando não trabalhados dentro de um plano cultural abran- rejeitam. Também não aceitam que o desconstrucionismo seja
gente e de longo prazo, precisamente o que falta por completo definido como uma filosofia, um método de interpretação, um
às forças liberal-conservadoras. projeto acadêmico ou qualquer outra coisa. Não aceitam defi-
O próprio preconceito economicista que se apossou dessas nição nenhuma, o que já coloca o recém-chegado na obrigação
forças, induzindo-as a esperar que a fraqueza econômica do de escolher entre embarcar às cegas na aventura sem nome ou,
socialismo se transmute automaticamente em fracasso políti- ficando de fora, não poder criticá-la sem ser acusado de incom-
co-cultural do movimento esquerdista, já mostra o quanto o preensão leiga. À entrada do templo desconstrucionista, por-
imaginário liberal-conservador foi infectado e moldado pela tanto, um cartaz em letras de fogo já anuncia: "Ame-o ou deixe-
cosmovisão esquerdista, hoje "onipresente e invisível" como a o." Mas deixá-lo significa excluir-se a si próprio da comunida-
desejava Antonio Gramsci. de acadêmica e ser considerado um ignorante ou reacionário,
Desse preconceito, em simbiose com o imediatismo político, um escravo do universo lingüístico pré-desconstrucionista e,
nasce o profundo desinteresse que os liberais e conservadores portanto, um virtual objeto de desconstrução. Não há terceira
têm pelo debate interno de idéias na esquerda. Como o conteú- alternativa entre desconstruir e ser desconstruído - e esta úl-
tima hipótese não significa apenas ser objeto de análise corro-
siva, mas de destruição social e profissional.
A desconstrução parte da premissa lingüística de Ferdinand
O domínio do tempo histórico das de Saussure de que a língua é um sistema no qual o sentido de
transformações político-sociais tornou- cada palavra é a diferença entre ela e todas as outras. O sacerdote
se monopólio da elite esquerdista internacional. supremo do desconstrucionismo, Jacques Derrida, joga essa
premissa contra as pretensões científicas da própria lingüística,

MuNDOreAL 41
trucionistas em geral, a liberdade consiste em negar a verdade,
(...) a escola 'desconstrucionista' de afirmando, com isso, o próprio poder.
No início alguns marxistas ficaram alarmados com a nova fi-
Jacques Derrida (...) e outros torna inviável
losofia, que, ao negar a realidade, punha em xeque toda preten-
toda idéia de veracidade objetiva e instaura em são de conhecer as leis objetivas do processo histórico. Mas Der-
seu lugar o primado da ficção militante. rida logo conseguiu acalmá-los, mostrando que, se o descons-
trucionismo era ruim para a teoria marxista, era bom para o mo-
vimento revolucionário, dando-lhe não só os meios de corroer
ao concluir daí que, se a língua é um sistema de diferenças entre toda a cultura ocidental por meio da negação do significado em
signos, ela não tem qualquer referência a um "significado" ex- geral, mas também de afirmar o seu próprio poder ilimitada-
terno. Tudo o que o ser humano diz, escreve ou pensa é apenas a mente: livre das coerções da realidade objetiva, imune portanto
exploração das possibilidades internas do sistema. Não tem na- a qualquer cobrança na esfera dos argumentos racionais, ele po-
da a ver com "realidade", "fatos" etc. O universo inteiro ao alcan- deria impor sua vontade por todos os meios ficcionais possíveis,
ce do pensamento humano é constituído de "textos" ou "discur- enquanto seus adversários, travados por escrúpulos de realida-
sos", mas, como não há nenhuma realidade externa pela qual es- de e lógica, observariam inermes a sua ascensão irresistível.
ses discursos possam ser aferidos, não tem sentido falar de dis- Todo o empreendimento desconstrucionista é, de fato, uma
cursos "verdadeiros" ou "falsos". Não existe representação da resposta prática ao apelo formulado pelo marxista húngaro
realidade. Todo discurso é livre invenção de significados. Georg Lukacs, ao perceber que o grande obstáculo ao comunis-
Obtida essa conclusão, Derrida interpreta-a em sentido mo não era o poder econômico da burguesia, mas dois milênios
nietzscheano, afirmando que, se o dircurso não é represen- de civilização judaico-cristã. "Quem nos livrará da civilização
tação da realidade, é expressão da "vontade de poder". Mas ocidental?", perguntava angustiado Lukacs. Quem logo se apre-
isso não quer dizer que por trás do discurso exista um "eu" sentou como primeirão da fila foi o nazista Martin Heidegger.
manifestando sua vontade de poder. A idéia de um eu estável Destruição - Destruktion - é a palavra-chave de tudo o que ele fez
e autoconsciente é ela própria uma representação da realida- na vida: desde escrever e depois desescrever Ser e Tempo até
de. Como nenhuma representação da realidade pode funcio-
nar, o eu também não existe: só o que existe é o ato de poder
que cria uma ficção chamada "eu". Se a língua estava total-
mente separada da realidade por ser apenas um sistema de AFP/1/1/1960

diferenças, o desconstrucionista vai agora separá-la do pró-


prio sujeito pensante, acrescentando à mera "différence" a
"différance", com "a", termo criado por Derrida para designar
o intervalo de tempo entre o sujeito como autor do discurso e
o mesmo sujeito considerado enquanto assunto do discurso.
Em português ele não precisaria inventar esse trocadilho me-
donho, pois aí existe a palavra "diferição", sinônima de "adia-
mento", que, por aquela mistura de pedantismo e ignorância,
típica do meio acadêmico nacional, os tradutores brasileiros
se recusam a usar, preferindo o neologismo francês para dar a
impressão de que se trata de uma nuance sutilíssima. Qual-
quer que seja o caso, Derrida está falando simplesmente de
uma diferição, de um lapso de tempo: o eu do qual você fala
não é nunca o eu que está falando. Mas, se é assim, o eu como
assunto do discurso não está nunca presente a si mesmo. Se-
parado do objeto pela circularidade do sistema, o discurso es-
tá também separado do sujeito pela diferição, ou, se prefe-
rem, "différance" (como diria Dirty Harry: Cazzo!). Diga você
o que disser, ou pense o que pensar, será sempre uma ausên-
cia falando de outra ausência.
Se o eu não existe e o objeto que ele pensa também não existe,
só o que existe é o ato de poder que cria uma ficção chamada
"eu" e outra ficção chamada "objeto". O motivo que produz a
necessidade de criar essa ficção é o desejo de escapar da morte,
da aniquilação. Mas a morte é inescapável, é a "realidade". Por-
tanto a função de todos os discursos é negar a realidade e a sua
tradução cognitiva, a verdade. Nisso consiste o poder, a genuí- Martin Heidegger foi o primeiro herói
na liberdade. O Evangelho (João, VIII:32) dizia que a liberdade da guerra contra o "logocentrismo"
nasce do conhecimento da verdade. Para Derrida e os descons-

42 MuNDOreAL
dos de nomes humanos é a mesma quer ele esteja vivo ou morto.
Expressão da revolta gnóstica contra a A diferença entre morrer e estar vivo, por sua vez, é a mesma
quer você esteja vivo ou morto. Mas, se Jacques Derrida morreu,
estrutura da realidade, projeto
a diferença entre ele e todos os outros continua intacta, enquanto
'desconstrucionista' está destinado ao fracasso, ele, o indivíduo Jacques Derrida, não será mais visto por aí dan-
mas o fracasso cognitivo pode ser um sucesso do palestras e encantando milhões de idiotas. Ou a expressão
político-social. "Jacques Derrida" significa algo mais do que a diferença entre ela
e todas as outras, ou tanto faz Jacques Derrida estar morto ou
vivo. Do mesmo modo, uma frase como "Não há mais comida" é
a mesma - e suas diferenças em relação a todas as outras são as
aplaudir a ascensão do Führer e recusar-se a esclarecer o assunto mesmas - quer você a diga como puro exemplo verbal ou como
depois da II Guerra, deixando seus fãs numa dúvida perturba- expressão de um estado de fato. A diferença neste último caso
dora que dava à sua filosofia ainda mais sex appeal. A essência está na presença ou ausência física de comida, que não é a mes-
da filosofia de Martin Heidegger consiste em abolir o Logos, o ma coisa que a "ausência do objeto" na mera formulação saus-
verbo divino que faz a ponte entre o pensamento humano e a suriana do significado como diferença entre uma frase e todas as
realidade externa, e colocar em seu lugar a "vontade de poder" demais. Esta diferença é a mesma com comida ou sem comida. A
do Führer. Heidegger foi o primeiro herói da guerra contra o "lo- falta de comida não é bem isso.
gocentrismo". A convergência entre seus esforços filosóficos e os Reparando em detalhes como esse, o próprio Jacques Derrida
objetivos de Georg Lukacs foi o pacto Ribbentropp-Molotov da foi obrigado a moderar as pretensões do seu método, reconhe-
filosofia. Mas Heidegger, afinal, não criou como substitutivo pa- cendo a existência de "indesconstruíveis" e, no fim, admitindo
ra a civilização judaico-cristã nada além da filosofia de Martin que entre eles estava - que raiva, pô! - o próprio Logos. Descons-
Heidegger, que só serve para quem a entende. Derrida et caterva trua você o que desconstruir, estará sempre, pelo simples fato de
transmutaram essa filosofia num projeto acadêmico indefinida- pensar e falar, dentro de um quadro de referências balizado pelo
mente subsidiável e num movimento político do qual milhões Verbo Divino ou por seus reflexos na tradição metafísica. No fim
podem participar sem entender coisa nenhuma do que estão fa- das contas, a Destruktion, como o projeto nazista, pode destruir
zendo. Tinha de ser mesmo um sucesso triunfal. muitas coisas em torno, mas se destrói a si mesma - e àqueles que
Ainda mais triunfal foi essa ascensão no Brasil, onde o temor embarcaram na sua proposta - em escala infinitamente maior.
reverencial à moda acadêmica francesa, o prestígio sacral do Proclamando que a liberdade consiste em negar a verdade, o
discurso incompreensível e a síntese de pedantismo e ignorân- desconstrucionista só exerce sua liberdade de viver da ficção e
cia que constitui a forma mentis inconfundível da nossa classe sentir um gostinho de poder até o momento em que a morte
universitária erigiram o desconstrucionismo num culto faná- substitui todas as ficções por uma verdade "indesconstruível" e
tico que não apenas repele contestações mas nem mesmo ad- a vontade de poder pela impotência definitiva dos cadáveres.
mite a existência delas. Expressão modernizada da revolta gnóstica contra a estrutura
Um traço peculiar do desconstrucionismo, que no Brasil foi da realidade, o projeto desconstrucionista está destinado ao fra-
acentuado até suas últimas conseqüências, é que, ao negar a casso, mas o fracasso cognitivo pode ser um sucesso político-so-
existência da verdade, ele não abdica de atacar a "mentira". cial, na medida em que arraste na sua voragem milhões de idio-
Quando ele o faz perante um público que desconhece a nuance tas hipnotizados pela atração do abismo.
específica que o termo tem para um desconstrucionista, a pla-
téia acredita que ele está defendendo a "verdade". Mas, no cír-
culo interno, sabe-se que não existe verdade. "Mentira", pois, é
apenas aquilo que se opõe à ficção preferida do grupo descons-
trucionista, à sua "vontade de poder". Inversa e complemen-
tarmente, o termo "verdade", ao ser usado pelo desconstrucio-
nista perante os leigos, significará para estes uma representa-
ção adequada da realidade comprovável, mas, entre os inicia-
dos, sabe-se que isto não existe e que o emprego do termo se
destina apenas a explorar as ilusões do público para induzi-lo
a submeter-se às ilusões e desejos do grupo ativista. Nesse sen-
tido, pode-se e deve-se estigmatizar como "mentira" os fatos
mais amplamente comprovados e impor como "verdade"
qualquer mentirinha boba conscientemente inventada para
vitaminar a "vontade de poder" do movimento.
Objetivamente falando, o valor inteiro do projeto desconstru-
cionista depende da premissa saussuriana de que o sentido de
uma palavra é apenas a diferença entre ela e todas as outras. Essa Diário do Comércio
premissa é falsa. Suponham a frase: "Jacques Derrida morreu." 27/11/2006
A diferença entre Jacques Derrida e todos os outros seres dota-

MuNDOreAL 43
A
sentença de Hugo von Hofmannsthal
já citada nesta coluna - "Nada está na
realidade política de um país se não es-
tiver primeiro na sua literatura" - é tão ... a
verdadeira e profunda, que pode ser promoção
aplicada à análise das situações políticas des- de sambistas
de vários ângulos diferentes, sempre renden-
estrip-teasers ao
do algum conhecimento.
Vejam, por exemplo, o que aconteceu na
estatuto de
Rússia entre a metade do século XIX e a queda intelectuais
da URSS. Nessa época, a cultura russa, até en- resultou nesse
tão raquítica em comparação com as da Euro- descalabro da
pa ocidental, começava a tomar impulso para promoção do sr.
lançar-se a grandes realizações. A inspiração Gil (foto) a ministro
que a movia era sobretudo a confiança místi-
ca no destino da nação como portadora de
da Cultura
uma importante mensagem espiritual a um
Velho Mundo debilitado pelo materialismo
cientificista. Preservada da corrosão revolu-
cionária por um regime político fortemente
teocrático em que as crenças oficiais da côrte e
a religiosidade popular se confirmavam e se
reforçavam mutuamente, a Rússia contrasta-
va de maneira dramática com as nações oci-
dentais onde a elite e as massas viviam num
divórcio ideológico permanente e que por is-
so só se modernizavam à custa de reprimir e
marginalizar os sentimentos religiosos da
população. O regime tzarista, não obstante o
peso da sua burocracia emperrada, havia
conseguido encontrar o caminho para refor-
mas que não iam contra os ensinamentos da
igreja ortodoxa, mas, bem ao contrário, nas-
ciam deles. O futuro da Rússia parecia emer-
Tasso Marcelo/Agência Estado

gir diretamente do messianismo cristão das


duas figuras máximas da intelectualidade
russa, o romancista F. M. Dostoiévski e o filó-
sofo Vladimir Soloviev.
Em comparação com a grande cultura na-
cional do período, a contribuição do movi-
mento comunista russo consistiu sumaria-
mente em rebaixar tudo ao nível de um auto-
matismo dialético miserável, quando não da
pura literatura de propaganda. A redução da
cultura superior a instrumento de formação
da militância neutralizou os efeitos benéficos
das reformas universitárias empreendidas
pelo governo e transformou grande parte da
juventude letrada russa naquela multidão de
tagarelas alucinados que povoam os roman-
ces de Dostoiévski, especialmente Crime e
Castigo e Os Demônios. Experimentem ler
qualquer página de Vladimir Soloviev ou do
próprio Dostoiévski, depois comparem com
as platitudes revolucionárias de George
Plekhanov - tido na ocasião como o mais ca-
pacitado intelectual comunista russo - ou

44 MuNDOreAL
com as filosofices grotescas de V. I. Lênin em

DA FANTASIA Materialismo e Empiriocriticismo, e saberão


do que estou falando. Os comunistas começa-
ram por destruir a inteligência superior de
uma grande nação antes de criar o regime po-
lítico mais estúpido e animalesco de que se ti-

DEPRIMENTE vera notícia na História. Quem, na época, qui-


sesse prever o futuro da economia russa sob
os comunistas poderia fazê-lo facilmente por
meio da simples avaliação da literatura que
eles produziam. Mesmo o mais talentoso fic-

À REALIDADE cionista nas hostes revolucionárias, Maxim


Gorki, estava formidavelmente abaixo da ge-
ração anterior. Hoje em dia já não se pode lê-lo
senão como documento histórico. Nem é pre-
ciso dizer que o mesmo se aplica à literatura

TEMÍVEL
produzida sob os governos de Lênin, Stálin,
Kruschev e tutti quanti. Até os melhores ro-
mances do período - os de Sholokhov - se tor-
naram ilegíveis por excesso de babaquice re-
volucionária. Nem falo dos filósofos e ensaís-
tas, uma multidão subsidiada que o tempo de
encarregou de jogar na lata de lixo. O pensa-
mento russo só sobreviveu no exterior, inte-
grado na cultura européia ou americana, com
Berdiaev, Chestov, Sorokin. A imaginação li-
terária só veio a se recuperar a partir anos 50,
mas no subterrâneo, longe da cultura oficial,
com Soljenítsin, Bukovski, Zinoviev. E não é
preciso dizer que a inspiração para isso veio
principalmente do antigo messianismo de
Dostoiévski e Soloviev.
O que sucedeu na cultura literária e filosó-
fica reproduziu-se, com exatidão milimétrica,
na economia. Aqueles que se acostumaram a
imaginar o tzarismo sob o aspecto estereotipa-
do da "repressão", do "atraso" e da "decadên-
cia" ignoram solenemente os fatos principais
do período: a progressiva abertura da burocra-
cia para elementos vindos de fora da camada
aristocrática (inclusive judeus) e a industriali-
zação acelerada. Nos cinqüenta anos que an-
tecederam a revolução comunista, a economia
russa foi a que mais cresceu na Europa, deixan-
do longe a Inglaterra e a Alemanha que então
pareciam ser as encarnações mesmas do pro-
gresso e das luzes, e só encontrando rival do
outro lado do oceano, nos Estados Unidos da
América. Se o regime tzarista não tivesse sido
destruído pela I Guerra Mundial e pela subse-
qüente ascensão dos comunistas, o simples
crescimento vegetativo da economia teria aca-
bado por dar aos russos, por volta de 1940, um
padrão de vida comparável ao dos america-
nos. Em contraste com isso, na União Soviética
dos anos 80 o cidadão médio consumia menos
carne do que um súdito pobre do tzar um sé-

MuNDOreAL 45
culo antes e tinha menos acesso a automóveis, confiar os destinos do Brasil a uma corrente
assistência médica e serviços públicos em ge- político-ideológica que, dos anos 70 até hoje,
ral do que os negros sul-africanos vivendo sob se empenhou sistematicamente em destruir a
o regime humilhante do apartheid. Nada está cultura superior do país e de modo especial a
na realidade política de um país que não esteja sua literatura, mediante a submissão de tudo
primeiro na sua literatura. às exigências estratégicas e táticas da "revolu-
O exemplo russo é só um entre muitos. O ção cultural" de Antonio Gramsci.
utopismo da Revolução Francesa, que num O entorpecente gramsciano penetrou no
choque de realidade acabou levando a resul- cérebro nacional a partir da publicação das
tados tão paradoxais quanto o terror, a dita- obras do ideólogo italiano pelo editor comu-
dura napoleônica e a res- nista Ênio Silveira logo de-
tauração monárquica, foi Coleção de pôsteres do site www.flickr.com pois do golpe de 1964. Na
antecedido de pelo menos confusão geral que se apos-
meio século de linguagem sou das esquerdas ante o
abstratista, forçada, artifi- fracasso de suas esperanças
cial e artificiosa, que sufo- de cubanização rápida e in-
cava a experiência direta dolor da sociedade brasilei-
sob toneladas de constru- ra, uma ala mergulhou na
ções idealísticas sem pé leitura das idiotices de Ré-
nem cabeça. O processo foi gis Débray e Che Guevara,
descrito e analisado com torrando suas energias na
muita acuidade por Hyp- "revolução impossível" das
polite Taine em Les Origi- guerrilhas. Outra, mais es-
nes de la France Contem- perta, recuou e apostou na
poraine (6 vols, 1888- estratégia de longo prazo
1894), uma das obras histó- que propunha ir conquis-
ricas mais notáveis de to- tando o universo inteiro das
dos os tempos. Na Alema- artes, do ensino, da cultura,
nha e na Áustria, a longa do jornalismo - discreta-
degradação da linguagem mente, como quem não quer
pública, contra a qual em nada - antes de arriscar a
vão reagiram Karl Kraus e sorte na luta direta contra o
Stefan George, é hoje reco- inimigo político. O governo
nhecida como um dos fato- militar, obsediado pelo em-
res que tornaram possível penho de reprimir as guerri-
a ascensão do irracionalis- lhas, não ligou a mínima pa-
mo nazista. De modo geral, ra esses emprendimentos
a explosão de cacofonias pacíficos, aparentemente
na literatura modernista inofensivos. Fez vista gros-
anunciou e preparou o ca- sa e até os apoiou como de-
minho para a invasão dos Pôster da editora rivativo e alternativa aceitá-
totalitarismos: já não há co- do Comissariado vel à oposição violenta. A
mo negar isso depois desse majestoso tour do Povo, Ministério idéia gramsciana foi tão bem sucedida que, já
de f o rc e h istori ográfi co que é Ri te s of da Agricultura da em plena ditadura militar, a esquerda manda-
Spring. The Great War and the Birth of the União Soviética. va nas redações, marginalizando os direitis-
Modern Age, de Modris Eksteins (Boston, tas mais salientes - Gustavo Corção, Lenildo
Houghton Mifflin, 1989). Não, Hofmanns- Tabosa Pessoa - até excluí-los totalmente das
thal não deu um palpite a esmo: se nada está colunas de jornais. O esquerdismo controla-
na política que não esteja antes na literatura, va tão eficazmente o sistema de ensino, que a
é pela simples razão de que a imaginação própria disciplina de Educação Moral e Cívi-
vem antes da ação. Se há uma "lei histórica" ca, timidamente instituída por um governo
que funcione, é essa. Digo-o entre aspas por- que se abstinha de estender ao campo cultu-
que não é uma lei histórica, é um dado estru- ral a autoridade de que desfrutava na área po-
tural da ação humana que nenhuma muta- licial-militar, acabou fornecendo uma tribu-
ção histórica pode alterar. na para a disseminação das concepções "po-
Se o leitor compreendeu isso, com muita fa- liticamente corretas" que vieram a forjar a
cilidade perceberá a loucura suicida que foi mentalidade das gerações seguintes. No tea-

46 MuNDOreAL
tro, no cinema e na TV, a autoridade da es-
querda pode ser medida pelo poder incontes-
te de veto ideológico exercido, na seleção das
2 O próprio termo "cultura" perdeu toda
acepção qualitativa e pedagógica, redu-
zindo-se ao seu uso antropológico como de-
novelas da Globo - o mais vasto aparato de nominação neutra e geral das "formas de ex-
formação do imaginário popular - pelo casal pressão" populares. Nesse sentido, o samba-
de militantes comunistas Dias Gomes e Jane- de-roda do Recôncavo Baiano deve ser in-
te Clair. Idêntica filtragem aconteceu no mo- cluído, segundo aquele ministro, entre os
vimento editorial. Aos poucos, todos os auto- grandes tesouros culturais da humanidade,
res não aprovados pelo Partido Comunista junto com a filosofia de Aristóteles, a Cate- A esquerda
desapareceram das livrarias, das bibliotecas dral de Chartres e a mecânica quântica. Todo brasileira
escolares, dos programas universitários, e is- es igual, nada es mejor. é um bando de
to ainda na vigência de um regime cuja fama
patifes
de anticomunista intolerante era apregoada
aos quatro ventos pelos próprios comunistas
que se beneficiavam de sua sonsa tolerância e
3 De maneira mais genérica, toda diferencia-
ção do melhor e do pior, do mais alto e do
mais baixo acabou sendo condenada como
ambiciosos,
amorais,
omissão ideológica. Em toda a esfera cultu- discriminatória e até racista. Milhares de livros mentirosos (...) e
ral, artística, escolar e jornalística, a única di- e teses universitárias foram produzidos para absolutamente
ferença que se viu, com o fim da ditadura, foi consagrar como fundamento da cultura brasi- incapazes de
a passagem da hegemonia tácita da esquerda leira a proibição de distinguir (que não obstan-
responder por
ao domínio explícito e, agora sim, intoleran- te continuou sendo usada contra "a direita").
te. A confortável hospitalidade com que, no seus atos
tempo dos militares, esquerdistas notórios
eram aceitos nos mais altos postos do jorna-
lismo, do ensino e do show business contrasta
4 Para legitimar o estado de total confusão
mental daí decorrente, introduziram-se os
princípios do relativismo e do desconstrucio-
de tal modo com a exclusão radical dos direi- nismo, que, a pretexto de promover um pen-
tistas hoje em dia, que a aplicação do termo samento supralógico, destroem nos estudan-
"ditadura" à primeira dessas épocas e "demo- tes até mesmo a capacidade de raciocínio lógi-
cracia" à segunda acaba soando singularmen- co elementar, substituída por uma verborréia
te irônica. Na época havia, é claro, o jornalis- presunçosa que lhes dá uma ilusão de superio-
mo "nanico", soi disant alternativo à grande ridade justamente no momento em que mer-
mídia. Mas esta última também estava quase gulham no mais fundo da estupidez.
que inteiramente nas mãos de esquerdistas
como Cláudio Abramo, Luiz Alberto Bahia,
Alberto Dines, Luiz Garcia e outros tantos, de
modo que a diferença com os nanicos era an-
5 Uma vez amortecida a capacidade de dis-
tinção, foi fácil disseminar por toda a socie-
dade os contravalores que deram forma ao Es-
tes de estilo que de conteúdo. Hoje, os jorna- tatuto da Criança e a outros instrumentos le-
listas "de direita" estão todos na mídia nanica. gais que protegem os criminosos contra a so-
Os poucos que ainda aparecem nas páginas ciedade, criando propositadamente o estado
dos grandes jornais são apenas colaborado- de violência, terror e anomia em que hoje vive-
res contratados. Nem entram nas redações. mos, e do qual a própria esquerda se aproveita
O total domínio da cultura por uma corren- como atmosfera propícia para o comércio de
te política, qualquer que seja, constitui já um novas propostas salvadoras.
mal em si. Mas o que aconteceu no Brasil foi Uma corrente política capaz de rebaixar a
muito mais grave: esse ponto a inteligência e a força de discerni-
mento de um povo não hesitará em destruir o

1 Aquele domínio implicava, desde logo, o


rebaixamento proposital do nível de exi-
gência, em vista da ampliação semântica do
país inteiro para conquistar mais poder e rea-
lizar os planos concebidos em encontros semi-
secretos com movimentos revolucionários e
termo "intelectual", que no contexto gramscia- organizações criminosas do exterior.
no abrange a totalidade dos indivíduos, com A esquerda brasileira - toda ela - é um bando
qualquer nível de instrução ou QI, que possam de patifes ambiciosos, amorais, maquiavéli-
atuar na propaganda ideológica. Daí derivou cos, mentirosos e absolutamente incapazes de
a promoção de sambistas, roqueiros, publici- responder por seus atos ante o tribunal de uma
tários e strip-teasers ao estatuto de "intelec- consciência que não têm.
tuais", que resultou em última análise nesse Está na hora de o país retirar de uma vez o vo- Diário do Comércio
descalabro da promoção do sr. Gilberto Gil ao to de confiança que deu a essa gente num mo- 11/09/2006
cargo de ministro "da cultura". mento de fraqueza fabricado por ela própria.

MuNDOreAL 47
O general
Golbery
foi o pai da
ascensão petista,
Enquanto a
restando apenas
saber se o foi por
pura presunção e
ignorância ou se
houve da sua
Zé-Lite
(...) no
calor da
luta contra as
guerrilhas, a
parte um pouco de
cegueira
voluntária.
dorme
imagem de uma
futura esquerda
'pacífica' e
'legalista' pareceu
à elite militar
Empresários,
políticos
pragmáticos e
analistas
uma alternativa econômicos têm
roseamente uma dificuldade
desejável. quase
intransponível de
compreender o
alcance político de
modas culturais.

S
e tenho insistido no tema do desconstrucionismo, é mundo" por meio da mentira e do engodo.
para mostrar que toda tentativa de discussão demo- Por toda parte, esses "agentes de transformação social" se
crática com intelectuais ou líderes esquerdistas, hoje empenham em fazer com que as engrenagens da sociedade
em dia, é tempo perdido. Eles criaram instrumentos funcionem ao contrário das suas finalidades nominais,
verbais altamente sofisticados para escapar de toda criando o caos em lugar da ordem, a revolta e o ódio em lugar
cobrança racional e impor seus desejos e caprichos sem ter de da paz, a malícia em lugar da confiança. Em suma, caro leitor,
dar satisfações senão à sua vontade de poder. Mais ainda: in- você está rodeado de ativistas cínicos, capazes de mentir e
ventaram um sistema de pretextos infalíveis para sentir que, trapacear ilimitadamente no interesse do seu grupo político.
ao fazer isso, são as melhores pessoas do universo, contra as Se você abre um jornal, não pode ter a certeza de ler fatos em
quais só monstros de egoísmo e crueldade poderiam objetar vez de balelas interesseiras. Se tem uma demanda na justiça,
alguma coisa. Pior: transmitiram essas atitudes e sentimen- não pode estar seguro de que não cairá nas mãos de um co-
tos a duas gerações de estudantes universitários, que hoje missário do povo, decidido a julgar não segundo as razões do
ocupam os espaços fundamentais na educação, na mídia, na processo, mas segundo a classe social das partes. Se envia a
administração pública, na justiça e, é claro, numa infinidade esposa nervosa a um consultório de psicoterapia, não sabe se
de ONGs e "movimentos sociais". ela será tratada dos seus males ou envenenada de ódio ao ma-
Hegel dizia que aquele que nas discussões públicas se rido. Se envia os filhos à escola, sabe que eles voltarão de lá
abstém de razões e apela à autoridade secreta da sua "voz in- tatuados e viciados, admirando bandidos e abominando as
terior" é um inimigo da espécie humana. Extinta a possibi- leis, falando alto, dando ordens ao pai e à mãe, indignados
lidade de aferição objetiva, suprimidos os instrumentos de com a proibição das drogas, cheios de revolta sacrossanta
prova, reduzido o debate a um confronto de vontades, a úni- contra a instituição familiar que os sustenta e protege.
ca autoridade que resta é a pura habilidade de impressionar, E ainda há quem, no meio disso, acredite poder confiar nas
de assombrar, de seduzir, de hipnotizar. E para isso vale tudo: leis e instituições, no funcionamento normal da sociedade,
desde o sex appeal até a intimidação prepotente, passando na sanidade do processo democrático.
pela ostentação de títulos e cargos, a forma mais tosca e besta A classe empresarial, os políticos pragmáticos e os analistas
do argumento de autoridade, característica do bacharelismo econômicos têm uma dificuldade quase intransponível de
provinciano que volta à moda meio século depois de parecer compreender o alcance político de modas culturais que, de iní-
definitivamente superado. Uma vez conquistada a adesão cio, parecem limitadas a um círculo de professores excêntricos e
estudantil pelo fascínio vulgar de charlatães bem-falantes, a estudantes amalucados. Quase um século depois de Lukács,
autoridade se transfere a gerações inteiras de jovens enragés Gramsci, a Escola de Frankfurt e o próprio Stálin haverem des-
que saem da faculdade imbuídos do dever de "transformar o coberto que a cultura, e não a economia, é a força que move o

48 MuNDOreAL
Folha Imagem/1/03/1979

General
Golbery
do Couto
e Silva

processo revolucionário, esses observadores vesgos ainda acre- sabia ele que, àquela altura, os esquerdistas mais avisados já ha-
ditam que existe um abismo entre o mundo "prático" e a esfera viam abandonado o projeto guerrilheiro e depositado todas as
dos interesses "abstratos", "estratosféricos", da intelectualida- suas esperanças na "revolução cultural" gramsciana: a única ar-
de acadêmica e artística. Estratosféricos são eles, habitantes do ma de que precisavam era, precisamente, uma válvula. Ao optar
mundo da Lua. Quando o general Golbery do Couto e Silva in- implicitamente por não resistir ao comunismo em geral, mas só
ventou a teoria da "panela de pressão", pontificando que a ati- ao comunismo "violento", o governo lhes forneceu essa arma.
vidade repressiva do Estado deveria limitar-se à oposição arma- Um pouco de estudo teria bastado para mostrar ao sapientíssi-
da, deixando as universidades e as instituições de cultura livres mo general que a "via pacífica" para o comunismo era nada mais
como válvula para o escoamento das pressões subversivas, mal que o adiamento da violência crua para depois da tomada do

MuNDOreAL 49
poder por meios anestésicos. Mas, no calor da luta contra as em todo o mundo comunista. Só não chegou a tornar-se um
guerrilhas, a imagem de uma futura esquerda "pacífica" e "le- dogma universal porque, no Ocidente, Stálin reservava às ce-
galista" pareceu à elite militar uma alternativa roseamente de- lebridades das letras e artes uma função mais sutil. Queria usá-
sejável. Em poucos anos, essa esquerda, nascida das conver- las como instrumentos de camuflagem: deviam abster-se da
sações gramscianas na USP, estava montada e em pleno fun- filiação explícita ao Partido Comunista (e portanto também às
cionamento. Não houve, na "direita", quem não celebrasse o suas opções estéticas) e, conservando uma fachada de neutra-
seu advento como um formidável progresso da democracia. O lidade, colocar o seu prestígio a serviço de causas específicas
general Golbery foi o pai da ascensão petista, restando apenas de interesse do Partido nos momentos decisivos. Isso deu aos
saber se o foi por pura presunção e ignorância ou se houve da escritores esquerdistas da Europa e das Américas a margem de
sua parte um pouco liberdade que lhes permitiu escapar do realismo socialista e
de cegueira volun- Fotos: Reprodução continuar fazendo literatura em sentido estrito. Por toda par-
tária, alimentada te, poetas, romancistas e críticos - a começar pelo príncipe da
por ambições nasse- crítica marxista, Georg Lukács em pessoa e seu fiel escudeiro
ristas de absorver a Lucien Goldmann - desprezavam a estética oficial soviética e
esquerda continen- faziam a apologia dos cânones literários que construíram a
tal num esquema grandeza de Shakespeare, Cervantes, Goethe, Balzac e Dos-
militar nacionalista toiévsky. Lukács escreveu páginas notáveis em defesa do
e anti-americano. "grande realismo burguês", alegando que a representação fiel
Hoje sabemos que o da realidade histórica era uma força revolucionária em si, sem
esquema militar é necessidade de concessões à propaganda. Até em congressos
que foi absorvido, do Partido a hostilidade ao realismo socialista acabava se mos-
subjugado e posto a trando, às vezes de maneira explosiva. Referindo-se ao chefe
serviço dos planos da escola, o nosso Graciliano Ramos exclamava: "Esse Jdanov
do Foro de São Pau- é um cavalo." Assim a literatura foi salva do embrutecimento
lo. Isso era perfeita- ideológico. Os anos 30-50 acabaram sendo uma época de cria-
mente previsível, Hegel tividade literária incomum. No Brasil, então, nem se fala. Nun-
mas não a quem ali- ca tivemos tantos
mentasse, como o escritores bons ao
general, a ilusão de poder manipular e "civilizar" o movimento mesmo tempo.
comunista. A "queda" da URSS e a embriaguez triunfal dos li- Mas foi uma salva-
berais no início dos anos 90 levaram essa ilusão às últimas con- ção provisória.
seqüências, fazendo com que as "elites" (ou a Zé-Lite) celebras- Aqui e ali, discreta-
sem o sucesso do PT como uma promessa de melhores dias pa- mente, intelectuais
ra a democracia capitalista. Frases como "o comunismo aca- iluminados se da-
bou" e "Lula mudou" adquiriram então o prestígio de dogmas vam conta de que a
inabaláveis, e quem sugerisse que as coisas não eram bem as- preservação dos câ-
sim se tornava objeto de chacota da parte de banqueiros, em- nones do realismo e,
presários, políticos "de direita", capitães da mídia e altos ofi- de modo geral, a
ciais militares - a pura nata da Zé-Lite. concepção da litera-
Hoje, quando esses senhores, de rabo entre as pernas, já en- tura como conheci-
trevêem no colaboracionismo servil e trêmulo a sua única mento, eram incom-
chance de sobrevivência, sinto-me até um tanto constrangi- patíveis com a meta
do de lhes explicar, de novo, que os estrategistas da revolu- Georg Lukács escolhida pelo pró-
ção comunista, por mais que lhes pareçam meros intelec- prio Lukács: a des-
tuais avoados, de paletó sebento e barba por fazer, são um truição da civiliza-
pouco mais espertos que eles. Um "homem prático" vive de ção ocidental. Puseram-se então a trabalhar na idéia de que a
olho nas cotações da bolsa e ri da sugestão de que algo tão literatura não podia conhecer a realidade, já que - segundo en-
abstrato e academicamente rebuscado como uma teoria li- tendiam - a própria realidade era uma invenção literária. Para
terária possa ter alguma periculosidade política. O intelec- dar a essa idéia um arremedo de consistência, apelaram a um
tual comunista aproveita-se dessa falsa sensação de segu- formidável arsenal de recursos extraídos da língüística, da an-
rança para fazer da teoria literária um instrumento de ação tropologia, da lógica formal, da "teoria crítica" frankfurtiana e
capaz de virar o mundo do avesso. das filosofias de Nietzsche e Heidegger. Em menos de uma dé-
Vou contar, em linhas gerais, como isso aconteceu. cada a proposta havia evoluído para a formulação radical do
Na década de 30, Stálin estava persuadido de que a única fun- desconstrucionismo: não existe realidade nem conhecimento,
ção da arte e da literatura era a propaganda revolucionária. Pa- nenhum discurso tem significado, o significado é livremente
rida às pressas pela Academia Soviética, a teoria estética do inventado por "comunidades interpretativas" que aí projetam
"realismo socialista" impregnou massas de escritores e artistas como bem entendem seus desejos e interesses, portanto tudo o

50 MuNDOreAL
que há para fazer é reunir a comu- Reprodução nas próximas semanas. Vou aqui
nidade e ensinar-lhe os meios de dar um único exemplo, que depois
usurpar o sentido dos textos em explicarei melhor.
benefício próprio. Um dos setores onde a influência
De súbito, a doutrina de Stálin-Jda- desconstrucionista penetrou mais
nov era restaurada em todo o es- fundo é o Direito. Aí se evidencia
plendor da sua brutalidade, mas como uma teoria literária pode ter
agora resgatada da sua pobreza teó- conseqüências devastadoras so-
rica originária e paramentada com bre toda a ordem social. Juízes,
todos os falsos adornos da sofistica- promotores e advogados são hoje
ção acadêmica. O desprezo pela ver- formados sob a crença dominante
dade, a legitimação da mentira po- de que as leis, como qualquer ou-
liticamente útil, o cinismo das inter- tro texto, não têm nenhum signifi-
pretações forçadas, enfim a prosti- cado originário objetivamente vá-
tuição total das atividades lido. Toda significação que elas
intelectuais superiores aos interes- possam ter é mera projeção de fo-
ses de grupos de pressão tornaram- ra, vinda dos setores politicamen-
se não só legítimos e recomendáveis, te interessados. Só o que resta por-
mas intelectualmente elegantes e tanto é organizar uma "comunida-
moralmente obrigatórios. Na mes- de interpretativa" e impor a sua
ma onda, as distinções entre o ver- leitura dos textos legais por meio
dadeiro e o falso, entre cultura e in- da gritaria, da chantagem, da inti-
cultura, entre o esteticamente supe- midação. De um só golpe, a Justiça
rior e inferior, foram condenadas co- inteira se transforma em instru-
mo instrumentos de opressão e Stalin mento de subversão revolucioná-
substituídas pelo culto de qualquer ria. Para virar de cabeça para baixo
bobagem politicamente oportuna a ordem pública, não é preciso mu-
que se apresentasse. Toni Morrison foi igualada a Shakespeare, as dar as leis: basta inverter-lhes o sentido.
novelas de Gilberto Braga celebradas como portadoras da "uni- Nos EUA, o alucinógeno desconstrucionista chegou até à Supre-
versalidade de um Balzac" por ser bem aceitas em todos os mer- ma Corte, transformando-a numa frente de combate contra a re-
cados. Considerar Bach superior a Gilberto Gil tornou-se algo as- ligião, os valores americanos tradicionais e a própria Constitui-
sim como um crime de racismo. ção. Amparado em teóricos acadêmicos da reputação de Ronald
Não é preciso dizer que o primeiro resultado foi a pura e sim- Dworkin e Stanley Fish, o juiz William Brennan, ex-presidente da
ples desaparição da grande literatura. A segunda metade do Suprema Corte, proclama abertamente que tentar ater-se ao sig-
século XX não gerou nada que se comparasse nem de longe a nificado originário da Constituição é "falsa humildade": o verda-
um Thomas Mann, a um Proust, a um Jacob Wassermann, a um deiro sentido do texto constitucional tem de ser livremente inven-
Hermann Broch, a um Robert Musil, a um Antonio Machado, a tado conforme as pressões dos grupos abortistas, feministas, gays
um Bernanos, a um Mauriac. Nas nações do Terceiro Mundo, etc. É isso o que o ex-vice-presi-
as sementes da cultura superior em gestação foram impiedo- dente Albert Gore entende por
samente arrancadas. O país que cinqüenta anos atrás tinha "Constituição viva". A profun-
Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Graciliano didade da subversão judicial
Ramos, Annibal M. Machado, Marques Rebelo, José Lins do nos EUA já não pode ser medi-
Rego, agora lê Luís Fernando Veríssimo e acha o máximo. da. Um pequeno indício é que,
Se os efeitos se limitassem à esfera das letras, já seriam su- em plena guerra contra o terro-
ficientemente perversos. À retração da criatividade literá- rismo islâmico, crianças de es-
ria corresponde, pari passu, a degradação da linguagem pú- cola pública, em vários Estados,
blica, a progressiva incapacidade de expressar a experiên- são obrigadas a ouvir horas e
cia real e, conseqüentemente, a fixação dos debates em es- horas de louvações à religião
tereótipos alienados, prenunciando a ascensão da loucura muçulmana, sendo ao mesmo
geral como alternativa política. tempo proibidas de expressar
Mas, como não poderia deixar de ser, os procedimentos interpre- em voz alta sua fé cristã, sob pe-
tativos da escola desconstrucionista e similares logo foram esten- na de expulsão ou de medidas
didos para as ciências humanas em geral, afetando todas as es- policiais mais graves. É a guerra
feras do debate público. Aí os efeitos foram muito além do mero psicologia ao contrário, movida
sucesso propagandístico. Ampliaram-se até à destruição de todo não contra o inimigo mas contra Diário do Comércio
princípio de ordem e racionalidade na vida social. Avaliar, mes- o próprio país, sob a proteção da 04/12/06
mo sumariamente, a extensão do dano, ocupará muitos artigos Suprema Corte.

MuNDOreAL 51
Geração maldita Celso Junior/Arquivo AE/11/05/2001

11 de maio de 2001.
José Dirceu, presidente

O
nacional do PT, Luiz s crimes do partido governante e do seu das invectivas petistas era tão inflado, tão hi-
Inácio Lula da Silva, inocentíssimo chefe ultrapassam tudo perbólico, tão teatral, que se autodenunciava
então presidente de o que a imaginação maligna de seus no ato como camuflagem de alguma perversi-
honra do partido, e o mais odiosos opositores teria podido dade superlativa em curso de preparação.
deputado federal inventar. As revelações dos últimos Qualquer ridícula tramóia concebida por po-
Aloizio Mercadante dias impõem a conclusão incontornável de que a líticos do interior para ciscar uns tostões do go-
lançam campanha administração federal, subjugada aos interesses verno federal, qualquer miúda negociata en-
anticorrupção: "ardil de uma organização partidária autolátrica, se tre barnabés endividados e financistas la-
baseado no mais puro transformou em instrumento para uma varieda- drões, era denunciada imediatamente como
cinismo leninista". de alucinante de esquemas delinqüenciais, pos- uma "manobra golpista", um "Estado dentro
tos em ação numa escala jamais vista em qual- do Estado", uma ferida mortal no coração da
quer parte do mundo ou época da história. ordem pública, um perigo apocalíptico para o
Quando o PT, no início da década de 90, futuro da nação. Ninguém que desejasse ape-
adotou a prática do moralismo acusador que nas tirar proveito publicitário da desmoraliza-
até então tinha sido mais típica da direita (v. ção de seus inimigos exageraria a tal ponto a
Carlos Lacerda, Jânio Quadros e a própria Re- ênfase da acusação. Tinha de haver algo mais
volução de 1964), percebi e anunciei claramen- por trás desse esbanjamento retórico.
te que se tratava de um ardil baseado no mais Investigações que fiz na ocasião levaram-
puro cinismo leninista: "Acuse-os do que você me a concluir que o serviço secreto petista, en-
faz, xingue-os do que você é." O estilo mesmo tão denunciado pelo governador Esperidião

52 MuNDOreAL
Amin sob o nome humorístico de "PT-POL", ma de poder destinado a engolir o Estado bra-
era uma realidade. Milhares de militantes e sileiro e usá-lo para a consecução dos objetivos
olheiros espalhados em partidos, empresas do Foro de São Paulo.
privadas, bancos, organismos da administra- A existência desse sistema já era visível em
ção federal, alimentavam de informações co- 1993, quando José Dirceu e Aloizio Mercadante
lhidas ilegalmente a central chefiada pelo sr. posavam na CPI das empreiteiras como restau-
José Dirceu, que então as usava para brilhar radores da moralidade pública. Quem quer que
nas CPIs com revelações espetaculares vindas depois disso ainda tenha confiado na honora-
de fontes anônimas e irreveláveis. Não se tra- bilidade do PT, na sua disposição de disputar
tava, é claro, apenas de brincar de Eliott Ness. eleições lealmente e governar o país em rodízio
O serviço secreto petista já era, por si, uma má- democrático com os outros partidos, é um irres-
quina criminosa de dimensões incomparavel- ponsável, um burro, um palpiteiro fanfarrão O
mente maiores do que aquelas que o sr. José que, diante das atuais revelações, deve ser ex- esquema
Dirceu, em patéticos êxtases de hiperbolismo cluído do círculo de formadores sérios da opi-
de corrupção que
verbal, atribuía aos réus do momento. Era o Es- nião nacional e recolher-se à vida privada, se-
tado dentro do Estado, no sentido literal da ex- não à privada da vida. Incluo nisto políticos,
se apossou do
pressão, que, camuflando seus crimes sob os professores universitários, consultores empre- governo federal
alheios, se usava a si próprio como figura de sariais pagos a preço de ouro, donos de jornais, não é fenômeno
linguagem para ampliar os medíocres delitos chefes de redação e uma coleção inteira de "in- isolado. Não é
dos adversários e lhes dar uma significação telectuais e artistas" de todos os tipos e forma- iniciativa de um
política que não tinham. Nada mais interes- tos. Toda essa gente, quando não foi cúmplice grupelho
sante do que comparar estilisticamente os dis- consciente do que se tramava contra o Brasil,
cursos da época com as notícias de hoje: os tri- mostrou ao menos uma futilidade palavrosa
autônomo,
bunos da moralidade petista nada imputaram que, em matéria de tal gravidade, é um crime separado das
a seus microscópicos adversários que eles pró- tão grande quanto os do PT. raízes partidárias.
prios já não estivessem fazendo ou preparan- Tudo o que está acontecendo no Brasil de ho-
do em dimensão macroscópica. Pequenos de- je poderia ter sido evitado. Poderia e deveria.
linqüentes eles próprios, tornaram-se gigan- Não foi - e, mais do que os próprios delitos pe-
tes do crime ao erguer-se sobre os ombros dos tistas, isso ficará como mancha indelével na his-
Anões do Orçamento. tória da alma nacional. Haja o que houver no fu-
Mais ou menos na mesma época, um diri- turo, o Brasil terá sido durante quase duas dé- Qualquer
gente do PT, César Benjamin, era expulso da cadas um país de tagarelas levianos, covardes, que seja o
agremiação por denunciar a criação, pela cú- intelectualmente ineptos, dispostos a sacrificar
resultado das
pula do partido, de um esquema de corrupção o futuro do povo no altar de um otimismo vai-
então ainda em estado germinal. Paralela- doso e da recusa obstinada de enxergar a rea-
eleições, qualquer
mente, o PT articulava-se com organizações lidade. O Brasil não foi vítima só de "um grupo", que seja o
revolucionárias e gangues de criminosos de "uma camarilha", "uma elite". Foi vítima de to- desenlace das
vários países do continente, montando o Foro da uma geração, a mais presunçosa e fútil de to- investigações de
de São Paulo como central estratégica devota- das quantas já nasceram aqui. Essa geração é a corrupção, a
da ao projeto de "reconquistar na América La- minha. Agora entendo retroativamente por gangue petista
tina tudo o que foi perdido no Leste Europeu", que, ao longo de toda minha vida adulta, quase
isto é, de reconstruir no continente o regime só tive amigos quinze anos mais jovens ou trin-
não vai largar
mais corrupto que já existira no mundo. ta anos mais velhos. Uma desconfiança irracio- gentilmente a
Completava o esquema uma rede de apoios nal, instintiva, me afastava dos colegas da mi- rapadura.
jornalísticos solidamente cimentados em leal- nha idade, com exceção de quatro ou cinco pu-
dades partidárias secretas e na farta distribui- ros de coração, visceralmente incapazes de bai-
ção de dinheiro e empregos. A CUT, braço sin- xeza, alguns dos quais, por significativa
dical do PT, confessava ter oitocentos jornalis- coincidência, hoje trabalhando neste Diário do
tas na sua folha de pagamentos, o bastante pa- Comércio. Ficar longe dos meus coetâneos foi
ra tirar duas edições diárias da Folha, do deprimente e, para a minha carreira nas reda-
Estadão e do Globo, embora não publicasse ções, letal. Mas me livrou de ser cúmplice do
um tablóide semanal sequer. maior delito intelectual da nossa história.
Como todas essas iniciativas envolviam Agora, quando a verdadeira índole do pe-
sempre os mesmos indivíduos - o comando e tismo já não pode mais ser ocultada ou disfar-
estado-maior do PT -, era óbvio que elas não çada, a presente geração de formadores da
constituíam ações separadas e inconexas, mas opinião pública (refiro-me aos que não foram
aspectos da construção integrada de um siste- comprados ou seduzidos pelo PT) corre o risco

MuNDOreAL 53
Hoje, a de repetir esse crime, se presumir que a mera mero dos cretinos auto-satisfeitos, que não
despro- concorrência eleitoral ou mesmo a punição ju- precisam estudar nada para julgar tudo e ter
porção de força dicial de algumas dúzias dos culpados mais opiniões definitivas, é grande o suficiente para
física entre a óbvios livrará o país do flagelo e lhe abrirá as que o peso dos seus rechonchudos traseiros es-
portas de um futuro mais digno. mague a nação inteira. Toda essa gente é cul-
esquerda e seus O esquema de corrupção que se apossou do pada por ter dado ao povo a ilusão de que o PT
opositores é tão governo federal não é fenômeno isolado. Não é era um partido normal, respeitador das leis,
grande, que esses iniciativa de um grupelho autônomo, separa- ordeiro e pacífico. Ele não é nada disso e nunca
últimos têm até do das raízes partidárias. Não é um caso de pu- foi nada disso. Ele já era o partido das Farc, ele
medo de pensar ra delinqüência avulsa. É parte integrante da já era o partido dos seqüestradores do MIR chi-
no assunto. máquina revolucionária cuja montagem, se leno, muito antes de ser o partido do Mensa-
entrou em ritmo acelerado no início dos anos lão. Muito antes de que brotasse dinheiro em
90, remonta a pelo menos duas décadas antes cuecas, a CUT já carregava nas calcinhas seus
disso, quando ao fracasso das guerrilhas se se- oitocentos jornalistas, sem que alguém ligasse
guiu um esforço generalizado de rearticulação a mínima quando denunciei isso como a maior
da esquerda continental nas linhas circunspec- compra de consciências na história da mídia
tas e pacientes preconizadas por Antonio universal desde a década de 30. Parafraseando
O estilo Gramsci em substituição aos delírios belicosos Nelson Rodrigues: a desmoralização nacional
das de Régis Débray, Che Guevara e Carlos Ma- não se improvisa, é obra de décadas.
righela. Quem quer que não conheça essa his- Se, agora, alguém pensa que vai se livrar
invectivas petistas
tória com detalhes está por fora do que se passa dessa encrenca com uma eleição e dois ou três
era tão inflado, na América Latina e não tem nenhum direito processos, está muito enganado. Ninguém
hiperbólico, de solicitar a atenção pública para as opiniõe- empenha décadas da sua vida na construção
teatral, que se zinhas com que deseje se exibir em colunas de de um gigantesco esquema de poder, para de-
autodenunciava jornal ou encontros empresariais. pois deixá-lo derreter-se e escorrer por entre
como camuflagem Está na hora de calar a boca dos palpiteiros seus dedos ao primeiro sinal de mudança das
de alguma irresponsáveis e começar a estudar o assunto preferências da opinião pública.
que eles ignoram. Incluo entre esses tagarelas O que é, substantivamente, o esquema de
perversidade o ex-presidente José Sarney e seu ministro do poder petista? Ele não é apenas uma conspi-
superlativa em Exército, Leônidas Pires Gonçalves, que, em ração de gabinete. Ele se assenta na força da
curso de plena época de gestação da nova estratégia re- militância organizada que, a qualquer mo-
preparação. volucionária continental, retiraram do currí- mento, pode colocar nas ruas alguns milhões
culo das academias militares a disciplina de de manifestantes furiosos, com o apoio de
"Guerra Revolucionária" sob o pretexto de que quadrilhas de delinqüentes armados, para
"os tempos mudaram", deixando duas gera- impor o que bem entenda a uma nação inerme
ções de oficiais brasileiros desguarnecidos e aterrorizada. Durante quatro décadas a es-
contra as manobras estratégicas que hoje os querda desfrutou do monopólio absoluto da
usam como instrumentos. Incluo na mesma formação e adestramento de militantes para a
classificação todos os que, numa fase muito ação permanente em todos os campos da vida
mais avançada do processo de tomada da social, enquanto seus opositores, confiantes
América Latina pelas forças da esquerda revo- no poder mágico do automatismo institucio-
lucionária, diziam que alertar contra as ma- nal, se contentavam com mobilizar auxiliares
quinações do Foro de São Paulo era "açoitar ca- contratados às pressas para exibir uns carta-
lavos mortos". Incluo os chefetes de redação zes de candidatos nas épocas de eleição. Hoje,
que tentaram tapar a minha boca para que eu a desproporção de força física entre a esquer-
não perturbasse o lazer de seus leitores com da e seus opositores é tão grande, que esses úl-
advertências de que viria a acontecer precisa- timos têm até medo de pensar no assunto. No-
mente o que veio a acontecer. Incluo os "libe- vamente, eles se arriscam a confiar no abstra-
rais" que, vendo montar-se à sua volta a maior tismo das instituições e em vagas "tendências
organização revolucionária e criminosa já re- da opinião pública", contra a massa organiza-
gistrada na história da América Latina, insis- da, adestrada e armada. E novamente eu me
tiam em ater-se a miúdas críticas de ordem arrisco a ser chamado de maluco por advertir
econômica e administrativa, como se toda sua contra o perigo óbvio. Qualquer que seja o re-
Diário do Comércio diferença com o PT consistisse de polidas di- sultado das eleições, qualquer que seja o de-
25/09/2006 vergências doutrinais e estratégicas entre ho- senlace das presentes investigações de cor-
mens igualmente sérios, igualmente honestos, rupção, a gangue petista não vai largar gen-
igualmente devotados ao bem do Brasil. O nú- tilmente a rapadura.

54 MuNDOreAL
A arte da
acusação invertida
JB Neto/Ag. O Globo Reprodução

Marco Aurélio Garcia, coordenador da campanha do presidente Lula Inversão: tipo de prática vem desde os tempos de Lênin

MuNDOreAL 55
Comunista, quando quer caluniar alguém, não
precisa inventar crimes: atribui-lhe um dos seus,
e pronto. Isso é assim desde os tempos de Lênin.

Os soviéticos denunciaram a morte de 20 mil oficiais poloneses


num campo de prisioneiros da II Guerra. Anos depois, vieram
provas de que os autores do massacre tinham sido os próprios acusadores.

C
omunista, quando quer caluniar al- resistível, uma compulsão avassaladora. O
guém, não precisa inventar crimes: gostinho da dupla mentira leva esses sujeitos
atribui-lhe um dos seus, e pronto. Re- ao orgasmo. Não é delicioso, por exemplo, xin-
solve dois problemas de uma vez: gar os judeus em todos os jornais do mundo e
queima a reputação do infeliz e ainda depois sair choramingando que eles são os do-
esconde as suas próprias culpas sob as cinzas nos da mídia? É melhor que sexo. O sujeito fez
do cadáver. Isso é assim desde os tempos de Lê- isso uma vez, não quer parar nunca mais.
nin. O método é simples, prático, brutal e des- Por isso mesmo, essa conduta não se limita
carado. Tão descarado que a platéia, recusan- aos comunistas professos. Ela espalhou-se na es-
do-se instintivamente a acreditar que alguém querda em geral ao ponto de constituir um refle-
seja mau o bastante para usá-lo, cai no engodo xo condicionado, um estilo de vida, um modo de
de novo e de novo e de novo. ser, um traço permanente da cultura "progressis-
O exemplo mais espetacular, em escala na- ta". Mais recentemente, veio a onda de denún-
cional, foi aquele que citei aqui no artigo ante- cias contra os padres pedófilos. Foi uma tempes-
rior: o hiperbolismo retórico dos Dirceus e Mer- tade mundial, uma epidemia planetária. Por to-
cadantes, na CPI de 1993, transformando os da parte, os homens comprometidos com o voto
Anões do Orçamento em gigantes do crime e de castidade pareciam não ter outra ocupação na
acusando-os de montar "um Estado dentro do vida senão bolinar meninos. Mas havia na acu-
Estado", coisa que ia muito além das possibili- sação alguns detalhes estranhos. Desde logo,
dades e até da imaginação daquelas diminutas embora na quase totalidade dos casos as vítimas
criaturas, tudo para camuflar a montagem de fossem do sexo masculino, as palavras "homos-
um genuíno "Estado acima do Estado", obra- sexual", gay ou mesmo "pederasta", que era o
prima de maquiavelismo, que o próprio PT já ia termo técnico exato para descrever a conduta
construindo com a ajuda das mais ricas e temí- dos criminosos, não aparecia nunca no noticiá-
veis organizações criminais do continente, e cu- rio. Nunca mesmo. A uniformidade global da
ja potência continua e continuará produzindo omissão sugeria que os pedófilos eram pedófilos
efeitos devastadores, pouco influindo nisso o não por serem homossexuais, mas por serem pa-
resultado das eleições de ontem. dres. A idéia subjacente era persuadir o público
No plano internacional, exemplos ainda de que a culpa de tudo estava no cristianismo,
mais edificantes brotam em profusão cornu- não numa cultura anticristã intoxicada de estí-
cópica. O caso mais célebre talvez tenha sido a mulos a toda sorte de sacanagem lícita ou ilícita,
matança de 20 mil oficiais poloneses num cultura da qual a própria mídia internacional era
campo de prisioneiros da II Guerra, executa- a expressão mais vasta e permanente.
dos por nada, por frescura, por divertimento. A intenção canalha tornava-se ainda mais
Os soviéticos levantaram a denúncia no Tribu- evidente porque o número de pedófilos entre os
nal de Nuremberg. O mundo ficou chocado padres era muito menor do que entre os assis-
ante as fotos de cadáveres que não paravam de tentes sociais da ONU, uma classe politicamen-
surgir do fundo da floresta de Katyn. Anos de- te correta que havia devastado duas gerações
pois, vieram provas concludentes de que os de meninos na África e na Ásia, com o agravan-
autores do massacre tinham sido os próprios te cruel de aproveitar-se da situação local de mi-
acusadores. Notem bem o detalhe: haveria es- séria e dependência, própria a induzir as víti-
cassez de crimes praticados pelos nazistas, pa- mas a que se submetessem a qualquer exigência
ra que os soviéticos tivessem de lhes empres- despótica em troca de comida e abrigo. Ora, es-
tar um? Não, é claro. Mas a coisa parece que es- tes casos eram divulgados apenas em livros, em
tá no sangue: é uma comichão, uma volúpia ir- sites de organizações filantrópicas e em pesqui-

56 MuNDOreAL
O gostinho da dupla mentira leva esses sujeitos ao orgasmo.
Não é delicioso xingar os judeus em todos os jornais do
mundo e depois sair choramingando que eles são os donos da mídia?

Dar suporte político ao crime é crime, e o suporte dado pelo PT


aos seqüestradores de Abílio Diniz repetiu-se igualzinho no
seqüestro de Washington Olivetto, praticado pela mesma gangue.

sas acadêmicas: nem uma palavra sobre os cam- ou coisas assim. Jamais abri minha boca para
peões mundiais do abuso de menores aparecia criticar as preferências sexuais de quem quer
naqueles mesmos jornais e noticiários de TV que seja. Apenas não sou idiota o suficiente pa-
que ostentavam tanta indignação contra os pa- ra confundir preferência sexual com crime.
dres. A seletividade deformante era tão óbvia, Muito menos crime comum com uma opera-
que tinha de haver alguma perversão maior por ção de calúnia em larga escala, montada como
trás de tudo. Só entendi o fenômeno quando li o camuflagem perversa de uma trama ainda
livro do repórter Michael S. Rose, Goodbye, Go- mais perversa voltada contra a Igreja de Nosso
od Men: How Liberals Brought Corruption into Senhor Jesus Cristo.
the Catholic Church (Washington DC, Regnery, A desvantagem do ardil é que, pela sua pró-
2002). Era a história de como organizações liga- pria tendência de reproduzir-se mecanicamente
das ao movimento gay haviam infiltrado psicó- ad infinitum, ele só serve para ludibriar igno-
logos nos seminários, durante duas décadas, rantes. Quem conheça a história do movimento
para que vetassem o ingresso de homens voca- comunista logo acaba apreendendo a fórmula
cionalmente dotados para o sacerdócio e, em do truque e reagindo ao automatismo com outro
contrapartida, dessem preferência a candidatos automatismo: onde quer que ouça um comunis-
homossexuais. Fontes citadas pelo autor: os ta acusando alguém de qualquer coisa, já sabe
próprios psicólogos, muitos deles arrependi- que alguma o comunista fez. O outro pode tam-
dos de haver colaborado com essa maldade bém ter feito, mas não é por isso que o comunista
descomunal. A operação havia mudado radi- o acusa. É porque ele próprio fez, e quase com
calmente a composição do clero americano, certeza fez pior. Posso testemunhar que, no meu
produzindo artificialmente a situação que de- caso, esse reflexo imunizante jamais falhou: to-
pois seria imputada à Igreja Católica pelos pró- das as vezes que busquei algum crime por trás
prios autores do crime. É claro que esse efeito do discurso de acusação esquerdista, encontrei.
não depende de um acordo prévio, de uma E em geral encontrei mais de um.
conspiração entre os planejadores originais e a O sr. Marco Aurélio Garcia acaba de me for-
mídia que anos depois completa a operação. necer mais um exemplo, ao chamar de "viola-
Nesses casos, pode-se contar sempre com aqui- ção da Justiça e da vontade popular" a divul-
lo que Willi Munzenberg, o gênio comunista da gação das imagens do dinheiro usado na com-
desinformação midiática, chamava "criação de pra do dossiê anti-PSDB, comparando o episó-
coelhos". Basta dar o empurrão inicial, e o resto dio ao seqüestro do empresário Abílio Diniz
vem pelo automatismo imitativo - o processo em 1989, quando, diz ele, os malvados direitis-
mental mais característico do "proletariado in- tas "tentaram identificar seqüestradores com o
telectual" que espalha as modas culturais. Hoje PT" por meio de uma foto dos delinqüentes
em dia qualquer engenheiro social de quinta ca- com camisetas do partido.
tegoria domina a técnica de gerar esses efeitos. A inversão é patente, para quem se lembra do
O mundo cultural está agora repleto não so- caso. Quem "identificou o PT com os seqüestra-
mente de coelhos, mas de milhões de pequenos dores" não foi a foto. Não foram os direitistas. Foi
Willis Munzenbergs com orelhas de coelho. Por o próprio PT, com a desavergonhada campanha
meio deles a arte de usar os próprios crimes co- que moveu para proteger e libertar os bandidos.
mo instrumento de difamação dos inimigos Essa campanha mobilizou rapidamente todo o
deixou de ser privilégio da elite comunista para beautiful people paulista, a tropa inteira das ga-
tornar-se patrimônio geral da esquerda. rotas-propaganda do comunismo local, mos-
E não venham com a bobagem de que estou trando a extraordinária importância política que
contando isso por "preconceito", "homofobia" a causa tinha para o partido, tradicional amigo

MuNDOreAL 57
O PT está, sim, envolvido com narcotráfico e
seqüestros, está envolvido com as Farc, com o MIR,
com tudo quanto é bandido esquerdista no continente.

Investigar o delegado que divulgou o crime, em vez dos


delinqüentes que o praticaram, não foi invenção do sr.
Garcia, mas de outro ainda mais farsante e malicioso do que ele.

do MIR chileno, a quadrilha dos seqüestradores. neste país. O sr. Garcia sabe de tudo isso, e se ele
Maior prova de cumplicidade não poderia ha- vier com desconversa esfrego-lhe no nariz os do-
ver. Cumplicidade não quer dizer necessaria- cumentos do Foro de São Paulo que provam a
mente ajuda material na execução do delito, nem unidade estratégica das ações empreendidas em
participação nos seus lucros financeiros. Dar su- escala continental por partidos legais de esquer-
porte político ao crime é crime, e o suporte dado da e organizações criminosas, tudo sob o coman-
pelo PT aos seqüestradores de Abílio Diniz repe- do direto do delinqüente-mor, fundador e men-
tiu-se igualzinho no seqüestro de Washington tor da porcaria toda, Luís Inácio Lula da Silva.
Olivetto, praticado pela mesma gangue. No ano Um detalhe especialmente elegante da fala
seguinte ao do primeiro seqüestro, a aliança do do sr. Garcia é a singela cara de pau com que ele
PT com o MIR, com as Farc e com outras orga- sugere que a "vontade popular" é não saber na-
nizações criminosas foi formalizada com a fun- da sobre o dinheiro do dossiê antitucano. In-
dação do Foro de São Paulo, que articula ações formar os eleitores é insultá-los. Mentir para
políticas com a prática de delitos para a vanta- eles, mantê-los na ignorância como menores
gem mútua dos dois braços da revolução comu- de idade, isto sim é que é respeitá-los. Cabeça
nista, o "legal" e o "ilegal". Quando veio o caso de comunista é assim. Não se contenta com a
Olivetto, a mobilização do suporte político foi perversão. Parte logo para a inversão. E não es-
mais rápida e eficiente, porque já estava tudo tou falando de inversão sexual, que é um fenô-
pré-arranjado no Foro. O PT estava tão profun- meno corriqueiro na sociedade. Comunista
damente comprometido com os autores do se- não se satisfaz com tão pouco: quer praticar
qüestro, que além de socorrê-los na mídia e na veadagem é com o traseiro dos outros. O tra-
Justiça ainda tratou de livrar a cara do MIR, di- seiro da pátria. O traseiro da humanidade.
zendo que os bandidos eram "ex-membros" da Mas, no caso de agora, a inversão da ordem
organização, mentira que uma vez passado o pe- dos fatores não começou com o sr. Garcia, nem se
rigo foi desmascarada por um dentre eles mes- limitou à esfera verbal. Investigar o delegado
mos, Mauricio Norambuena, ostentando num que divulgou o crime, em vez dos delinqüentes
jornal chileno uma bandeira do MIR e afirmando que o praticaram, não foi invenção do sr. Garcia,
que era, sim, membro da quadrilha e não um ex- mas de outro ainda mais farsante e malicioso do
traviado free lancer como o rotulavam seus pro- que ele. Outros ainda piores fizeram o mesmo no
tetores petistas para descaracterizar a origem co- caso Celso Daniel. Como é possível que, com
munista do crime. Mais impressionante ainda tantas testemunhas assassinadas e tantas provas
foi a operação montada para livrar da justiça bra- da operação-abafa arranjada pelo PT, a relação
sileira o falso padre Olivério Medina, para que entre uma coisa e outra ainda não tenha sido es-
não esclarecesse em público o que havia revela- clarecida? Se foi o partido queridinho de Fidel
do a amigos numa festa petista: que havia trazi- Castro que mandou matar o boquirroto Daniel e
do dinheiro das Farc para a campanha do PT em deu sumiço nas testemunhas, que é que poderia
2002. O PT está, sim, envolvido com narcotráfico haver de estranho nisso, sendo esse partido tão
e seqüestros, está envolvido com as Farc, com o repleto de terroristas e assassinos treinados pelo
MIR, com tudo quanto é bandido esquerdista no serviço secreto mais homicida do continente,
continente. Se ganha ou não dinheiro com isso, é que já matou mais de cem mil pessoas em Cuba
indiferente. Ganha politicamente, e sabe que ga- sob os aplausos - se não com a colaboração pes-
nha. Isto já basta para qualificá-lo, acima de qual- soal - desses mesmos indivíduos? Para gente co-
Diário do Comércio quer possibilidade de dúvida, como beneficiário mo Fidel Castro, dar cabo dos inconvenientes é
02/10/2006 de uma série interminável de crimes hediondos, simples questão de rotina. Por que não o seria
como o partido mais criminoso que já existiu também para seus discípulos?

58 MuNDOreAL
Felipe Varanda/AE

Museu de iniqüidades

Zé Dirceu, Lula e Genoino: "quando o acusado é de


esquerda, seus crimes devem ser apresentados
como uma ruptura com o seu passado"

J
á quase acostumado aos bate-bocas medonhos entre con- o repentino descaminho de uma congregação de almas santas
servadores e "liberals" na mídia americana, fico cada vez infectadas, tardiamente e a contragosto, pelo contágio do poder?
mais deprimido ao observar a pastosa uniformidade dos Pois não foi esse mesmo partido que, desde 1997, veio sendo de-
jornais brasileiros. É uma assembléia de cães amestrados, nunciado por um de seus próprios fundadores e líderes, Paulo
cada qual mais ansioso de mostrar obediência aos cânones de Tarso Venceslau, como organização criminosa empenhada no
admitidos. O que um declara, o outro repete. O que um suprime, saque obstinado e geral aos cofres públicos? Venceslau publicou
os outros omitem. O que um aprova, os outros aplaudem. O que suas acusações no Jornal da Tarde de 26 de maio daquele ano. A
um condena, os outros vaiam. Felizes tempos aqueles em que resposta do partido foi expulsá-lo e sufocar as investigações. No
pelo menos as moscas mudavam. Hoje, rodando em círculos Rio Grande do Sul, durante o longo império petista, a safadeza
uniformes sobre a imperturbável massa excrementícia, até elas alastrou-se ao ponto de gerar um processo de impeachment, do
se tornaram indiscerníveis umas das outras. qual o governador Olívio Dutra foi literalmente salvo pelo gon-
A conversação pública nesses locais tornou-se um sistema go, pois tantas eram as denúncias que a Assembléia Legislativa
de automatismos desesperadoramente previsíveis, imuniza- não conseguiu terminar de apurá-las antes de encerrar-se o man-
dos contra qualquer intromissão da inteligência e da verdade. dato do acusado. E todo mundo parece ter esquecido que, de to-
Tamanha é a força entorpecente da repetição, que mesmo os dos os partidos brasileiros, o PT tem a honra macabra de ser o
fatos mais inegáveis recuam ante a homogeneidade do falató- único que teve o seu nome envolvido num processo de homicí-
rio, recolhendo-se ao buraco negro do esquecimento e da ne- dio, no qual, para cúmulo de horror, ao assassinato da vítima se-
gação como se jamais tivessem acontecido. guiram-se os de seis testemunhas. E que pode haver nisso de es-
Como é possível que tanta gente, em uníssono, jure ver na ma- tranho, tendo sido essa agremiação fundada por homens de fer-
ré montante da roubalheira petista um súbito desvio de conduta, ro, adestrados na disciplina marxista para sacrificar sua cons-

MuNDOreAL 59
ciência moral no altar das "Estamos lidando com um conflito entre sentimento e in-
ambições partidárias? Como é teligência, uma forma de auto-engano voluntário na qual
Qualquer jornalista capaz possível uma parte da mente sabe perfeitamente bem que sua crença
de varrer esses fatos para bai- que tanta gente de conjunto é falsa ou maliciosa, mas a necessidade emocio-
xo do tapete, inventando um jure ver na nal de crer é tão forte que o conhecimento permanece, por
passado honroso para atenuar assim dizer, enquistado, isolado, impotente para influen-
roubalheira
a feiúra presente do desempe- ciar as palavras ou as ações."
nho petista, é um criminoso, petista o repentino Qualquer ser humano afetado por essa patologia do espírito
um sociopata cínico tal como descaminho de torna-se incapaz de julgar sua própria conduta, quanto mais as
aqueles a quem, por meio des- uma congregação dos outros. E a classe dos "formadores de opinião" no Brasil
se expediente, ele tenta prote- de almas santas? compõe-se quase que inteiramente desses indivíduos. Já é
ger das conseqüências de suas tempo de admitir que, tanto quanto deputados corruptos e se-
ações. A uniformidade mesma nadores ladrões, eles são um perigo público.
da opinião jornalística brasi- Mas também não espanta que essa horrível deformidade
leira é um fenômeno tão estranho, tão antinatural, que não po- tenha se espalhado como epidemia entre os jornalistas bra-
deria se produzir sem a deliberação fria de grupos organiza- sileiros. O domínio incontestado do esquerdismo cultural
dos que se apossaram dos meios de comunicação para fazer nas universidades que os formaram basta para explicar isso.
deles, sob uma fachada de jornalismo normal, o instrumento A mente estudantil engendra-se na devoção a ídolos cultu-
dócil de uma prodigiosa manipulação das consciências. rais que a marcam para sempre com sua influência. Para co-
Não, não digo que sejam, todos os envolvidos nessa opera- nhecer o espírito de uma geração é preciso estudar a psico-
ção, agentes petistas. Pretender isso seria ignorar na raiz o ca- logia dos líderes intelectuais
ráter informal e plástico das novas modalidades de ação es- cuja conduta lhe serviu de mo-
querdista que, desde a década de 80 pelo menos, se substituí- delo. Ora, quando investiga-
ram à antiga rigidez monolítica dos partidos comunistas. Não mos com certo detalhe as figu-
se trata, hoje em dia, de favorecer um determinado partido, ras dos mentores da esquerda
mas de assegurar, na concorrência entre várias denominações mundial, principalmente das
partidárias só diversas em aparência, o resultado geral sempre últimas décadas, encontra-
honroso para o esquerdismo de fundo, que deve sair não só in- mos entre eles um número de
tacto mas engrandecido da revelação de seus crimes. farsantes e vigaristas muito
Daí a diferença de tratamento nas denúncias de corrupção. Se maior do que jamais houve
o suspeito é direitista - ou, sem ideologia própria, pode assim ser em qualquer escola ou corren-
catalogado para fins de enaltecimento da esquerda -, o ataque é
geral, impiedoso e sem meias palavras, sendo os atos criminosos
associados ao direitismo real ou aparente do acusado, como pro-
dutos naturais do predomínio dos seus interesses de classe sobre
o belo idealismo social de seus adversários.
Se, ao contrário, o acusado é de esquerda, seus crimes, quando
já não podem mais ser pura e simplesmente negados, devem ser
apresentados como uma ruptura com o seu passado, uma traição te de opinião ao longo de toda a história humana. E, quando
a seus ideais de juventude, algo, enfim, que não deponha em na- falo em farsa e vigarice, não me refiro a meras idéias falsas,
da contra o seu esquerdismo, mas antes o exalte, mesmo por con- argumentos capciosos ou opiniões erradas. Refiro-me a frau-
traste, como a única encarnação possível do bem e da justiça. des no estrito sentido material e jurídico do termo: adultera-
Também não digo que todos os envolvidos nessa cachorra- ção de documentos e citações, falsificação de testemunhos,
da tenham plena consciência do que fazem. Não é possível ter invenção deliberada de episódios jamais ocorridos.
ao mesmo tempo plena consciência e falsa consciência. Antes O que estou dizendo não é novidade nenhuma, a rigor. O
de mentir para os outros, um homem tem de mentir muito para assunto já foi muito estudado. Desde as memórias de Arthur
si mesmo até transformar a mentira na única verdade conce- Koestler até Intellectuals de Paul Johnson, Double Lives de
bível - e é esse, precisamente, o mais típico mecanismo de fun- Stephen Koch, e The Politics of Bad Faith de David Horowitz,
cionamento da mente esquerdista, já tão abundantemente re- a bibliografia a respeito é tão grande e de tão vasto impacto que
tratado na literatura que nenhum ser humano adulto e alfabe- ninguém pode ignorá-la e pretender continuar opinando res-
tizado tem o direito de se deixar enganar por ele sem tornar-se ponsavelmente sobre a política contemporânea. Mas o atraso
pessoalmente cúmplice do engodo. brasileiro na aquisição dessas informações é enorme. Por isso
Kingsley Amis, o escritor inglês que consentiu em encobrir um resumo geral torna-se aí de muita utilidade. Em Hoodwin-
durante décadas as piores atrocidades comunistas, veio a des- ked. How Intellectual Hucksters Have Hijacked American
crever com exemplar realismo a natureza desse mecanismo, Culture ("Ludibriados. Como os camelôs intelectuais seqües-
neste parágrafo citado por seu filho Martin Amis em Koba the traram a cultura americana", Nashville, TN, Nelson Current,
Dread (New York, Hyperion, 2002): 2005), o jornalista Jack Cashill fornece um mostruário dos epi-

60 MuNDOreAL
sódios mais célebres de vigarice explícita entre os pop stars da Investigações meticulosas
esquerda. Embora o foco seja o cenário americano, as fontes sobre o restante do livro mos- Antes de
européias e latino-americanas são abordadas com extensão traram que Mary McCarthy mentir
suficiente para dar ao diagnóstico um alcance mundial. não tinha exagerado muito ao para os outros, um
Os casos são tantos, e tão grosseira a patifaria em cada um dizer que tudo o que sua con- homem tem de
deles, que nenhum leitor isento pode deixar de concluir que, corrente escrevia era mentira,
mentir muito para
definitivamente, há algo de errado na mentalidade esquerdis- "incluindo as palavras e e o ".
ta. Não é possível que multidões tão vastas cultuem persona- Walter Cronkite, o célebre si mesmo até
gens tão desonestos, mesquinhos e desprezíveis sem que haja comentarista de TV, provo- transformar a
nisso o sintoma de um embotamento moral alarmante. cou a ira do mundo contra a mentira na única
O mais lindo é que, em quase todos os exemplos citados, a maldade das forças armadas verdade
revelação cabal dos crimes não empanou em nada a reputação americanas ao exibir o filme concebível
de seus autores, que continuaram a ser incensados, às vezes até de uma garotinha vietnamita,
mais intensamente, como modelos de superioridade excelsa nua e com queimaduras pelo
habilitados a passar pitos no restante da espécie humana. corpo, correndo desesperada
A guatemalteca Rigoberta Menchú, por exemplo, ganhou o sob um bombardeio de napalm. Era quase impossível Cro-
Prêmio Nobel e a Légion d'Honneur com uma autobiografia kite ignorar que nenhum americano havia participado dire-
celebrada pela revista Chronicle of Higher Education como ta ou indiretamente da operação, mesmo porque na época
"um pilar fundamental do cânone multicultural". O núcleo da quase todas as tropas dos EUA já haviam saído do Vietnã.
narrativa era a infância sofrida de uma índia filha de campo- Ele jamais pediu desculpas. Nem jamais noticiou que a ga-
neses expulsos de suas terras rotinha, Kim Phuc, cansada de ser usada como instrumento
por grandes proprietários. de propaganda comunista enganosa, fugiu para o Ocidente
Mais tarde comprovou-se que e hoje mora no Canadá.
o pai de Rigoberta nunca tinha E assim por diante. É um museu da degradação humana.
sido vítima desses proprietá- A conclusão é que a admiração geral dos esquerdistas tem
rios, pela simples razão de que sido devotada aos tipos humanos mais baixos e desprezí-
ele próprio era um deles. A veis criados pela indústria da falsa consciência. E é bem
tempestade de desculpas es- compreensível que criaturas formadas nessa atmosfera aca-
farrapadas que se seguiu foi bem tentando transmutar os crimes e iniqüidades de seus
tão grande quanto a onda de correligionários em símbolos de uma superioridade moral
aplausos que a antecedeu. quase angélica.

À esquerda, o escritor inglês Kingsley Amis. Acima,


o petista Paulo de Tarso Venceslau, expulso do PT
depois de denunciar casos de corrupção no partido

O historiador Alex Hailey ganhou milhões com a reconsti- Não que na direita não haja
tuição de suas origens familiares africanas no livro Raízes, que farsantes e vigaristas. É claro
virou uma série de TV de enorme sucesso e foi adotado como que há. Mas ninguém ali os
leitura multicultural obrigatória em todas as escolas públicas considera modelos de virtu-
americanas. Um processo na justiça mostrou que essa obra de des, nem lhes dá preferência
"não ficção" não passava de plágio... de um romance! O autor na escala de admirações. Ne-
do romance recebeu uma polpuda indenização mas concor- nhum conservador jamais
dou em não divulgar o escândalo, que só veio a ser noticiado, confundiu Adolf Hitler com
com a discrição exigida pelo código de decência politicamente Winston Churchill, os terroris-
correto, anos depois da sua morte. tas da OAS com Charles de
Muita gente no Brasil deve ter visto o filme Julia, de Fred Gaulle, David Duke com Ro-
Zinemann, com Jane Fonda e Vanessa Redgrave, baseado nald Reagan ou o delegado
nas memórias de Lilian Helmann, talvez a mais badalada es- Fleury com Gustavo Corção.
critora de esquerda nos EUA umas décadas atrás. O ponto Jamais a direita como um todo
culminante era a viagem heróica de Lilian pelo território ale- se enganou a si própria com o
mão, em arriscada missão para as forças da resistência. Bem, estusiasmo e a unanimidade
na ocasião mencionada a escritora estava em plena seguran- da esquerda. O requisito bási- Diário do Comércio
ça nos EUA. Ela simplesmente sugou os feitos de uma he- co do conservadorismo é o 18/07/05
roína anônima, colocando-se a si própria no papel principal. senso das proporções.

MuNDOreAL 61
SEM NOVIDADES, EXCETO AS PIORES

62 MuNDOreAL
Wilton Junior/AE
C
om a reeleição de Lula, o Brasil con- troativo e inventarão para isso justificativas
tinuará sendo governado direta- sublimes. Tudo o que ficou impune será esque-
mente das assembléias e grupos de cido ou premiado.
trabalho do Foro de São Paulo, sem a Geraldo Alckmin perdeu porque sacrifi-
mínima necessidade de consultar o cou sua candidatura, sua consciência e até
Parlamento ou dar satisfações à opinião pú- sua religião ao voto de silêncio no que diz
blica; o direito da esquerda ao crime e à men- respeito ao abortismo, ao Foro de São Paulo,
tira, já exercido sem maiores restrições, será às ligações de Lula com as Farc e do PT pau-
consagrado como cláusula pétrea da moral lista com o PCC. No último debate, uma in-
política nacional, e os que a infringirem se sinuação velada - ou ato falho - mostrou que
sentirão pecadores e réprobos; os represen- ele estava bem avisado pelo menos quanto a
tantes das Farc e do Mir continuarão circu- este último ponto, mas não queria passar a
lando livremente pelo território onde ven- informação aos eleitores. Gastou seus quin-
dem drogas e seqüestram brasileiros; os cin- ze minutos de fama empregando nisso o me-
qüenta mil homicídios anuais subirão para lhor da sua covardia, e não se pode dizer que
sessenta ou setenta, mas a liquidação de qua- se esforçou em vão. Simultaneamente, um
drilhas locais concorrentes da narcoguerri- artigo meu sobre o Foro de São Paulo era cen-
lha colombiana continuará sendo apresenta- surado na Zero Hora de Porto Alegre e o de-
da como vitória esplêndida da lei e da or- putado Luiz Eduardo Greenhalgh fazia o
dem; o MST continuará ditando a política que podia para calar o jornal eletrônico Mí-
agrária federal; e os empresários que não dia Sem Máscara. No tópico do abortismo,
participem de mensalões ou esquemas simi- pela primeira vez na história das eleições no
lares continuarão sendo criminalizados pela mundo um partido proibiu, com sucesso, to-
Receita. Até aí, tudo será como antes, exceto da menção pública a um item do seu próprio
do ponto de vista quantitativo, no sentido de programa oficial. Os que violaram o voto de
que o ruim ficará incalculavelmente pior. As censura pagaram pela audácia: o arcebispo Collor comanda
únicas novidades substantivas previsíveis do Rio de Janeiro teve sua casa invadida pela a primeira
são as seguintes: polícia e, em Belo Horizonte, dois jovens fo- reunião após a
1 Nossas Forças Armadas, que até agora ram presos por distribuir folhetos sobre o posse
conseguiram adiar um confronto com a reali- c o m p ro m i s s o f i r m a d o
dade, terão de escolher entre continuar defi- por Lula
nhando ou integrar-se alegremente na pre-
paração de uma guerra
continental con-
tra os EUA, ao
lado das Farc e
sob o comando
de Hugo Chávez.
2 Como Lula
promete para o
seu segundo man-
dato a "democrati-
zação dos meios de
comunicação", os ór-
gãos de mídia que se
calaram quanto aos
crimes maiores do
presidente serão re-
compensados median-
te a oficialização da
mordaça. Não deixa de
ser um upgrade.
3 Alguns políticos com
veleidades legalistas, que
faziam alarde de querer
punir os crimes do PT, par-
tirão para o adesismo re-

MuNDOreAL 63
A
ça
diferen
Alckmin
cisão
perdeu entre de decisão
Os ou le
sacrific eleitora m dos
represe
n- porque l éu
Com a judicia m
Farc e (...) sua da orde
reeleiçã
o tan tes das ncia e a
té pilares a
consciê ática e d
, o direit
o do Mir gião a o democr
de Lula arão sua reli
erda a o continu silêncio própria ade nos
da esqu do voto de ortismo, lid
à mentir
a, circulan ab raciona os.
crime e nte pelo sobre o s públic
ido sem livreme nde e São debate
já exerc io o o Foro d gações
territór e Paulo, a
s li
maiore
s drogas Farc
iç õ es, será vendem e L u la com as
restr ram d
paulista
s a g rado co
mo seqüest . e do PT .
c o n a os
pétrea d brasileir com o P
CC
cláusula tica
olí
moral p
l.
naciona

no sentido de legalizar o aborto no país. dos pilares da ordem democrática e da própria


Nunca um partido teve um controle tão com- racionalidade nos debates públicos.
pleto sobre a lista dos argumentos permiti- Por duas vezes, já, o Brasil desprezou essa
dos e proibidos na propaganda eleitoral. Os diferença. Primeiro, quando julgou e conde-
últimos dias da campanha deram uma nou Fernando Collor antes de ter uma certeza
amostra do que o segundo mandato de Lula juridicamente consistente quanto aos crimes
promete ao Brasil. que lhe imputavam. Segundo, quando prote-
lou toda iniciativa judicial contra Lula até
A auto-estupidificação transferir aos eleitores, hoje, a decisão quanto
moral de um povo à culpa ou inocência do acusado.
No primeiro caso, o réu foi absolvido, de-
Se julgar da culpa ou inocência alheia fos- pois de desgraçado politicamente, nos 103
se habilidade natural e espontânea do ser processos movidos contra ele na Justiça. Como
humano, todos seríamos magistrados de é impossível uma nação inteira arrepender-se
nascença. Desde que o mundo é mundo, po- de haver condenado um inocente, a mídia e a
rém, a sabedoria das civilizações reconhe- opinião pública desprezam solenemente a de-
ceu as tremendas responsabilidades do ato cisão da Justiça e continuam a tratar Collor co-
de julgar, delegou essa tarefa a indivíduos mo se fosse culpado.
especialmente dotados e, ao longo dos sécu- Quanto a Lula, as provas existentes da sua
los, veio aprimorando os meios de exercê-la culpabilidade já são tão volumosas, que di-
e acumulando o imenso patrimônio intelec- ficilmente ele escapará de uma condenação
tual da ciência jurídica. se elas forem levadas à Justiça. Então, pela
Inversamente, escolher entre dois preten- lógica da história recente, não restará alter-
dentes ao mando aquele a quem se prefere nativa senão continuar tratando o culpado
obedecer é decisão de foro íntimo que cada um como inocente.
tem de tomar por si mesmo, livremente, valen- Duas mentiras colossais, consagradas co-
do aí os conselhos dos sábios e o testemunho mo opinião geral, bastam para destruir com-
das ciências tão-somente como sugestões, sem pletamente a capacidade de julgamento moral
nenhum poder determinante. de um povo. Por meio delas, a nação inteira
É mais fácil, em suma, escolher um gover- tornou-se culpada de injustiça, e, reprimindo
Diário do Comércio nante do que decidir se um réu é culpado, e em si própria a compreensão do que fez, não há
30/10/2006 qual a pena que lhe cabe. Por isso, a diferença de reencontrar tão cedo o sentido do que é
entre decisão eleitoral e decisão judicial é um consciência moral.

64 MuNDOreAL
O PARTEIRO DO MAL
Rick Brown/Corbis

MuNDOreAL 65
U
m leitor me envia a pergunta mais ur- Jamais esquecerei a história do terrorista
gente e mais temível dos últimos tem- que, assassinado e colocado por malvados mi-
pos: Será que todo mundo já esqueceu licos num automóvel em velocidade para si-
a gravação, transcrita meses atrás na mular acidente, emergiu do além para frear o
revista Veja, na qual um líder do PCC veículo em tempo de não morrer de novo. Essa
confessava que o ministro da Justiça, Márcio estupidez foi trombeteada pela Rede Globo
Thomaz Bastos, havia ajudado a organização a durante uma semana inteira e, mesmo depois
obter o apoio do MST? de demonstrada a sua absoluta impossibilida-
É claro que, sem esse apoio, a matança do de física, rendeu dois prêmios jornalísticos ao
dia 15 não teria chegado a acontecer. Ela resul- seu inventor, Caco Barcelos.
tou diretamente da ponte entre as duas orga- Nem sai dos meus pesadelos o episódio do
nizações criminosas. E quem construiu essa soldadinho que, na urgência de sumir com do-
ponte foi o sr. ministro. Se ele não foi o pai da cumentos comprometedores, vendo que não
criança, foi pelo menos o parteiro. tinha cinco minutos para lhes atear fogo, op-
Quando vemos, porém, que a mídia e a opi- tou por passar algumas horas cavando um
nião pública em geral continuam inocente- vasto buraco para enterrá-los.
mente tratando S. Excia. como se fosse um vir- E, por mais desmemoriada que esteja a na-
tual portador de soluções em vez de parte do ção, talvez ainda recorde por alto as fotos do
problema, a pergunta é irresistível: Será que falso Vladimir Herzog, fartamente exibidas
todo mundo esqueceu quem é esse cidadão? como provas da crueldade militar até ser de-
Será que as galinhas já não sabem - ou não que- monstrado que as imagens do preso cabisbai-
rem - distinguir entre o granjeiro e a raposa? xo e deprimido na beira da cama
Não tenho resposta. E não tenho um remé- eram, de fato, as de um padre num
dio mágico para curar a amnésia coletiva dos bordel, recuperando forças após o
brasileiros. Em compensação, acho que não é extenuante exercício da cópula em
só amnésia. Também não é só incapacidade de doses cardinalícias.
juntar os fatos e tirar conclusões. A percepção Os casos dessa natureza são cen-
mesma que nossos patrícios têm dos fatos sin- tenas. Mas, em sã consciência, não
gulares, na hora em que acontecem, já é defi- posso atribuí-los à pura incompe-
ciente. No trajeto do olho ao cérebro, são tantos No trajeto do olho tência jornalística, por mais disse-
os neurônios dorminhocos estendidos pelo minada que esteja. Nenhuma in-
ao cérebro, são
caminho, que a coitada da informação vai tro- competência é ideologicamente
peçando, tropeçando, e não chega nunca. Em tantos os neurônios seletiva. Incompetentes genuínos
qualquer país medianamente acordado, um dorminhocos estendidos errariam, de vez em quando, con-
ministro suspeito de colaborar tão intimamen- pelo caminho, que a coitada tra a esquerda. Façam uma revisão
te com duas gangues de criminosos seria bom- da informação vai dos jornais dos últimos trinta anos
bardeado na mídia, afastado do cargo e inves- tropeçando, tropeçando... e verão que isso jamais aconteceu.
tigado. No Brasil, a denúncia não ecoou nem Lapsos, distrações, burradas, in-
nos jornais: morreu ali mesmo, nas páginas de conseqüências, são sempre contra
Veja, como se nunca tivesse sido publicada. O os mesmos alvos - os militares, o
sr. Bastos continuou no seu posto, imperturba- "imperialismo", a "direita".
do e solene como um cavalo de bronze indife- CIRCUNSPEÇÃO PARALÍTICA - Outro
rente aos cocôs dos passarinhos. detalhe que me chama a atenção nesse assalto
DINHEIRO DAS FARC - Antes disso, a de- persistente e sistemático à honra das Forças Ar-
claração do sr. Olivério Medina, de que havia madas é a reação sempre tímida, quase enver-
trazido cinco milhões de dólares das Farc para a gonhada, dos comandos militares. No máximo
campanha do PT, também foi amortecida com soltam uma notinha oficial de protesto, que nin-
reconfortante facilidade. Alguém alegou que guém lê. Nunca processam ninguém, nunca fa-
fôra apenas uma bravata, e imediatamente a ex- zem nenhum engraçadinho pagar pelo crime
plicação foi aceita como um motivo razoável de calúnia dolosa. O resultado dessa circuns-
para não perturbar o sr. Medina, mesmo depois pecção paralítica é bastante pedagógico: ano
de preso, com perguntas inquietantes. após ano os detratores aprendem, diretamente
Em compensação, qualquer especulação dos próprios comandos das três armas, que a
idiota contra os militares brasileiros, mesmo mentira antimilitar é barata e rentável.
quando contraria a lógica e o senso de realida- Quando estreei na prática do jornalismo
de, é alardeada como se fosse uma verdade de- aprendi que a essência da técnica profissional
finitiva, uma revelação dos céus. era a capacidade de apreender a importância

66 MuNDOreAL
relativa dos fatos e de discernir entre os verda- pretextuais destinadas a encobrir as ambições
deiros e os falsos. Na época, isso não parecia civilizacionais muito mais vastas e profundas.
ser objeto de dúvida entre meus colegas. Esse processo foi bem descrito em clássicos da
Transcorridos quarenta anos, noto que essa ca- historiografia e da ciência política como Fire in
pacidade distintiva elementar foi atrofiada, the Minds of Men, de James H. Billington
sufocada e por fim proibida no jor- (1980) e The New Science of Politics de Eric
nalismo nacional. Não por coinci- Voegelin (1950). Só a partir de fins do século
dência, isso aconteceu precisa- XIX, no entanto, aparece comprovadamente a
mente nos anos em que os jornalis- penetração da influência gnóstica em círculos
tas passaram a falar obsessivamen- de bilionários que então se transfiguram em
te de "ética". É claro que a única reformadores do mundo e acabam dando as
ética imperante no jornalismo na- mãos aos movimentos revolucionários.
cional consiste em mentir a favor ABERRAÇÕES IDEOLÓGICAS - No vas-
do lado certo. A chave do enigma to documentário que reuniram sobre as ambi-
reside portanto em saber o que é E o sr. Bastos ções espirituais do projeto globalista, os pesqui-
que entendem por "lado certo". continua no seu sadores Lee Penn, Stanley Montieth, Pascal
Que as crenças e valores gerais posto, imperturbado e Bernardin e Ted Flynn, entre dezenas de outros,
recortam e determinam em grande demonstraram, acima de qualquer possibilida-
solene como um cavalo de
parte a percepção dos fatos, é algo de de dúvida, que as organizações financiado-
que nenhum psicólogo jamais colo- bronze indiferente aos ras da subversão mundial se inspiram direta-
cou em dúvida. Os antigos retóricos cocôs de passarinhos mente em crenças ocultistas e gnósticas de uma
romanos já sabiam que a boa fama grosseria sem par. Os maiores charlatães espi-
de um cidadão às vezes pesa mais rituais de todos os tempos - Madame Blavatski,
do que centenas de provas contra Aleister Crowley, Albert Pike, Alice Bailey - são
ele. Quando a mentira se torna hábito e prática cultuados em altos círculos de potentados fi-
sistêmica de toda uma corporação profissional, nanceiros e planejadores sociais como portado-
é porque houve, antes disso, alguma mudança res da mensagem celeste destinada a forjar a
profunda na índole dos seus sentimentos mo- utopia do Terceiro Milênio. É horrível ver tão
rais. O império da mentira esquerdista na mídia descomunal poder político e financeiro ser pos-
brasileira tem de ser explicado, portanto, como to a serviço de ideais tão imbecis e destrutivos,
efeito de uma mudança geral do código de va- mas quem disse que o dinheiro traz sabedoria?
lores imperante na sociedade brasileira. Se dois milênios atrás o destino espiritual da
MUTAÇÃO RADICAL - Essa mudança de humanidade dependesse do gosto das classes
fato ocorreu e não foi nenhum fenômeno social abastadas, a Europa teria sido educada por Si-
espontâneo. Há mais de meio século o conjun- mão o Mago e não por Simão Pedro. A novida-
to de fundações bilionárias e organizações de do mundo moderno é que a tradição judai-
subversivas empenhadas em criar uma nova co-cristã foi sendo perdida de vista pelas mul-
ordem global paradisíaca vem usando de todo tidões ao mesmo tempo que o veloz enriqueci-
o poder de controle que o dinheiro tem sobre a mento capitalista elevava ao sétimo céu do
mídia, o movimento editorial e as escolas, para poder famílias inteiras de idiotas presunçosos
operar uma mutação radical dos sentimentos que acreditam ter no bolso a solução de todos os
morais da humanidade inteira. O fenômeno males humanos. Se não fosse a vaidade insana
está hoje tão fartamente documentado que só de Morgans e Carnegies, aberrações ideológi-
botocudos isolados da civilização pensariam cas como o comunismo e o nazismo teriam
em negá-lo (não digo que eles não existam morrido no berço, por falta de suporte financei-
mas, por economia de tempo, permito-me não ro. Hoje em dia, se não fossem pelas fundações
levar suas opiniões em consideração). Soros, Ford e MacArthur, não haveria a estupi-
O fundo doutrinal dessa mudança vem do dez neocomunista no Terceiro Mundo, nem
ódio milenar que certas seitas ocultistas devo- tanta inermidade ante o terrorismo no Primei-
tam às religiões tradicionais e aos valores mo- ro. Muito menos haveria o surto mundial de
rais que elas ensinaram à humanidade. Entre ódio gnóstico ao cristianismo.
os séculos XVIII e XIX, algumas dessas orga- SLOGANS CASUÍSTICOS - Dentre os
nizações saíram do isolamento e se transfor- itens fundamentais da mutação civilizacional
maram em movimentos revolucionários de em curso, destaca-se a idéia de desviar o culto re-
massa. Tal é a origem do comunismo, do fas- ligioso dos seus alvos espirituais tradicionais e
cismo e do nazismo, cujos discursos econômi- canalizá-lo no sentido de "ideais sociais" ofereci-
co-sociais não são senão puras construções dos como o nec plus ultra da bondade humana.

MuNDOreAL 67
Ao longo de milênios a humanidade foi que ainda estão escandalizados com a idéia do
educada na base da devoção à bondade infi- casamento gay, devem agora de se preparar
nita, da prática das virtudes e do senso do de- para a etapa seguinte: a Fundação Ford está
ver. Um ataque maciço e simultâneo através lançando uma vasta campanha em favor não
de livros, filmes, espetáculos de teatro e TV, do simples casamento, mas da poligamia ho-
programas educacionais e ativis- mossexual. A força desses empreendimentos
mo judicial está tratando de abolir é irresistível: em menos de uma geração, quem
rapidamente esse quadro de refe- quer que se oponha à idéia de crianças serem
rência e substituí-lo por slogans criadas por uma tropa de marmanjos entre
casuísticos como " inclusão", "jus- uma suruba e outra será considerado um su-
tiça social", "igualdade", etc. No jeito cruel e sem sentimentos, um perseguidor
curso de duas gerações, esses no- dos oprimidos, um nazista. Projetos do mes-
vos símbolos de bom-mocismo lo- mo teor com relação à pedofilia já estão em
graram penetrar tão profunda- avançado estado de implementação. O ardil é
mente na alma das classes letra- apelar à liberdade individual como legitima-
Legitimar a das, que hoje têm aí o mesmo valor dor de "relações consentidas" entre adultos e
pedofilia emocional coercitivo dos Dez crianças. Que a coisa é uma mera bolha de sa-
consentida é legitimar Mandamentos. Quem os infringe bão verbal, é claro que é. Todo ato de pedofilia
toda e qualquer sente-se um pecador, um réprobo, é consentido, caso contrário não seria mera pe-
pedofilia um inimigo da espécie humana. dofilia e sim estupro. Legitimar a "pedofilia
Na classe jornalística, por exem- consentida" é legitimar toda e qualquer pedo-
plo, não há mais quase ninguém filia. Isso está no programa e vocês dificilmen-
que não esteja persuadido de que te sairão desse mundo antes de ver a rejeição
esses estereótipos constituem a do "amor entre homens e meninos" ser conde-
mensagem essencial das grandes religiões, nada como atitude socialmente inaceitável.
cuja doutrina efetiva já escapa por completo CONSCIÊNCIAS - Muito antes de se dis-
ao seu horizonte de visão. Quando anos atrás a seminar na sociedade em geral, essas muta-
revista Veja propôs, a sério, a beatificação do ções afetam a cabeça das classes letradas, dos
sr. Herbert de Souza - o estrategista revolucio- "intelectuais" no sentido gramsciano do ter-
nário espertalhão que gramscianamente su- mo. E os jornalistas são, entre os "intelectuais",
gou o prestígio do cristianismo para esvaziá- um alvo prioritário das lutas pela conquista
lo do seu conteúdo espiritual e usá-lo como ca- das consciências. Especialmente no Brasil,
nal de agitação revolucionária -, não fez senão país sem quaisquer tradições culturais sólidas
comprovar até que ponto a moral comunista, que possam oferecer resistência ao assalto da
já tão assimilada que nem se reconhecia como utopia globalista, essas coisas penetram e se
tal, havia ocupado na mente da classe jornalís- arraigam com impressionante facilidade, tor-
tica brasileira o lugar das crenças religiosas nando-se o próprio cimento para a construção
mais antigas e fundamentais. de personalidades adaptadas à "nova civiliza-
POLIGAMIA HOMOSSEXUAL - A "revo- ção". Vocês podem ter a certeza de que, entre os
lução cultural" gramsciana é, decerto, apenas jornalistas brasileiros, essa é a crença, essa é a
uma expressão parcial e localizada de uma moral, esse é o sentimento orientador. A per-
mutação muito mais vasta, empreendida por versão cultural que os afetou é funda e letal ao
um exército de poderes entre os quais se des- ponto de abolir em suas mentes o próprio sen-
tacam a ONU, a Unesco e as fundações bilio- so de realidade, quanto mais a habilidade jor-
nárias. As revoluções morais ali planejadas su- nalística de distinguir o verdadeiro do falso.
cedem-se em rapidez alucinante e em escala Toda uma geração de jornalistas, independen-
tão gigantesca que o cidadão comum não tem temente das convicções políticas nominais de
sequer os meios de acompanhá-las, quanto cada um, enxerga o mundo por um prisma on-
mais de apreciá-las criticamente e defender a de o único pecado é violar os mandamentos da
sua integridade psíquica pessoal que elas vio- sensibilidade politicamente correta. Para evi-
lam incessantemente. Em cada terreno, a esca- tar a experiência de isolamento e exclusão de-
Diário do Comércio lada de novas exigências e cobranças que se corrente de eventuais transgressões, eles fa-
29/05/2006 substituem aos antigos deveres morais é veloz zem tudo. Até esquecer que o ministro da Jus-
e prepotente. Só para dar um exemplo, aqueles tiça é o padrinho da aliança PCC-MST.

68 MuNDOreAL
Mais sábios que Deus

Jonne Roriz/AE

Marcos Michael/AE

A
o chegar à América em 1623, o governa-
A
dor William Bradford encontrou a colô-
nia de Plymouth numa situação deses- experiência
peradora: magros, doentes, em farra- socialista em dose
pos, sem atividade econômica organi- mínima teve no
zada, os peregrinos estavam à beira da extinção. corpo da América o
Muitos, depois de vender aos índios todas as efeito de uma
suas roupas e demais bens pessoais, tinham lhes
imunização
vendido sua liberdade: eram escravos, vivendo
de cortar lenha e carregar água em troca de uma
homeopática. A
tigela de milho e um abrigo contra o frio. ojeriza às
Interrogando os líderes da comunidade em experiências
busca da causa de tão deplorável estado de coletivistas dura
coisas, Bradford descobriu que a origem dos até hoje.
males tinha um nome bem característico. Cha-
mava-se "socialismo".
ANARQUIA - Os habitantes de Plymouth,
revolucionários puritanos exilados, trouxeram Há décadas
para a América as idéias sociais esplêndidas que aceitou então a sugestão de mudar de rumo, o MST vem
os haviam tornado insuportáveis na Inglaterra, voltando ao execrável sistema de propriedade habituando a
e tentaram construir seu paraíso coletivista no privada da terra. "Isso teve muito bons resul- opinião pública a
Novo Mundo. As terras eram propriedade co- tados", relata Bradford. "Muito mais milho foi aceitar
munitária, a divisão do trabalho era decidida plantado e até as mulheres iam voluntaria-
passivamente a
em assembléia e a colheita se dividia igualitaria- mente trabalhar no campo, levando suas
mente entre todas as bocas. O sistema havia re- crianças para ajudar." O surto de prosperidade sua cínica
sultado em confusão geral, a lavoura não pro- que se seguiu é bem conhecido historicamen- usurpação de
duzia o suficiente e aos poucos a miséria havia te: ele permitiu que os colonos fincassem raí- direitos auto-
se transformado naturalmente em anarquia e zes na América e começassem a construir o legados, passando
ódio de todos contra todos. país mais rico do mundo. por cima da lei.
A um passo do extermínio, a comunidade Homem de fé, Bradford não atribuiu a sal-

MuNDOreAL 69
vação da colônia aos méritos dela ou dele pró- nomia é muito vasta e profunda para que se
prio, mas à mão da providência divina. O su- possa simplesmente parar tudo de uma hora
cesso do sistema capitalista, escreveu ele, para a outra e meditar sobre o fracasso da ex-
"bem mostra a vaidade daquela presunção de periência. Nem se pode designar com esse no-
que tomar as propriedades pode tornar os ho- me o que já se tornou um estilo de vida, uma
mens mais felizes e prósperos, como se fossem cosmovisão, uma religião, um imperativo ca-
mais sábios que Deus". tegórico investido de fatalidade quase cósmi-
Encontrei essa história na coluna de Mike ca: um empresário brasileiro sem subsídio es-
Franc no semanário Human Events. Para tatal se sente tão desamparado quanto um in-
mim ela era novidade completa, mas depois glês sem guarda-chuva, um russo sem vodca
descobri que por aqui até os meninos de es- ou um italiano sem mãe. Inversa e comple-
cola a conhecem. O documento clássico a res- mentarmente, não chegou a ser uma "expe-
peito é o livro do próprio Bradford, Of Ply- riência" a tentação de capitalismo liberal do
mouth Plantation, 1620-1647. Uma edição brevíssimo governo Collor, punida exemplar-
confiável é a de Samuel Eliot Morison (New mente pelo superego estatista sob o pretexto
York, Modern Library, 1967). de crimes jamais provados e abortada na ges-
BRADFORD - A experiência socialista em tão subseqüente pelo escândalo das pseudo-
dose mínima teve no corpo da América o efeito liberalizações monopolistas, que um presi-
de uma imunização homeopática. A arraigada dente socialista, patrono da revolução no cam-
ojeriza do povo americano às experiências co- po temporariamente disfarçado em adepto da
letivistas dura até os dias de hoje, malgrado as liberdade econômica, forçou para dar a seus
tentativas cíclicas de reintroduzi-las subrepti- correligionários o pretexto que queriam para
ciamente por meio de manobras burocráticas voltar correndo aos braços do Estado-babá.
que escapam ao controle do eleitorado, as A imersão do Brasil na poção miraculosa
quais terminam sempre no fracasso geral e no do estatismo já durou tempo demais para
subseqüente retorno à constatação de Brad- que um mergulho ainda mais profundo e du-
ford: "Deus, na sua sabedoria, viu um outro ru- radouro possa valer como experiência didá-
mo melhor para os homens." tica, exceto no sentido em que é didático tran-
Há muita gente que, não gostando do socia- car-se numa jaula com um tigre faminto para
lismo, se curva de bom grado à sua pretensa averiguar se come gente.
necessidade histórica, sob a alegação de que o Mas até essa advertência é tardia: já demos
povo "precisa passar por isso" para aprender esse mergulho, já estamos dentro da jaula. O ti-
com a experiência. Uma das poucas coisas de gre já está lambendo os beiços. Os que quise-
que me gabo é nunca ter apelado a essa descul- rem esperar para só tirar conclusões quando
pa idiota para justificar meus erros. Adotei co- ele começar a palitar os dentes não terão tem-
mo divisa a máxima atribuída pelo povo gaia- po para isso, pois estarão espetados no palito,
to ao ex-presidente Jânio Quadros - "Fi-lo por- reduzidos a fiapos de si mesmos.
que qui-lo" - e, sem nada conceder ao fatalismo Não há covardia mais torpe que a covardia
retroativo, considero-me o único autor de mi- da inteligência, a burrice voluntária, a recusa
nhas próprias cacas (afinal, a gente tem de se de juntar os pontos e enxergar o sentido geral
orgulhar de alguma coisa na vida). dos fatos. Toda a chamada "oposição" nacional
O problema com a experiência é a dose: a é culpada desse pecado que terminará por ma-
quantidade de veneno de cobra numa vacina tá-la. Não faltam aí políticos e intelectuais que
não é a mesma da mordida real. O que educa protestem contra afrontas isoladas, mas não
não é propriamente a experiência, mas a reme- há um só que consinta em apreender a unida-
moração meditativa depois dela. A condição de estratégica por trás delas, clara e manifesta,
para isso é que você saia da experiência vivo e no entanto, para quem tenha algum estudo,
não muito danificado. Uma coisa é a miniatura por modesto que seja, da técnica das revolu-
de socialismo numa colônia de peregrinos. ções sociais.
Outra são décadas de ditadura socialista em Muitos são os que se sentem insultados pela
extensões territoriais continentais como a da proposta indecente de cursos especiais para o
Rússia e a da China. O Brasil ainda não chegou MST em universidades públicas, com conces-
a esse ponto, mas já passou muito além do li- são de diploma superior e dispensa de exame
mite em que a experiência pode ensinar algu- escrito, tendo em vista o direito dos doutores
ma coisa em vez de lesar o aprendiz para sem- ao analfabetismo, já consagrado como um mé-
pre. O vício estatista e coletivista é muito an- rito na pessoa do sr. presidente da República e
tigo e pertinaz, a intromissão do Estado na eco- em parte na do próprio ministro da Cultura

70 MuNDOreAL
(seja isto lá o que for). Mais ainda são os que se riais hipoteticamente direitistas, tornando-as
revoltam contra a obstinada impossibilidade insensíveis ao desmantelamento da ordem,
de punir qualquer mandatário petista, mesmo porque era preferível que viesse "de um de
com provas cabais de crimes incomparavel- nós" em vez do espantalho petista. Cardoso
mente superiores ao de um juiz Lalau, de um elegeu-se com o simples endosso da frase "Es-
Maluf e de um P. C. Farias, todos somados. queçam o que eu escrevi". Poucos meses de-
MÁFIA - O que não percebem é que, em am- pois, seu conluio com o MST trouxe a prova de
Usar as bos os casos, se trata da aplicação de um mes- que ele próprio não se esquecera de nada.
terras mo princípio básico da estratégia revolucioná- Com a ajuda de uma popularíssima novela
para plantar ria, que é a progressiva substituição do siste- da Globo, as invasões de terras foram então le-
nunca foi ma de legitimidades vigente por um novo sis- gitimadas: a entidade sem registro recebia o
tema fundado na solidariedade partidária registro pelas mãos de seus próprios crimes.
considerado,
mafiosa. Não se trata nem de sugar vantagens Muito mais importante do que a posse das ter-
exceto para jogar ocasionais para o MST, nem de proteger im- ras era, para o MST, essa imposição da sua von-
areia nos olhos da provisadamente um criminoso vermelho de tade como força superior às leis. Era, já, a trans-
opinião pública. O colarinho branco. Estas são apenas oportuni- ferência tácita do poder aos sovietes.
MST não produz dades para a aplicação do princípio. Ao pos- As terras podiam não servir de grande coi-
nem para o tular abertamente vantagens ilícitas para seus sa, excluída a sua posição estratégica ao longo
protegidos ou festejar descaradamente a im- das estradas, nem sempre boa para o plantio,
sustento dos seus
punidade do corrupto-mor, o esquema es- mas apta a paralisar o país numa futura e tal-
membros. querdista dominante está enviando à nação vez até desnecessária hipótese insurrecional.
uma mesma mensagem, que os analistas de Usá-las para plantar jamais entrou em consi-
plantão podem não perceber, mas que cala deração exceto na dose mínima suficiente para
fundo no subconsciente do povo e impõe, com jogar areia nos olhos da opinião pública. A
a força do fato consumado, o império da nova prova é que, transformado pelo roubo oficia-
lei. Traduzida em palavras, a mensagem diz: lizado no maior proprietário de terras que já
"A velha ordem constitucional acabou. O Par- houve neste país, o MST não produz sequer o
tido-Príncipe está acima de todas as leis. Ele é a necessário ao sustento dos seus membros, que
fonte única de todos os direitos e obrigações." se nutrem de alimento muito mais substancio-
SOVIETES - Em todas as revoluções socia- so: verbas públicas, direitos usurpados, ocu-
listas, essa mudança do eixo da autoridade é pação do espaço aberto pela legalidade aco-
ao mesmo tempo o mecanismo básico e o ob- vardada que recua.
jetivo essencial. Na Rússia, anos de boicote à Quanto à impunidade do sr. José Dirceu, é
administração oficial e de parasitagem das extensão lógica da transformação do STF em
suas prerrogativas pelos sovietes antecede- assessoria jurídica do Partido-Príncipe. Não é
ram a proclamação de Lênin ao voltar do exí- um improviso espertalhão: é um capítulo pre-
lio: "Todo o poder aos sovietes". Há décadas o visível da história da imposição do poder re-
MST, que tem uma estrutura e composição in- volucionário pelos meios esquivos e anestési-
terna absolutamente idênticas às dos sovietes - cos concebidos por Antonio Gramsci mais de
não constituindo uma organização agrícola, sete décadas atrás. Desde 1993 venho tentan-
mas um todo político-militar complexo, com do chamar a atenção do empresariado, das
especialistas em todas as áreas, do marketing à Forças Armadas, dos intelectuais não compro-
técnica de guerrilhas - já vem habituando a metidos com o poder esquerdista para a obvie-
opinião pública a aceitar passivamente a sua dade da aplicação do esquema gramsciano
cínica usurpação de direitos autopromulga- não só pelo PT, mas pelo conjunto dos partidos
dos, passando por cima da lei. Desde o instan- esquerdistas aglomerados no Foro de São Pau-
te em que o governo do sr. Fernando Henrique lo. Passo por passo, etapa por etapa, anunciei
Cardoso - cúmplice consciente de um processo antecipadamente cada novo lance da imple-
que ele conhece mais do que ninguém - aceitou mentação da estratégia. Em vão. Excetuando
alimentar com uma pletora de verbas públicas cinco ou seis homens sensatos que comparti-
uma entidade legalmente inexistente, estava lharam imediatamente das minhas preocupa-
instaurado o direito à ilegalidade em nome da ções, mas cujo número e poder eram inversa-
superior legalidade revolucionária. Destruin- mente proporcionais ao mérito da sua cora-
do voluntariamente a ordem estabelecida, o sr. gem intelectual, a resposta que recebi foi sem-
Cardoso teria sido objeto de impeachment se pre a mesma, vinda das mais variadas fontes.
sua pantomima de "neoliberal" não tivesse en- Neste país de gente pomposa e burra, o estudo
torpecido as lideranças políticas e empresa- mais extenso, o conhecimento mais preciso

MuNDOreAL 71
dos fatos, a descrição mais exata do seu enca- Science of Politics (University of Chicago,
deamento racional nada valem perante o ape- 1952), essas seitas se exteriorizaram em po-
lo a um chavão tranqüilizante. Despediam-se derosos movimentos de massas. Foi quando
do problema por meio do rótulo "teoria da começou a Era das Revoluções. Transposta
conspiração" - e iam descansar seus traseiros para a esfera da ação política, a autobeatifi-
gordos e suas consciências balofas no leito ma- cação permissiva deu origem à moral revolu-
cio da traição passiva. Não perdôo ninguém: cionária que isenta o militante de todos os de-
ricaços presunçosos, generais perfumados, veres morais para com a sociedade existente,
senadores de musical pornô, sabonetões a gra- santificando as suas mentiras e seus crimes
nel. E não me venham com patacoadas pseu- em nome dos méritos de um estado social fu-
do-evangélicas: Jesus ordenou perdoar as turo que ele se autoriza a exibir desde o pre-
ofensas feitas a nós pessoalmente; jamais nos sente como salvo-conduto para praticar o
A imersão deu procuração para perdoar as ofensas feitas mal em nome do bem.
do Brasil a terceiros, muito menos a uma nação inteira. Uma das primeiras manifestações dessa
na poção Por isso lhes digo: vocês todos são culpados da transmutação de uma falsa sabedoria esotéri-
degradação sem fim que este país está sofren- ca em movimento revolucionário de massas
miraculosa do
do. Tão culpados quanto qualquer José Dir- foi, precisamente, a Revolução Puritana na In-
estatismo já durou ceu. E nem falo daqueles que, percebendo cla- glaterra. Nela já estão presentes todos os ele-
tempo demais ramente a debacle, se adaptaram gostosamen- mentos da autobeatificação petista - e não só
para que um te a ela, distribuindo medalhas a criminosos, petista, mas esquerdista em geral, com espe-
mergulho subsídios a vigaristas, afagos a quem só não os cial destaque para a "teologia da libertação": a
profundo e mata porque não chegou a hora. Esses não pe- absoluta insensibilidade moral aliada à reivin-
duradouro possa caram por omissão: ao contrário, nunca agi- dicação de méritos sublimes; a idealização do
ram tanto. Alguns já colheram o fruto amargo "pobre" como portador de uma sabedoria ex-
valer como da bajulação: foram esmagados sob o peso dos celsa não apesar mas em razão de sua incultu-
experiência sacos que puxavam. Outros não perdem por ra mesma; a vontade férrea de impor o critério
didática esperar. Quando a injustiça se eleva ao estatu- grupal de justiça acima de toda consideração
to de norma geral, ironicamente sobra sempre pelos direitos dos outros; o mito da proprieda-
um pouco de justiça nos detalhes. de coletiva; a pseudomística de um Juízo Final
Mas, cavando um pouco mais fundo no es- terrestrializado e identificado com o tribunal
tudo dos fenômenos acima apontados, desco- revolucionário.
bre-se que a imposição cínica de direitos auto- CARDOSOS - Pois bem, foram esses mes-
arrogados não é nem mesmo um simples ins- mos puritanos que, fracassado o intento revo-
trumento da estratégia de tomada do poder: é lucionário na Inglaterra, vieram criar seu simu-
um traço constante e uniforme da mentalida- lacro de paraíso no Novo Mundo. A resistência
de revolucionária, nascido muito antes de que da sociedade, que encontraram na Europa, ain-
esse instrumento fosse concebido por Lênin da podia ser explicada como obstinação dos
no contexto da via insurrecional e adaptado maus que não se rendiam à autoridade dos
por Gramsci à estratégia capciosa da revolu- "Santos". Mas o que os "Santos" encontraram do
ção anestésica. outro lado do oceano não foi nenhuma discor-
ADORAÇÃO - Norman Cohn, em The Pur- dância humana: foi a resistência implacável da
suit of the Millenium (Oxford University, natureza material, a estrutura da realidade - ou,
1961), assinala uma característica proeminen- em linguagem teológica, a vontade de Deus. A
te de certas seitas gnósticas medievais: seus ela souberam no entanto conformar-se, diante
adeptos sentiam-se tão intimamente unidos a da segunda derrota, os teimosos puritanos. Tro-
Deus que se imaginavam libertos da possibi- cando seu orgulho pela humildade que lhes en-
lidade de pecar. "Isto, por sua vez, os liberava sinava o sábio Bradford, tornaram-se mansos e
de toda restrição. Cada impulso que sentiam herdaram a Terra.
era vivenciado como uma ordem divina. En- No Brasil, a soberba dos revolucionários,
tão podiam mentir, roubar ou fornicar sem alimentada pela covardia geral e pela cumpli-
problemas de consciência." cidade de muitos Cardosos, ainda vai levar
Enquanto essas seitas se refugiavam em muito tempo para se chocar de encontro aos li-
círculos estreitos de iniciados esotéricos, a mites da realidade. Comparadas as propor-
pretensão de imunidade essencial ao pecado ções entre a experiência dos puritanos e a de-
Diário do Comércio não passou de um delírio de auto-adoração les, não é provável que isso aconteça sem uma
28/11/2005 grupal. Na entrada da modernidade, porém, dose de sofrimento superior àquela da qual
como observou Eric Voegelin em The New pode resultar algum aprendizado.

72 MuNDOreAL
Nicolas Vial/Corbis

americanizada
A esquerda

MuNDOreAL 73
N
o tempo da ditadura, os esquerdistas clarações de americanos apresentados como in-
da mídia, embora conservassem o po- suspeitos tornou-se um dispositivo usual da re-
der sobre as redações, se sentiam iso- tórica esquerdista. Na verdade homens como
lados e constrangidos. Não tanto pela Ramsey Clark, John K. Galbraith, Jimmy Carter
censura quanto pela hostilidade geral ou Ted Kennedy eram a fina flor do esquerdis-
da população às guerrilhas. Deprimia-os que o mo chique. Estavam comprometidos até a goe-
O Fórum povo não gostasse de ver recrutas e civis brasi- la com a ajuda à subversão no Terceiro Mundo.
Social leiros ser feitos em pedaços por carros-bombas. Mas a simples insistência geral da esquerda na
Magoava-os profundamente que ninguém vis- lenda de que o golpe militar viera de Washing-
Brasileiro vai
se nada de heróico em "justiçar" com tiros nas ton dava a qualquer americano, por contraste, a
capitalizar a costas homens desarmados, que ninguém ad- autoridade para falar contra a direita latino-
roubalheira mirasse a nobreza de sentimentos com que o ca- americana sem parecer nem um pouquinho es-
petista, pitão Lamarca esmagava a coronhadas a cabeça querdista. O mesmo acontecia com jornais pa-
explicando-a de um prisioneiro amarrado. tologicamente mentirosos em favor da esquer-
retroativamente Hoje, esses episódios sumiram tão comple- da, como New York Times e Washington Post,
tamente dos mesmos jornais que os denuncia- que ante a platéia tupiniquim ignorante po-
como delito de
vam, que já parecem invencionices retroativas diam ser citados como modelos de isenção pro-
neoliberalismo..." da direita. Na época, os próprios jornalistas de fissional pelo simples fato de ser americanos.
esquerda eram obrigados a contar tudo tim-tim A geração seguinte de esquerdistas conti-
por tim-tim, sem poder em contrapartida expor nuou usando o mesmo truque, mas por auto-
ao menos em detalhes a sua parte, os padeci- matismo paspalho e sem saber que era truque.
mentos que seus amigos terrorristas sofriam - Quando um Eliakim Araújo, ardido de dores
Os turistas oh, quão injustamente! - em retribuição das petistas e embriagado de alegria vingativa pe-
brincavam bombas e das emboscadas. Tinham os mais al- la demissão de Boris Casoy, compara desvan-
tos cargos e os melhores salários, mas eram tão tajosamente o ex-âncora da Record a "respei-
de se jogar na
incompreendidos e infelizes que precisavam tados jornalistas do horário nobre" da TV ame-
piscina quando consolar-se mediante festinhas de embalo no ricana, incluindo entre estes últimos dois no-
chegou o Copacabana Palace. Terminaram achando que tórios vigaristas de esquerda como Peter
boliviano que drogas e surubas tinham um alto potencial re- Jennings e Dan Rather, ele parece acreditar
trazia pó. volucionário, e não estavam de todo errados, já mesmo no que diz, coitado. A malícia dos gu-
Jogaram-no que acabaram conseguindo mais eficazmente rus impregnou-se em seus discípulos sob a
corromper e drogar as gerações seguintes do forma de ingenuidade perversa. Eles já não
também.
que ganhar alguma simpatia dos contemporâ- mentem por astúcia. Mentem porque nin-
Desespero geral". neos para a violência revolucionária. Vindo a guém os ensinou a fazer outra coisa.
calhar com a estratégia gramsciana que então
começava a ser importada, o modelo america- NOTINHA HORRÍVEL
no de "guerra cultural" da New Left, que no iní-
cio julgavam desprezível e burguês na compa- Quanto às festinhas no Copacabana Palace,
ração com as propostas truculentas de Che não falo genericamente. Há uma crônica ines-
Guevara e Régis Débray, acabou sendo a tábua quecível de Daniel Más sobre isso, publicada
de salvação que lhes permitiu sobreviver para na extinta revista Visão. Segundo o cronista,
reinventar depois a história daquele período, até a expressão "Anos Dourados", usada para
fazendo da derrota das guerrilhas uma espeta- designar de maneira aparentemente parado-
cular vitória publicitária e uma fonte inesgotá- xal uma época também carimbada como
vel de verbas consoladoras. "Anos de Chumbo", se originou entre o pes-
Mas não foi só nisso que a esquerda midiática soal da mídia e do show business por alusão a
se americanizou. A época foi também a do aflu- uns pacotinhos dourados em que vinha a co-
xo maciço de brazilianists, que embora fossem caína. O episódio é edificante. Um dia, turistas
também quase todos de esquerda - alguns deles estavam brincando de jogar-se uns aos outros
tão enragés quanto qualquer guerrilheiro -, eram na piscina do hotel, enquanto a turminha es-
bem recebidos pelo governo por conta das ins- perta dos brasileiros, nas mesas em torno,
tituições que os patrocinavam. Muita coisa que a aguardava a chegada de um boliviano que tra-
esquerda local não podia dizer era dita pela boca zia o pó. De repente, aterrorizados, viram o su-
desses medalhões, de onde o discurso esquer- jeito entrando e sendo agarrado pelos brinca-
Diário do Comércio dista saía perfumado com o aroma da superior lhões. Não houve tempo nem de gritar. Foi o
16/01/2006 neutralidade acadêmica da Ivy League. desespero geral: todo mundo pulando na
Aos poucos, o hábito de respaldar-se em de- água, atrás dos papeizinhos dourados...

74 MuNDOreAL
O paradoxo esquerdista
Carl de Souza/AFP/3/02/2006

Passeata de
militantes

V
ivenciar conscientemente o tempo his- futuro já falsifica a vida presente: ela perpassa palestinos em
tórico em que transcorre a nossa exis- toda a biografia de cada militante, tingindo de Londres: um novo
tência é um privilégio, um dever e um farsa e auto-engano cada um de seus atos e pen- Holocausto de
direito da inteligência individual, que samentos, mesmo os mais íntimos, pessoais e proporções
não alcança sua plenitude senão absor- aparentemente alheios à luta política. colossais
vendo e integrando as tensões e mutações do É só estudar as vidas de Marx, de Lênin, de
ambiente maior em torno. Desde o início do sé- Stalin, de Mao, de Guevara, de Fidel Castro, de
culo XX, esse direito foi negado a várias gera- Yasser Arafat (ou de seus acólitos intelectuais,
ções de seres humanos, induzidos a viver uma os Sartres, Brechts, Althussers e tutti quanti)
história fictícia no mundo paralelo das militân- para entender do que estou falando: cada um
cias ideológicas e a atravessar a existência em desses homens que tiveram nas mãos os des-
pleno estado de ignorância quanto aos fatores tinos de milhões de pessoas foi um deficiente
reais que determinaram o seu destino. A ilusão emocional, cronicamente imaturo, incapaz de
socialista não consiste somente num erro de criar uma família, de arcar com uma responsa-
previsão quanto aos objetivos finais. Se fosse bilidade econômica ou de manter relações
assim ela seria apenas o final trágico de existên- pessoais normais com quem quer que fosse.
cias nobres. Mas a expectativa falsa quanto ao Em compensação do aborto moral de suas vi-

MuNDOreAL 75
Ben Stansall/AFP/18/02/2006

das, criaram a idealização pomposa do "revo-


lucionário" (isto é, deles próprios), como en-
carnação de um tipo superior de humanidade,
adornando com um toque de estética kitsch a
mentira existencial total.
Eles não são personagens de tragédia. A re-
gra essencial da tragédia é a ausência de culpa.
O herói trágico não pode estar abaixo das cir-
cunstâncias, não pode ser um perverso, um
fraco, um idiota incapaz de arcar com a pró-
pria vida. Ele fracassa porque entra em choque
com as exigências superiores de uma ordem
cósmica invisível. Seu único delito é ser ape-
nas humano numa situação que lhe impõe de-
safios sobre-humanos. Mas perceber a falácia
intrínseca da promessa socialista não é um de-
safio sobre-humano (v. http://www.olavode-
carvalho.org/semana/060611zh.html ). É um
dever elementar de qualquer inteligência mé-
dia que se disponha a examinar o assunto ob-
jetivamente. Aqueles que fogem a esse exame,
transferindo a partidos, a movimentos ou à
"opinião pública" as responsabilidades da sua
consciência individual, renunciam ipso facto à
dignidade da inteligência e se consagram a
uma luta obstinada e fútil contra a estrutura da
realidade. Vai nisso uma mistura de vaidade
adolescente, de revolta gnóstica e daquele or-
gulho satânico que é a compensação quase au-
tomática da covardia existencial. Tudo isso é
lamentável, mas não é trágico: é grotesco. Não
há tragédia no fracasso do socialismo: há ape-
nas uma palhaçada sangrenta.
(...) O modelo dos líderes e dos ídolos intelec-
nenhum tuais é repetido, em série ilimitada, nas vidas de
militantes, simpatizantes e "companheiros de
regime direitista
viagem", acabando por espalhar-se entre o pú- da auto-exaltação psicótica e de truques mági-
jamais matou, blico geral. O rancor sem fim contra pais e mães, cos como a "reforma do vocabulário".
prendeu ou a destruição da unidade familiar, o ódio às exi- Não espanta que a política produzida por es-
torturou tantos gências morais das tradições religiosas, a busca sas pessoas seja uma contradição, uma imensa
militantes desesperada de sensações por meio do consu- engenhoca entrópica que cresce por meio da au-
esquerdistas mo de drogas, a reivindicação pueril do "direito todestruição e se inebria de vanglória na con-
ao prazer", a transformação do erotismo numa templação das próprias derrotas. Nenhuma ex-
quanto Stalin,
escalada de exigências egolátricas que começa ploração capitalista, por mais "selvagem" que a
Mao, Pol-Pot ou no protesto feminista e culmina na apologia rotulassem, conseguiu matar de fome multidões
Fidel Castro. aberta da pedofilia e do incesto, a disseminação tão vastas quanto as que pereceram durante a es-
de técnicas pedagógicas que estimulam a delin- tatização da agricultura na URSS, o "Grande Sal-
qüencia infanto-juvenil - tudo isso é a projeção to para a Frente" de Mao Dzedong ou os expe-
ampliada do estilo de vida dos "grandes revo- rimentos socialistas em vários países da África.
lucionários", espraiada no tecido da sociedade A "luta contra a miséria" continua sendo o prin-
ao ponto de já não reconhecer-se como tal e cipal pretexto moral do socialismo, mas a verda-
transfigurada num sistema de obrigações "éti- de é que a maior contribuição do socialismo à vi-
cas" que se torna a base de julgamentos, acusa- tória nessa luta seria simplesmente cessar de
ções, cobranças e chantagens. existir. Do mesmo modo, o protesto inflamado
O fundo de tudo é o ódio à realidade, a recusa contra qualquer violência anti-socialista é um
de arcar com o peso da existência, o sonho gnós- persistente Leitmotiv do discurso de esquerda,
tico de transfigurar a ordem das coisas por meio mas nenhum governante direitista jamais ma-

76 MuNDOreAL
Os
terroristas
sabem que as
nações ditas infiéis
têm sentimentos
morais, enquanto
eles, os santos, os
eleitos, não têm
nenhum e não
precisam ter
nenhum.

tou, prendeu ou torturou tantos militantes es- taram bandeirinhas brancas sem saber que is-
querdistas quanto Stalin, Mao, Pol-Pot ou Fidel so era o passaporte para o matadouro. Os tra-
Castro. É uma simples questão de fazer as con- tados que, atendendo ao clamor de uma gera-
tas. Se os socialistas tivessem um pingo de res- ção inteira de jovens enragés, puseram fim aos
peito por seus próprios direitos humanos, volta- combates no Vietnã em 1972, deram um salvo-
riam para suas casas e deixariam que a boa e ve- conduto para que os comunistas invadissem o
lha democracia burguesa os protegesse contra a Vietnã do Sul e o vizinho Camboja e matassem
tentação suicida de implantar o socialismo. aí três milhões de civis - quatro vezes o número
Do mesmo modo, quando os esquerdistas total de vitimas civis e militares da guerra.
começam a falar em "paz", a prudência reco- Enganam-se aqueles que enxergam na novi-
mendaria que começassem a estocar comida língua (newspeak) de George Orwell apenas
no porão para a próxima guerra em que seus um truque publicitário concebido por líderes
líderes estão tratando de metê-los naquele maquiavélicos para induzir militantes estúpi-
mesmo momento. O movimento pacifista en- dos a aceitar a guerra como paz, a tirania como
cabeçado pelos partidos comunistas da Euro- liberdade. Esses líderes maquiavélicos não têm
pa nos anos 30 foi um truque concebido por nenhum controle sobre o processo, que, com ra-
Stalin para dar tempo à Alemanha de se rear- ras e inevitáveis exceções, termina por arrastá-
mar com a ajuda soviética e destruir a "ordem los e destruí-los junto com suas vítimas. O pa-
burguesa" do velho mundo (leiam o clássico radoxo autodestrutivo está na centro de cada
Stalin's War, de Ernst Topitsch). Milhões de alma militante porque está na raiz mesma do
franceses idiotas gritaram em passeatas e agi- movimento socialista, que nasce da aspiração

MuNDOreAL 77
gnóstica à supressão do mundo físico e se con- se por sua vez sensível a esses mesmos deveres
densa na proclamação absurda de Hegel: "O no plano da sua própria conduta, ele se veria
ser, na sua indeterminação, é o nada" - uma con- igualmente travado por escrúpulos e não have-
fusão patética entre discurso e existência, des- ria assimetria nenhuma. É justamente o fato de
tinada a ter as mais monstruosas conseqüências dispensar-se das obrigações morais exigidas
intelectuais e históricas. O puro newspeak já do inimigo que dá ao praticante da guerra as-
marca sua presença ostensiva na fórmula de simétrica a vantagem estratégica da sua posi-
Engels, "A liberdade é o reconhecimento da ne- ção. É essencial para o sucesso desse ardil que o
cessidade", que inspirou tantas auto-acusações discurso de acusação seja feito sempre pelo cul-
falsas nos Processos de Moscou e cujo sentido pado contra o inocente, pelo criminoso contra a
último, de ironia verdadeiramente demoníaca, vítima. O público e a totalidade dos colabora-
aparece com nitidez fulgurante no comentário dores passivos usados como caixas de resso-
de Bertolt Brecht: "Se eram inocentes, mais ain- nância do moralismo indignado nem de longe
da mereciam ser condenados." Brecht, aliás, foi se dão conta disso, mas o fato é que, quanto
aquele mesmo que resumiu com cinismo exem- mais veemente a acusação, maior a malícia do
plar a essência da moral socialista: "Mentir em acusador e mais irrefutável a prova de seus cri-
favor da verdade." Experimente fazer isso e, é mes. A assimetria consiste precisamente nisso.
claro, você nunca mais vai parar de mentir. Um exemplo didático, colhido da guerra en-
Algumas regras usuais do leninismo ilustram tre Israel e o Hezbollah, aparece no contraste en-
esse cinismo na prática diária: "Fomentar a cor- tre as atitudes dos dois lados no que diz respeito
rupção e denunciá-la" e "Acuse-os do que você às vítimas civis. Enquanto na mídia ocidental os
faz, xingue-os do que você é" resumem às mil israelenses são condenados como monstros
maravilhas a história do nosso PT, que cresceu porque mataram acidentalmente trinta civis
pelo discurso de acusação moralista ao mesmo num bombardeio, em países islâmicos as ma-
tempo que montava uma máquina de corrupção tanças deliberadas de civis israelenses pelos
de dimensões faraônicas, perto da qual os velhos mísseis do Hezbollah são comemoradas como
políticos ladrões começam a parecer meninos de atos meritórios. Se o leitor duvida, veja o docu-
escola culpados de roubar chicletes. mentário em http://pmw.org.il/bulle-
Era inevitável que, com o tempo, a forma tins_Aug2006.htm#b020806 . Os terroristas sa-
mentis autonegativa do movimento esquer- bem que as nações ditas infiéis, pecadoras, têm
dista se cristalizasse numa fórmula estratégica sentimentos morais, enquanto eles próprios, os
simples, ingênua até, que por sua simplorie- santos, os eleitos, não têm nenhum e não preci-
dade mesma fosse de aplicação fácil e lucrati- sam ter nenhum. Sua moral consiste apenas na
va, reprodutível em escala mundial por sim- glorificação descarada dos próprios crimes - e é
ples automatismo. ela que lhes dá a vitória na guerra assimétrica.
Essa estratégia, cujo nome é hoje proclama- Outros exemplos, ainda mais eloqüentes, es-
do abertamente pelo sr. Hugo Chávez, é a tão nas fotos que ilustram esta página. Tiradas
guerra assimétrica. numa passeata de militantes palestinos em
Ela consiste, como explica Jacques Baud Londres, foram enviadas pela escritora Bella Jo-
em La Guerre Asymétrique, ou la défaite du zef, uma judia brasileira residente na Inglater-
vainqueur (Paris, Éditions du Rocher, 2003), ra, a amigos seus em várias partes do mundo, e
em transformar as derrotas militares em vitó- vieram parar na minha caixa postal. Enquanto
rias políticas por meio de um ardil psicológi- na própria comunidade judaica muitos se sen-
co: outorgar a um dos lados, sob pretextos tem inibidos de desejar em público a vitória de
edificantes, o direito incondicional a todos os Israel, preferindo fazer discursos tímidos e ge-
crimes, a todas as brutalidades, a todas as néricos em favor da "paz", elas mostram a ver-
baixezas, e desarmar o outro por meio de co- dadeira face da ideologia radical islâmica, que a
branças morais paralisantes. mídia ocidental, colaborando na guerra assi-
O que nem os praticantes nem os colabora- métrica, esconde para dar feições mais huma-
dores passivos nem as vítimas desse ardil pare- nas aos terroristas e criar no mínimo uma im-
cem perceber é que ele traz em si a prova defi- pressão enganosa de equivalência moral. As
nitiva da superioridade moral do adversário no inscrições nestes cartazes dizem tudo. O que o
mesmo momento em que acusa seus supostos "outro mundo possível" promete consciente-
crimes e iniqüidades. É claro: se o acusado não mente à humanidade, sob os pretextos mais su-
Diário do Comércio fosse moralmente sensível, consciencioso, es- blimes, é um novo Holocausto, de proporções
07/08/2006 crupuloso, seria impossível inibi-lo mediante o colossais, e a liquidação de tudo o que conhe-
apelo a seus deveres éticos. E, se o acusador fos- cemos como liberdade e direitos humanos.

78 MuNDOreAL
Em plena guerra assimétrica
Yonathan Weitzman/REUTERS

Um judeu
ortodoxo

Q
uando o sr. Hugo Chávez proclama assimétrica: é praticá-la. Jornalistas, professo- examina o
que sua estratégia contra os EUA é a da res e similares, os "formadores de opinião" ou estrago de um
"guerra assimétrica", já não há como "intelectuais", no sentido calculadamente elás- míssil. Mas o
negar que esse conceito é o instrumen- tico que Antonio Gramsci dá ao termo, são a alvo foi outro:
to essencial para a descrição e compre- vanguarda da revolução. Sua função não con- a repercussão
ensão do estado de coisas na América Latina. Se siste em mostrar o mundo como ele é, mas do ataque
nossos comentaristas internacionais, analistas transformá-lo naquilo que ele não é. Deformar mundo afora.
estratégicos, politólogos e tutti quanti conti- propositadamente o quadro, portanto, é seu
nuam a usá-lo com parcimônia ou a abster-se dever profissional número um.
por completo de usá-lo, não é só por preguiça Mas a palavra mesma "deformação" é um tan-
mental: é porque um dos elementos fundamen- to enganosa. Deformar por meio do fluxo de in-
tais da assimetria é a desigual iluminação do formações uma realidade preexistente é uma
quadro. Esses cavalheiros jamais desejariam coisa; outra bem diversa é criar praticamente do
ver o seu querido mentor bolivariano mostrado nada uma nova realidade constituída do puro
à mesma luz implacável e crua com que seus fluxo de informações falsas. Mentir em situações
inimigos são exibidos e dissecados diariamente de guerra, para favorecer um dos lados, é tão an-
na mídia. Conceder a um dos lados o direito à tigo quanto a própria guerra. Mas mesmo o for-
penumbra protetora e obrigar o outro a um con- midável desenvolvimento da técnica da desin-
tínuo strip-tease ante a curiosidade sádica dos formação ao longo de duas guerras mundiais e
holofotes não é descrever nem analisar a guerra inumeráveis revoluções do século XX não dá

MuNDOreAL 79
uma imagem adequada do que hoje se passa. Em trica, embora essa ligação seja a chave mesma
todos esses casos, os "formadores de opinião" para a compreensão do quadro internacional
desempenhavam um papel auxiliar: a parte hoje em dia. A fórmula do negócio pode ser
substantiva dos conflitos desenrolava-se nos enunciada numa frase: A guerra assimétrica
campos de batalha. Os protagonistas da narra- não é outra coisa senão uma estratégia desti-
tiva bélica eram os militares, os guerrilheiros, os nada a compensar a desproporção de força e
terroristas, os partiggiani. Jornalistas e tagarelas capacidade militares por meio da guerra infor-
em geral formavam apenas o coro. Nas últimas mática. Uma sugestão para quem deseje en-
décadas, as proporções inverteram-se. A inte- tender o funcionamento da coisa é ler a mono-
gração mundial das comunicações e a conse- grafia da Rand junto com o livro de Jacques
qüente reorganização da militância revolucio- Baud, La Guerre Asymétrique, ou la défaite du
nária em "redes" de extensão planetária permi- vainqueur (Paris, Editions du Rocher, 2003).
tiram reduzir ao mínimo a função bélica das ar- Uma vez que se entendeu a unidade de
mas e ampliar ao máximo a da guerra de guerra informática e guerra assimétrica - e
informações. O princípio subjacente a essa mu- quem não entendeu está fora do mundo --, tor-
dança é simples e baseia-se na regra clássica da na-se inevitável tirar dessa convergência de
arte militar que mede a eficácia da ação armada estratégias algumas conclusões óbvias:
segundo a relação custo-benefício que ela guar-
da com os resultados políticos visados. Quanto
mais ampla a repercussão política que se pode
obter com um esforço militar reduzido, tanto
Os alvos 1 Os alvos da guerra assimétrica são três e sem-
pre os mesmos: os EUA, Israel e aquilo que,
nesses países ou em quaisquer outros, ainda res-
da guerra
melhor. Nesse sentido, batalhas inteiras da II te da civilização judaico-cristã. A "guerra cultu-
assimétrica são
Guerra Mundial, com centenas de milhares de ral" é parte integrante da guerra assimétrica.
mortos, foram politicamente menos relevantes
três e sempre os
mesmos: os EUA,
do que alguns ataques terroristas comparativa-
mente modestos realizados nas últimas déca-
das, pela simples razão de que neste caso havia
Israel e aquilo que,
nesses países ou
2 Se a identidade dos alvos é nítida e bem co-
nhecida, a das forças atacantes permanece
difusa e nebulosa ao ponto de que a noção mes-
meios de alcançar repercussão jornalística mais em quaisquer ma de sua unidade estratégica continua impen-
vasta e imediata, determinando decisões de go- sável até para o público mais culto. Para apre-
outros, ainda reste
verno que em outras épocas necessitariam de endê-la é preciso ter estudado a estrutura das
um estímulo sangrento muito mais eloqüente.
da civilização "redes", mapeando a circulação de dinheiro, de
Exemplos característicos foram a guerrilha me- judaico-cristã. informações e de palavras-de-ordem entre go-
xicana de Chiapas, militarmente irrisória, que vernos, fundações, partidos políticos, ONGs,
graças ao apoio instantâneo da mídia internacio- banditismo organizado e mídia no mundo in-
nal conseguia transformar em vitória política ca- teiro. Elementos para esse estudo podem ser
da nova derrota que sofria em combate, e o aten- encontrados nos sites http://www.discover-
tado à estação férrea de Madri, que do dia para a thenetworks.org e www.activistcash.com, que
noite fez a Espanha mudar de lado na guerra já citei aqui, bem como na recém-inaugurada
contra o terrorismo. Napoleão, Rommel, Zhu- seção "Mapas Visuais" do jornal eletrônico bra-
kov ou MacArthur jamais sonharam em obter sileiro www.midiasemmascara.com.br. Quem
resultados tão espetaculares com investimentos quer que examine esse material com a devida
bélicos tão minguados. atenção sabe que a existência de um eixo anti-
O fenômeno ao qual estou me referindo re- americano, anti-israelense e anticristão forma-
cebe às vezes o nome de "guerra informática" do pelos governos da Rússia e da China, pelas
(netwar). A bibliografia a respeito já é bem ex- fundações globalistas bilionárias, pela grande
tensa e foi inaugurada em 1996 com a excelen- mídia esquerdista chique, pela rede terrorista
te monografia da Rand Corporation sobre a internacional e por milhares de organizações
guerrilha de Chiapas, The Zapatista 'Social militantes espalhadas pelo mundo não é uma
Netwar' in Mexico, que pode ser comprada ou hipótese ou uma teoria: é um fato brutalmente
descarregada gratuitamente em PDF no site real - o fato essencial do nosso tempo. Mas as in-
htt p:// www.r and. org/ pubs/ mono gra- formações que o evidenciam não saem, é claro,
ph_reports/MR994/index.html, mas nunca no "Jornal Nacional" nem na Folha, não são
encontrei entre as elites brasileiras, seja inte- alardeadas desde o alto das cátedras universi-
lectuais, empresariais, políticas ou militares, tárias e, enfim, não chegam de maneira alguma
quem a tivesse lido. Menos ainda encontrei ao público maior. O resultado é que a hostilida-
quem tivesse alguma consciência clara da liga- de contra os EUA, Israel e o cristianismo, me-
ção entre guerra informática e guerra assimé- ticulosamente fabricada a um custo de muitos

80 MuNDOreAL
Ahmed Tawil/REUTERS
bilhões de dólares, parece surgir do nada, como
manifestação espontânea dos belos sentimen-
tos morais da humanidade - e qualquer tenta-
tiva de contestar essa hipótese logicamente in-
sustentável e supremamente imbecil é rejeita-
da, mesmo por pessoas cultas, como "teoria da
conspiração". O sucesso psicológico da guerra
assimétrica pode medir-se pela facilidade com
que histórias da carochinha acabam parecendo
mais verossímeis do que os fatos mais abun-
dantemente comprovados.

3 A função da mídia e dos "formadores de opi-


nião" em geral, no novo quadro estratégico,
é bem diversa daquele papel meramente auxi-
liar que tiveram em outras ocasiões, incluindo
nisto as vastas campanhas de desinformação e
manipulação montadas pelo governo soviético
desde a década de 30 até o fim da Guerra Fria Onde está o real
(campanhas cuja amplitude permanece ainda campo de
desconhecida fora do círculo dos estudiosos, nesse período o número das vítimas nesses paí- batalha: nos
por ter sido revelada só a partir da abertura ses não esteja abaixo dos dez milhões de pes- protestos contra
temporária dos Arquivos de Moscou). Se a soas. É só quando projetados sobre esse fundo os EUA e Israel
orientação geral é inverter as proporções recí- vazio que episódios inócuos como as humilha- na Indonésia
procas do esforço bélico e da manipulação in- ções ocasionais e incruentas sofridas por terro- (foto), ou no
formática que o transmuta em resultados polí- ristas em Abu-Ghraib ou Guantánamo podem Líbano, acertado
ticos, os militares e terroristas é que se tornam despertar atenção. É só nesse quadro totalmen- pelas bombas?
força auxiliar, enquanto o papel principal in- te deformado que centenas de mísseis lançados
cumbe aos manipuladores da opinião pública. diariamente contra Israel podem parecer me-
Uma vez que você percebeu isso, sabe que é nos chocantes do que a tardia reação israelense.
uma ingenuidade suicida continuar interpre- É só nesse mundo de fantasia que o simples pe-
tando a situação como se os únicos agentes re- dido de uma congressista da Flórida para que o
volucionários que importam fossem os terro- governo americano estude a possibilidade de
ristas e os militantes mais descarados a serviço alguma ação militar na Tríplice Fronteira pode
de organizações subversivas e como se os for- parecer uma intervenção estrangeira mais pe-
madores de opinião fossem apenas cidadãos rigosa, e mais insultuosa à dignidade nacional,
inofensivos exercendo candidamente o seu di- do que a movimentação efetiva e constante, na-
reito à liberdade de expressão. Ao contrário: quela área, de bandos de terroristas armados
jornais, rádios, noticiários de TV, aulas, livros, atuando em parceria estreita com quadrilhas de
espetáculos de teatro são hoje as principais ar- narcotraficantes, sob os olhos complacentes
mas de guerra, sua função essencial ou única é das nossas autoridades federais. É só no reino
serem armas de guerra, e por isso mesmo o con- da mentira total que a presença amazônica de
trole planejado do noticiário deixou de ser uma agentes do Conselho Mundial das Igrejas, um
exceção para se tornar a regra. Um dos sinais órgão acentuadamente pró-comunista e anti-
mais alarmantes dessa mudança é o fato de que americano, pode ser vendida ao público como
a exclusão de notícias indesejáveis, um recurso prova de intervenção imperialista ianque. Não,
extremo antes usado com parcimônia até por já não se trata de censurar esta ou aquela notícia,
censores oficiais, se tornou procedimento nor- mas de modificar radicalmente a estrutura e as
mal e rotineiro da maioria dos órgãos da cha- proporções do panorama inteiro. Já não se trata
mada "grande mídia" (no Brasil, em todos eles, de enganar o público quanto a um ou outro epi-
sem exceção). A supressão é tão vasta e tão sis- sódio em particular, mas de modificar sua per-
temática que continentes inteiros da realidade cepção integral da realidade.
contemporânea se tornaram invisíveis para o Por isso é que a "guerra assimétrica", tão cons-
público. Notícias sobre torturas e assassinatos tantemente presente no mundo dos fatos, raras
políticos em Cuba, na China, no Vietnã ou na vezes ou nunca dá o ar da sua graça no universo Diário do Comércio
Coréia do Norte, por exemplo, desapareceram de discurso da mídia brasileira. É que aí não se 24/07/2006
por completo há mais de vinte anos, embora trata de falar da assimetria, mas sim de criá-la.

MuNDOreAL 81
Raça de víboras. Ou: o Ma
N
inguém deve regozijar-se com a desgraça sal do movimento revolucionário desde muitos sécu-
alheia, mas mostrar ao dr. Emir Sader que ele los. Apenas, de Diderot e Hegel até Jacques Derrida, o
não está acima das leis era uma questão de sa- procedimento geral era encobri-la sob alguma apa-
neamento básico. Apenas não concordo com rência requintada de coerência e sensatez, induzindo
a Justiça catarinense ao desprovê-lo de suas os leitores a engolir a enormidade sem percebê-la. Foi
funções oficiais na USP. Onde mais haveria lugar para apenas no Brasil dos últimos anos que, reduzida a na-
um tipo como ele? Nas ruas, ele espalhará a mentira e da a capacidade literária por excesso de indulgência
a loucura entre a população. Na cadeia, corromperá os no vício do jargão partidário, e devidamente rebaixa-
presidiários. Só na Cidade Universitária do Butantã é do o QI do público em iguais proporções, a inversão
que ele pode estar entre seus iguais ou piores, sem começou a se exibir em estado puro, pelada, nuinha,
chance de fazer o mal a quem não o mereça. Prova dis- sem pejo, com toda a sua mecanicidade bárbara e o
so é a solidariedade que seus pares acabam de lhe hi- orgulho obsceno da estupidez triunfante. A esquer-
potecar em mais um "Manifesto de Intelectuais", o úni- da inteira, em suma, começou a escrever, falar e pen-
co gênero em que a produção literária nacional tem al- sar como o marquês de Sader.
cançado algum destaque no mundo. A prova disso, como eu ia dizendo, era o manifesto
Sabemos como tudo começou. Tendo o senador Jor- em favor do referido. Assinado por pessoas que se
ge Bornhausen dito que o voto era a maneira natural imaginam ilustres e são mantidas nessa crença pelos
de expelir da vida pública a "raça petista", o dr. Sader, agradinhos mútuos e intenso troca-troca de subsídios
fazendo-se de criancinha e fingindo ignorar a acepção oficiais sob os pretextos mais variados, essa peça lite-
do termo "raça" como coletivo usado para designar pe- rária copia tão exatamente o modus argüendi do refe-
jorativamente ou laudatoriamente qualquer grupo de rido, que parece ter sido escrita por ele em pessoa.
pessoas sem o menor parentesco genético (como no Não digo isso pela pletora de solecismos, já de-
xingamento "raça ruim" ou no título do famoso poema monstrada no estilo do dr. Sader pela Profa. Norma
de Cassiano Ricardo), acusou o senador de racista e na- Braga (http://normabraga.blogspot.com/2006_
zista. Sendo o racismo delito inafiançável, a imputação 06_01_normabraga_archive.html) e agora meticulo-
de crime, forçada até o extremo limite do ridículo, era samente confirmada pelo Reinaldo Azevedo no texto
ela própria crime doloso, e tinha de render a seu autor do documento coletivo (v. as mensagens "Nos Emira-
o prêmio judicial merecido. dos Sáderes", "A palavra 'escorchante' e ProUni para
Talvez se pudesse alegar em favor do réu o fato de Sader", "Intelectuais, relembrem o texto de Sader" e
que essa micagem semântica, por boboca que seja, é "Luminares das letras em manifesto solecista pró-Sa-
o único procedimento retórico que ele conhece, sen- der" no seu blog http://veja.abril.com.br/blogs/rei-
do possível reduzir a ela, por análise estilística, ab- naldo). Se é verdade que o estilo é o homem, o estilo do
solutamente todos os argumentos que ele apresenta manifesto é "usômi".
na sua coluna internética "O Mundo às Avessas", na Mas o analfabetismo endêmico da classe dita in-
qual, como já se vê pelo título, a verdade pode em telectual neste país já é fato notório no qual não pre-
geral ser obtida mediante simples inversão das as- tendo insistir. O caracteristicamente sadérico no
sertivas do autor. Se, portanto, ele acusou o senador manifesto é mesmo o seu conteúdo.
de racista, foi precisamente por saber que ele não era A inversão já começa quando os signatários acu-
racista de maneira alguma. No início, o colunista sam a sentença condenatória de ser um atentado con-
pode ter feito essas coisas com a satisfação sádica da tra a liberdade de expressão. A demissão de Boris Ca-
Diário do Comércio calúnia consciente, mas, com o tempo, parece que o soy, a supressão de meus artigos no Jornal da Tarde,
06/11/2006 hábito se incorporou de tal modo à sua pessoa que no Globo, na revista Época e na Zero Hora, as ameaças
acabou por se tornar um cacoete, um reflexo instin- judiciais do deputado Greenhalgh ao jornal eletrôni-
tivo e, por fim, uma cosmovisão e um estilo de vida: co Mídia Sem Máscara, as agressões a repórteres, a
o mero sadismo transfigurou-se em saderismo. pressão policial contra a Folha de São Paulo e sessenta
Mas eu seria injusto se visse nisso uma idiossincra- e três processos movidos contra Diogo Mainardi por
sia pessoal saderiana. "Inversão" é a premissa univer- ter dito verdades óbvias e arquiprovadas não aten-

Ilustração: Céllus

82 MuNDOreAL
rquês de Sader na prisão
tam de maneira alguma contra a liberdade de expres- fronto com o dr. Sader, mas tem direito ainda a repa-
são, mas proibir que o dr. Sader atribua crimes a quem rações, por danos morais, da parte de uma infinidade
não os cometeu, ah!, isto sim atenta, isto sim agride, de estrelas e estrelos do elenco internacional e local do
isto sim fere a consciência libertária de Flávio Aguiar, ativismo esquerdista, a começar pela Agência Carta
Antônio Cândido e similares. Maior, que publicou originariamente a patifaria sa-
Mas o inversionismo em todo o seu esplendor apa- deriana no site http://cartamaior.uol.com.br/tem-
rece é na comparação entre esse documento e o seu an- plates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=2171. Creio
tecedente internacional. Em janeiro, tão logo anuncia- mesmo que o senador tem a obrigação de lhes mover
do o processo aberto contra o dr. Sader, uma vasta pa- o devido processo cível, ferindo-os no único ponto
tota global constituída de Eduardo Galeano (escritor sensível das suas consciências - o bolso - e ajudando o
uruguaio), Anibal Quijano (sociólogo peruano), Igna- país a livrar-se dessa raça.
cio Ramonet (Le Monde Diplomatique), Samir Amin Qual raça, exatamente?
(Fórum Mundial das Alternativas), Walden Bello (Fo- Em janeiro, o dr. Plínio de Arruda Sampaio, elegan-
cus on the Global South) e outros tantos já tomou par- te esquerdista quatrocentão e um dos mais assanha-
tido do acusado e, sem ter a menor idéia do uso do ter- dos partidários do dr. Sader, chegou a tentar justificar o
mo "raça" em português, endossou a acusação ao se- truque semântico pueril concebido contra o senador
nador Bornhausen, tachando-o de "fascista e racista". Bornhausen, proclamando que "não se pode aceitar o
O manifesto de agora, assinado por brasileiros uso do termo 'raça' para referir-se a uma parte da po-
que ao menos teoricamente falam a língua do sena- pulação". Esse critério lingüístico, se adotado oficial-
dor, esperneia em todas as direções na defesa do dr. mente, obrigaria as autoridades a recolher como pro-
Sader, mas abstém-se meticulosamente de subscre- paganda racista todos os exemplares do Evange-
ver aquela acusação e até mesmo de transcrevê-la. lho, onde Jesus constantemente se refere a
Por que? Se a sentença judicial contra as palavras do uma parte da população como
dr. Sader é injusta, elas são obviamente justas. Por "raça de víboras". Mas, assim
que defender o denunciante ocultando ao mesmo como o termo "raça petista"
tempo o conteúdo da denúncia? não ofende a nenhuma
A resposta é óbvia: por mais amigos que fossem do raça biológica, e sim
dr. Sader, os autores do manifesto não quiseram ser somente à raça po-
seus cúmplices retroativos, sujeitando-se eles próprios lítica petista, a ex-
à penalidade que o atingiu. Confessam, portanto, que pressão de Jesus
ele é culpado, no instante mesmo em que o proclamam não soa ofensiva e
inocente, e tiram o corpo fora da encrenca no ato mes- inaceitável senão às
mo de fingir que entram nela corajosamente em defesa próprias víboras.
do condenado. É mesmo "o mundo às avessas". Eis a resposta à
Que tenham assim procedido por desatenção e minha pergun-
inocentemente, é hipótese que se exclui desde logo ta. É a essa raça Link
pelo fato de que alguns deles, a começar pelo pró- que pertencem *http://normabraga.
prio Flávio Aguiar, já tinham assinado antes o ma- o marquês de blogspot.com/2006_06_01_
nifesto de janeiro, no qual se fizeram cúmplices do Sader e todo o normabraga_archive.html
crime cometido pelo dr. Sader, tentando agora apa- cortejo dos seus
**http://veja.abril.com.br/
gar as pistas da sua participação no episódio, fazen- ad mir ad ore s.
blogs/reinaldo
do-se de advogados neutros para camuflar sua con- Por isso o lugar
dição de co-autores do delito. mais apropriado ***http://cartamaior.uol.
Esforço inútil. Está tudo bem documentado, e, se para eles é na USP, com.br/templates/
faltassem provas patentes da má-fé dos "intelectuais no bairro do Butantã, colunaMostrar.cfm?
de esquerda" em geral, essa já diria tudo. O senador ao lado de um serpentá- coluna_id=2171
Bornhausen não apenas obteve justiça no seu con- rio e dentro de outro.

MuNDOreAL 83
Mais um
advogado
do marquês
Marlene Bergamo/Folha Imagem

Professor Emir
Sader, punido
pela Justiça ao
acusar o senador
Jorge Bornhau-
sen (PFL-SC) de
racista e nazista

O
marquês de Sader tem um blog em cuja se-
ção de comentários publica democratica-
mente todos os elogios que recebe. No últi-
mo dia 18, logo de manhãzinha, postei lá a
seguinte mensagem:
"Desculpe-me por imiscuir a minha nefanda pes-
soa em ambiente tão seleto, mas tenho duas pergun-
tinhas: (1) Você imputou ou não ao senador Bornhau-
sen a prática de crime inafiançável? (2) Imputação de
crime é mera opinião ou é denúncia de um fato? Peço
que você responda com a brevidade direta que as per-
guntas exigem."
Até o momento, a mensagem não foi respondida,
aliás nem publicada. Claro: o marquês não é besta de
querer que o núcleo mesmo da questão que o envolve
venha à luz, quando há tantos subterfúgios interessan-
tes para alimentar uma desconversa sem fim.
Mas a prova de que minhas perguntinhas eram
decisivas vêm dos próprios argumentos da sua de-
fesa que, descontados os floreios ideológicos e as la-

84 MuNDOreAL
crimejações publicitárias, são dois: por vontade própria. Deste modo, ao atribuir
1) O marquês está sendo punido por um de- ao senador um hábito, o promotor não ape-
lito de opinião. nas se absteve de provar a reiteração de atos
2) O senador Bornhausen é racista mesmo, necessária para configurar um hábito, mas se
portanto a acusação que o marquês lhe lançou absteve de provar até mesmo um único ato,
traduz uma verdade de fato. solitário e isolado que fosse. Está claro, por-
Como esses argumentos se contradizem tanto, que o único motivo que ele pode ter ti-
um ao outro, julguei-me no dever de pedir ao do para atribuir ao senador o uso habitual do
marquês que esclarecesse a dúvida em torno conceito de raça é seu desejo de carimbar o se-
da qual gira toda controvérsia judicial possí- nador como racista sem ter de afirmar expli-
vel quanto à sua culpa ou inocência. Mas para citamente que ele é racista. Aí fica difícil dis-
que esclarecê-la, quando é muito mais lindo jo- tinguir se o promotor é advogado do mar-
gar tinta na água para que ninguém enxergue quês ou se é o próprio marquês.
nada com clareza? Diz ainda o referido que os demais insultos
O promotor Renato Eugênio de Freitas Pe- lançados contra o senador, como "repulsivo,
res, no recurso que apresentou contra a senten- fascista, mente suja, abjeto, mesquinho, des-
ça do juiz Rodrigo César Muller Valente, faz is- prezível" - ele omitiu gentilmente "assassino
so com a potência de um exército de polvos, de trabalhadores" - são apenas expressões de
compondo uma petição-camuflagem onde "um debate acalorado", não cabendo pois ação
não se encontra uma só afirmação unívoca en- judicial para puni-los.
tre batalhões de indiretas capciosas. Diante do exposto, e data vênia de S. Exa.,
Ele argumenta, por exemplo, que jamais viu deixo aqui registrada a minha acaloradíssima
uma condenação por crime contra a honra - opinião de que o promotor Renato Eugênio de
mas não esclarece se com isso quer dizer que Freitas Peres é um chicaneiro, malicioso, men-
foi inépcia judicial, que esses crimes não exis- tiroso, trapaceiro na argumentação e fofoquei-
tem ou que eles não devem ser punidos. ro de cortiço na escala de valores morais, além
Ele alega também que juízes não lêem peti- de jumento em sentido arquifigurado, que em
ções, mas não esclarece se está se referindo ao nada depõe contra a espécie jumenta.
juiz que condenou o marquês, ao juiz que vai Quanto ao marquês, professor universitá-
julgar o seu recurso ou aos juízes em geral. rio que escreve "Getulho" e "opróbio" e usa da
Também não diz se espera que a sua petição solidariedade ideológica como gazua para ti-
desfrute da atenção legente que os juízes sone- rar vantagem ilícita de seus companheiros, o
gam às demais ou se aposta na sorte de que ela gajo é tão ruim que não pode ser qualificado. Já
seja deferida sem leitura. o xinguei de tudo quanto é nome, e sinto que
Não querendo insistir abertamente na ale- ainda não consegui expressar a quintessência
gação de que Bornhausen é mesmo racista, da sua personalidade excrementícia. Ele é
mas não querendo prescindir dela por com- uma espécie de cocô metafísico, transcenden-
pleto, ele transmuta-a de afirmação explícita tal, inefável e inexprimível. Nem todos os de-
em sugestão indireta, alegando que o sena- mônios do inferno defecando juntos pode-
dor "efetivamente tem o hábito de utilizar o riam produzi-lo. Talvez só ele próprio, em ago-
conceito de raça". A ambigüidade é aí levada nias intestinais dantescas, conseguisse se ge-
ao extremo do confusionismo, pois, de um la- r a r a s i m e s m o p o r p ro p u l s ã o g a s o s a ,
do, o promotor não cita um único exemplo ex- invertendo-se todo na saída do jato pelo orifí-
tra de utilização da palavra "raça" pelo sena- cio anal e, com as tripas no lugar do cérebro,
dor, donde se conclui que ato habitual, para S. julgasse por isso ver o mundo às avessas.
Exa., é o ato praticado uma vez só. De outro Opinião por opinião, deixo também regis-
lado, faz de conta que não sabe que utilizar trada aqui a minha sobre o tal de minhocarta.
uma palavra em sentido impróprio ou figu- Se ele dissesse ou publicasse de um filho meu
rado é precisamente o contrário de usar o con- o que publicou e disse do filho do Diogo Mai-
ceito correspondente. Chamar de jumento nardi, eu só não quebraria a cabeça do desgra-
um animal que caiba na classe dos jumentos é çado a pauladas caso não conseguisse distin-
usar o conceito de jumento. Chamar de ju- gui-la do rabo. Neste último caso, que pelo
mento o marquês de Sader ou o promotor que li da sua autoria é o mais provável, meter-
Freitas é usar a palavra totalmente fora do lhe-ia um rojão aceso com o cano para dentro
conceito que ela nomeia, pois nada, na defi- e daria o problema por resolvido sem maiores Diário do Comércio
nição de jumento, admite a inclusão de ani- discussões. Mesmo no auge da fúria, sou um 23/11/2006
mais de outra espécie que só se jumentalizam sujeito educadíssimo.

MuNDOreAL 85
A
maioria dos cientistas sociais não se de-
dica a outra coisa senão a explicar os
acontecimentos como efeitos de "cau-
sas" impessoais e anônimas, como por
exemplo a "luta de classes" (com todas
as variações aí introduzidas pela moda e pelas
conveniências táticas), escamoteando a ação
concreta dos indivíduos e grupos que dirigem o
processo. Tudo aí parece derivar de estruturas,
de leis, de estatísticas, reduzindo-se os agentes
reais a meros instrumentos, quase sempre in-
conscientes, de forças coletivas que os transcen-
dem imensuravelmente. A principal utilidade
dessa construção fantasiosa é encobrir sob um
manto de invisibilidade a força dos próprios
cientistas sociais enquanto "agentes de trans-
formação", bem como a dos grupos e entidades
que lhes dão sustentação editorial e financeira.
Os exemplos sucedem-se a cada semana,
Experimento sociológico

mas tornam-se mais enfáticos nos momentos


de confusão e pânico, quando essas criaturas
das trevas emergem de seus sepulcros acadê-
micos para vir explicar ao mundo que não há
nada de novo sob o Sol, que está tudo sob o con-
trole infalível da ciência que professam. Assim,
diante do estado insurrecional triunfante pro-
duzido em São Paulo por uma iniciativa estra-
tégica bem articulada entre o governo brasileiro
e três organizações milionárias, PCC, MST e
FARC, o sociólogo francês Loïc Wacquant, pro-
fessor da Universidade da Califórnia em Berke-
ley, foi convocado às pressas pela Folha de S.
Paulo do dia 15 para acusar os culpados de sem-
pre e ajudar as vítimas a não enxergar os agen-
tes efetivos por trás do processo.
A principal glória curricular do prof. Wac-
quant é ser autor de dois livros que explicam a L.C. Leite/Folha Imagem

criminalidade como efeito da guerra dos ricos


contra os pobrezinhos e ter recebido, em fun- absoluta a um padrão de vida que, na Índia, seria
ção de suas obras, um prêmio da paupérrima considerado de classe média, como por exemplo
John D. & Catherine T. MacArthur Founda- as favelas cariocas. Omitida a comparação, po-
tion, badalado como "o prêmio dos gênios". rém, restam dentro de cada área isolada sinais
Felizmente, a ciência social às vezes nos for- aparentes em quantidade bastante para manter
nece o antídoto à sua própria vigarice. No caso, o viva a impressão de que o crime é efeito da mi-
antídoto é o "experimento imaginário" sugerido séria. Acoplada a outro topos da retórica esquer-
por Max Weber para comparar a importância re- dista, o de que a miséria é causada pelo imperia-
lativa de vários fatores causais numa dada situa- lismo americano, essa crença tem por efeito des-
ção. Trata-se de fazer abstração mental de deter- pertar o ódio aos EUA e fomentar esperanças
minado fator e averiguar se, sem ele, os aconte- messiânicas numa nova ordem internacional
cimentos teriam sido possíveis. Suponhamos a paradisíaca, a ser instaurada sob os auspícios da
miséria e a desigualdade. Elas estão presentes ONU, da China e da Rússia. Para a realização
por igual em sociedades assoladas pela violência desse objetivo trabalham incansavelmente vá-
criminosa e entre povos mais pacíficos como os rias fundações bilionárias, entre as quais Rocke-
indianos e os romenos. Mutatis mutandis, a cri- feller, Carnegie, Soros e, é claro, MacArthur. Seus
minalidade no Brasil não se expandiu nas áreas esforços nesse sentido já foram bem documen-
mais pobres, mas justamente naquelas que, ao tados meio século atrás por uma comissão do
longo das últimas décadas, passaram da miséria Congresso americano (v. René A. Wormser,

86 MuNDOreAL
Na escala
individual,
a pobreza só pode
ser justificação
direta e
determinante do
crime em
exemplos
excepcionais e
raros

Foundations: Their Power and Influence, New mente que a esquerda revolucionária do Ter-
York, Devin-Adair, 1958) e desde então não fize- ceiro Mundo não teria podido continuar a
ram senão multiplicar-se em abrangência e existir e prosperar depois da queda da URSS e,
quantidade de recursos, incluindo dotações de portanto, a utilização do crime como instru-
dinheiro do próprio governo de Washington, mento da subversão organizada, que é o seu
que essas entidades sugam e utilizam para seus principal modus operandi na última década,
próprios fins (de modo que esse governo acaba se tornaria inviável.
aparecendo como o culpado do que fazem con- O banditismo, assim, cresceu junto com o
tra ele). Premiar uns quantos "gênios" que aju- prestígio oficial da tese mesma que o explica
dem a revestir de honorabilidade científica a tra- pela luta de classes. Alegando razões funda-
paça essencial em que se assenta a operação é a das nessa teoria, o prof. Wacquant prevê um
parte menos dispendiosa do orçamento. O gros- aumento da violência no Brasil. Mas essas ra-
so do dinheiro vai para fomentar diretamente zões são desnecessárias. A violência crescerá
movimentos subversivos e organizações pró- junto com o número de idiotas que acreditam
terroristas (v. a estrutura da rede em www.dis- no prof. Wacquant.
coverthenetwork.com).
Se, de acordo com o experimento weberia- Se os praticantes da ciência wacquântica fos-
no, abstrairmos do quadro presente a atuação sem sérios, estudariam um pouco de lógica da
dessas fundações, o resultado será simples- investigação científica e saberiam que nenhuma

MuNDOreAL 87
correlação causal (entre pobreza e crime ou en- os meliantes o dos cientistas sociais (do sr. Mar-
tre qualquer coisa e qualquer outra) pode ser ge- cola nem preciso dizer nada, já que ele próprio é
neralizada para um grupo abrangente de casos meio cientista social). Quando, do alto das cáte-
sem que esteja muito bem provada ao menos em dras, esses senhores pregam a doutrina de que a
alguns deles individualmente. Ora, na escala in- pobreza produz o crime, não estão cometendo
dividual a pobreza só pode ser justificação dire- um inocente erro de diagnóstico. Estão ocultan-
ta e determinante do crime em exemplos excep- do, com maior ou menor consciência, a colabo-
cionais e raros - tão excepcionais e raros, na ver- ração ativa que eles próprios, por meio dessa
dade, que em todo país civilizado a lei os isenta mesma doutrina, dão ao crescimento irrefreado
da qualificação mesma de crimes. São os cha- da criminalidade. E, quando são premiados por
mados "crimes famélicos" - o desnutrido que uma organização ostensivamente interessada
rouba um frango, ou o pai sem tostão que furta em disseminar a subversão, como é o caso no-
um remédio para dar ao filho doente. Em todos tório da Fundação MacArthur, eu seria o último
os demais casos, a pobreza, se está presente, é a negar que mereceram o prêmio.
um elemento motivacional que, para produzir o
crime, tem de se combinar com uma multidão Se, deixando de lado as generalizações eté-
de outros, de ordem cultural e psicológica, entre reas, nos atemos à seqüência real dos fatos, a
os quais, é claro, a persuasão pessoal de que de- ordem temporal de produção dos aconteci-
linqüir é a coisa mais vantajosa a fazer nas cir- mentos da semana passada aparece com o se-
cunstâncias dadas. Quando o hábito da delin- guinte desenho:
qüência se espalha rapidamente numa ampla
faixa populacional, é claro que, antes dele, essa
persuasão se tornou crença geral nesse meio, re-
forçando-se à medida que as vantagens espera-
1º Desde a década de 30, atendendo a uma or-
dem de Stalin, a intelectualidade esquer-
dista mundial, onde há mais cientistas sociais
das eram confirmadas pela experiência e pelo per capita do que lobos numa alcatéia, se dedi-
falatório. Ora, é de conhecimento público que, cou ativamente a infundir em todas as patolo-
entre a mesma população pobre, por exemplo gias sociais, como o crime e o racismo, a subs-
das favelas cariocas ou da periferia paulistana, tância universalmente explicativa da luta de
duas crenças opostas se disseminaram concor- classes. O esforço dos teóricos foi aí secundado
A rentemente nas últimas três décadas: de um la- por uma multidão inumerável de romances, fil-
correlação do, o apelo do crime; de outro, a fé evangélica. mes, peças de teatro e canções populares que fa-
Numa população uniformemente pobre, o nú- ziam a idéia penetrar profundamente no ima-
entre pobreza e
mero de evangélicos praticantes que delinqüem ginário popular ao ponto de se tornar um dog-
crime é uma é irrisório. Basta esse fato para provar que a cor- ma inabalável. Nos países do Terceiro Mundo,
fraude, um relação entre pobreza e crime é uma fraude, um justamente graças à profusão de patologias so-
sofisma estatístico sofisma estatístico da espécie mais intoleravel- ciais existentes, essa doutrina se impregnou
da espécie mais mente suína que se pode imaginar. Nenhuma com aderência maior ainda, tornando-se o tema
intoleravelmente ação humana é determinada diretamente pela dominante, se não único, de várias culturas na-
situação econômica, mas pela interpretação que cionais, entre as quais a brasileira (dediquei a
suína que se pode
o agente faz dela, interpretação que depende de esse tema uma série de artigos publicados em
imaginar crenças e valores. Estes, por sua vez, vêm da cul- 1994 sob o título "Bandidos e letrados").
tura em torno, cujos agentes criadores perten-
cem maciçamente à camada letrada, como por
exemplo os bispos evangélicos e os cientistas so-
ciais. Os bispos ensinam que, mesmo para o po-
2º Quando o ambiente cultural estava sufi-
cientemente preparado, a transformação
do banditismo em instrumento da luta de clas-
bre, o crime é um pecado. Os cientistas sociais, ses revolucionária passou da teoria à prática.
que os criminosos, agindo em razão da pobreza, No Brasil, especialmente, o empenho organi-
são sempre menos condenáveis do que os ricos e zado dos militantes de esquerda para arregi-
capitalistas que (também por uma correlação mentar a serviço da subversão as gangues de
geral mágica) criaram a pobreza e são por isso os delinqüentes já é um fato abundantemente do-
verdadeiros culpados de todos os crimes. Essas cumentado desde a década de 60. Da esquerda
duas crenças disputam a alma da população po- o banditismo absorveu não somente a doutri-
bre. Não é preciso dizer qual delas estimula à vi- na e o discurso, mas também as técnicas de
da honesta, qual à prática do crime. Nos bairros guerrilha urbana que empregou, por exemplo,
mais miseráveis e desassistidos, qualquer um no movimento insurrecional da semana pas-
pode fazer esta observação direta e simples: as sada. O contato entre as gangues e os grupos
pessoas de bem repetem o discurso dos bispos, terroristas intensificou-se ao ponto de tornar-

88 MuNDOreAL
se institucional. A presença de técnicos das dispender do próprio bolso para garantir-se em
FARC e das organizações terroristas islâmicas situações de risco de vida. Ao ver-se acossados,
em vários grupos criminosos do Brasil já se Comerciantes nas ruas, nos batalhões e nos postos, por inimi-
tornou tão freqüente que não suscita mais ne- de armas gos decididos a tudo e incomparavelmente mais
nhuma reação de escândalo. Acostumamo- armados e municiados, os policiais paulistas, na-
relatam que viram
nos a isso como a um dado da natureza. turalmente, correram às lojas de armamentos
policiais saírem de para trocar o leite das crianças por meios elemen-
suas lojas
3º Quando a esquerda latino-americana, em
1990, passou por um formidável upgrade
com a fundação do Foro de São Paulo, as orga-
chorando,
conscientes de que
tares de defesa. Com enorme surpresa, descobri-
ram que um determinado item da lei do desar-
mamento, que até então jazia inerte num papel,
nizações de narcotraficantes, seqüestradores e estavam tinha acabado de entrar em vigor: não podiam
assaltantes acompanharam-na na sua ascen- condenados à comprar munição nenhuma sem autorização es-
são social, assentando-se ao lado de partidos crita da Polícia Federal. Comerciantes de armas
legais como o PT e o PC do B nas assembléias
morte sem relatam que viram policiais saírem de suas lojas
do Foro, coordenação estratégica do movi- apelação. chorando, conscientes de que estavam condena-
mento comunista latino-americano. Desde en- dos à morte sem apelação. Se me disserem que o
tão, todo empreendimento subversivo de lar- sr. ministro da Justiça ignorava essa armadilha,
ga escala, no continente, é realizado sob a su- responderei então que ele é o mais estúpido in-
pervisão ao menos indireta do Foro de São competente que já passou pelo seu cargo, já que a
Paulo. Não há mais iniciativas isoladas: o ban- entidade encarregada de fornecer as autoriza-
ditismo avulso vai sendo sepultado na memó- ções repentinamente exigidas e faltantes está sob
ria coletiva como um resíduo de eras extintas. o seu comando direto. Mas somente um país
Por toda a parte o que se vê é integração, co- muito louco, muito alienado, mantém nesse car-
nexão, unidade ideológica e estratégica. go, numa hora dessas, o advogado pessoal do
próprio chefe da inssurreição. Como defensor de

4º Como fundador e principal líder do Foro


de São Paulo, o sr. Luiz Inácio Lula da Sil-
va sempre esteve muito bem informado do
Marcola, o sr. Márcio Thomaz Bastos tem confia-
bilidade zero até mesmo para dar uma opinião
imparcial quanto aos acontecimentos da sema-
grau de organização que seus colegas de mili- na passada, quanto mais para reter em suas
tância haviam conseguido transmitir aos gru- mãos, com avareza assassina, os meios de defesa
pos de delinqüentes, nas cadeias ou fora delas. que teriam podido salvar centenas de pessoas.
Mais informado ainda encontrava-se esse ci-
dadão pelo fato de ser presidente da Repúbli-
ca, tendo sob seu serviço direto os órgãos de in-
teligência e a Polícia Federal, além, é claro, da
7º Aqueles que acima da suspeita racional
coloquem a crença dogmática na idonei-
dade do governo petista podem apostar numa
figura insubstituível do seu ministro da Justi- conjunção fortuita de fatores, na santa e pura
ça, cuja convivência íntima com os líderes coincidência. Eu é que não.
maiores do banditismo nacional tem represen-
tado, para ele, mais que um estilo de vida, um P.S.- A situação de total desamparo em que o
meio de próspera subsistência. governo brasileiro deixa os policiais, entregan-
do-os à mercê dos criminosos, já é um fato ofi-

5º Em vista disso, é absolutamente impossí-


vel que essas duas excelências ignoras-
sem a preparação do mais vasto movimento
cialmente reconhecido pela justiça norte-ame-
ricana. No fim de abril, um tribunal da Flórida
concedeu asilo político a um policial de Minas
insurrecional já planejado neste país no último Gerais por reconhecer que, após matar em tiro-
meio século, e que, portanto, fosse com cândi- teio um importante líder do narcotráfico local, o
da inocência e desconhecimento das conse- infeliz estava tão desguarnecido quanto um pa-
qüências que ambas vissem entrar em ação o to de plástico num estande de tiro. Voltarei ao
indulto que colocou na rua, livres, armados e assunto num próximo artigo. Como a promo-
bem articulados, doze mil delinqüentes, entre toria abdicou de recorrer da sentença, a decisão
os quais os autores da carnificina. está incorporada à jurisprudência americana e
valerá para os casos subseqüentes. Os policiais

6º Mais impossível ainda é que os excelentís-


simos ignorassem o detalhe mais linda-
mente perverso da situação aí gerada. Todo
brasileiros propositadamente deixados sem
munição na hora do aperto já não podem dizer
que não têm a quem recorrer: esqueçam o sr.
Diário do Comércio
mundo sabe que, neste país, os policiais recebem 22/05/2006 Márcio Thomaz Bastos, peçam socorro à justiça
uma quantidade irrisória de munições, tendo de de um país onde existe justiça.

MuNDOreAL 89
O dever que nos espera
N
os últimos anos chegaram ao a indefinição cuja fecundidade estraté-
meu conhecimento vá- gica e tática aprenderam com An-
rias dúzias de projetos tonio Gramsci.
de Estado democrá- Por isso é que, se me pe-
tico liberal, de dem uma definição de de-
Constituição federalista, mocracia liberal, saco do
de reforma fiscal e judi- meu revólver.
ciária, etc. etc. Por um Não digo isso por
vício herdado da tra- ser um praticista
dição bacharelesca, avesso a teorias.
os brasileiros ado- Adoro teorias, mas
ram as definições não quando se
doutrinais, sobretu- transformam em fe-
do de coisas que não tiches. Teorias só
existem. Liberais e são boas quando se
conservadores não contentam em ser
escapam à regra. expressões provisó-
Quando sonham com rias da realidade
um futuro melhor, bus- apreendida na expe-
cam logo transmutá-lo riência. E, como estudei
num código e recheá-lo de um pouquinho de Hegel,
comentários eruditos, es- sei que, no domínio das coi-
miuçando-lhe as mais delica- sas humanas, o sentido real de
das nuances conceptuais e funda- um conceito não está no signifi-
mentando sua construção ideal em ci- cado nominal da sua expressão ver-
tações de John Locke, Friedrich Hayek, bal: está naquilo que se opõe a ele, não
Hannah Arendt e não sei mais quantos lumi- enquanto idéia, mas enquanto realidade. Pa-
nares do pensamento democrático. ra sabermos o que pode e deve ser a demo-
Tão intensamente se entregam a esses respei- cracia liberal no Brasil, não temos de formu-
táveis afazeres, que se esquecem de pensar em lá-la doutrinalmente, mas de olhar em torno
três detalhes. Primeiro: Como vamos tirar do e entender as causas que levaram ao triunfo
caminho os malditos comunistas que ocupa- do seu oposto. Da própria dialética histórica
ram o espaço inteiro e nos separam do belo ideal que produziu a hegemonia esquerdista é
a que aspiramos? Segundo: Supondo-se que es- que temos de obter o sentido e a direção dos
se obstáculo já tivesse sido removido, para que nossos esforços.
serviria ter uma concepção prontinha do Esta- Essa dialética mostra, desde logo, que a mi-
do democrático, se o próprio exercício da liber- xórdia doutrinal da esquerda foi, de maneira
dade haveria de produzir, na prática diária, so- aparentemente paradoxal, um dos segredos
luções novas e mais apropriadas à situação? Enquanto da sua vitória. Diluindo numa pasta confusa a
Terceiro: Os homens podem matar e morrer por os liberais antiga ideologia monolítica dos partidos co-
um sonho, mas não o farão por um código. Re- munistas, a esquerda continental ampliou for-
e conservadores
duzido à formulação racional de uma proposta midavelmente sua base de apoio e obteve os
jurídica explícita, o ideal já não impele à ação,
brasileiros criam meios de sugar o prestígio dos ideais democrá-
mas à contradição e ao debate. Quanto mais de- doutrinas, os ticos, dos valores morais e até do cristianismo.
talhada a proposta, mais discussão e menos comunistas Esse inimigo informe e onipresente é o avesso
ação. Enquanto os liberais e conservadores bra- dominam o país e daquilo que queremos. Invertê-lo não é fácil,
sileiros criam doutrinas, os comunistas domi- aumentam dia a mas é o único meio de vislumbrar um futuro
nam o país e aumentam dia a dia o seu poder. E democrático para o Brasil. E isso é uma ques-
dia o seu poder
fazem isso sem nenhuma unidade doutrinal, tão de estratégia e tática, não de doutrina.
antes curtindo gostosamente a nebulosidade e Não podemos esquecer, desde logo, que a

90 MuNDOreAL
base da hegemonia comunista neste país foi
construída sobre o prestígio mágico de umas
quantas dezenas de intelectuais de esquerda.
Digo "mágico" porque há algo de feitiçaria no
modo como tantos charlatões semicultos pu-
deram adquirir a autoridade quase sacerdotal
que os transformou em juízes supremos da
moralidade pública. Sem destruir primeiro o
encanto desses ídolos de papier mâché, ne-
nhum futuro terá a democracia liberal no Bra-
sil. Ele foi o cimento psicológico que deu soli-
dez ao edifício do poder petista e tornou pos-
sível que um bando de delinqüentes dominas-
se o país em nome da moral. Mais urgente do
que definir a democracia liberal é destruir um
a um os falsos prestígios que bloqueiam o aces-
so da juventude universitária ao conhecimen-
to dela. Não falo propriamente de "guerra cul-
tural". Guerra cultural é luta de idéias. Des-
mascarar vigaristas é algo ao mesmo tempo
mais simples e mais dificultoso que uma luta
de idéias. Trata-se de contestar, na base, qual-
quer pretensão de autoridade intelectual dos
usurpadores e charlatões que dominaram o
universo cultural brasileiro. Para isso não é
preciso expor as nossas idéias nem discutir as
deles. É preciso apenas demonstrar que não
Veja mais sobre Gramsci em têm idéia nenhuma, apenas "ideologia" no
www.dcomercio.com.br/especiais/digesto/gramsci_esp/08.htm sentido antigo e pejorativo do termo, isto é, um
"vestido de idéias" (Ideenkleid) encobrindo o
desejo de poder e os mais sórdidos interesses
grupais. Desprovida de seus ídolos acadêmi-
cos, a juventude sairá em busca de novos pólos
de orientação. Esse sim será o momento de ex-
por e discutir doutrinas.
O segundo pilar de sustentação da hegemo-
nia esquerdista é o controle da informação. O
povo brasileiro pouco ou nada sabe do Foro de
São Paulo, da estratégia criminosa continen-
tal, dos nexos secretos entre narcotráfico, se-
qüestros, assassinatos, revolução e petróleo,
sem cujo conhecimento é impossível entender
o que se passa hoje. Por exemplo, a recente de-
núncia dos crimes petistas pôde ser facilmente
reaproveitada em prol do mito da superiorida-
de moral esquerdista mediante o artifício de
imputar as culpas a "um grupo", encobrindo a
articulação maior que o colocou no poder e
que, expurgada de dois ou três ladrões de ga-
linha mais notórios, continuará a operar com
redobrado prestígio moral. Estudar, conhecer
e divulgar o alcance e o funcionamento do es-
quema inteiro é muito mais urgente para os li-
berais e conservadores do que definir e expor
suas doutrinas. A difusão de idéias pressupõe
um ambiente de clareza e sinceridade, que não
existe nas presentes condições de ocultação

MuNDOreAL 91
cessamento da cocaína. Os poços brasileiros
A vão servir é para fazer um upgrade na indús-
tria boliviana da morte. Muita gente sabe dis-
mixórdia
so. Mas, se pedimos o apoio de certos donos
doutrinal da do capital financeiro à nossa luta contra o
esquerda foi, de maior crime de que o Brasil foi vítima nas úl-
maneira timas décadas, eles nos respondem que estão
Para aparentemente contentinhos, que nunca ganharam tanto di-
sabermos paradoxal, um nheiro, que o governo Lula tem um sex appeal
o que deve ser a dos segredos da irresistível. Isso é um bando de criminosos
tão abominável quanto a turma do Mensalão.
democracia liberal sua vitória Identificá-los e desmascará-los é uma provi-
no Brasil, não dência sem a qual nenhuma esperança sensa-
temos de formulá- ta se pode depositar na futura democracia li-
la, mas de olhar beral brasileira. É, ademais, tarefa pedagógi-
em torno e ca, que nos esclarecerá, no curso da sua exe-
entender as Sustentá- cução, sobre as estruturas de poder em que se
causas que culos do assenta a pax luliana, o sorridente império do
império do crime mal neste país. É derrubando os obstáculos
levaram ao triunfo que a democracia liberal irá tomando forma
do seu oposto são os apoios que
ante os nossos olhos.
a ignomínia Essas são as três primeiras etapas de uma
esquerdista autodefinição da democracia liberal no Brasil.
conseguiu tecer Definição que não deve surgir de especulações
entre banqueiros, teóricas prévias, mas da própria prática das
empresários, virtudes essenciais do debate democrático:
investidores da transparência, sinceridade e idoneidade. É
preciso por em ação estas armas temíveis. Elas
bolsa e nos ensinarão - a nós e a nossos ouvintes - o que
geral e mentiras cruzadas. É preciso antes lim-
par a atmosfera, diluir a névoa infernal que ce- potentados da é a democracia liberal.
ga e estupidifica a audiência. mídia (...) Cortar as línguas dos falsos profetas, dissi-
O terceiro sustentáculo do império do cri- par a treva que espalharam com suas bocas
me é a rede de apoios que a ignomínia esquer- mentirosas, destruir as muralhas da antide-
dista conseguiu tecer entre banqueiros, em- mocracia que nos oprime - estas são as tarefas
presários, investidores da bolsa e potentados primordiais da intelectualidade conservadora
da mídia, na base de interesses imediatistas e liberal no Brasil. Para exercê-las, não é preci-
em nome dos quais essa gente vende a honra so ter nenhuma definição clara e final da fór-
que nunca teve e a pátria que ainda tem. A ex- mula democrática com que sonhamos. É pre-
tensão dessa rede é quase impossível de cal- ciso apenas ter vivo nos nossos corações o
cular. Um indício eloqüente obtém-se pelas ideal da liberdade e do império das leis. Esse
reações de algumas dessas criaturas ao ato de ideal pode continuar vago e impreciso duran-
guerra empreendido pelo sr. Evo "Imorales" te todo o período inicial da luta, que equivale
contra o patrimônio nacional. Desculpam-no àquilo que os antigos retóricos denominavam
e celebram-no sob os pretextos mais fúteis, a pars destruens, a parte destrutiva do serviço,
postiços e absurdos. Querem até que tenha- o longo e dificultoso "trabalho do negativo",
mos peninha de um "povo sofrido", como se a como o chamava Hegel: os ideais se esclarece-
massa de cocaleros não vivesse, há décadas, rão e se transformarão em fórmulas práticas
de espalhar o vício e a morte entre os jovens no próprio curso do combate.
do continente. Um pai que, na miséria, pros- Raciocinar na pura atmosfera abstrata e ra-
titui suas filhas, merece mais respeito do que refeita das formulações doutrinais é para aca-
aquele que sobrevive de desgraçar os filhos dêmicos e beletristas. Tanto o filósofo genuíno
dos outros. Cocaína é isso, não é outra coisa. quanto o líder político sério raciocinam, isto
Evo "Imorales" é isso, não é outra coisa. A eco- sim, desde dentro do próprio fluxo da realida-
nomia boliviana é isso, não é outra coisa. E se de, agindo e experimentando, aprendendo
precisam tanto de petróleo, não é para encher Diário do Comércio com a experiência e fazendo a cada momento
o tanque dos carros que não têm: é porque daí 15/05/2006 os ajustes necessários a manter a intuição clara
sai o único solvente apropriado para o pro- do rumo das coisas.

92 MuNDOreAL
A direita
autocastrada
Q
uando me perguntam como quebrar a
hegemonia esquerdista, a primeira
fórmula que me ocorre é a do poeta
austríaco Hugo von Hofmannsthal:
"Nada se torna realidade na política
de um país se antes não está presente, como es-
pírito, na sua literatura." A palavra "literatu-
ra", aí, tem a acepção ampla de cultura supe-
rior escrita. Criem uma cultura superior na
qual predominem os valores liberais e conser-
vadores, e a esquerda não terá mais chance na
política. Este resultado não se seguirá automa-
ticamente, é claro, mas sem essa limpeza pré-
via do terreno mental nenhuma iniciativa po-
lítica poderá prosperar contra o esquerdismo
triunfante e monopolístico.
Entrem numa livraria qualquer e verão nas
prateleiras a demonstração clara do que estou
dizendo: a ascensão do império petista foi pre-
cedida de meio século de ocupação do espaço
cultural. Antes de o Estado ser engolido pelo
PT, impregnaram-se de esquerdismo militan-
te as idéias, os juízos de valor, as palavras, os
sentimentos, até as reações automáticas de
aplauso e rejeição. A esquerda dominou de tal
modo o imaginário nacional que até quem a
detesta não ousa criticá-la senão nos termos
dela, como se fosse possível derrotar politica-
mente o inimigo fortalecendo o controle ideo- tornaram-se dogmas do senso comum. Nessa
lógico que ele exerce sobre a sociedade. Polí- atmosfera, não é de estranhar que os eventuais
ticos tarimbados como os srs. Marco Maciel, opositores do governo já nem mesmo consi-
José Sarney ou Cláudio Lembo mimetizam o gam imaginar o que é uma luta política, mas
discurso politicamente correto, esperando entendam sob esse termo a mera concorrência
atenuar sua imagem de "direitistas" e só con- eleitoral. Essa é a diferença, no Brasil, entre a
seguindo com isso atrair, junto com o ódio esquerda e a "direita": a primeira quer o poder,
usual, uma boa dose de desprezo. a segunda quer apenas mandatos. Mandatos
Essa falsa esperteza, tão mesquinha e pro- conquistam-se nas eleições; a luta pelo poder
vinciana quanto suicida, é o máximo de inte- abrange um território muito mais amplo. Elei-
ligência estratégica que um exame histológico ção não é política, é o resultado de uma política
atento revelará nos cérebros dos políticos "de preexistente que começa no fundo anônimo e
direita" neste país. Com a colaboração presti- obscuro da sociedade, naquela camada quase
mosa e servil dessas criaturas, os critérios e juí- invisível onde a hegemonia cultural se traduz
zos de valor esquerdistas se impregnaram tão como influência sutil exercida sobre as emo-
profundamente na mentalidade das classes ções básicas da população.
falantes que já não são reconhecidos como tais: A esquerda sabe disso, a "direita" não. Os

MuNDOreAL 93
partidos de esquerda marcam que, proclamavam: a esquerda jamais domi-
sua presença numa variedade nará este país.
impressionante de campos da Ainda às vésperas das eleições de 2002, al-
vida social - escolas, sindicatos, gumas dúzias desses sábios, selecionados en-
campanhas humanitárias, clí- tre brasileiros e brazilianists, consultados pe-
nicas de psicoterapia e aconse- lo Los Angeles Times, asseguravam que Lula
lhamento, telas de cinema, ex- não teria mais de trinta por cento dos votos.
posições de arte, novelas, pro- Não entendiam que os resultados das elei-
gramas culturais e educativos ções anteriores refletiam apenas o conserva-
da TV, o diabo. A direita só é vi- dorismo residual da população brasileira, o
sível nos comitês eleitorais, às qual, desprovido de canais de expressão cul-
vésperas da votação. Isso é as- tural e partidária, acabaria por ceder terreno à
sim já faz muitos anos. Quem invasão esquerdista. Tanto mais que esta úl-
quer que tivesse observado es- tima tomava o cuidado de não se apresentar
se fenômeno, como eu obser- ostensivamente como tal, camuflando-se de
vei, teria chegado, como che- "populismo" ideologicamente neutro e ludi-
guei há mais de uma década, à briando até observadores estrangeiros expe-
conclusão de que a total esquer- rientes como os dois Vargas Llosas, Mário e
dização da vida política nacio- Álvaro, pai e filho.
nal era não só previsível como Chamemos de direita, para fins de raciocí-
inevitável a prazo mais ou me- nio, o conjunto heterogêneo e inorganizado
nos curto. Os inumeráveis idio- dos que não querem viver sob o socialismo.
tas - políticos, empresários, in- Eles constituem, segundo uma pesquisa da Fo-
telectuais, oficiais militares - a lha de S. Paulo, 47 por cento da população bra-
quem expus essa conclusão em sileira, face a 30 por cento de esquerdistas pro-
tempo de reverter o processo, e fessos. Os restantes 23 por centro definem-se
que riram dela do alto de sua ig- como centristas, com a ressalva de que aquilo
norância presunçosa, olhavam que imaginam como centrismo inclui o apoio
apenas o panorama eleitoral e, ostensivo a propostas conservadoras em ma-
vendo ali a vitória fácil de um téria de moral e segurança pública. Com ou
Collor, de um Fernando Henri- sem nome, a direita é 70 por cento dos brasilei-
ros. Um programa político ostensivamente
conservador teria portanto sucesso eleitoral
garantido. Mas, como esse programa não exis-
te - e se tentasse existir teria de vencer em pri-
meiro lugar o desafio de criar uma linguagem
própria num panorama semântico já total-
mente impregnado de esquerdismo -, o resul-
A ascensão do tado é que a população conservadora acaba
império petista votando em candidatos de esquerda nos quais
foi precedida de meio não percebe esquerdismo nenhum mas ape-
nas as qualidades externas mais afins à exigên-
século de ocupação do
cia conservadora, a começar, é claro, pela ho-
espaço cultural nestidade e honradez. Mas que honestidade e
honradez pode haver em políticos que passam
o tempo todo tentando parecer o que não são?
E qual político brasileiro, de esquerda ou "di-
reita", se ocupa hoje de alguma coisa que não
Essa é a seja precisamente isso?
diferença, no Assim, toda a política neste país tornou-se
Brasil, entre a um sistema de armadilhas e auto-enganos: o
esquerda e a "direita": eleitorado vota maciçamente em candidatos
que representam o contrário simétrico das
a primeira quer o
suas aspirações, os políticos que poderiam re-
poder, a segunda quer presentar essas aspirações recusam-se obsti-
apenas mandatos nadamente a fazê-lo e se apegam à busca de
uma sobrevivência degradante por meio da

94 MuNDOreAL
parasitagem servil do discurso adversário. É
tudo fingimento, hipocrisia, teatro, camufla- O único
gem, desconversa. Nenhuma discussão obje-
resultado
tiva do que quer que seja é possível nessas con-
dições. Os tais "problemas nacionais" podem
objetivo alcançado
esperar sentados: nenhuma discussão políti- pelas denúncias de
ca, pelos próximos anos, tocará em nada que corrupção no governo
tenha algo a ver com a realidade. Nossa única foi a ascensão da sra.
esperança de um despertar coletivo é o progra- Heloísa Helena nas
ma comunista do Foro de São Paulo alcançar pesquisas
sucesso total e, tranqüilizado pela ausência de
oposições, arrancar finalmente a máscara e di-
zer a que veio. Aí a platéia chocada perceberá
que, por décadas, viveu entre as névoas de
uma fantasia entorpecente. Mas essa tomada
de consciência tardia já não servirá para nada, pressentida. Só reage assim
exceto para produzir lágrimas inúteis em tor- quem está fragilizado demais
no da vida que poderia ter sido e que não foi. para abstrair-se de estados
Entre os homens da "direita", muitos teima- emocionais e concentrar a
ram em recusar os meus diagnósticos, ao lon- atenção na realidade. Os fortes
go dos anos, sob o pretexto de que eu era de- não têm medo de encarar o
masiado pessimista. Nem percebiam o quan- pior: os fracos fogem dele por-
to sua resposta provava o que eu dizia. Pessi- que sua mera visão os esmaga.
mismo e otimismo são atitudes da mente, são Aquelas afetações de otimis-
estados subjetivos. Não têm nada a ver com a mo, fingindo desprezo supe-
situação externa, com a realidade das coisas. rior ante as minhas análises de-
É possível ser pessimista diante de uma situa- primentes, não eram senão sin-
ção objetivamente positiva e otimista quando tomas de debilidade terminal.
tudo está perdido. Quando uma descrição do A liderança "direitista" já não
estado de coisas é rejeitada por ser "pessimis- tinha força nem para admitir
ta", é claro que o ouvinte está respondendo na sua própria fraqueza.
clave dos seus estados emocionais e não no da Um pouco mais adiante, ela
percepção da realidade. Ele não está impug- agravou mais ainda a sua situa-
nando um diagnóstico: está reagindo contra ção, quando, após a revelação
os sentimentos desagradáveis que ele lhe in- dos crimes do PT, perdeu a
funde. É uma mera reação de autodefesa psi- oportunidade de denunciar to-
cológica, uma autovacina contra a depressão da a trama comunista do Foro
de São Paulo e, por covardia e
comodismo, se limitou a críticas
moralistas genéricas e sem con-
teúdo ideológico. Estas podiam
facilmente ser apropriadas pela
esquerda, e de fato o foram. Ra-
pidamente alguns ratos aban-
donaram o navio petista e trata-
ram de tirar proveito do naufrá-
gio, sendo ajudados nisso pela
recusa obstinada da "direita" de
falar de assuntos politicamente
incorretos O único resultado
objetivo alcançado pelas de-
núncias de corrupção no gover-
no foi a ascensão da sra. Heloísa
Helena nas pesquisas eleitorais.
Diário do Comércio Agradeçam esse resultado à au-
28/08/2006 tocastração voluntária da lide-
rança "direitista".

MuNDOreAL 95
Automacumba semântica
A
cabo de ler a entrevista do sr. Rubens Requeijão na re- nir forças num vasto front anti-americano, o termo é perfei-
vista Caros Umbigos, e lá vem de novo esse persona- tamente apropriado.
gem de comédia da Atlântida tentando assustar Só resta perguntar se o objeto assim concebido pode existir
criancinhas com o fantasma do "neoliberalismo" - o efetivamente ou se, ao contrário, o impacto persuasivo da pa-
culpado de todos os males. lavra não reside precisamente no fato de que ela junta numa
Mas é só um exemplo entre infinitos. A facilidade, a desen- síntese ideal elementos que, na realidade, só podem existir co-
voltura, a segurança com que no Brasil se usa esse termo, como mo entidades separadas, heterogêneas ou antagônicas. Um
se designasse uma entidade patente e arquiconhecida, é para breve exame tirará isso a limpo:
mim o sinal mais evidente da psicose nacional, do completo
divórcio brasileiro entre linguagem e realidade.
É deprimente observar como os autoproclamados repre-
sentantes do "pensamento crítico", incapazes da mais elemen-
1
Globalismo não é simples abertura de mercados: é introdução
de regulamentações em escala mundial que transferem a so-
berania das nações para organismos internacionais. Nenhum
tar análise crítica de seu próprio discurso, se deixam hipnoti- apóstolo da economia de mercado é sonso o bastante para não
zar pelas palavras que empregam. Não existe nenhum "pen- perceber, hoje em dia, que a abertura das fronteiras arrisca não
samento crítico" se você continua preso numa malha de com- produzir um paraíso de liberdade econômica, e sim a proliferação
pactados verbais, impotente para descascar suas várias de legislações e controles em escala global - o Leviatã dos leviatãs.
camadas de significado e confrontá-las com os dados de rea- A incompatibilidade lógica traduz-se, no plano da ação política,
lidade que presumidamente elas designam. Só como briga de foice entre os liberais clássicos e os
o que existe, nessas condições, é pensamento planejadores-legisladores econômicos globais.
mágico, é automacumba semântica. Nos EUA, isso é um fato do dia-a-dia. Mas, como
"Neoliberalismo", no vocabulário usual da O termo no Brasil e em outros países da América Latina a
esquerda - que no Brasil de hoje é o da mídia e da “neolibe- mídia intoxicada de lendas esquerdistas jamais
intelectualidade inteiras -, é uma corrente de menciona esse fato, a união harmônica e indisso-
ralismo” foi
opinião que favorece (a) a livre-empresa contra lúvel de liberalismo clássico e globalismo pres-
a intervenção estatal na economia, (b) o globa-
inventado para suposta no conceito de "neoliberalismo" parece
lismo em detrimento dos interesses nacionais e enganar os não só viável como realmente existente. Rarissi-
(c) a moral judaico-cristã tradicional em oposi- nacionalistas, mamente encontrei entre brasileiros um colunis-
ção aos princípios "politicamente corretos", camuflando a ta de mídia, cientista social, empresário, analista
buscando, por esses três meios, (d) ampliar a he- aliança discreta econômico ou estrategista militar que tivesse al-
gemonia norte-americana no mundo em prejuí- guma consciência desse engano monumental.
entre a esquerda
zo dos interesses das nações pobres. Com essas
latino-americana
características, o neoliberalismo aparece como
(e) sinônimo da "direita", dando-se por pressu-
posto que (f) é a ideologia dominante no mundo
e os poderes
globais
2 Um dos temas mais discutidos nos EUA é a
contradição aparentemente insolúvel entre
abertura econômica e segurança nacional. Os
dos negócios e entre os políticos antipetistas e chineses, por exemplo, têm alguma chance de
anti-esquerdistas em geral. vencer a Chevron na concorrência para a com-
Dado o objeto, só resta tomar posição diante pra da Unocal (a nona maior companhia ame-
dele: a primeira coisa que no Brasil se espera de ricana de petróleo), mas, se isso acontecer, as
um político, de um jornalista, de um formador Não existe conseqüências estratégico-militares podem ser
de opinião, é que se defina - ou consinta em ser "pensa- desastrosas. A maior parte dos poços da Uno-
definido pelos outros - a favor ou contra o neo- cal está na Ásia, mais perto da China que dos
mento crítico" se
liberalismo. Tal seria a questão fundamental, o EUA. Se os chineses cumprirem sua ameaça de
supremo divisor de águas que separa não ape-
você está preso invadir Taiwan, a quem a Unocal chinesa vai
nas duas correntes políticas, mas dois sistemas numa malha de fornecer combustível? A eles ou às tropas ame-
de valores, duas concepções da existência. compactados ricanas, comprometidas a defender a ilha custe
A síntese dos elementos designados pela verbais, sem o que custar? E não são só as empresas privadas
junção das camadas de significado forma um confrontá-la com que, na sua ânsia de livremercadismo absoluto,
desenho apto a despertar o ódio dos naciona- colocam o país em risco. O próprio governo
a realidade
listas, terceiromundistas e progressistas em americano, semanas atrás, estava quase fe-
geral. Como slogan político criado para reu- chando um negócio bilionário de venda de rea-

96 MuNDOreAL
Mark Weber/Corbis

tores nucleares à China, quando a Câmara dos Deputados, no miraculoso de gerar a liberdade política. Hoje as conseqüências
último instante, vetou a brincadeira. Afinal, só um doido canta dessa ilusão são tão evidentes que há mesmo quem suspeite
vitória comercial quando consegue bom preço na venda de ar- que ela foi plantada na mente dos investidores americanos com
mas ao inimigo que jurou matá-lo. Diante de fatos dessa enver- o propósito consciente de esvaziar a ideologia capitalista dos
gadura - e eles são milhares -, como acreditar nos tagarelas bra- valores morais e culturais que a sustentam, reduzi-la a um
sileiros quando proclamam que a "idolatria do mercado" é um triunfalismo econômico suicida e usá-la como instrumento de
instrumento do poderio americano? Aqui, quem grita contra liquidação das defesas nacionais americanas. Se essa hipótese
essa idolatria são precisamente os conservadores. Há pelo me- lhes parece demasiado assustadora para ser verdade, lem-
nos dez anos eles estrilam contra a orgia de investimentos na brem-se de que a abertura econômica acoplada à destruição sis-
China, que os economicistas de plantão justificavam sob a des- temática das bases morais do americanismo foi a marca regis-
culpa da liberdade econômica, dotada, segundo eles, do poder trada da era Clinton - e ninguém aqui ignora a intensa troca de

MuNDOreAL 97
favores entre os Clintons e a espionagem chinesa. Como lem- Os debates brasileiros passam
brou o colunista Terence P. Jeffrey no semanário Human Events a anos-luz de distância do cen-
É insano
- de muita influência nos círculos republicanos -, os chineses le- tro dos acontecimentos.
ram Clausewitz e chegaram à conclusão de que comprar certos
associar o
globalismo a
bens de capital é também "fazer política por outros meios", isto
é, guerra por outros meios. 4 Por fim, é absolutamente
falso que a esquerda, no
Brasil ou em qualquer outro
ambição nacional
americana e ao

3 Se identificar o globalismo com a ambição nacional ameri-


cana já é maluquice bastante, ainda mais insano é associá-lo
ao conservadorismo religioso que, nos EUA, vem crescendo
país do continente, oponha al-
guma resistência ao globalis-
mo, exceto o mínimo indispen-
conservadorismo
religioso que
ano após ano. Para o automatismo mental brasileiro, nada sável para fins de camuflagem.
cresce ano após
mais óbvio e autoprobante do que essa associação. O cérebro Nenhuma corrente política ano
nacional acostumou-se a saltar direto das palavras às reações existe para se opor àqueles que
emocionais que elas evocam, sem a menor necesside de refe- a subsidiam. As fontes de di-
rência a alguma realidade do mundo exterior. Assim, a asso- nheiro para a esquerda, tanto na
ciação verbal é infalível: religião = reacionarismo; reacionaris- América Latina quanto nos EUA e na Europa, são hoje bem co-
mo = capitalismo; capitalismo = imperialismo ianque; impe- nhecidas, e elas são precisamente as mesmas que, a pretexto de
rialismo ianque = globalismo; globalismo = neoliberalismo; livre mercado, financiam o estabelecimento da Nova Ordem
logo, a moral religiosa tradicional é um instrumento do neo- Global: as fundações Ford, Rockefeller, MacArthur e sobretudo
liberalismo. Esse método puramente galináceo de raciocínio é a rede tentacular de agentes do multibilionário golpista George
hoje obrigatório em todas as universidades brasileiras, e tama- Soros - eis aí os grandes financiadores e protetores do chavismo,
nha é a sua autoridade que a simples tentação de corrigi-lo já do lulismo, do fidelismo e de todas as demais patologias polí-
desapareceu do fundo das almas. Deve portanto soar como ticas que, numa atmosfera geral de loucuras e mentiras, tem se
um escândalo intolerável a informação que vou dar a seguir: apossado velozmente do poder em várias nações do continente.
todos os conservadores religiosos americanos - cristãos ou ju- A essas fontes capitalistas devem somar-se os agentes políticos
deus - são, em maior ou menor medida, contra o globalismo. E (Partido Democrata, Diálogo Interamericano, os Clintons, os
são contra por um motivo muito simples: o projeto de cultura Kennedys e uma multidão de Carters) que ajudam a drenar para
mundial administrada, que vem junto com a uniformização os mesmos destinatários o dinheiro do governo americano,
econômica do planeta, traz no seu bojo as sementes de uma principalmente as verbas da USAID. O leitor encontrará nos si-
neo-religião híbrida, meio ecológica, meio ocultista, criada em tes www.discoverthenetwork.org e www.activistcash.com um
laboratório por engenheiros comportamentais da ONU (pro- mapeamento bem minucioso da circulação de dinheiro entre os
curem saber quem é Robert Müller), e cuja implantação resul- potentados do globalismo e as organizações que, na América
taria pura e simplesmente na destruição completa do cristia- Latina e em outras partes do Terceiro Mundo, fingem combatê-
nismo e do judaísmo. Não foi por coincidência que uma onda los. Essa elite invariavelmente toma partido da burocracia mun-
de anti-semitismo e anticristianismo se espalhou pelo planeta dial quando esta fere o interesse nacional dos EUA, tal como
nas últimas décadas: ela veio por intermédio da rede global de aconteceu na guerra do Iraque, nas discussões sobre o Tratado
ONGs subsidiadas pela ONU da Lei do Mar, na introdução da moral "politicamente correta"
e por fundações milionárias, na educação americana, etc. Financiando a esquerda do Terceiro
empenhadas na "guerra cultu- Mundo, ela tem a seu serviço um útil instrumento para enfra-
ral" pela criação de uma civili- quecer a resistência americana, facilitando a implantação do go-
zação biônica inaceitável para verno mundial que a ONU já declarou ser seu objetivo priori-
toda mentalidade religiosa tário para as próximas décadas.
tradicional. Mais especial- Para isso, precisamente, serve o termo "neoliberalismo":
mente, o ataque cultural glo- para ludibriar nacionalistas sonsos nos países pobres, des-
balista se volta contra a cultura viando suas pretensões de resistência antiglobalista para
americana, tentando crimina- canalizá-las no sentido de um anti-americanismo despro-
lizar e destruir as suas raízes positado que, hoje, é um dos instrumentos essenciais da as-
judaico-cristãs e substituí-las censão da burocracia mundial.
por uma nova moral abortista Intelectuais esquerdistas tagarelas do Terceiro Mundo são
e hedonista adornada pelo os tipos mais caricatos e desprezíveis que a humanidade já co-
culto de Gaia ou fetiches simi- nheceu. Estão sempre dispostos a inventar belas desculpas pa-
lares. Nos EUA não há quem ra servir a tudo o que não presta.
não esteja consciente de que Quem quer que use o termo "neoliberalismo" com ares de
esse é o verdadeiro divisor de falar a sério só pode ser um manipulador de idiotas ou um idio-
Diário do Comércio águas, o verdadeiro campo de ta manipulado. Não creio que algum dia terei interesse em sa-
25/07/2005 combate pelo domínio dos co- ber em qual dessas duas classes se incluem o sr. Requeijão e os
rações e mentes no século XXI. redatores de Caros Umbigos.

98 MuNDOreAL
Puro teatro, nada mais
Q
uarta-feira, dia 15, a Folha de S. Paulo
publicou uma entrevista minha, apre-
sentando-me como o "decano", entre
merecidíssimas aspas, de uma nova
corrente política de direita que
estaria surgindo no país, e convocan-
do, naturalmente, meia dúzia de ta-
garelas de esquerda para sondar as
causas de tão alarmante fenômeno. O
fato mesmo de que ele tenha de ser ex-
plicado mostra o quanto parece anor-
mal e surpreendente no Brasil de hoje.
Sou testemunha direta e pessoal da
estranheza, mista de terror e pânico, que
a simples hipótese de alguma resistência,
mesmo isolada, mínima e solitária, susci-
tava entre os esquerdistas uns anos atrás.
Lembro-me perfeitamente bem da brutali-
dade mental psicótica com que reagiram ao
meu ingresso em cena, reunindo-se instanta-
neamente em esquadrões de emergência pa-
ra repelir o intruso. Os métodos usados reve-
lavam a gravidade apocalíptica que enxerga-
vam no episódio: xingar histericamente o re-
cém-chegado, fingindo ao mesmo tempo
superior desprezo olímpico; criminalizá-lo,
atribuindo-lhe toda sorte de ligações sombrias
com pessoas e entidades que ele ignorava por
completo; acusá-lo alternadamente de ser um
agente bem pago de potentados internacionais
e um pé-rapado a quem ninguém jamais paga-
ria coisa alguma; suprimir toda menção aos
seus livros e aulas de filosofia, para dar a im-
pressão de que era um mero polemista de mí-
dia; espalhar toda sorte de invencionices contra
ele nas salas de aula, longe da possibilidade de
resposta; por fim, mobilizar estudantes fanati-
zados para que o agredissem e matassem, e ao
mesmo tempo chamá-lo de "raivoso", como se
numa competição de hidrofobia eu fosse páreo
para terroristas e assassinos.
Tais foram os procedimentos de crítica literá-
ria usados para o meu livro O Imbecil Coletivo.
Tudo isso revela até que ponto o esquerdis-
mo era e é ainda o estado normal e obrigatório
em toda a mídia, em todo o movimento edito-
rial, devendo qualquer exceção ser denunciada
como ameaça à ordem pública ou sintoma de
desarranjo mental. À imagem e semelhança do
que as placas nos botequins nos advertem

MuNDOreAL 99
ção do monstro vexaminoso que é o PT no po-

bo
As der. Não havia nessa droga de partido um só

. O Glo
denúncias militante ou simpatizante medianamente alfa-

ivo/Ag
de corrupção betizado que, em 2002, ignorasse as denúncias
grossa no PT já de Paulo de Tarso Venceslau ou do irmão do

rqu
prefeito Celso Daniel, nem os esforços da cúpu-

Fotos: A
datam de1990. O
la partidária para abafar ambos esses escânda-
único resultado los, esforços que, no segundo desses casos, vie-
que produziram ram a ocorrer -- por coincidência, por pura coin-
foi a expulsão do cidência, é claro - junto com o assassinato de seis
denunciante testemunhas do processo. Se todos se recusa-
ram a ver aí qualquer sinal de bandidagem no
partido; se não só continuaram a confiar nele
mas redobraram a aposta na sua idoneidade, ao
quanto à condição de corintiano, o ser humano ponto de fazer da eleição de Lula um aconteci-
enrique
nasce, cresce, vive e morre esquerdista. Quan- mento comparável ao Segundo Advento, por Mario H
en
do ele se recusa a fazer isso e já não se pode dar que foi? Só pode ter sido por uma destas duas Simons
um sumiço no desgraçado, então é preciso cha- razões: ou apegaram-se tão fanaticamente ao
mar uma junta médica para diagnosticá-lo. mito da santidade petista que mesmo fatos vi-
Dada a situação premente, alguns dos diag- síveis com os olhos da cara não podiam abalar
nósticos assumem a forma de uma busca de cul- sua fé; ou, ao contrário, sentiam perfeitamente
pados pelo advento de semelhante descalabro. o mau cheiro mas preferiram tampar o nariz pa-
Culpados não são difíceis de encontrar. O ra não perder a oportunidade de ter amigos e
ambiente doméstico da esquerda tem hoje correligionários no poder, por mais fedorentos
uma superpopulação de sacos de pancada. Se que fossem. Na primeira hipótese, mostraram-
não fosse o "tombo ético" (sic) da administra- se obstinados na credulidade até o limite da es-
ção petista, conjetura o jornal, parece que Ola- tupidez criminosa. Na segunda, provaram ser
vo de Carvalho e quejandos jamais emergi- tão maldosos e vigaristas quanto qualquer José
riam das trevas do anonimato onde jaziam so- Dirceu. Em ambos os casos, desqualificaram-se
terrados por um decreto da justiça cósmica. completamente para qualquer ofício intelec-
Da minha parte, jamais vi "tombo ético" al- tual que se preze. s
Campo
gum. Originado da promiscuidade entre o mo- Duvido que, no fundo, muito no fundo, cada Roberto
vimento sindical e a pseudo-intelectualidade um deles não saiba disso perfeitamente bem e,
uspiana, o PT é filho de um vigarista com uma ao contemplar-se solitário no espelho, não se ve-
prostituta. Nasceu ladrão e só evoluiu nos mé- ja com orelhas de burro ou feições de vampiro.
todos. Exemplo da conduta de seu pai é a con- Como atenuar semelhante desconforto?
fissão da CUT, já em 1993, de que tinha oitocen- Apelando, é claro, ao mesmo recurso de sem-
tos jornalistas na sua folha de pagamentos - pre: fingimento, pose, histrionismo. O intelec-
uma compra de consciências por atacado que tual ativista do Terceiro Mundo é, por tradi-
só encontra paralelo, talvez, no orçamento da ção, um ator, um palhaço, um tipo caricato
KGB. Quanto à mamãe, tem vivido da impos- que, no esforço de ocultar seu próprio ridículo,
tura intelectual e do corporativismo mafioso da se torna patético. É alguém que se alimenta da
esquerda pelo menos desde os anos 50. mentira e do auto-engano em doses que, para
As denúncias de corrupção grossa no PT já o cidadão comum, seriam letais.
datam de 1990. O único resultado que produ- Para camuflar ao mesmo tempo sua própria Lembro-
ziram foi a expulsão do denunciante. Atribuir desmoralização e, de modo geral, a debacle irre- me
a roubalheira atual a um "tombo" é um truque versível do pensamento de esquerda no mundo,
perfeitamente
de linguagem usado pelos gerenciadores de os diagnosticadores do neodireitismo empinam
danos para limpar o passado na imagem de o narizinho, levantam professoralmente o dedo
bem da
um presente que já não se pode salvar. Sabem indicador, e, ante um público que presumem ig- brutalidade
que no momento perderam toda credibilida- norar tudo, imitam seus próprios trejeitos de su- mental psicótica
de, mas querem guardar para o futuro os divi- perioridade acadêmica de outras épocas, ten- com que [os
dendos de uma lenda de santidade laboriosa- tando mostrar que ainda são os donos do peda- esquerdistas]
mente construída com a ajuda dos oitocentos ço, os juízes supremos de toda aspiração intelec-
reagiram ao meu
empregadinhos da CUT. tual possível, imbuídos da autoridade de barrar
O expediente serve também para cada um ti- na porta os pretendentes novatos.
ingresso em cena
rar o corpo fora da responsabilidade pela cria- É claro que essa superioridade, mesmo em

100 MuNDOreAL
tempos passados, já era pura propaganda en- mos absolutos, à formação de um pensamento
ganosa. O boicote geral a um Gustavo Corção conservador intelectualmente relevante.
ou a um Gilberto Freyre, o silêncio obsceno em Ao escolher essa régua para medir a "nova
bo
/ O Glo

torno da obra de um João Camilo de Oliveira direita", os saberetas consultados pela Folha
Torres, já provavam que não havia ninguém mediram-se tão somente a si mesmos.
Arquivo

na esquerda com cacife para discutir com No mais, o fenômeno conservador que assi-
qualquer dos três. nalam, abstraída a minha obra pessoal da qual
Mas, não podendo arrogar-se ostensiva- não se aventuram a dizer um "a", pois não são
mente uma qualidade que sabem ser duvido- bobos de dar a cara a tapa, se limita até agora à
sa, limitam-se a dá-la como pressuposto implí- crítica jornalística, o que torna ainda mais ex-
cito, na esperança de que seja aceita por distra- temporâneo o julgamento que fazem. Esse neo-
ção. E, fazendo-se de juízes justos que só me- conservadorismo, ainda no berço, não tem se-
dem o similar pelo similar, tratam de ostentar quer expressão política, quanto mais uma pro-
desprezo à "nova direita" por meio de compa- dução bibliográfica que pudesse ser confronta-
ração com a "velha", proclamando que já não da com as de Merquior, Simonsen e Campos,
ilherme
José Gu há na praça nenhum Mário Henrique Simon- acumuladas ao longo de décadas de trabalho.
r
Merquio sen, nenhum Roberto Campos, nenhum José As próprias condições adversas em que surgiu,
Guilherme Merquior. incomparáveis com o conforto e a segurança de
/AE

O grotesco da performance não tem limites. que desfrutaram esses três, tornam o paralelo
Arquivo

Desde logo, se esses três são até hoje os modelos esboçado na Folha apenas um exercício de ci-
de intelectuais conservadores mais citados pela nismo e impropriedade, bem ao feitio de quem,
esquerda, é graças apenas à afinidade que têm não tendo a menor idéia de onde está, quer dar
com ela, os dois primeiros por serem economis- a impressão de que está por cima.
tas e argumentarem numa clave bastante aces- Mas não imaginem que empreendimentos
sível ao cérebro esquerdista médio, o terceiro diagnósticos dessa natureza sejam exclusivi-
por ter raízes no esquerdismo acadêmico e ja- dade brasileira. Nos EUA pululam hoje em dia
mais tê-las cortado para valer, ao ponto de só ter estudos sobre a "direita religiosa", procurando
trocado o seu marxismo cultural de juventude caracterizá-la como um fenômeno inédito, es-
por um ateísmo burguês de molde iluminista tranhíssimo e necessitado de explicação cien-
bem típico, inteiramente compreensível à men- tífica, como se os primeiros Founding Fathers
talidade de seus adversários. O esquerdismo é já não fossem conservadores religiosos, como
Freyre
Gilberto uma cultura tribal, um círculo etnológico fecha- se a América não tivesse sido sempre o país
do que, no universo em torno, só reconhece o mais cristão e pró-capitalista do universo, co-
que lhe é semelhante. Mesmo o antagonismo já mo se tivesse sido desde a origem uma nação
tem de vir catalogado, senão é tido por inexis- de socialistas ateus que, de repente, com susto
tente. Ninguém da tribo se aventurou jamais, enorme, vissem descer do Mayflower o pri-
por exemplo, a uma discussão com Miguel Rea- meiro pregador protestante.
le, espírito incalculavelmente superior aos três Esquerdismo é teatro, nada mais.
citados, porque isso obrigaria a leituras que es-
capavam, de longe, à esfera de percepções ha-
bituais da esquerda na época. Muito menos ha-
via na taba quem pudesse entender, mesmo por
alto, a obra de um Vicente Ferreira da Silva, de
um Vilém Flusser, de um João Camilo, de um
O Paulo Mercadante. Nem menciono Mário Fer-
intelectual reira dos Santos, tão grande que escapa não
apenas à visão, mas à imaginação esquerdista.
ativista do
Não que o desconhecessem. Conheciam-no
Terceiro Mundo é perfeitamente, e passaram por tantas humilha-
um ator, um ções na presença dele que por fim o excluíram
palhaço, um tipo do seu horizonte de consciência, como se faz
caricato. No com um trauma que não se consegue superar.
esforço de ocultar Amputados os andares superiores, a cultura
conservadora recortada à escala do QI esquer-
seu ridículo, se
dista compõe-se de dois economistas e um crí- Diário do Comércio
torna patético tico literário - muito bons os três, cada um no 20/02/2006
seu domínio, mas nenhum necessário, em ter-

MuNDOreAL 101
Dormindo
profundamente
A
lguns leitores reclamam que descrevo o outros nos seus diplominhas da USP como se
problema mas não indico solução. Sabem fossem garantias de infalibilidade,
por que faço isso? É que as únicas soluções incomparavelmente superiores a décadas de
possíveis são tão difíceis e remotas que só estudo e montanhas de documentos. Uns diziam
de pensar nelas a visão do problema se que eu estava açoitando cavalos mortos, outros
torna ainda mais insuportável. Cada vez que volto estavam tão despreocupados que lhes sobrava
ao assunto ecoa na minha memória o verso de tempo para criticar detalhes de estilo que os
Manuel Bandeira, o mais triste da literatura incomodavam nos meus artigos, outros, ainda,
universal, que resume a história do Brasil nas davam-me conselhos jornalísticos,
últimas décadas: "A vida inteira que poderia ter recomendando-me temas mais agradáveis para
sido e que não foi." conquistar os coraçõezinhos das leitoras em vez
Em 2002, numa reunião internacional (v. de assustá-las com
http://www.midiasemmascara.com.br/ advertências apocalípticas.
artigo.php?sid=4960), os estrategistas da Assim o tempo passou.
revolução latino-americana já haviam chegado à Acabei-me recolhendo à (...) o verso
conclusão de que nenhuma força de direita tinha minha insignificância, e hoje de Manuel
condições de erguer-se para enfrentá-los. Desde me dedico à função que me
Bandeira, o mais
então o poder da esquerda veio crescendo resta: analisar o mais
formidavelmente, especialmente no Brasil, e seus objetivamente possível a
triste da literatura
eventuais adversários não fizeram senão ceder agonia do Brasil, para uso universal, resume
terreno, acomodar seu discurso ao do inimigo, dos futuros historiadores. a história do Brasil
abdicar de toda identidade ideológica e gastar Larguei a prática da nas últimas
energias preciosas em alianças debilitantes, em medicina de urgência para décadas: 'A vida
campanhas de bom-mocismo sem teor ideológico dedicar-me ao estudo das inteira que
e em esforços eleitorais perfeitamente fúteis. patologias terminais. É um
É claro que antevejo soluções. Mas tenho a assunto inesgotável e, para
poderia ter sido e
quase certeza de que ninguém vai colocá-las em quem observa o moribundo que não foi'
prática. Todos os que poderiam fazê-lo estão de longe, interessantíssimo.
demasiado fracos, demasiado sonsos para Se eu estivesse no Brasil,
reagir. Oito, dez anos atrás andei sugerindo morreria de depressão. À
soluções. Falei a empresários, políticos, distância em que estou, a melancolia do declínio
religiosos, intelectuais, militares. Em geral não se torna quase uma experiência estética.
consegui persuadi-los nem mesmo de que havia Vou lhes dar só um exemplo de como a
um problema - o mesmo problema sob cujo peso esquerda está adiantada na conquista de seus
agora estão gemendo. Todos, sem exceção, objetivos e a direita, ou o que resta dela, ainda nem
avaliavam a situação baseados somente no que começou a se dar conta do estado de coisas.
liam na mídia, prescindindo solenemente de No fim dos anos 70, o presidente Jimmy
qualquer conhecimento das fontes diretas, da Carter, fiel às diretrizes do CFR, decretou que a
bibliografia especializada ou mesmo dos melhor maneira de combater o avanço do
clássicos do marxismo. E julgavam tudo com comunismo na América Latina era apoiar a
uma segurança, com uma pose! Uns confiavam "esquerda moderada". Quem conhece a figura
nos seus galões, outros no seu saldo bancário, sabe precisamente o que ele queria dizer com

102 MuNDOreAL
Cameran/Corbis

isso: tratava-se de fomentar o comunismo responsável pela sua destruição. "Fortalecer a


alegando combatê-lo. Os brasileiros estão (até esquerda moderada" significava, desde logo,
hoje) tão por fora do que acontece nos EUA, que eliminar a direita, radical ou moderada, como
a simples hipótese de um presidente americano alternativa válida ao esquerdismo. A morte da
pró-comunista ainda lhes parece absurda e direita nacional foi decretada por Jimmy Carter,
fantasiosa. Falta-lhes o conhecimento de pelo pelo CFR e pelas fundações Ford e Rockefeller
menos setenta anos de história. Ainda nem se (peço que consultem os meus artigos
tocaram de que o braço-direito de Franklin D. http://www.olavodecarvalho.org/
Roosevelt em Yalta era um espião soviético, de semana/060611zh.html e
que na gestão Truman o Departamento de http://www.olavodecarvalho.org/
Estado foi entregue a um advogado chiquíssimo semana/060605dc.html para esclarecimentos de
cujo escritório representava oficialmente o ordem teórica). O programa foi cumprido à
governo da URSS nos EUA, de que todas as risca, com sucesso total. Como a política de
acusações de espionagem nos altos círculos Washington para com a América Latina não
lançadas pelo senador Joe McCarthy acabaram mudou substancialmente desde então (exceto
sendo confirmadas (com uma única exceção) e parcialmente e por breve tempo na gestão
de que, enfim, o lugar mais seguro para os Reagan), e como a atuação das fundações
comunistas, depois da redação do New York bilionárias em prol da esquerda continental se
Times, é o governo americano. É horrível intensificou enormemente nas últimas décadas,
conversar com pessoas que, precisamente por a direita brasileira não só perdeu qualquer apoio
não saber nada, acreditam saber tudo. americano residual mas ainda nem sequer se
Principalmente quando elas têm dinheiro deu conta do tamanho dos inimigos que a
bastante para pagar consultores que as cercam e estrangulam hoje em dia.
conservam na ilusão. A esquerda encobriu tão bem essas
Graças à ação conjugada da ignorância e dos informações elementares, essenciais para a
consultores, até hoje o empresariado brasileiro compreensão do que se passa no Brasil, que até
acredita piamente na lenda esquerdista de que agora elas são radicalmente ignoradas por quem
os americanos deram o golpe de 64 e não sabem mais precisaria delas. Refiro-me especialmente
que a verdade é precisamente o contrário, que o ao empresariado. Os militares, por sua vez, não
governo de Washington não ajudou em nada a desconhecem os fatos, mas, bem trabalhados por
criar o regime militar mas sim foi o principal agentes de desinformação, interpretam tudo às

MuNDOreAL 103
avessas: enxergam os Carters e os Clintons como ou desconversa dizendo que não se deve tocar
agentes do "imperialismo americano" (e não do em assuntos indigestos, que é mais bonito
globalismo anti-americano) e acabam sendo circunscrever-nos a assuntos inofensivos de
levados pela tentação de se aliar à esquerda para economia e administração. Se um dos lados tem
se vingar das humilhações sofridas pelas forças o monopólio do direito de fazer a caveira do
armadas nas últimas décadas. Os aplausos dos outro, e o outro ainda reconhece esse monopólio
homens de farda à recem-constituída "Comissão como legítimo e inquestionável, a briga já está
de Defesa das Forças Armadas" - mais um ardil decidida. A própria direita concede à esquerda o
da esquerda inventado para integrar as nossas direito de matar, torturar, ludibriar, e ainda
tropas na revolução chavista - mostra que o posar de detentora exclusiva das mais altas
horizonte de consciência dos nossos militares, qualidades morais. Depois disso, que
pelo menos os de comando, é tão estreito quanto alternativa resta aos partidos direitistas, senão
o do empresariado. tornar-se subseções dos de esquerda? Vejam o
Entre a esquerda e a direita, no Brasil, não há só PFL. Esse partido, que um dia chegou a ter
uma monstruosa desproporção de forças: há um alguma perspectiva de futuro, se autodestruiu
desnível de consciência imensurável. De um lado, mediante sucessivas alianças com a "esquerda
informação abundante e integrada, intercâmbio moderada" tucana. Em vez de afirmar sua
constante, flexibilidade estratégica, conhecimento independência, de reforçar
e domínio dos meios de ação. Do outro, sua ideologia, de criar e
fragmentos soltos mal compreendidos, expandir a militância,
amadorismo bem pago, opiniões arbitrárias e preferiu dissolver-se em Se eu
bobas voando para todo lado, desperdício das troca de carguinhos que só estivesse
últimas energias em esperanças eleitorais lhe davam o poder de fazer o
no Brasil, morreria
insensatas e projetos "anti-corrupção" que o sócio mandasse. A
ideologicamente inócuos, facilmente absorvidos e experiência de mais de uma
de depressão. À
instrumentalizados pela própria esquerda. Os década não lhe ensinou distância em que
esquerdistas absorveram profundamente o nada. Continua ingerindo estou, a
preceito de Sun-Tzu: conhecer o inimigo melhor doses cada vez maiores do melancolia do
do que ele conhece você. A esta altura, o general remédio suicida. declínio se torna
chinês, se consultado por algum direitista Querem soluções? Elas quase uma
brasileiro interessado em "soluções", responderia: existem, mas os homens
"Não converso com defuntos." Por que eu deveria influentes deste país, tão logo
experiência
ser menos realista que Sun-Tzu? acabem de ler a lista, já vão estética
A direita não está somente esmagada querer atenuá-las, adaptá-las
politicamente sob as patas da esquerda. Está ao nível de covardia e
dominada psicologicamente por ela, ao ponto de preguiça requerido para ser
repelir com ojeriza a simples hipótese de fazer direitistas "do bem" ou então diluí-las em objeções
algo de efetivo contra a adversária. Exemplo? sem fim até que se transformem nos seus
Façam a lista de todas as ONGs, departamentos contrários, mui dialeticamente.
do governo, cátedras universitárias, empresas Se querem saber, essas soluções são as
de produções artísticas e órgãos de mídia seguintes:
empenhados, há trinta anos, em investigar,
divulgar e ampliar até dimensões
extraplanetárias os crimes reais e imaginários da
"direita". A quantidade de dinheiro e mão-de-
1 Aceitar a luta ideológica com toda a extensão
das suas conseqüências. Não fazer campanhas
genéricas "contra a corrupção", salvando a cara do
obra envolvida nisso é incalculável. Agora comunismo, mas mostrar que a corrupção vem
experimentem ir falar com algum empresário soi diretamente da estratégia comunista continental
disant liberal ou conservador, e sugiram ao voltada à demolição das instituições.
desgraçado fundar uma ONG, mesmo
pequenininha, para informar o público sobre
torturas e assassinatos de prisioneiros políticos
em Cuba, sobre os feitos macabros das Farc e do
2 Criar uma rede de entidades para divulgar os
crimes do comunismo e mostrar ao público o
total comprometimento da esquerda atual com
MIR, sobre as conexões entre esquerdismo e aqueles que os praticaram. A simples
narcotráfico. A resposta é infalível: ou o sujeito comparação quantitiva fará o general Pinochet
rotula você de extremista, de louco, de fanático, parecer Madre Teresa.

104 MuNDOreAL
3 Criar uma rede de ONGs tipo media
watch para denunciar e criminalizar a
desinformação esquerdista na mídia
para fazer alguma coisa com bravura
num país onde todo mundo está
procurando um lugarzinho para se
nacional, a supressão proposital de notícias, a esconder em baixo da cama e até a mulher
propaganda camuflada em jornalismo. do presidente já tratou de se garantir com
um passaporte italiano. Assisto aos vídeos

4 Desmantelar o monopólio esquerdista do


movimento editorial, colocando à
disposição do público milhares de livros
daqueles combatentes reunidos no
seminário "Liberdade, Democracia e o
Império das Leis", e me pergunto: Cadê o
anticomunistas e conservadores que lhe têm resto do país? Cadê os donos da mídia, que
sido sonegados há quatro décadas. lambem os sapatos dos comunistas aos
quais entregaram suas redações? Cadê os

5 Formar uma geração de intelectuais


liberais e conservadores habilitados a
desmascarar impiedosamente os
banqueiros, que têm um orgasmo a cada
novo aumento dos impostos e sabem
que lucram com a destruição da liberdade,
trapaceiros e usurpadores esquerdistas que da segurança, das leis? Imaginam por
dominaram a educação superior e os acaso que trogloditas capazes de depredar
órgãos de cultura em geral. o Congresso vão, miraculosamente,
respeitar amanhã as sedes dos bancos

6 Formar e adestrar militância para


manifestações de rua.
privados? Cadê os homens da indústria,
que estão de quatro, sem fôlego, e ainda
insistem em bajular seus algozes? Cadê a

7 Durante pelo menos dez anos enfatizar


antes o fortalecimento interno do
movimento do que a conquista de cargos
Igreja Católica - ou a entidade que ainda
leva esse nome --, autotransfigurada em
órgão auxiliar do Foro de São Paulo? Cadê
eleitorais. a tal "classe dominante", cuja única
ocupação nas últimas décadas é deixar-se

8 Criar um vasto sistema de informações


sobre a estratégia continental esquerdista
e suas conexões com os centros do poder
dominar? Cadê os militares, cujo mais
alto sonho de glória parece ser a
aposentadoria sob as asas do Estado
globalista, de modo a esclarecer o previdenciário socialista? Pergunto isso
empresariado, os intelectuais e as Forças ao vento, e a resposta vem em outro
Armadas. verso de Manuel Bandeira:
"Estão todos dormindo, dormindo
Essas são as soluções. Tudo o mais é profundamente."
desconversa. Ou os brasileiros fazem o que
tem de ser feito, ou, por favor, que parem de
choradeira. Que aprendam a morrer com
decência. Se o Brasil cessar de existir,
ninguém no mundo vai sentir falta dele. E
se todos os brasileiros não inscritos no PT,
no PSOL, na CUT e similares entrarem na
próxima lista de falecidos do Livro Negro
do Comunismo, talvez só eu mesmo ache
isso um pouco ruim. Em todo caso, o fim do
Brasil não vai abalar as estruturas do
cosmos. Os esforços da direita nacional
para a conquista da perfeita inocuidade
estão perto de alcançar o sucesso
definitivo. Quem em vida se esforçou para
não fazer diferença, não há de fazer muita
depois de morto.
Se escrevo essas coisas no jornal da Diário do Comércio
Associação Comercial, faço-o com dupla 19/06/2006
razão, porque vejo o esforço dessa entidade

MuNDOreAL 105
Da ignorância à mentira
U
m simpático leitor enviou o meu artigo um "formador de opinião", então deve ter à
"Dormindo Profundamente" a um cír- mão um estoque de declarações requeridas
culo de empresários de bastante peso para as diferentes ocasiões de uma vida social
em São Paulo, e recebeu de um deles, variada: jantares, reuniões de diretoria, entre-
em resposta, um compêndio de cha- vistas na mídia, discursos de posse, homena-
vões pueris, irresponsáveis e presunçosos cuja gens etc. Sem disposição ou paciência para
autoridade nesse meio basta, por si, para expli- criar opiniões mediante estudo, só lhe resta
car a desgraça do Brasil, mesmo abstraída a preencher as lacunas voluntárias do conheci-
obra petista de destruição. A carta merece ser mento com os produtos espontâneos da sua
examinada porque reflete menos a opinião de fantasia pessoal. Não sendo, porém, verossí-
um indivíduo do que um conjunto de crenças mil que a mente imune ao conhecimento seja
compartilhadas por uma parcela ativa da classe ao mesmo tempo dotada de grande vivacida-
empresarial, crenças que contrariam flagrante- de imaginativa, o mais provável é que o sujeito
mente a realidade mas são reforçadas todo dia não crie suas fantasias, mas as absorva passi-
pela mídia bem-pensante. Sócrates dizia que a vamente do falatório em torno, repetindo-as
ignorância é a raiz de todos os males. Mas o ig- como se fossem suas e legitimando-as com a
norante pobre só faz o mal a si mesmo, no má- autoridade da sua posição na sociedade. É as-
ximo a mais meia dúzia em torno. Transformar sim que milhares de mentiras tolas, vindas de
a ignorância em autoridade pública é uma multidão de pequenos fofoqueiros e de-
empreendimento dispendioso: o sujei- sinformantes, se condensam num sistema de
to tem de pagar muito bem para que cretinices respeitáveis, oficiais, cuja contesta-
as pessoas ouçam com reverência ção se expõe à repulsa e ao desprezo gerais.
bobagens que sem isso nem mere- Em todo caso, estou muito grato ao palpitei-
ceriam atenção. Groucho Marx di- ro, por ter resumido em poucos parágrafos o
zia a um desses opinadores mi- conjunto das lendas e ilusões que entorpecem
lionários: "É preciso ter mesmo boa parte da nossa classe empresarial e a inca-
muito dinheiro, para sobreviver pacitam para uma reação eficaz ao presente es-
com essa sua cabeça." tado de coisas.
Mas a ignorância, como tudo Ele começa sua exposição apelando a dois
o mais nesta vida, não permane- chavões consagrados: "Tão atrasado e fora de
ce estável: evolui. Nasce como contexto quanto qualquer projeto revolucioná-
pura falta de conhecimentos, rio marxista em qualquer parte do mundo, é o te-
mas transmuta-se em incapaci- mor e a neurose permanente em combatê-los."
dade e por fim em recusa absoluta Em outras palavras: (1) O anticomunismo está
de adquiri-los, mesmo quando fora de moda. (2) Ele é um sintoma neurótico.
disso dependa a sobrevivência do Discutir com o ignorante é uma das tarefas
interessado. Começa como um esta- mais difíceis deste mundo. As razões do deba-
do natural e transforma-se nu- tedor inteligente, culto, são transparentes: exi-
ma requintada forma de bem-se no conteúdo do seu discurso, porque ele
perversidade. mesmo as pensou e as colocou ali. As do igno-
Mais ainda: rante, sendo desconhecidas dele próprio, vêm
se o ignorante de uma atmosfera social difusa, entre obscuras
ocupa um associações de idéias, automatismos de lingua-
lugar de gem e mil e um pressupostos mal conscientiza-
destaque dos. Desencavá-las é como analisar um sonho.
n a s o c i e- Você tem de mergulhar fundo no inconsciente
dade, se coletivo para descobrir de onde o cidadão tirou
ele é o que os motivos de crer naquilo que afirma.
hoje se A origem das duas idéias expostas é diferen-
chama te. Uma espalhou-se pela mídia como reação

106 MuNDOreAL
imediata do péia e americana descobre que foi vítima desse
t r iu n f a l is m o engodo para muito além do que poderia admi- A crença
liberal ante a tir a honorabilidade da sua inteligência. Em de que
queda da 1956, o preconceito contra o anticomunismo Chávez ou Lula
URSS. A outra fez com que os EUA aceitassem Fidel Castro
tenham
é bem anterior: como um grande líder democrático, ajudan-
é um slogan in- do-o a consolidar-se no poder. Em 1973, quan- estratégias
ventado pela do Henry Kissinger recebia o Prêmio Nobel da pessoais
KGB nos anos Paz por ter retirado as tropas americanas no independentes,
40 e tão inten- Vietnã, quem dissesse que o efeito da festejada inconexas entre si,
samente repe- obra diplomática seria o genocídio da popula- é uma bobagem
tido ao longo ção civil era objeto de riso. Três milhões de ca-
descomunal que
das décadas dáveres depois, é preciso muita teimosia para
que acabou não enxergar que a pax kissingeriana ocasio- não resiste ao
por dissemi- nou a tomada do Vietnã do Sul pelo Vietnã do mínimo confronto
nar entre os Norte, a ascensão de Pol-Pot no vizinho Cam- com os
próprios libe- boja e todos os horrores que transcenderam documentos
rais e conservadores a inibição de declarar-se e em muito os males da guerra. Em 2002, o ana-
mais ainda de ser anticomunistas. São, ambas, lista estratégico Constantine Menges, do Hud-
puras expressões emotivas, que nem mesmo son Institute, foi alvo de toda sorte de gracejos
podem ser discutidas como juízos de realidade. maliciosos na mídia nacional por ter dito que a
A primeira expressa um desejo, a segunda uma América Latina caminhava para a formação
autodefesa preventiva contra a ameaça do riso de um eixo anti-americano. Hoje o eixo está vi-
e da chacota, propositadamente espalhada no sível diante de todos, e aqueles que riram de
ar pelos próprios inventores do slogan. Constantine Menges já tiraram a máscara,
No primeiro caso, o que tenho a observar é confessando que queriam
que a moda local está um tanto atrasada em re- apenas o silêncio e a
lação ao debate de idéias nas áreas mais civi- discrição necessá-
lizadas do planeta. No ano 2000, Jean-François rios para chegar
Revel já publicava La Grande Parade. Essai sur exatamente a isso.
la Survie de l'Utopie Socialiste (Paris, Plon), O que o cidadão
expressando a tomada de consciência dos libe- nos propõe é cair-
rais franceses de que o movimento comunista, mos de novo no
aparentemente defunto em 1990, se havia re- mesmo truque, só
erguido mais poderoso do que nunca, organi- para não correr-
zado mundialmente e com uma rede de apoios mos o risco temível
muito mais vasta do que jamais tivera. Esta de ser alvo de goza-
constatação é uniformemente compartilhada ções comunistas.
por todos os estudiosos do assunto nos EUA e Não há nada mais ri-
na Europa. A bibliografia a respeito é esmaga- dículo do que o me-
dora, mas, no Brasil, como ninguém lê nada, do do ridículo.
ainda se pode alegar manchetes do Economist Prossegue o indigi-
de quinze anos atrás como se fossem a última tado: "Clinton e Jimmy
palavra. A ignorância tem seu tempo histórico Carter como agentes
próprio, imune aos fatos do mundo. do comunismo inter-
Quanto à difamação do anticomunismo co- nacional??? A cria-
mo "neurose", sua eficácia paralisante tende ção de teorias
a diminuir no resto do universo, à
medida que a direita euro-

MuNDOreAL 107
conspiratórias sempre desperta curiosidade e não saem no Jornal Nacional. Muito menos nas
por mais absurdas e não fundamentadas que se- novelas. São um material difícil, tedioso, que só
jam, apenas por contrariarem radicalmente o interessa aos envolvidos ou a estudiosos. Se de-
senso comum e o que é de domínio público, já pender de líderes como o autor dessa carta, a
conferem a seus autores uma aura de inteligên- classe empresarial jamais conhecerá os planos
cia superior ou informação privilegiada..." que seus inimigos estão fazendo contra ela.
Deixo de comentar a elipse enganosa que, Em seguida o sujeito parte para a negação
para gerar uma falsa impressão de comicida- explícita de que os líderes articulados no Foro
de, substitui "agentes do CFR" por "agentes do de São Paulo - Lula, Chávez, Evo Morales, o
comunismo". É um tipo de truque estilístico próprio Fidel Castro -- sejam agentes de uma
que também remonta ao jornalismo comunis- estratégia esquerdista comum. No seu enten-
ta dos anos 40. Seu contínuo poder de impreg- der, são apenas tipos singulares agindo em Lula,
nação na linguagem dos próprios adversários função de preferências, idiossincrasias e inte- Chávez e
nominais do comunismo é uma das glórias da resses pessoais. Chávez, por exemplo: Dirceu, se
estupidez humana. "Há muito pouco de ideológico nele, sua chegaram a ler
Também nada digo dos três pontos de inter- orientação é apenas e tão somente populista e
Maquiavel, o
rogação. Seria realmente o cúmulo da geniali- seu projeto é pessoal... Ele sabe que a adoção de
dade retórica, destruir um edifício de fatos e qualquer discurso ou convicção ideológica mais leram através de
documentos mediante um simples aceno orto- sólida (principalmente a comunista) colocariam Gramsci, e sabem
gráfico. O sujeito acha que conseguiu isso. Só seu governo a perigo, reduziriam seu apoio e co- que nas condições
falta chamar a mãe para contemplar o filhinho locariam sua própria figura em segundo plano... do mundo
em seu momento de triunfo. A vaidade da ig- Por isso adota como discurso ideológico o mais moderno o
norância é um abismo de miséria humana. óbvio e vazio, mas tão caro aos pobres latino-
maquiavelismo
Quanto à depreciação do meu artigo como americanos: o anti-americanismo. Sua seme-
"teoria conspiratória", era infalível e já estava lhança com Lula? Total. Chávez, Lula, Dirceu e
individual nada
prevista nele mesmo. Chavões têm sobre cer- companhia leram Maquiavel de cabo a rabo, e aí pode (...)
tas mentalidades o poder persuasivo de uma reside o problema... Não há nem em Lula nem no
revelação divina. Muito significativamente, PT mais nada de ideológico. Acreditar no con-
após alegar a "falta de fundamentos" da minha trário, é cair na armadilha criada por eles de ten-
exposição, o indivíduo apresenta os da sua: "o tar implicitamente justificar, sob argumentos
senso comum e o que é de domínio público". ideológicos, a bandalheira praticada. O 'Projeto' A
Muito bem: contra informações diretas da fon- não é à esquerda ou à direita. É de perpetuar-se ignorância,
te, prevalece a autoridade do que a patota diz e no poder, pura e simplesmente. Ideologia tem o como tudo o mais
do que sai no jornal. Mais explícita confissão Bruno Maranhão, que está preso. Ideologia tem nesta vida, não
de credulidade beócia não se poderia esperar. a Heloisa Helena e a Luciana Genro, que funda-
permanece
Pergunto-me o que pode ser de um país onde a ram um partido nanico..."
liderança empresarial se deixa guiar por gente Cada uma dessas opiniões pode ser rastrea- estável: evolui.
assim, inflada de desprezo pela inteligência e da até suas origens na própria mídia esquerdis- Nasce como pura
pelos estudos sérios. Foi essa mentalidade, afi- ta que as pôs a circular como pura desinforma- falta de
nal, que elegeu Lula. Não vejo como ela pode ção. Desde logo, a identificação, muito caracte- conhecimentos,
tirá-lo do poder que lhe deu. risticamente pequeno-burguesa, de "ideolo- mas transmuta-se
Baseado no que lê na Folha e no Globo, o in- gia" com "idealismo" ou "esperança utópica"
em incapacidade e
divíduo sentencia: "Acredito sinceramente que em oposição a "interesses", "maquiavelismo" e
estamos em outro momento histórico, sem es- "desejo de poder". Todo esquerdista com QI su- por fim em recusa
paço para qualquer coisa semelhante a uma re- perior a 12 sabe que essa identificação é falsa, absoluta de
volução esquerdista..." Ele deveria informar is- mas por isso mesmo boa para ser espalhada en- adquiri-los (...)
so ao Fórum Social Mundial, ao Foro de São tre direitistas idiotas. Ideologia, segundo a tra-
Paulo, à Organização de Cooperação de Shan- dição marxista, é precisamente um vestido de
gai, à rede mundial de ONGs ativistas e ao mo- idéias encobrindo interesses político-econômi-
vimento terrorista internacional. Em todos es- cos determinados. Longe de opor-se aos inte-
ses lugares prevalece a crença oposta: a de que a resses, ela é seu instrumento e é concebida para
direita está desmantelada politicamente por to- atendê-los, para conquistar e ampliar o poder.
da parte, exceto nos EUA, e de que nunca o pro- Se o adversário boboca vê uma oposição incon-
jeto da revolução mundial foi tão viável como ciliável onde o esquerdista sabe haver uma uni-
neste momento. Evidentemente, as atas e docu- dade dialética, tanto melhor para este último:
mentos dessas entidades, suas discussões in- pode bater com duas mãos num adversário que
ternas e as análises feitas por seus estrategistas só enxerga uma de cada vez.

108 MuNDOreAL
Mais ingênuo ainda é tentar explicar tudo de assim escapar às críticas maliciosas de petis-
pelo maquiavelismo pessoal dos líderes es- tas que enquanto isso roubavam e delinqüiam
querdistas, como se a estratégia da revolução incomparavelmente mais que os acusados.
gramsciana na sua totalidade não fosse ela Basta comparar as miúdas ilicitudes de um Col-
própria baseada em Maquiavel. Lula, Chávez lor à grandeza imperial do Mensalão ou à vio-
e Dirceu, se chegaram a ler Maquiavel, o leram lência do caso Celso Daniel para compreender
através de Gramsci, e sabem que nas condi- que o apelo à penitência moralista só serve para
ções do mundo moderno o maquiavelismo in- tornar a direita uma vítima inerme da "guerra
dividual nada pode: o novo "Príncipe" é o par- assimétrica", onde um dos lados tem a obriga-
tido revolucionário. As dimensões majestosas ção de se prosternar no altar da moralidade, en-
da corrupção petista, superando incompara- quanto o outro, quando ameaçado por denún-
velmente os delitos avulsos de políticos indi- cias, aproveita a ocasião para buscar fortalecer
viduais, são a melhor prova disso. sua unidade na defesa comum contra o atacan-
Quanto à crença de que Chávez ou Lula te- te. A direita nacional começou a destruir-se
nham estratégias pessoais independentes, in- quando, após ter depositado suas melhores es-
conexas entre si, é uma bobagem descomunal peranças em Fernando Collor, correu para aju-
que não resiste ao mínimo confronto com os dar o inimigo comum a destrui-lo, mesmo antes
documentos. As atas do Foro de São Paulo de ter contra o suspeito qualquer prova juridi-
atestam abundantemente a estratégia comum camente válida. Com anos de antecedência, em
-- e a unidade dessa estratégia se torna visível 1993, expliquei que a "Campanha pela Ética na
nos momentos em que sua realização ameaça Política" tinha sido concebida exatamente para
estender até à ruptura o conflito de interesses isso, que qualquer concessão à versão brasileira
nacionais, como se viu no caso da Petrobrás, no da "Operação Mãos Limpas" (ela própria um
dos lavradores brasileiros expulsos da Bolívia truque esquerdista sujo) seria apenas cumplici-
ou nos tiroteios entre as Farc e o Exército nacio- dade suicida com a estratégia mais perversa e
nal. Nada disso, que normalmente resultaria astuta já adotada pela esquerda nacional ao lon-
em guerra, abala a firmeza dos acordos estra- go de toda a sua existência. Collor, mais tarde,
tégicos firmados no Foro de São Paulo. Mais foi absolvido pela Justiça, mas sua fama de la-
unidade que isso, só na fórmula 1 = 1. drão, criada pela esquerda, persiste inabalável,
O diagnóstico flagrantemente errado pro- mesmo diante da comparação com tudo o que
duz uma terapêutica ainda mais alienada da de infinitamente pior veio depois. Para conser-
realidade. Contra a marcha avassaladora do vá-la viva, a direita consiste em mentir contra si
esquerdismo continental, o homenzinho pro- mesma e ainda se oferece para humilhar-se
põe o moralismo apolítico, a recusa obsequio- mais um pouco diante do adversário.
sa de atacar a esquerda como tal, a persistência Aí a ignorância se transcende, se transforma
no erro já velho de uma década: "Melhor seria em apego irracional à mentira. "Liberais" co-
se a direita conseguisse fazer um contraponto mo o signatário dessa carta são a praga que de-
moral àquilo que hoje está aí, o que não conse- bilita o liberalismo e o impede de se tornar
gue porque está contaminada até a alma de in- uma força política à altura dos desafios colo-
teresses espúrios e associada a práticas políti- cados pela ascensão geral do esquerdismo. O
cas abomináveis." serviço que ele presta à esquerda é tão grande,
Mas se a falta de ideologia, o oportunismo que tornaria razoável a suspeita de tratar-se de
sujo e o império dos interesses pessoais fize- um agente provocador ou desinformante in-
ram tão bem ao PT, por que teriam sido a causa filtrado, se fosse preciso essa hipótese para dar
do fracasso do PFL? Por puro instinto lógico, razão de uma conduta que, no entanto, o amor
toda criança de dez anos percebe isto: um fator patológico à mentira basta para explicar per-
que permanece constante e idêntico em dois feitamente bem.
processos opostos não pode ser a causa da sua O pior dos mentirosos não é aquele que
diferenciação. Não é interessante que o após- mente uma vez, duas vezes, mil vezes. Não é
tolo do "senso comum" o maltrate tão desapie- aquele que mente muito, quase sempre ou até
dadamente ao exigir que ele engula como ver- mesmo sempre. Não é aquele que mente tão
dade tranqüila uma contradição intolerável? bem que chega a se enganar a si próprio. É
Sugerir que a direita, para vencer o PT, se de- aquele que, em prol da mentira, destrói tão
dique a novos e ampliados rituais de auto-sa- completamente a sua própria inteligência que
crifício purificador é querer que ela entregue de se torna incapaz de perceber a verdade até Diário do Comércio
bandeja mais algumas cabeças de líderes, como mesmo quando ele próprio, por desatenção ou 03/07/2006
já entregou tantas, na inútil e covarde esperança inabilidade, a proclama diante de todos.

MuNDOreAL 109
O avesso
do avesso
A
té o começo dos anos 90 ainda era pos- querdista como o Pe. Michel Schooyans e o
sível acreditar, honestamente, que a historiador espanhol Ricardo de La Cierva
Nova Ordem Mundial que se formava afirmavam categoricamente que a ONU, go-
ante os olhos de todos após a queda da verno mundial em germe, não era senão a ex-
URSS era, em essência, a mundializa- pressão e instrumento do Estado americano
ção do poder americano, a realiza- ampliado à escala global.
ção dos sonhos mais ambi- Hoje, quem quer que
ciosos dos imperialis- continue acreditando
tas do Norte. nisso, depois de tu-
Todas as apa- do o que aconte-
rências indi- ceu nessa dé-
cavam isso, cada e meia e
e e s t u d i o- com todas
s o s t ã o as informa-
isentos de ções que se
v i é s e s- torn aram

110 MuNDOreAL
Divulgação

acessíveis a respeito, é um autêntico homem de


Neanderthal, se não for seu antepassado mais
próximo, o dr. Emir Sader em pessoa.
Na visão dessas criaturas primevas, a No-
va Ordem Mundial é o bom e velho imperia-
lismo americano que, mal camuflado, esten-
de suas asas sobre o globo terrestre, pondo
em risco a soberania das nações pobres, cuja
esperança então se volta para os poucos nú-
cleos de resistência espalhados pelo mundo,
como Cuba, a Coréia do Norte e os terroristas
islâmicos, bravos pigmeus em luta contra o
gigante, à imagem e semelhança da Princesa
Léa e Luke Skywalker enfrentando aos tran-
cos e barrancos as tropas imperiais sob o co-
mando de Darth Vader (não inventei a com-
paração; ela já se tornou um lugar-comum
do imaginário esquerdista).
Hoje em dia, o material disponível com as
provas cabais de que não é nada disso é tão vas-
to, tão abundante e tão consistente, que a única
desculpa razoável que alguém pode apresen-
tar para continuar apegado a essa idéia é ser Luke Skywalker
pessoalmente o dr. Emir Sader e nada poder fa- contra Darth
zer contra tão cruel destino. Todos os demais Vader, face do
são culpados de negligência proposital. imperialismo
Digo isso com a ressalva de que, as informa-
ções pertinentes sendo talvez menos acessí-
veis no Brasil do que em qualquer outro lugar Para quem ainda tivesse alguma dúvida,
do mundo com exceção dos países islâmicos e bastava, para eliminá-la, olhar a lista dos fi-
comunistas, a ignorância geral dos fatos expli- nanciadores da gritaria anti-americana, entre
ca a subsistência residual, neste país, de lendas os quais brilhavam, junto com George Soros,
e estereótipos já desmoralizados pelo tempo e as fundações Ford e Rockefeller e outras fortu-
em toda parte. nas do mesmo porte. Depois disso, só mesmo o
Mas mesmo ignorantes profissionais não po- cérebro geneticamente lesado dos apreciado-
dem ter deixado de notar, nos últimos anos, o res daquela coluna poderia, imune ao gritante
conflito aberto entre a ONU e os EUA, seguido paradoxo, continuar acreditando piamente na
de uma explosão mundial de anti-americanis- identidade de americanismo e globalismo.
mo, cujas manifestações nas ruas e na mídia, si- Nem falo dos discípulos do sr. Lyndon La Rou-
multâneas, súbitas e organizadíssimas, não po- che, os quais, admitindo o paradoxo, tenta-
deriam ter surgido do nada, sem longa e dis- vam explicá-lo como rebuscado truque do ma-
pendiosíssima preparação secreta. De repente, quiavelismo ianque, como se rebuscada não
os pobres e esfarrapados tinham a seu serviço o fosse antes essa explicação e como se atrair to-
New York Times, o Washington Post, a CBS, a dos contra si fosse astúcia digna do governo
CNN e praticamente todo o restante da grande americano e não, mais apropriadamente, do
mídia internacional (a brasileira, então, nem se saudoso Chapolín Colorado.
fala), enquanto os ricaços imperalistas mal con- Não obstante, a afirmação absoluta dessa
seguiam uma entrevistinha na Fox, uns minu- identidade é não apenas a crença unânime do
tos no programa de rádio do Rush Limbaugh, esquerdismo local, para o qual ela tem ao me-
sem a menor repercussão fora dos EUA, e dois nos a utilidade de fomentar o ódio ao seu ini-
parágrafos em sua defesa na coluna da Mary migo tradicional, mas é também o fundamen-
O'Grady no Wall Street Journal. A despropor- to de uma "nova doutrina militar brasileira"
ção contrastava tão dramaticamente com a vi- que vem se esboçando desde os anos 90, firme-
são convencional dos coitadinhos em luta con- mente empenhada em criar, com base em in-
tra as forças tentaculares do império financeiro formação deficiente, uma estratégia desastro-
intergalático, que parecia mesmo a coluna do sa que arrisca fazer das Forças Armadas bra-
dr. Emir, "O Mundo pelo Avesso". sileiras, amanhã ou depois, o instrumento ser-

MuNDOreAL 111
vil da revolução continental, seja como aliadas guém entende coisíssima nenhuma do que
da esquerda lulo-chavista que tanto as difa- acontece nos EUA, portanto enxerga menos
Não
mou e humilhou ao longo das décadas, seja, na ainda o que se passa no mundo.
inventei a melhor das hipóteses, como suas concorrentes Duas visões padronizadas, ambas falsas e
comparação, ela na liderança do anti-americanismo nacional. profundamente idiotas, se alternam no imagi-
já se tornou lugar- Essa visão das coisas não expressa nenhu- nário nacional como pretensas descrições do
comum do ma realidade objetiva; expressa apenas, indi- cenário americano:
imaginário retamente, o estado de total alienação da elite Visão 1 - As duas correntes em disputa ali
falante brasileira, separada do mundo por um são apenas duas faces da mesma moeda impe-
esquerdista: a
muro de fantasias obsessivas e complexos in- rialista. Nos EUA não existe esquerda politica-
Princesa Léa e capacitantes, agravados por uma indolência mente atuante, apenas uma direita capitalista
Luke Skywalker intelectual verdadeiramente criminosa e pela durona e outra mais molinha.
[a resistência] compulsão irresistível de complicar ainda Visão 2 - Existem, sim, uma direita e uma es-
enfrentam as mais as coisas tentando mostrar boniteza em querda: a direita, republicana, é fundamenta-
tropas imperiais vez de exercer a única virtude que, numa hora lista, imperialista e militarista, representando
sob o comando de dessas, poderia ser salvadora: a sinceridade. os interesses calhordas da elite financeira e in-
Se entre todos os políticos, oficiais de alta pa- dustrial: a esquerda, democrata, representa os
Darth Vader [os tente, grandes empresários, professores de uni- pobres e oprimidos do mundo, os direitos hu-
Estados Unidos] versidade, juristas e economistas de uma nação manos, a democracia iluminista e, enfim, tudo
não se encontra um só que seja capaz de descre- o que é lindo desde o ponto de vista do Fórum
ver corretamente o estado de coisas no mundo e Social Mundial.
enquadrar nele a posição do país - e a realidade Quanta besteira, porca pipa!
é que não se encontra quase nenhum -, é claro A divisão americana, em primeiro lugar,
Até o que esse país está perdido e desorientado no es- não é entre republicanos e democratas. É entre
começo paço e no tempo, condenado a erros descomu- conservadores e globalistas. Estes estão nos
nais de política externa e administração interna dois partidos, os primeiros estão em parte no
dos anos 90 ainda
que só por milagre não tornarão inviável sua republicano, em parte órfãos de agremiação
era possível existência de Estado independente num prazo partidária, sem por isto deixar de constituir
acreditar, mais veloz do que a imaginação desses indiví- uma força política e cultural considerável.
honestamente, duos e grupos pode alcançar. O programa globalista, longe de ser impe-
que a Nova Os planos de grandeza e discursos patrióti- rialismo americano, consiste essencialmente
Ordem Mundial cos que saem da boca dessa gente são um coral em quebrar a soberania dos EUA, submetendo
de marinheiros bêbados num barco prestes a cada vez mais o país a organismos internacio-
que se formava
afundar. São sintomas psicóticos de uma total nais, sendo necessário, para esse fim, diluir a
ante os olhos de falta de senso da realidade. cultura e a identidade nacionais numa pasta
todos após a Na verdade, ao tentar lhes explicar que as "multiculturalista".
queda da URSS coisas não são como eles pensam, eu mesmo O globalismo não tem finalidades essen-
era, em essência, me sinto um pouco psicótico. Esperar que en- cialmente econômicas ou mesmo político-
a mundialização tendam alguma coisa é tão louco, no fundo, militares: é todo um conceito integral de civi-
do poder quanto apostar no futuro de um país liderado lização, uma verdadeira mutação revolucio-
por eles. Mas, como essa esperança se recusa a nária da espécie humana, incluindo a total er-
americano morrer, vamos lá. Vamos tentar outra vez. radicação das religiões tradicionais ou sua di-
Os EUA são mesmo a potência hegemôni- luição numa religião biônica universal cuja
ca, mas é ridículo imaginar que todas as ações expressão mais visível é o movimento da
que os projetam no mundo sejam o resultado "Nova Era". Seus ideais são tão opostos aos
de um cálculo unitário fundado no seu "inte- valores e interesses da nação americana que
resse nacional" (no sentido que o termo tem os conservadores, sem pestanejar, os consi-
na ESG). Com mais freqüência, isto sim, ex- deram inimigos tão perigosos quanto a Al-
teriorizam o conflito interno americano, con- Qaeda. Os poderosos grupos econômicos
flito que, por força da própria hegemonia dos que apóiam o globalismo são os mesmos que
EUA, expressa por sua vez a essencial divisão elegeram Bill Clinton e sustentaram a campa-
de forças no mundo. Dito de outro modo: a nha de John Kerry. Apóiam o aborto, o casa-
política americana, o drama americano, a mento gay, a liberação das drogas, a imigra-
guerra cultural americana, são o modelo em ção ilimitada e tudo o mais que possa dissol-
miniatura do conflito global. O problema é ver rapidamente a unidade histórica da cul-
que, entre os palpiteiros midiáticos, acadê- tura nacional americana. Fazem uso maciço
micos, empresariais e militares do Brasil, nin- do ativismo judicial para mudar completa-

112 MuNDOreAL
David Brauchli/Reuters/11/11/1989

mente o sentido da Constituição através de


sentenças que permitem o que era proibido e
proibem o que era permitido. Patrocinam
maciçamente a esquerda do Terceiro Mundo
e as manifestações anti-americanas, mas, lu-
tando para enfraquecer o país enquanto Esta-
do independente, buscam ao mesmo tempo
fortalecê-lo como instrumento da ONU. Daí a
ambigüidade de suas tomadas de posição
quanto ao terrorismo, por exemplo.
Os conservadores, cuja base de apoio eco-
nômico está essencialmente na prodigiosa
capacidade de coleta de fundos de milhares
de organizações populares (grassroots), mas
que têm algum respaldo na indústria nacio-
nal acossada pela concorrência chinesa, de-
fendem o predomínio americano no mundo,
mas não querem a diluição do país num im-
pério transnacional. Suas ambições "impe-
rialistas", incomparavelmente mais modes-
tas que as de seus concorrentes, consistem
apenas em manter uma relativa superiorida- A queda do muro
de econômica e militar dos EUA (numa inver- de Berlim:
são patética, é este plano, e não o globalista, celebração de uma
que a mídia brasileira denuncia como grande Nova Ordem
perigo para a nossa soberania). Não aceitam a Mundial
ingerência de organismos internacionais em
assuntos de soberania, defendem as interpre-
tações consagradas da Constituição, a restri- queira encontrar uma esperança para o Bra-
ção dos poderes do governo central, o libera- sil nesse mare ignotum. Em vista disso, peço
lismo econômico clássico, os direitos das re- aos distintos jornalistas, empresários, pro-
ligiões tradicionais - protestantismo, catoli- fessores etc., que, por favor, por caridade,
cismo e judaísmo -- e a preservação da por misericórdia, não saiam dando palpites
identidade cultural americana. sobre o presente artigo antes de estudar pelo
Cada palavra que se ouve em debates na menos estes três livros:
mídia, no parlamento, nas universidades * Carroll Quigley, Tragedy and Hope: A His-
dos EUA, ecoa essa divisão, da qual o Brasil tory of the World in Our Time, New York &
em peso continua ignorando praticamente London, Macmillan, 1966. É a Bíblia do globa-
tudo, graças aos bons préstimos de uma elite lismo. Não existe uma do antiglobalismo; as
falante mentirosa, corrupta, vaidosa e radi- objeções estão espalhadas; aqui vão duas
calmente estúpida. amostras:
É absolutamente impossível entender o * Cliff Kincaid, Global Bondage: The U. N.
jogo de forças no mundo - e portanto tomar Plan to Rule the World, Lafayette, Louisiana,
uma posição consistente dentro dele - sem Huntington House, 1995.
ter em conta a luta de concepções civilizacio- * Lee Penn, False Dawn: The United Reli-
nais por trás do conflito partidário america- gions Initiative, Globalism and the Quest for a
no que a reflete de maneira irregular e par- One-World Religion, Hillsdale, NY, Sophia
cial. O presidente Bush, por exemplo, é mo- Perennis, 2004.
ralmente um conservador, mas atado por * Vale a pena também examinar o artigo de
mil e um compromissos globalistas que tor- Steven Yates, "From Carroll Quigley to the UN
nam suas ações freqüentemente ambíguas e Millennium Summit: Thoughts on the New
não raro incompreensíveis nos termos World Order", em http://www.lewro-
usuais do nosso debate político. ckwell.com /yates/yates14.html .
Entender essas coisas dá algum trabalho, Os que não quiserem ler nada disso, então,
requer muito estudo e o mergulho numa in- por gentileza, queiram freqüentar a coluna do Diário do Comércio
finidade de dúvidas, mas é imensamente re- dr. Emir Sader e continuar entendendo tudo às 11/07/2005
compensador para quem, com sinceridade, avessas, como já se tornou costume nacional.

MuNDOreAL 113
Images.com/Corbis

Doença moral hedionda


H
á uma década e meia a Heritage Foun- opressão, mais sofrimento; quanto maior o ín-
O dation de Washington e o Wall Street dice de liberdade econômica, mais prosperi-
socialismo Journal publicam anualmente o Index dade, mais respeito aos direitos humanos,
é uma doença do of Economic Freedom, volumoso estu- mais oportunidades para uma vida digna ofe-
espírito, uma do comparativo dos controles estati- recidas a faixas mais extensas da população.
zantes e da liberdade de mercado nas várias na- Qualquer esquerdista intelectualmente ca-
deformidade
ções. Os critérios diferenciais abrangem a pro- pacitado a ler uma publicação desse tipo tem,
moral hedionda, priedade governamental dos meios de produ- diante dela, no mínimo a obrigação de ficar em
dificilmente ção, a participação acionária do Estado nas dúvida quanto à superioridade moral excelsa
curável empresas de economia mista, a incidência de que a propaganda política atribui ao socialismo
impostos sobre a iniciativa privada e a dose e de moderar um pouco aquele tom de certeza
maior ou menor de legislações restritivas. absoluta e inquestionável com que sempre atri-
É, de longe, a publicação econômica mais bui ao adversário, pelo simples fato de ser pró-
importante do mundo, a única que permite, capitalista, as piores e mais baixas intenções.
Quanto numa visão abrangente, avaliar sem muita di- Na mais modesta das hipóteses, uma cons-
mais ficuldade os méritos respectivos do capitalis- ciência moral tão elevada quanto aquela que
mo e do socialismo, não segundo os argumen- se arrogam os esquerdistas deveria ter ao me-
deploráveis os
tos concebidos para justificá-los, mas segundo nos um pouquinho de senso da verdade, ao
resultados o seu desempenho real no esforço para dar menos um pouquinho da humildade necessá-
econômicos do uma vida melhor ao conjunto da população ria para admitir os fatos e tirar alguma conse-
socialismo, tanto dos países ao seu alcance. qüência deles.
mais virulento o Ano após ano, a realidade desse desempe- Mas isso está infinitamente acima do que se
discurso nho é ali mostrada com uma profusão de da- pode esperar dessas criaturas. Quanto mais
esquerdista contra dos e com uma integridade metodológica que deploráveis os resultados econômicos do so-
nenhum estudioso da área ousou jamais con- cialismo, quanto maior a dose de crimes e vio-
o capitalismo e os testar. Essa realidade pode ser formulada em lências necessários para produzi-los, tanto
seus defensores termos simples e inequívocos: quanto maior a mais enfática a alegação de superioridade,
dose de controle estatal, mais miséria, mais tanto mais inabalável o sentimento de possuir

114 MuNDOreAL
o monopólio da bondade humana, tanto mais Nem é de espantar que, observados de perto,
virulento o discurso esquerdista contra o capi- na escala de suas atitudes pessoais, os mais des-
talismo e seus defensores. Quanto mais exten- tacados expoentes da ideologia socialista se re-
sas as provas do seu erro, tanto mais arraigada velem invariavelmente personalidades cruéis,
e intolerante a sua certeza, tanto menor a sua sem moral, sem amor ao próximo, sem o míni-
disposição de conceder ao adversário o bene- mo de sentimentos humanos nem mesmo por
fício da dúvida ou até mesmo o direito à pala- seus familiares e amigos. Estudem as biografias
vra, que com a maior desenvoltura lhe cassam de Karl Marx, de Lênin, de Stalin, de Mao-Tsé-
ao mesmo tempo que, numa apoteose de cinis- Tung, de Pol-Pot, de Fidel Castro - sobretudo os
mo, o rotulam de dogmático e intolerante. depoimentos do médico pessoal de Mao e os
Observar esse contraste, repetidamente, ao das filhas de Stalin e Castro - e vejam se há al-
longo dos anos, é ser arrastado a uma conclusão gum exagero em chamar esses indivíduos de
que a alma rejeita, mas que a consciência impõe monstros, ou de perversos os que os admiram.
inexoravelmente: o socialismo não é uma opi- Quem quer que, conhecendo esses fatos, ain-
nião política como qualquer outra, é uma doen- da julgue que o oceano de crueldade e sofrimen-
ça do espírito, uma deformidade moral hedion- to produzido por esses personagens e pelos mo-
da, pertinaz e dificilmente curável. vimentos que lideraram é preferível aos "males Diário do Comércio
A observação pessoal é confirmada por es- do capitalismo", decididamente não tem senso 19/09/2005
tudos consistentes como La Fausse Conscien- de proporções, não tem maturidade intelectual
ce, Joseph Gabel, Intellectuals, de Paul John- ou humana bastante para ser admitido como in-
son, Modernity Without Restraint, de Eric terlocutor respeitável num debate de idéias.
Voegelin, Fire in the Minds of Men, de James Desgraçadamente, é justamente esse o tipo de
Billington e outros inumeráveis. indivíduo que hoje dá o tom das discussões na-
Não há nada de estranho em que o mesmo cionais e se arroga, com sucesso, o papel de me-
diagnóstico se aplique ipsis litteris ao nazifas- dida-padrão das virtudes humanas, à luz da
cismo, já que este não passa de uma variante qual devem ser julgados todos os atos, seres e si-
interna do socialismo - obviedade histórica tuações. A covardia e o despreparo gerais da
que na época dos fatos era universalmente co- classe dominante no Brasil fizeram dela a cúm-
nhecida e que só a propaganda maciça pode plice ao menos passiva da ascensão desses cele-
ter apagado da memória pública ao menos em rados ao primeiro escalão da hierarquia social,
alguns países. de onde hoje é quase impossível removê-los.

MuNDOreAL 115
Frederic J. Brown/AFP

Soldados chineses desfilam em Beijin: país usa sucesso econômico como meio provisório para crescer e vencer no campo das armas

A China no Wal-Mart
P
ara saber quanto a intelligentzia brasileira está por fora Nenhum cidadão americano ignora o que isso significa: 2,9
do que se passa no mundo, basta uma visita ao Wal- milhões de vagas perdidas nas fábricas e a atrofia das velhas
Mart em qualquer cidadezinha americana. cidades industriais como Detroit, Cleveland, Allentown, Be-
Setenta por cento dos produtos aí vendidos são chi- thlehem e Pittsburgh. Alguns estudiosos de estratégia militar,
neses. Os dados são da revista China Business Weekly. como Jeffrey Nyquist - um dos homens mais inteligentes da
"Se o Wal-Mart fosse um país" - escreve Ted C. Fishman no seu América -- vão um pouco além: sabem que os fregueses da rede
recente livro China, Inc., "seria o quinto maior mercado expor- mais barateira de supermercados da América estão financian-
tador da China, acima da Alemanha e da Inglaterra". do o crescimento da máquina de guerra chinesa, cujo objetivo
E não é só no Wal-Mart: em todos os supermercados po- explícito, já reiterado mil vezes em publicações militares da
pulares dos EUA, é difícil encontrar algum móvel ou eletro- República Popular da China, é a destruição dos EUA (explica-
doméstico barato, com marca americana, que não seja fabri- rei mais sobre isto nas próximas semanas). Essa máquina au-
cado na China. menta dia a dia seu estoque de bombas atômicas, num ritmo

116 MuNDOreAL
Peter Parks/AFP

Depois de Mao, a
China é um país que
Brasil e Estados
Unidos não
entendem bem: o
salário de um
trabalhador chinês é
cinco vezes menor
que um mexicano e
os serviços públicos
não equilibram a
baixa remuneração

Andres Stapff/Reuters

jamais conhecido pelos EUA e ra o povo chinês. Em volta de


pela URSS durante a Guerra cinco cidades que prosperam
Fria, e investe maciçamente na em ritmo alucinante, estende-
produção de armas biológicas se um continente de misérias
cujo estoque atual já seria sufi- que o público ocidental mal
ciente para infectar toda a po- pode imaginar. O salário de um
pulação americana em questão trabalhador na China é cinco
de horas. E, quando os estrate- vezes menor que no México. E
gistas advertem que o gasto não pensem que os serviços
americano com produtos chi- públicos - a desculpa máxima
neses fomenta o crescimento de do socialismo - equilibrem a
um inimigo potencial, eles não baixa remuneração. Os hospi-
se referem apenas ao ganho im- tais chineses, todos do gover-
plícito que as forças armadas de no, não fazem um parto, não
qualquer país têm quando a engessam um braço, não arran-
economia nacional cresce. O cam um dente sem enviar a
Exército é o principal capitalista conta no fim do mês. A rede de
da China: ele lucra diretamente água e esgotos é péssima em to-
com a venda de cada TV, toca- Stan Honda/AFP/AE do o interior, e a dificuldade de
dor de CD ou telefone celular sobrevivência para as famílias
que as fábricas chinesas ven- camponesas é tanta que o go-
dem no exterior. E ganha em do- verno se torna cúmplice delas
bro, pois ao lucro se soma a ver- na chamada "guerra contra as
ba que o governo chinês recolhe meninas": o hábito de jogar as
em impostos e repassa às forças recém-nascidas aos porcos (e
armadas. Em dobro, não: em depois comer os porcos, é cla-
triplo, porque, quanto mais os ro). A prosperidade chinesa
produtos chineses fazem suces- não se assenta só na cegueira
so nos EUA, mais investimen- americana, é claro, mas na po-
tos americanos vão para as em- lícia política onipresente, no
presas chinesas, isto é, para o trabalho escravo, na esteriliza-
Exército chinês. ção forçada de milhões de mu-
É sobretudo graças à ajuda lheres e na perseguição maciça
americana que a China cresce das minorias, especialmente
num ritmo capaz de fazer dela religiosas (o número de cris-
em 2012 a maior potência in- tãos assassinados pelo gover-
dustrial e em 2050 a maior eco- no chega a 20 mil por ano). À
nomia do mundo. violência e à crueldade de um
Nada disso, é claro, resulta Estado policial soma-se a sem-
em benefício considerável pa- vergonhice institucionaliza-

MuNDOreAL 117
É sobretudo graças à ajuda americana Os fregueses da rede mais barateira da
que a China cresce num ritmo capaz de América financiam o crescimento da
fazer dela em 2012 a maior potência industrial máquina de guerra chinesa

da: dos lucros da indústria chinesa, 50 bilhões de dólares do exclusivamente na base do estereótipo Estado versus mer-
anuais são em produtos falsificados. cado, que se tornou o fetiche máximo do pensamento
Também não caiam na esparrela de imaginar que toda essa esquerdista nacional, ela identificou a priori o dogma do livre
quantidade monumental de sofrimento humano tenha servi- mercado com o interesse nacional americano, vendo uma con-
do ao menos para preservar uma cultura milenar. A "Revolu- vergência justamente onde os melhores analistas americanos
ção Cultural" de Mao Tsé-tung devastou a cultura tradicional viam uma oposição. A relação entre liberdade de mercado e
da China mais do que poderia tê-lo feito uma ocupação estran- interesse nacional é ambígua, para dizer o mínimo, e se torna
geira. E o que sobrou foi totalmente deformado pelas reinter- altamente problemática quando não há reciprocidade sufi-
pretações oficiais que, incrivelmente, trataram de dar um sen- ciente na abertura dos mercados de parte a parte, isto é, quan-
tido materialista aos clássicos da espiritualidade chinesa. Ho- do um dos Estados aposta tudo na liberdade econômica e o
je, nas universidades de Pequim, é impossível encontrar um outro no crescimento do poder nacional, usando como arma a
estudioso que compreenda o sentido do taoísmo ou o simbo- abertura oferecida pelo outro. A abertura econômica é fórmu-
lismo do I-Ching. Se estudiosos ocidentais como René Guénon la boa para as relações entre povos comerciantes. Mas, entre o
e Marcel Granet não tivessem preservado esses conhecimen- comerciante e o guerreiro, a vantagem a favor deste último é
tos, o tesouro espiritual chinês estaria irremediavelmente per- esmagadora. No romance de Flaubert, Salammbo, dois mer-
dido para a humanidade. cenários conversam sobre o que planejam fazer quando a
Ciência e tecnologia também não ganham nada com o in- guerra entre Roma e Cartago acabar. Um deles sonha comprar
vestimento americano na China. A maior parte dos conheci- uma fazenda e um arado, para enriquecer no comércio de ali-
mentos chineses nessa área é simplesmente comprada em No- mentos. O outro responde que não precisa de nada disso para
va York ou na Flórida e copiada com a maior cara-de-pau. O enriquecer. Mostrando a espada, diz: "Este é o meu arado." Tal
que não se pode comprar em loja obtém-se por espionagem - às é a diferença entre americanos e chineses: os primeiros apos-
vezes sob a proteção do próprio governo americano, como tam no sucesso de um sistema econômico; os segundos usam
aconteceu no caso do laboratório nuclear de Los Alamos, onde esse sucesso como meio provisório para crescer e vencer no
o presidente Clinton em pessoa mandou bloquear as investi- campo das armas. Os americanos querem apenas dinheiro, e
gações (nada mais lógico, aliás, uma vez que empresas estatais se iludem pensando que os chineses querem o mesmo. Os chi-
chinesas tinham contribuído substantivamente para a sua neses alimentam essa ilusão, apostando que ela os ajudará a
campanha eleitoral). obter o que querem: o dinheiro e tudo o mais - a completa des-
Como foi possível que tanto dinheiro americano fluísse pa- truição cultural, política, militar e econômica do inimigo. No
ra alimentar essa monstruosidade? começo, as apologias abstratas do livre mercado tendiam a en-
O nome do culpado é "globalização". E é olhando as coisas cobrir essa diferença. Hoje ela é
desse ponto de vista que se percebe a total alienação da mídia patente aos olhos de todos, e é
brasileira e principalmente dos intelectuais iluminados que a nela, exclusivamente, que resi-
freqüentam com suas lições de sabedoria. "Globalização", pa- de a causa do crescimento inu-
ra essa gente, é sinônimo de Império Americano. Nos nossos sitado da China, paralelamen-
debates públicos, o triunfo da doutrina do livre mercado na te ao enfraquecimento da in-
década de 90 é apresentado invariavelmente como um artifí- dústria americana.
cio maquiavélico inventado por estrategistas de Wall Street As relações entre ideologia e
para implantar no mundo o "american way of life". Alguns poder são obviamente mais
desses estrategistas, de fato, alegavam que a abertura das complexas do que as concebe a
fronteiras comerciais espalharia a democracia americana no vã filosofia das classes falantes
mundo. Mas outros alertavam que a simples liberdade econô- brasileiras. O que um observa-
mica não poderia operar essa mágica, sobretudo se adotada dor atento aprende no Wal-
no ar, em abstrato, fora de um enfoque geopolítico que levasse Mart é que a doutrina do capi-
em conta, para além da concorrência empresarial, a concor- talismo liberal pode ajudar a li-
rência estratégica entre os Estados. A abertura econômica da quidar o capitalismo liberal,
China, diziam, era perfeitamente compatível com a continui- fomentando o crescimento de
dade da ditadura comunista e de uma política exterior agres- uma ditadura comunista tão Diário do Comércio
siva, militarista e expansionista. Este lado do debate ameri- agressiva, pelo menos, quanto 20/06/2005
cano foi inteiramente ignorado pela nossa mídia: raciocinan- a antiga URSS.

118 MuNDOreAL
A guerra contra as religiões
Ludvik Glazer-Naude/Corbis

E
mbora desde a Revolução Francesa o discussões públicas é o mesmo que querer
grosso da violência militante tenha se parar um assassino, ladrão ou estuprador
originado sempre nas ideologias ma- mediante a alegação polida de que seus atos
terialistas e escolhido como vítima são ilegais. Os mentores e autores da campa-
preferencial a população religiosa; nha anti-religiosa universal sabem perfeita-
embora a perseguição aos católicos, ortodo- mente que estão mentindo. Não precisam ser
xos, protestantes e judeus tenha matado avisados disso. Precisam é ser detidos, des-
mais gente só no período de 1917 a 1990 do providos de seus meios de agressão, reduzi-
que todas as guerras religiosas somadas ma- dos à impotência e tornados inofensivos co-
taram ao longo da história universal; embo- mo tigres empalhados.
ra nas duas últimas décadas o morticínio de A propaganda insistente contra uma co-
cristãos tenha voltado a ser rotina nos países munidade exposta a risco não é simples ex-
comunistas e islâmicos, chegando a fazer pressão de opiniões: é ação criminosa, é cum- A
150 mil vítimas por ano; embora todos esses plicidade ostensiva ou disfarçada com o ge- eliminação
fatos sejam de facílima comprovação e de nocídio. Aqueles que a praticam não devem
de todas as
domínio público (v. nota no fim deste arti- ser apenas contestados educadamente, co-
go); e embora nas próprias nações democrá- mo se tudo não passasse de um pacífico de-
religiões é
ticas o acúmulo de legislações restritivas ex- bate de idéias: devem ser responsabilizados sugerida como a
ponha os religiosos ao perigo constante das judicialmente por crimes contra a humani- mais bela
perseguições judiciais, - a grande mídia e o dade. A jurisprudência acumulada em torno esperança de paz
sistema de ensino na maior parte dos países das atrocidades nazistas, unânime em con- e liberdade para a
insistem em continuar usando uma lingua- denar a cumplicidade moral mesmo retroa- humanidade
gem na qual religião é sinônimo de violência tiva, fornece base mais que suficiente para
fanática e na qual a eliminação de todas as re- c o n d e n a r, p o r e x e m p l o , u m R i c h a r d
sofrida"
ligiões é sugerida ao menos implicitamente Dawkins quando sai alardeando que o ju-
como a mais bela esperança de paz e liberda- daísmo e o cristianismo são "abuso de meno-
de para a humanidade sofrida. res", como se a noção mesma da proteção à
A mentira gigantesca em que se sustenta infância não tivesse sido trazida ao mundo
essa campanha é tão patente, tão ostensiva, por essas religiões e como se elas não fossem,
tão cínica, que combatê-la só no campo das hoje, o último obstáculo à erotização total da

MuNDOreAL 119
infância e à subseqüente legalização univer- males, como se os mais amplos morticínios
sal da pedofilia (já praticamente institucio- da História não fossem males de maneira al-
nalizada no Canadá, um dos países mais guma, esse homem é simplesmente um apo-
ateus do universo). logista do genocídio, um criminoso vulgar
Quando o sr. Dawkins se diz avesso ao uso como qualquer neonazista de arrabalde.
de meios violentos para extinguir as reli- O sr. Dawkins já ultrapassou aquele limi-te
giões, mas propõe os mesmos objetivos da truculência mental e do desprezo à verda-
ateísticos que há dois séculos buscam reali- de, para além do qual toda a discussão de
zar-se precisamente por esses meios, ele sa- idéias se torna inútil. Não se trata de provar na-
be perfeitamente que a ênfase do seu discur- da para o sr. Dawkins. Trata-se de provar seu
so, e portanto seu efeito sobre a platéia, está crime perante os tribunais. O dele e o de inu-
na promoção dos fins e não na seleção dos meráveis organizações militantes, subsidia-
meios. Voltaire, quando bradava "esmagai a das por fundações bilionárias, dedicadas a fo-
infame", negava estar incitando quem quer mentar por todos os meios o ódio às religiões.
que fosse à violência física contra a Igreja Ca- Todas as organizações religiosas que não
tólica. Mas, quando os revolucionários de se mobilizarem para a defesa comum não só
1789 saíram incendiando conventos, no campo midiático, mas no judicial,
destripando freiras e decapitando devem ser consideradas traidoras,
bispos, era esse grito que ecoava colaboracionistas e vendidas ao
nos seus ouvidos e saía pelas inimigo. E não espanta que
suas bocas. Se a religião é, usem para legitimar sua co-
segundo o sr. Dawkins, "o vardia abominável o pre-
maior de todos os crimes", texto do perdão e da cari-
a matança de todos os re- dade, prostituindo o sen-
ligiosos terá sempre o tido da mensagem evan-
atenuante da gravidade gélica que manda cada
menor e o da sublime in- u m d e n ó s p e rd o a r a s
tenção libertadora. Quan- ofensas feitas a ele pró-
do em 1886 Edouard Dru- prio, nunca pavonear-se
mont publicou o tremendo de cristão mediante o expe-
panfleto antijudaico La Fran- diente fácil de perdoar crimes
ce Juive, ele não tinha em mente cometidos contra terceiros, que
nenhuma crueldade a ser pratica- aliás nunca lhe deram procuração
da coletivamente contra os judeus. para isso. Não é um discípulo de Jesus
Mas é impossível ler hoje suas páginas aquele que, vendo seu irmão ser esbofe-
sem sentir o cheiro das câmaras de gás. Uma teado, se apressa em cortejar o agressor ofe-
única e breve página vagamente anti-semita cendo-lhe a outra face da vítima.
escrita por Winston Churchill na juventude
precipitou-o numa tal crise de arrependi- Fundamentalismo?
mento, diante da ascensão do nazismo, que
isso decidiu o restante da sua vida de líder e O mais extraordinário é que as forças an-
combatente. Drumont, que morreu em 1917, ticristãs e antijudaicas, mal escondendo seu
não poderia ter adivinhado o destino que os apoio à ocupação islâmica do mundo oci-
leitores dos seus livros dariam aos judeus. dental, se prevalecem da própria imagem
Mas o sr. Dawkins não precisa adivinhar o sangrenta do radicalismo islâmico para pro-
futuro para calcular o efeito de suas pala- jetá-la sobre as demais comunidades religio-
vras: ele conhece a história do século XX, ele sas, sobretudo aquelas que são vítimas
sabe a que resultados levam não somente as usuais da violência muçulmana, e transmitir
propostas explícitas como a de Lênin, "var- ao mundo a noção de que todas são, no fun-
rer o cristianismo da face da Terra", mas tam- do, terroristas. O manejo astuto do termo
bém o anticristianismo mais sutil, mais so- "fundamentalismo" tem servido para esse
fisticado de um Heidegger, que, pretenden- ardil, que desonra qualquer língua culta. Es-
do expulsar Deus para fora da metafísica, se termo designava originariamente certas
convocou Adolf Hitler para dentro da Histó- seitas protestantes afeitas a uma leitura lite-
ria. O homem que, sabendo de tudo isso, se ral da Bíblia ou, mais genericamente, qual-
oferece para gravar programas de TV que quer comunidade religiosa decidida a con-
apresentam a religião como a raiz de todos os servar o apego às suas tradições (um direito

120 MuNDOreAL
que hoje se reserva para muçulmanos, ín- dres, burgueses, pais,
dios, africanos e seus descendentes, negan- mães e demais auto-
do-o a todo o restante da espécie humana). ridades, "pero sín
Ao transferir o uso desse qualificativo para perder la ternu-
os terroristas islâmicos, a grande mídia e os ra jamás".
intelectuais ativistas que a freqüentam co- O sonho
meteram uma impropriedade proposital. kitsch do mor-
De um lado, esse uso camuflava o fato de que ticínio meigo
esses radicais não eram de maneira alguma encantou sua
tradicionalistas: eram revolucionários pro- juventude e
fundamente influenciados pelas ideologias tornou-se o
de massa ocidentais - comunismo e nazifas- ideal orientador
cismo -, bem como pelo pensamento "van- de sua formação
guardista" de Heidegger, Foucault, Derrida moral. Infelizmente,
e tutti quanti. De outro lado, e por isso mes- durante todo esse longo
mo, o termo assim empregado ia-se iman- período, nada puderam fa-
tando de conotações repugnantes, prepa- zer de substantivo contra a auto-
rando seu uso futuro como arma de guerra ridade opressora, da qual dependiam para
psicológica contra as mesmas comunidades seu sustento, vestuário, educação, lazer e ou-
religiosas que o radicalismo islâmico toma- tras maldades a que se submetiam com pa-
va e toma como suas vítimas preferenciais: ciência de verdadeiros mártires do socialis-
os cristãos e os judeus. Numa terceira fase, o mo. Em segredo, juravam que um dia iam
qualificativo passou a ser usado ostensiva- acabar com toda aquela injustiça capitalista.
mente contra essas comunidades, ao mesmo Agora, crescidinhos, tiveram finalmente
tempo que se espalhava pelo mundo a cam- uma oportunidade da vingança redentora
panha de difamação anti-religiosa da qual contra papai & mamãe. Ainda não puderam
o sr. Richard Dawkins é agora o mais espa- mandá-los para a cadeia, mas já quebraram a
lhafatoso garoto-propaganda. Durante a espinha dorsal da sua autoridade. Aprova-
invasão do Iraque, rotular como "fundamen- ram, em caráter conclusivo, o Projeto de Lei
talistas" o presidente Bush (cristão) e o secre- 2654/03, que proíbe qualquer forma de casti-
tário Rumsfeld (judeu) tornou-se repentina- go físico em crianças e adolescentes. O projeto
mente obrigatório em toda a mídia chique, será encaminhado ao Senado, sem precisar ser
com uma uniformidade que comprova, votado pelo Plenário da Câmara.
uma vez mais, a presteza da classe jornalís- O incentivo direto e indireto à delinqüên-
tica em colaborar com a reforma orwelliana cia infanto-juvenil tem sido, há quase um sé- Todas as
do vocabulário. culo, um dos instrumentos fundamentais organiza-
usados pelos ativistas de esquerda para mi- ções religiosas
Realizando um sonho de infância nar a ordem social capitalista, gerando den- que não se
tro dela um caos infernal para em seguida mobilizarem para
Desde pequenos, os membros da futura poder acusá-la de ser precisamente isso e
a defesa comum
Comissão de Desconstituição e Injustiça da propor a salvação geral mediante o acrésci-
Câmara Federal nutriam profunda revolta mo de controles estatais e burocráticos, exer- devem ser
contra as palmadas que levavam de seus pro- cidos, é claro, por eles mesmos. Intimamente consideradas
genitores em represália ao exercício de direi- associada a essa estratégia, a transferência traidoras"
tos humanos fundamentais, como o de tentar progressiva de todas as formas de controle
furar os olhos de seus irmãozinhos, atear fo- social para o grupo politicamente ativo é
go à casa, esganar o papagaio da vizinha, es- também um objetivo constante da subver-
ticar um barbante entre os degraus da escada são comunista. Todos os meios são usados
só para ver a vovó rolando ou praticar qual- para isso, sempre sob pretextos edificantes
quer outra daquelas truculências encantado- que colocam o eventual adversário na posi-
ras que prenunciam uma brilhante maturida- ção incômoda de parecer um defensor do
de de discípulos de Che Guevara. mal. As mães que derem uma palmada no
Na adolescência, ainda parcialmente opri- bumbum de seus filhos, por exemplo, serão
midos sob a autoridade familiar, comoviam- agora encaminhadas compulsoriamente a
se até às lágrimas com a perspectiva de tor- um "programa comunitário de proteção à fa-
nar-se, à imagem do mestre, "eficientes e frias mília". Quem pode ser contra a proteção à fa-
máquinas de matar" e sair massacrando pa- mília? Na URSS, os dissidentes eram enca-

MuNDOreAL 121
minhados à "assistência psiquiátrica gratui-
ta". Quem pode ser contra o tratamento gra- FONTES SOBRE A PERSEGUIÇÃO ANTI-RELIGIOSA
tuito dos doentes mentais?
Nos EUA, já se tornou impossível ignorar Livros:
o vínculo de causa e efeito entre as reformas G David Limbaugh,

educacionais "progressistas" adotadas des- Persecution:


de John Dewey (1859-1952) e o crescimento How Liberals Are
avassalador da delinqüência infanto-juve- Waging War Against
nil, um problema que o Estado já desistiu Christianity
de eliminar, contentando-se agora em dedi- (Washington,
car-se ao "gerenciamento de danos", isto é, Regnery, 2003).
em adestrar a sociedade para que aceite o G Roy Moore, So Help

estado de coisas como fatalidade inevitável. Me God: The Tem


(Sugiro, quanto a esse ponto, a leitura de Commandments,
Joel Turtel, Public Schools, Public Menace : Judicial Tyranny, and The
How Public Schools lie to Parents and Betray Battle for Religions Freedom
our Children, Charlotte T. Iserbyt, The Deli- (Nashville, Tennessee, Broadman &
berate Dumbing Down of America, Berit Holman, 2005).
Kjos, Brave New Schools: Guiding Your G Janet L. Folger, The Criminalization

Child Through the Dangers of the Changing of Christianity (Systers, Oregon,


School System, Brenda Scott, Children No Multnomah, 2005).
More: How We Lost a Generation, Bob Whi- G Rabbi David G. Dalin,

taker, Why Johnny Can't Think e John Taylor The Myth of Hitler's Pope
Gatto, Dumbing Us Down: The Hidden (Washington DC, Regnery, 2005).
Curriculum of Compulsory Schooling. G David B. Barrett & Todd Johnson,

Todos esses livros podem ser encontrados World Christian Trends, Ad 30-Ad
pelo site www.bookfinder.com.) Simulta- 2200: Interpreting the Annual
neamente, a intelectualidade ativista tira Christian Megacensus. William Carey
proveito da situação que ela própria criou, Library, Send the Light Inc, 2003.
imputando a violência adolescente, por G E. Michael Jones, Libido

exemplo, às fábricas de armas, que já Dominandi: Sexual Liberation and


existiam no tempo em que as crianças se Political Control (South Bend,
contentavam com traquinagens domésticas Indiana, St. Augustine's Press, 2000).
inofensivas.
A relatora do projeto na Comissão, Sandra Internet:
Rosado (PSB-RN), justificou a nova lei afir- G http://www.christianper

mando que "educar pela violência é uma abo- secution.info/


minação, incompatível com o atual estágio G http://zbh.com/links/

de evolução da sociedade". Decerto: quando martyred.htm


um país governado pelos gangsters do Men- G http://www.freedomhouse.

salão intimamente associados aos narcotrafi- org/religion/


cantes das Farc chega aos 50 mil homicídios G http://www.christian monitor.org/

por ano e ainda se preocupa mais em amarrar G http://www.worship.com /help/

as mãos dos policiais do que em deter os cri- http://www.wayoflife. org/fbns/


minosos, isso é um estágio de evolução in- state.htm
compatível com palmadas educativas nos G http://www.thegreat separation.

bumbuns das crianças travessas. O tempo de com/newsfront/


tentar educar as safadinhas já passou: elas já christian_persecution/
estão todas na Câmara Federal. G http://www.persecution.com/

Somada às demais medidas concomitantes G http://www.jews4fairness.org/

tomadas pelo Estado-babá para a proteção dos index.php


delinqüentes e a criminalização de todas as G http://www.wnd.com (site de

formas tradicionais de autoridade, a nova lei notícias em geral, acompanha


promete ter efeitos culturais que farão Anto- regularmente as notícias de
Diário do Comércio nio Gramsci e os fundadores da Escola de perseguição religiosa no mundo).
20/06/2005 Frankfurt ter orgasmos no túmulo. Deve ser -
por fim! - a liberação sexual dos mortos.

122 MuNDOreAL
Scott Picunko/Corbis
A
chacota
geral
do mundo
Q
uem quer que saiba o que é lógica tem a ultimamente se multiplicam como ratos de esgoto -
obrigação de saber também que, se a não têm o menor pressentimento dela, embora
demonstração da existência de Deus pode esbarrem nas suas fronteiras a cada instante. A
ser difícil, a da Sua inexistência é maioria apela em última instância ao argumentum ad
absolutamente impossível. Tanto é ignorantiam, declarando com patética inocência que
impossível que nenhum ateu jamais tentou aquilo que desconhecem não pode existir. Esses são
sequer formulá-la. Todos limitam-se a invencíveis na discussão, pois nenhum argumento
argumentos periféricos e ocasionais, voltados tem o poder de infundir inteligência no ouvinte que
antes a detalhes de doutrina religiosa, uma sólida aliança da genética com a má educação
perfeitamente discutíveis em si mesmos, do que tornou irremediavelmente estúpido. Sob esse ponto
ao centro inexpugnável da questão. de vista, o ateísmo parece ter um futuro brilhante.
Essa impossibilidade não era desconhecida dos A tese ateística não sendo logicamente defensável até
maiores pensadores ateus do passado, que a suas últimas conseqüências, os inimigos de Deus
contornavam sem poder enfrentá-la. A quase totalidade acabaram-se distribuindo em tribos diversamente
dos que polemizam hoje em favor do ateísmo - e eles localizadas, cada qual atacando o problema por um

MuNDOreAL 123
pedacinho da borda, não na esperança de chegar um dia ao
centro, mas na de vencer a platéia pelo cansaço, persuadindo- Os ateus são campeões da fé, na medida
a enganosamente de que a soma infindável de argumentos
em que apostam naquilo que ninguém
relativos tem o valor e a autoridade de uma prova absoluta.
As principais dentre essas tribos são as seguintes:
jamais poderá provar (...)
a) Os ateus propriamente ditos, que mesmo não sabendo
disto são campeões da fé, na medida em que apostam
naquilo que ninguém jamais poderá provar. Muitos deles,
abdicando previamente de enfrentar a dificuldade mundo. A proposta é tão virulenta, absurda e infame que,
intransponível inerente à sua tese, dispendem energias embora já esteja em fase avançada de implementação (v. o
colossais em operações diversionistas como a do dr. Richard livro de Lee Penn já várias vezes citado aqui, False Dawn),
Dawkins, apegado à esperança de que a simples hipótese de jamais é apresentada em público com franqueza, apenas
poder o mundo ter surgido sem Deus, se formulada com difundida indiretamente através de eufemismos anestésicos.
sofisticação matemática bastante, já venha a resolver o Na verdade, o ateísmo, o deísmo e o agnosticismo já não
problema inteiro, como se uma possibilidade teórica têm qualquer energia própria. Propugnados por saudosistas
pudesse, por si, ser prova de realidade efetiva. do iluminismo voltaireano e do cientificismo positivista,
b) Os deístas, que, cientes da impossibilidade de livrar-se tornaram-se instrumentos auxiliares que concorrem para
completamente de Deus, tratam de diluí-Lo numa noção tão criar a confusão necessária à implantação da nova religião
geral, tão vaga e tão abstrata que, no fim das contas, é como universal, sendo por isso fomentados e subsidiados pelas
se Ele não existisse. A melhor solução para eles é a teoria do mesmas fontes que a originam, entidades perfeitamente
deus ocioso - muito em voga no tempo do mecanicismo respeitáveis em aparência que são também as forças
renascentista -, o qual teria criado o mundo segundo regras propulsoras de movimentos revolucionários e subversivos
tão fixas e imutáveis que toda interferência do criador se em várias partes do mundo.
tornou desnecessária uma vez pronto o mecanismo do Até há algum tempo, tudo isso era apenas uma suspeita, e
mundo. É a imagem do relojoeiro que, terminada a a investigação dos fatos por trás dela se misturava
construção, dá corda no relógio e vai dormir. Não precisamos inevitavelmente a doses maciças de especulação imaginária,
discutir essa puerilidade. preconceitos monstruosos, desinformação proposital e um
c) Os agnósticos, que professam voltar as costas ao bocado de pseudociência. Foi a época das "teorias da
problema de Deus e, modestamente, lidar apenas com conspiração".
questões acessíveis aos métodos da moderna ciência natural, Hoje, os mesmos avanços tecnológicos que deram a esse
mas, feito isso, proíbem a investigação de qualquer objeto movimento o impulso formidável da organização em "redes"
que esteja fora do alcance desses métodos ou proclamam tornaram fácil identificar essas redes e todas as suas
abertamente a inexistência dele, mostrando ser ateus conexões internas e externas, apreendendo a unidade por
disfarçados que optaram por dificultar o acesso àquilo cuja trás de uma multiplicidade que de outro modo seria
inexistência não puderam provar. desnorteante. O simples estudo da circulação de dinheiro
d) Os gnósticos, que admitem a existência do criador mas entre fundações, governos, ONGs, movimentos terroristas e
proclamam que ele é mau, que fez o mundo contra a vontade quadrilhas de narcotraficantes basta para tornar a realidade
do verdadeiro Deus, ente espiritual puríssimo que jamais da subversão gnóstica mundial demasiado visível para que
sujaria suas excelsas mãozinhas numa porcaria dessas; donde se possa continuar a ocultá-la mediante o apelo a evasivas
se segue a obrigação máxima do crente gnóstico, a qual difamatórias destinadas a intimidar o investigador. Um
consiste em destruir o mundo ou modificá-lo radicalmente, de exame acurado dos sites http://www.activistcash.com e
preferência destruindo-o primeiro para depois substituí-lo http://www.discoverthenetwork.org dará ao leitor uma
por algo de totalmente diferente. Dessa proposta dupla do idéia precisa do que estou dizendo. Estudos como The
movimento gnóstico nasceu uma pluralidade caótica de Marketing of Evil, de David Kupelian (Nashville, Tennessee,
seitas, das quais algumas se transformaram em movimentos WND books, 2005), Machiavel Pedagogue, de Pascal
de massa a partir do século XVIII, gerando as ideologias Bernardin (Cannes, Édition Notre-Dame das Graces, 1995),
revolucionárias do anarquismo, do comunismo, do nazismo, Good Bye, Good Men, de Michael S. Rose (Washington DC,
do fascismo, do positivismo e da tecnocracia, bem como, para Regnery, 2002), The Deliberate Dumbing Down of America,
além delas, a proliferação de ocultismos da "Nova Era" e o de Charlotte Thomson Iserbit (Ravenna, Ohio, The
plano da "Nova Ordem Mundial" ao qual esses ocultismos Conscience Press, 1999) e The ACLU vs. America, de Alan
não servem senão de instrumento provisório. Sears e Craig Osten (Nashville, Tennessee, Broadman &
O gnosticismo é a ideologia suprema do nosso tempo, Holman, 2005), tirarão o restante da dúvida. Os nomes das
destinada a reinar soberana sobre uma humanidade mesmas organizações - a "Ford Foundation", o "Open Society
idiotizada tão logo as religiões tradicionais se tornem Institute" de George Soros, a "John D. & Catherine T.
incompreensíveis para as multidões e possam ser sintetizadas MacArthur Foundation", a "Carnegie Corporation of New
num culto biônico sob a administração da ONU ou órgão York" e o "Council on Foundations", entre uma centena de
equivalente auto-incumbido das funções de governo do outras - aparecem com tão obsessiva freqüência entre os

124 MuNDOreAL
extremismos insanos são repentinamente ampliados para
Para os deístas, Deus é como o relojoeiro atingir a massa inteira dos fiéis, bastando, por exemplo, um
cidadão de hoje em dia ser contrário ao aborto para receber o
que, terminada a obra, dá corda no
epíteto de "fundamentalista" ou "fanático teocrata".
relógio e vai dormir Acompanha esse cerco a escalada judicial, impondo cada vez
mais restrições à liberdade de culto, estrangulando
organizações religiosas mediante proibição de contribuições e
criminalizando a simples expressão da fé em lugares públicos.
financiadores de movimentos subversivos e os do governo Na mesma linha vem a súbita proliferação de pretensas obras
mundial, que já não é possível deixar de enxergar a ligação de arte que se notabilizam exclusivamente pela astúcia da
entre essas duas forças aparentemente díspares, uma voltada blasfêmia proposital destinada a dessensibilizar a população
para a disseminação do caos, outra para a construção da mediante o truque sórdido do escândalo rotinizado. Não é
Nova Ordem, tão articuladas entre si quanto as duas necessário dizer que esses empreendimentos vêm geralmente
operações alquímicas da dissolução e da coagulação. subsidiados pelas mesmas fontes acima citadas.
Contra esse assalto geral às bases da civilização, os pontos A onda antiamericanista e anti-israelense, a mais vasta
de resistência são hoje as religiões tradicionais, o Estado campanha de ódio que já se viu no mundo, subindo no tom
constitucional americano, o Estado de Israel e alguns países até a perda completa do senso das proporções, abriu as
do Leste Europeu egressos do comunismo. portas da grande mídia a um tipo de jornalismo porco que
Das religiões, cada uma está mais corroída que a outra. O décadas atrás só se via na imprensa partidária comunista. O
cristianismo, ainda forte nos EUA e no Leste Europeu e em desinformante profissional e o agente de influência são hoje
plena expansão na Ásia e na África, está praticamente aceitos como modelos de jornalismo, dominando não só as
destruído na Europa ocidental e dominado pelo redações como também os órgãos sindicais da classe, donde
esquerdismo na América Latina. O Islã tradicional, exercem sobre o conjunto da profissão um controle
evaporado, tornou-se apenas uma figura de retórica no monopolístico que torna a censura desnecessária.
discurso radical que a mídia do Ocidente, confundindo Nesse panorama, não é de espantar que ateus de velho
propositadamente as coisas, rotula de "fundamentalista". O estilo, reencarnações de Haeckel e Renan, reapareçam
judaísmo está assolado daqueles tipos que Don Feder chama brandindo os mesmos velhos argumentos já mil vezes
de "judeus Seinfeld", para os quais as três solenidades desmoralizados, mas agora reencorajados em suas
judaicas fundamentais são o Bar-Mitzvah, o Rosh-Hashaná e pretensões "científicas" pela produção editorial de lixo
o aniversário da Barbara Streisand. gnóstico e ocultista em doses avassaladoras, sufocando a
A América está ameaçada desde dentro pela potente oposição pela força da gritaria ricamente subsidiada,
simbiose das fundações milionárias com o esquerdismo facilmente ecoada pelo trabalho voluntário de uma multidão
revolucionário, solidificada pela mídia chique e hoje de chimpanzés no Terceiro Mundo.
mentora inconteste do Partido Democrata. Que o pretenso materialismo científico apareça tão
Israel, cercadao de três dezenas de países hostis, e talvez intimamente aliado à onda ocultista e satanista não
recordista mundial de traidores e muristas per capita, deveria surpreender a ninguém. Hoje sabe-se que a fonte
sobrevive não se sabe como. Voltado à sua destruição mesma do cientificismo - a rebelião iluminista - não brotou
urgente, o anti-semitismo adquire novos contornos, mais senão da mesma fonte
sutis e enganadores, que não podem talvez ser gnóstica de onde nasceram o
compreendidos senão à luz do estudo empreendido pelo teosofismo e a Nova Era.
rabino Marvin S. Antelman, To Eliminate the Opiate Fenômenos como
(Jerusalem, Zionist Book Club, 2 vols., 1988 e 2002), que um "O Código da Vinci" e
dia comentarei aqui em detalhe. "O Evangelho de Judas", tão
Minar esses três pontos de resistência é obviamente manifestamente subsidiários
prioritário para a Nova Ordem Mundial. Daí fenômenos da pseudo-religião mundial
estranhos como a súbita revivescência do cientificismo, já em preparação, não têm
totalmente demolido pelos maiores filósofos da primeira nenhum significado
metade do século XX - Husserl, Jaspers, Lavelle, Berdiaev, intelectual em si mesmos e
entre outros -- mas facílimo de impingir a novas gerações que não podem ser discutidos
não tiveram acesso universitário às obras desses pensadores exceto como dados
ou que foram preventivamente imunizadas contra eles por sociológicos de uma época
injeções maciças de desconstrucionismo, chomskismo, que dá testemunho contra a
multiculturalismo e outros estupefacientes. Na esteira desse inteligência humana. Os
fenômeno vem o crescente anticristianismo da mídia e do velhos ateísmos cientificistas
show business, cada vez mais brutal e descarado, atuando que emergem das tumbas não Diário do Comércio
sobretudo através do expediente orwelliano da "reforma do são senão um detalhe patético 17/04/2005
vocabulário", na qual antigos rótulos pejorativos reservados a a mais na chacota geral.

MuNDOreAL 125
Absurdo monumental
E
nquanto o povo inteiro se emociona com gresso e a usam para baixar uma lei digna da
a mirabolante sucessão de escândalos Rainha de Copas. Noutro, infringem a Cons-
do Mensalão, outros acontecimentos, tituição que lhes incumbe defender.
mais discretos porém ainda mais revela- Bem, uma ordem que tem dois significados
dores da ruína moral e intelectual da na- possíveis, antagônicos entre si e cada um ab-
ção, podem passar totalmente despercebidos. surdo em si mesmo, é, com toda a evidência,
Escolhi este porque é, em si, um monumen- uma ordem sem significado nenhum.
to ao desastre. Como obedecê-la, portanto? Obedecer a
O leitor sabe que quem torce pelo Flamengo uma ordem é traduzir o seu significado em
é flamenguista, quem vota no Maluf é malufis- atos. Não havendo significado, a obediência é
ta, quem se dói de amores por Lula é lulista, impossível. Ninguém pode se curvar a ela sem
quem quer ver o comunismo implantado no anular, no ato, os princípios constitucionais e
mundo é comunista. Mas, segundo decisão legais que fundamentam a autoridade mesma
unânime da Primeira Turma Recursal dos Jui- O próprio de quem a emitiu.
zados Especiais do DF, quem defende a prática Deus Aos juízes da Turma Recursal cabe, portan-
do aborto não pode ser chamado de abortista. to, a invenção desta novidade jurídica absolu-
jamais sonhou
Ah, isso não. O Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz, ta: a sentença auto-anulatória.
do Pró-Vida de Anápolis, SP, entidade que luta
remexer tão fundo Se pretendem seriamente que ela seja cum-
contra a legalização do aborto, foi condenado os pilares do prida, portanto, os magistrados brasilienses
a pagar R$ 4.250,00 de multa por ter designado cosmos como o violam não somente um dos princípios funda-
com esse termo uma notória defensora (bem pretenderam os mentais do Direito, que reza "ad impossibilia
subsidiada pela fundação MacArthur, é claro) meritíssimos nemo tenetur" (ninguém é obrigado a fazer o
do direito de matar bebês no ventre de suas impossível), mas também as leis da lógica ele-
mães, em quantidade ilimitada, a mero pedido mentar, a ordem causal da ação humana e, en-
das ditas cujas. Pior: o sacerdote foi informado fim, a estrutura inteira da realidade. Perto dis-
pela autoridade judicial de que doravante de- so, aquele famoso prefeito de cidade do interior
ve abster-se de usar a palavra proibida não só Abortismo que mandou revogar a lei da gravidade foi um
ao falar da mencionada senhora, ou senhorita, é um primor de modéstia, já que suspendeu somente
mas de qualquer outra pessoa, por mais uma das leis da mecânica clássica, deixando o
termo banal do
abor(CENSURADO)ista que seja. resto da ordem universal em paz. O próprio
Não sei o nome dos juízes que compõem a
idioma, Deus jamais sonhou remexer tão fundo os pila-
Turma. Mas sei que das duas uma: ou a proi- consagrado em res do cosmos como o pretenderam os meritís-
bição que baixaram se aplica a todos os cida- dicionários e em simos, já que anunciou desfazer no Juízo Final
dãos brasileiros ou exclusivamente ao Pe. Lo- pelo menos 24 mil tão-somente o universo corpóreo presente-
di. Na primeira hipótese, os signatários dessa citações no Google mente conhecido, conservando intactos o prin-
nojeira ultrapassaram formidavelmente suas cípio de identidade e os nexos de causa e efeito,
atribuições de magistrados e se autopromove- sem o que não poderia julgar os vivos e muito
ram a legisladores, com o agravante de que menos os mortos. Sto. Tomás de Aquino ensi-
usaram dessa inexistente prerrogativa para nava que a onipotência divina não tem limites
instaurar, pela primeira vez na História uni- externos mas os tem internos: não pode anular-
versal da jurisprudência, a proibição de pala- se a si própria, decretando uma absurdidade in-
vras (e logo de um termo banal do idioma, con- trínseca. Para os juízes da Turma Recursal, isso
sagrado em dicionários e em pelo menos 24 não é obstáculo de maneira alguma.
mil citações no Google). Na segunda, terão ne- Se os leitores pensam que a comédia parou
gado a um cidadão em particular o direito de por aí, enganam-se. Uma sentença que não
livre expressão desfrutado por todos os de- tem sentido lógico requer interpretação psico-
mais, configurando o mais descarado episó- lógica. Mas quando tentamos sondar a obscu-
dio de discriminação pessoal já registrado nos ridade mental de onde suas excelências extraí-
anais do hospício judicial brasileiro. ram o fruto patético de suas caraminholações,
Num caso, usurpam a autoridade do Con- defrontamo-nos com uma dificuldade insupe-

126 MuNDOreAL
Padre foi informado pela
autoridade judicial de
que doravante deve abster-se
de usar a palavra proibida

rável: ou esses juízes compreendem o sen-


tido do que assinaram, ou então assinaram
a esmo, de supetão, num arrebatamento
paroxístico que só poderia alegar em defe-
sa própria o atenuante da insanidade. No
primeiro caso, são um grupo revolucioná-
rio místico-gnóstico pelo menos tão peri-
goso quanto o de Jim Jones, empenhado
em corrigir os erros do Todo-Poderoso me-
diante a supressão da realidade. No segun-
do, estão absolutamente incapacitados pa-
ra a função judicial ou aliás para qualquer
outra, sendo obrigação da corregedoria re-
movê-los imediatamente do cargo e devol-
vê-los aos cuidados de suas respectivas
mães, para que estas apliquem nos seus
bumbuns os corretivos requeridos em ca-
sos de molecagem intolerável.
Incapaz de atinar com algum sentido ló-
gico ou psicológico na enormidade judiciá-
ria brasiliense, acredito no entanto que posso
encontrar para ela uma explicação sociológi- Suas
ca: Suas Excelências são o produto acabado Excelências
da universidade brasileira. Quatro décadas
são o produto
de desconstrucionismo, multiculturalismo,
"direito alternativo", teologia da libertação e
acabado da
slogans politicamente corretos, sem ne- universidade
nhum contrapeso de racionalidade científi- brasileira
ca e educação clássica, bastam para infundir
em pessoas clinicamente sãs a doença espi-
ritual do irracionalismo anticósmico, de mo-
do que, continuando a agir de maneira nor-
mal no dia a dia, são subitamente atacadas
de autodivinização aguda quando no exer-
cício de alguma função que lhes pareça ter
relevância ideológica. Aí, sem a menor hesi-
tação de consciência, passam a exigir que
dois mais dois dêem cinco, que os pássaros
voem para trás, que as vacas produzam vi-
nho francês em vez de leite e que a soma dos
ângulos internos dos triângulos dê 127,5. E
fazem tudo isso acreditando cumprir uma
alta missão ético-social. Já vamos para a ter-
ceira geração de estudantes brasileiros afeta-
dos por essa grotesca deformidade do espí-
rito. Não é de espantar que, elevados ao car-
go de magistrados, esses meninos tenham Diário do Comércio
alguma dificuldade de discernir entre a toga 22/08/2005
judicial e a capa do Super-Homem.

MuNDOreAL 127
R
eagindo com fúria Aí o que o sujeito faz é empo-
burlesca ao meu ar- leirar-se na janela do prostí-
tigo da semana re- bulo e repetir o discurso in-
trasada, o general teiro que ouviu lá dentro,
Andrade Nery, por surpreendendo-se de que os
extenso Durval Antunes transeuntes distraídos não
Machado Pereira de An- parem para aplaudi-lo.
drade Nery, vice-presiden- efeito, o encanecido oficial, O que o general Nery es- lossal, além de delito previs-
te da Associação dos Diplo- nos intervalos furtivos do creveu de mim só fica bem to nas leis penais do país.
mados da Escola Superior seu convívio perfeitamen- no recinto fechado da reda- O general chama-me de
de Guerra, está fazendo cir- te respeitável com velhos ção da Hora do Povo. Fora todos aqueles nomes para
cular pela internet uma no- companheiros de farda, daí, alardeado para o mun- dar a impressão de ser um
ta repleta de solecismos, na freqüenta o círculo de reda- do, a céu aberto, é uma gafe tribuno indignado, ergui-
qual me chama de "pseudo- t o re s d a H o r a d o P o v o , medonha, um vexame co- do em defesa de uma nobre
jornalista dissimulado, en- aquela publicação eminen-
treguista, antipatriota, pei- temente fecal que, no cen-
tado, defensor intransi- tenário de Stalin, celebrou
gente de uma política glo-
balizante que prioriza uma
só nação dando-lhe o direi-
to de explorar todos os po-
vos" (sic).
o ogro genocida como "o
maior democrata da huma-
nidade" (sic), e cuja miste-
riosa sobrevivência com
tão poucos leitores e anún-
O GRANDE
Eu não solicitaria a aten- cios só veio a ser cabalmen-
ção do leitor para seme- te explicada mediante a re-
lhante estupidez se esta velação das propinas que,
fosse apenas um insulto por conta do tristemente
pessoal e não, como de fato célebre projeto "oil for fo-
é, um sintoma elucidativo od", recebera de Saddam
d a q u i l o m e s m o q u e d e- Hussein. Nas horas som-
nunciei no meu artigo: o es- brias em que o peso da dig-
forço maciço de traidores e nidade castrense se torna
usurpadores para colocar excessivo e os instintos
as nossas Forças Armadas a baixos da mendacidade
serviço de tudo o que elas atávica clamam por soltar
combateram no passado. a franga, é nesse submun-
Pela sua posição na Adesg, do mental que o general
Andrade Nery está bem Nery busca alívio e recon-
equipado para dar uma forto, não só intoxicando-
substantiva contribuição a se daquela droga impressa,
esse esforço, e é só isto o que mas ajudando a produzi-la
torna as suas palavras dig- sob a forma de invencioni-
nas de exame. ces convenientemente an-
O teor mesmo das impu- ti-americanas, bem ao gos-
tações é tão ridículo, tão in- to de seus camaradas de
verso ao conteúdo expres- farra ideológica, publica-
so de tudo o que escrevi, das em confraternização
disse e fiz ao longo da mi- promíscua com as de ou-
nha carreira jornalística, tras macacas de auditório
que nenhuma dificuldade d e M a o Ts é - t u n g , F i d e l
séria impedirá o leitor de Castro e Pol-Pot.
perceber, à primeira vista, O que se ouve num am-
que o general não tem a me- biente desses não se repete
Janusz Kapusta/Corbis

nor idéia do que está dizen- em casa. Deposita-se discre-


do: é apenas um papagaio tamente na privada do es-
de bordel a repetir mecani- quecimento. A não ser, é cla-
camente coisas feias que ro, quando se tem a vocação
ouviu de prostitutas. Com incoercível da papagaiada.

128 MuNDOreAL
instituição, a Escola Supe- diferença entre o empreen-
rior de Guerra, que teria si- dimento do general Nery e
do atacada por mim. Bela o meu.
comédia. Na verdade, eu A ESG de hoje não é mais a
nada disse contra a ESG, de ontem. Mas não é a sua
mas tudo contra o estado continuação, o fruto de uma
atual em que se encontra. evolução normal. É a sua ne-
Nada contra a instituição, ção: é aviltá-la, é cuspir na gação, o seu oposto simétri- ram a construção do país.
tudo contra os que hoje se sua história, fingindo-se de co. Não há conciliação entre Ela era o centro intelectual
servem dela para finalida- seu advogado. Atacá-los elas. Quem ama a primeira, da defesa da nacionalidade
des opostas às suas metas não é falar mal dela: é hon- odeia a segunda, e vice-ver- - e da segurança continen-
originárias. Defender esses rar os que a criaram, é dar sa. O próprio general Nery tal - contra a ameaça comu-
farsantes e usurpadores voz aos mortos que já não fornece a prova dessa trans- nista vinda de Cuba. Por is-
não é defender a institui- podem se defender. Tal a formação. Leiam o seguinte so os comunistas a odia-
parágrafo (transcrevo sem vam, tanto quanto hoje
correções): odeiam a mim, e falavam
" Assim foram encomen- dela nos mesmos termos

ROMBO dados (à ESG) planos de


governo na área energéti-
ca, planos para melhoria
das comunicações - o que à
época era um caos, pois se
que o general agora usa
contra mim. Considera-
vam-na o templo do entre-
guismo, chamavam-na de

demorava quatro dias para


falar do Rio de Janeiro para
Manaus - domínio da ener- Pseudo-jor-
gia nuclear, tecnologia pa- nalista
ra agroindústria, tecnolo- dissimulado,
gia de ponta na área de en-
entreguista,
genharia. desta forma, nas-
ceram a Usina de Tucuruí, antipatriota,
Itaipu, ampliação da Usina peitado" - do
de Paulo Afonso, Furnas, a general Andrade
Usina Nuclear de Angra Nery sobre o
dos Reis, Embrapa, ITA, colunista Olavo de
Embraer, bem como o de-
Carvalho
senvolvimento dos moto-
res a álcool, plano hoje ofe-
recido a Cuba para solução
de suas carências, face ao
atual valor do petróleo, e o vendida ao imperialismo
e m b a rg o p e l o s E s t a d o s ianque, de servidora da ex-
Unidos da América." ploração internacional.
Tudo o que ele diz aí é Nesse tempo, a ESG rece-
verdade. A ESG realizou beu vultosas tarefas do go-
grandes trabalhos para o verno e se desincumbiu de-
país. Só que todos eles - las com eficiência e patrio-
com exceção do último, e já tismo inigualáveis. Não é
veremos por quê - foram estranho que tantas coisas
realizados entre a funda- boas para o país fossem fei-
ção da Escola e o fim do cha- tas por uma instituição
mado "governo militar", acusada de trabalhar a ser-
em 1988. Nesse período, a viço de interesses estran-
instituição, com sua "dou- geiros, como representante
trina da segurança nacio- local de uma concepção de
nal", servia ao Brasil e aos segurança continental "im-
valores tradicionais da ci- posta por Wall Street"? O
vilização cristã que nortea- general não faz idéia de

MuNDOreAL 129
quanto me honra ao maca- cola, só observo suas mani-
quear, contra mim, o dis- festações exteriores, assus-
curso com que os inimigos tando-me com o espaço ca-
do Brasil tentaram enla- da vez maior ali concedido
mear a imagem da institui- a agentes de influência de-
ção que hoje ele finge servir dicados a fazer das Forças
para melhor servir-se dela. Armadas brasileiras um
Não por coincidência, de reira" erguida contra as instrumento do comunis- nacional já não era proble-
todas as realizações da ESG ambições cubanas, muito mo internacional. Quando, ma e que nosso inimigo po-
que constam da sua lista, só mais obrigação teria de fa- alguns anos atrás, o sr. Már- tencial, daí por diante,
uma corresponde ao perío- zê-lo hoje, em vez de dar cio Moreira Alves chegou a eram os EUA.
do atual, à chamada rede- força a uma ditadura que ser cogitado para reitor ci- Como prova disso, alega-
mocratização ou Nova Re- subsidiou e orientou a ma- vil da instituição, a mudan- vam a presença constante de
pública: trata-se de um pla- tança de tantos soldados ça que ela sofrera ao longo ONGs americanas na Ama-
no para o desenvolvimento brasileiros. dos anos se tornou visível zônia e, naturalmente, a ex-
de motores a álcool, já anti- Fazer de conta que a ESG demais para ser ignorada. pansão do "imperialismo
go, mas agora - surprise! - não mudou, que dá na mes- O sr. Moreira Alves, pouco americano" através do Pla-
"oferecido a Cuba para so- ma servir ao Brasil ou a Cu- antes, tinha voltado de no Colômbia e atividades si-
lução de suas carências, fa- ba, é uma fraude tão mani- uma viagem à Amazônia, milares.
ce ao atual valor do petró- entusiasmado com a trans- A falsidade desse diag-
leo, e o embargo pelos Esta- formação ideológica das nóstico saltava aos olhos de
dos Unidos da América". nossas tropas de fronteira, quem quer que conhecesse
Não liguem para a regência O general que, dizia ele, varavam noi- algo do movimento comu-
preposicional capenga. O não faz tes estudando as obras de nista. Desde logo, a extin-
homenzinho apenas exerce Ho Chi Mihn e sonhando ção da URSS não foi acom-
idéia de quanto
seu direito ao analfabetis- com uma guerra na selva... panhada de nenhuma mo-
mo funcional. O que im-
me honra ao contra os narcotraficantes? dificação substancial na
porta é a informação: o apo- macaquear, Não. Contra os guerrilhei- velha KGB, que só mudou
logista da nova ESG não contra mim, o ros das Farc, que entravam de nome mas nem sofreu
tem a alegar em favor dela discurso dos e saíam do nosso território cortes no seu orçamento,
senão o que a velha ESG fez inimigos do como se fosse sua própria nem foi expurgada de seus
pelo do Brasil e o que ela, casa? Não. Sonhavam com velhos quadros comunis-
Brasil" - reage
agora, faz em benefício de uma guerra contra os mari- tas, nem teve alteradas as
Cuba. Para ele, já se vê, as
Olavo de nes americanos. suas funções tradicionais.
duas coisas são igualmente Carvalho Era esse o mesmo Exérci- Falar em "fim do comunis-
patrióticas. Tanto faz de- to das décadas de 60 e 70? mo", nessas circunstâncias,
fender o Brasil contra uma Quantos soldados brasilei- era tão ridículo quanto te-
ditadura estrangeira que ros a Marinha americana ha- ria sido proclamar a extin-
financiava a subversão ar- festa, tão despudorada, via matado, para que nossos ção do nazismo se, morto o
mada no nosso território, que só por endossá-la o ge- jovens oficiais a odiassem Führer, a Gestapo conti-
nas décadas de 60-70, ou neral já faria jus ao estatuto tanto? Que extraordinários nuasse a funcionar sem ser
ajudar essa ditadura a fazer de inimigo da pátria, de benefícios o Brasil havia re- incomodada.
exatamente o mesmo, ago- traidor das Forças Arma- cebido do movimento co- Desde o começo dos
ra. Com um agravante for- das, de agente de influên- munista internacional, para anos 90, era previsível a
midável: comparadas aos cia a serviço - gratuito ou que nossas tropas se ofere- qualquer momento a revi-
feitos das FARC, as guerri- remunerado, pouco im- cessem para morrer a servi- vescência do comunismo
lhas dos anos 70 eram uma porta - daquilo que existe ço dele? sob outro nome qualquer.
escaramuça de moleques; de pior no mundo. E sua Não acompanhei a trans- Quando a IV Assembléia
ao lado do Foro de São Pau- atuação na ESG é a prova formação da ESG capítulo do Foro de São Paulo pro-
lo, a velha OLAS de Fidel mais evidente de que a en- por capítulo, mas observei clamou seu objetivo de "re-
Castro (Organización Lati- tidade, para dizer o míni- que, tão logo veio abaixo a conquistar na América La-
no-Americana de Solida- mo, traiu a si própria e hoje ditadura soviética, intelec- tina tudo o que perdemos
riedad) era um clube de fu- se empenha em cortejar tuais iluminados, civis e no Leste Europeu", ignorar
tebol de botão. Se naquela seus inimigos de ontem. militares, se aproveitaram esse perigo trornou-se ce-
época a ESG serviu como Saber como se deu essa da impressão do momento gueira suicida. Hoje, quan-
um poderoso cimento para transformação é outro pro- para proclamar que o mo- do o poder no continente
dar solidez à "grande bar- blema. Não freqüento a Es- vimento comunista inter- está nas mãos dos Chávez,

130 MuNDOreAL
dos Evos Morales, dos Kir- Terceiro Mundo, onde a po-
chners e dos Lulas, conti- pulação ignora tudo da po-
nuar a ignorá-lo é cumpli- lítica interna americana e
cidade criminosa. Mas, na pode ser facilmente ludi-
ESG, os Andrades Nerys briada para desviar seu res-
estão preocupados é com o sentimento das verdadei-
"avanço do imperialismo ras centrais globalistas e
americano". nhos com Alzheimer desde despejá-lo sobre os EUA. das mesmas fontes da "no-
Ora, só um observador que ele se elegeu com a aju- Patifes como Andrade Ne- va doutrina estratégica"
perverso e mal intenciona- da do governo da China e ry não fazem outra coisa na que ia ganhando terreno na
do, ou ainda mais burro do depois se tornou protetor vida senão colaborar com ESG e por toda parte. Por ter
que o próprio Andrade Ne- da espionagem chinesa em esse gigantesco esquema de assumido essa posição, so-
ry jamais conseguiria ser, Los Alamos, o seu único desinformação, no qual se fri toda sorte de ataques e
não percebe que as entida- efeito, previsível demais depositam as mais altas es- boicotes, recebi inumerá-
des americanas que inter- para ser coincidência, foi peranças de "reconquistar veis ameaças de morte, vi
ferem na Amazônia, como desarmantelar os velhos na América Latina o que minha família ser difamada
por exemplo o Conselho cartéis e transferir todo o perdemos no Leste Euro- e perdi três empregos. Rece-
Mundial das Igrejas, a Fun- seu poder às Farc. Se isso é peu". Se para isso tentam bi duas condecorações,
dação Rockefeller e agen- imperialismo americano, parasitar as glórias da velha uma do Exército, outra da
tes de George Soros, não re- eu sou o Andrade Nery em ESG, é porque sabem que só A e ro n á u t i c a . S e n t i q u e
presentam de maneira al- pessoa. por meio do engodo podem compensavam tudo aquilo.
guma os interesses nacio- Dentro dos EUA, até as manipular as Forças Arma- Não tenho estômago para
nais dos EUA, mas, ao crianças de escola sabem das, transformando a assistir a esse espetáculo
contrário, estão profunda- que há uma briga de foice "grande barreira" no "gran- grotesco de um agente de
mente associadas ao movi- entre o nacionalismo ame- de rombo" por onde a tropa influência comunista posar
mento esquerdista e anti- ricano, tradicionalista e inteira dos tradicionais ini- de advogado da honra mili-
americano que se esforça conservador, e o esquema migos do Brasil vem en- tar enquanto eu faço o papel
para quebrar a espinha do globalista associado às fun- trando para galgar todos os do malvadinho, do inimi-
poder nacional americano dações bilionárias, à inte- altos postos e cobrir-se de go, do bandido. É absurdo
e transferir a soberania do lectualidade enragée, ao glórias usurpadas. demais, é insano demais. É
país para organismos in- movimento neocomunista Durante anos fui, na o mundo de Pirandello, de
ternacionais. Não há nin- e aos organismos adminis- grande mídia brasileira, o Kafka, de Ionesco, o mundo
guém que ignore isso nos trativos internacionais. único jornalista empenha- da Rainha de Copas. É a rea-
EUA - mas, graças a onipre- Juntar tudo no mesmo saco do em defender as Forças lidade transformando-se
s e n ç a d e a g e n t e s d e i n- e catalogá-lo sob o rótulo Armadas contra o bombar- em sátira de si mesma. Um
fluência na mídia nacional geral de "imperialismo deio de calúnias, sabendo engenheiro do rombo falan-
e em entidades como a americano" só é possível no que este, no fundo, vinha do em nome da "grande
ESG, essa informação ain- barreira"! Valha-me Deus!
da não chegou ao Brasil. Até que ponto este país vai
Claro: é preciso ocultá-la a consentir em deleitar-se no
qualquer preço, pois ela fingimento, na farsa, na
modifica radicalmente a burla geral?
visão do quadro estratégi-
co internacional e dilui pe- PS - No terceiro parágrafo
rigosamente o empenho de deste artigo, o leitor não de-
juntar forças no mundo in- ve enxergar nenhuma insi-
teiro para um ataque multi- nuação maldosa contra as
lateral aos EUA - empenho prostitutas, essas boas mo-
apoiado pelas mesmas or- ças que tanto alegraram a
ganizações que os intelec- nossa juventude. Como di-
tuais iluminados descre- ria o eminente Agamenon
vem como pontas-de-lança Mendes Pedreira, o jornalis-
do "imperialismo ianque". ta mais sério do Globo, a úni-
Quanto ao Plano Colôm- ca coisa em comum entre
bia, obra de um presidente Diário do Comércio elas e os Andrades Nerys é
cujas conexões ideológicas 09/01/2006 que mudam de posição a pe-
não escapam nem a velhi- dido do freguês.

MuNDOreAL 131
Ed Ferreira/AE/03/02/03
A miséria do mundo

Populares no lançamento do programa Fome Zero em Guaribas (PI), no começo de 2003

A
migos que muito respeito pedem-me às vezes que es- nhuma esperança de chegar a diagnósticos gerais ou propor te-
creva algo sobre pobreza, desigualdade social ou coisa rapêuticas. Movido por aquela prudência quase obsessiva que
assim. Sendo esse o assunto mais mexido e remexido nasce da ignorância consciente, julguei que antes de me alçar a
em campanhas eleitorais, discursos parlamentares, te- tão altos vôos seria recomendável coletar um certo número de
ses universitárias, editoriais sapientíssimos, debates observações básicas fáceis de confirmar, mas suficientemente
de botequim e congressos internacionais de especialistas em amplas, na generalidade do seu alcance, para ter alguma utili-
tudo, sinto-me naturalmente inibido de entrar numa conversa dade em futuras especulações mais ambiciosas. Em compensa-
na qual praticamente todos os membros da espécie humana, ção da penúria de opiniões e propostas, não me esquivo de ma-
por direito de nascimento, se sentem convidados a opinar e na neira alguma a fornecer aos interessa-
qual, pela insuperável limitação de tempo decorrente da dos uma lista dessas constatações:
afluência universal ao microfone, cada um só pode desfrutar
do seu direito de falar quando exerce com ainda mais tenaci-
dade o direito de não ouvir.
Por isso mesmo tenho acreditado que a minha maior contri-
1 Até onde alcança a visão do historia-
dor, a pobreza e a desigualdade são
as condições mais gerais e permanen-
buição ao melhoramento da condição social dos desfavorecidos tes do ser humano na Terra. Não são de
seria uma espartana abstinência de opiniões. Isso não quer dizer maneira alguma anomalias observa-
Hesíodo
que não pensasse no assunto. Pensava nele, sim, mas sem ne- das, aqui e ali, sobre um fundo univer-

132 MuNDOreAL
sal de prosperidade e igualdade. Também não são mutações so-
brevindas após uma etapa historicamente registrada de riqueza
geral e justa distribuição. O comunismo primitivo é uma conje-
4 Só povos que se atiraram de cabeça na aventura capitalista
conseguiram elevar significativamente o padrão de vida de
suas populações, mas em muitos países a prosperidade veio junto
turação mítica exatamente como a Idade de Ouro de Hesíodo. com um crescimento ainda maior do aparato burocrático-estatal,
resultando naquela mistura de capitalismo e socialismo que leva

2 Em nenhuma etapa histórica anterior ao século XVIII euro-


peu observa-se um estado de espírito marcado pela revolta
geral, radical e crescente contra a desigualdade social em qual-
o nome genérico de "fascismo", um regime que deságua quase
que naturalmente na autodestruição por meio da guerra.

quer das suas formas. Essa revolta, partindo da França, veio jun-
to com a crença na possibilidade de uma sociedade inteiramente
planejada por uma elite de revolucionários iluminados.
5 Embora desde o século XVIII as esperanças de uma vida me-
lhor para os pobres viessem associadas à expectativa de uma
ampliação geral dos direitos civis e políticos, em muitos países es-

Presidente Wilson:
Revolução desenvolvimento e
Francesa: luta atividades militares
contra a
desigualdade
social
Mao Tsé-tung: em
uma década matou
de fome 30 milhões
de pessoas

3 A idéia da sociedade planejada sofreu muitas modificações


desde então, mas toda tentativa de realizá-la produziu ní-
veis de miséria e desigualdade social nunca imaginados pelas
ses dois objetivos entraram em conflito, ora sacrificando-se a li-
berdade em nome da igualdade, ora esta em nome daquela.

gerações anteriores. O mais radical desses experimentos, o


"Grande Salto para a Frente" da China revolucionária, matou
de fome trinta milhões de pessoas em uma década - por certo o
6 Somente um país conseguiu manter-se numa linha de
desenvolvimento econômico constante e progressiva
eliminação da pobreza sem sacrifício considerável das liber-
mais notável desastre econômico de todos os tempos, só com- dades individuais: os Estados Unidos da América. Coinci-
parável a devastações produzidas por catástrofes naturais. Na dência ou não, esse foi o país em que a doutrina da sociedade
Rússia soviética, após sete décadas de comunismo, o cidadão planejada foi recebida com maior frieza e hostilidade, só al-
médio consumia menos proteínas do que um súdito do tzar, e cançando alguma aceitação nos períodos de atividade mi-
tinha menos meios de adquirir um automóvel do que um ne- litar intensa (presidências de Woodrow Wilson, Franklin D.
gro da África do Sul sob apartheid. Roosevelt e Lyndon B. Johnson).

MuNDOreAL 133
tros projetos associados, como o da uniformização mundial
A dos padrões educacionais, o de um controle ecológico global o
pobreza e de uma fusão administrativa de todas as religiões numa espé-
a desigualdade cie de gerência espiritual do planeta. Não pretendo opinar so-
são as condições bre os planos econômicos da ONU e demais entidades asso-
mais gerais e ciadas, que não estudei a fundo, mas tenho a certeza de que não
estão desligados dos projetos nas áreas de educação, ecologia e
permanentes do religião, já que, se me permitem, o globalismo é global, isto é,
ser humano na holístico, uma visão unificada construída ao longo de meio sé-
Terra. Não são de culo e não uma colcha de retalhos improvisada. Tal como no
maneira alguma século XVIII, a utopia do progresso igualitário vem hoje no bo-
anomalias (...) jo de um projeto civilizacional integral, a ser realizado por
meio do planejamento centralizado. A diferença é que os phi-
losophes se tornaram burocratas, têm poder decisório, recur-
sos financeiros ilimitados e escala de ação global.

7 Desde a época de Johnson, no entanto, a tendência ao controle


estatal crescente e à restrição das liberdades nos EUA tem au-
mentado perigosamente nas últimas décadas, com ou sem ativi- 9 Um breve exame do Index of Economic Freedom, aqui ci-
tado na semana retrasada, basta para mostrar que os níveis
dade guerreira concomitante. Essa tendência vem associada a máximos de miséria e desigualdade social coincidem com os
projetos de uma Nova Ordem global, fortemente apoiada por locais de maior interferência estatal e economia planejada. O
uma elite de metacapitalistas (a explicação do termo encontra-se argumento em favor da economia planejada global é que os
em http://www.olavodecarvalho.org /semana/040617jt.htm ), planejamentos falharam porque adotados em escala nacional,
que, para realizar sua ambição de uma sociedade planejada glo- defrontando-se ao mesmo tempo com dificuldades que trans-
bal, já se mostraram dispostos a sacrificar parcelas importantes cendiam as fronteiras das nações. Basta portanto universalizá-
da própria soberania nacional americana. (O conflito mortal entre los e tudo correrá às mil maravilhas.
globalismo e interesse nacional americano, o fato capital da nossa
época, é totalmente desconhecido do público brasileiro, graças à
ignorância maciça - não raro voluntária - da classe jornalística e
daquela raça de macacos, mistos de papagaios, com cérebros de
10 O programa globalista não é a mesma coisa que a expan-
são mundial do capitalismo, um processo historicamente
espontâneo no qual ele toma carona parasitária, tal como acon-
jumento e almas de víbora, que a si próprios se denominam "in- teceu em escala nacional em vários países, onde o crescimento
telectuais". Há muitos livros a respeito, mas a fonte mais acessível do capitalismo teve como efeito colateral a ascensão dos meta-
é o site de Henry Lamb, http://www.sovereignty.net , que abrirá capitalistas e a proliferação dos seus aliados naturais, os buro-
para o leitor uma infinidade de outras fontes.) cratas e os intelectuais ativistas. Nesse sentido, a profecia de
Karl Marx de que o capitalismo geraria os seus próprios covei-

8 Hoje em dia, a promessa de eliminação radical da miséria e


da desigualdade social no mundo, repetida ao ponto de
disseminar por toda parte uma explosiva impaciência com a
ros se revelou acertada, com a ressalva de que esse papel não
coube nem poderia caber aos proletários, mas à parcela mais
ambiciosa politicamente da própria classe capitalista e aos "in-
continuidade desses males, é alardeada principalmente pelos telectuais" (no sentido gramsciano e ampliado do termo). Esta
centros de difusão do projeto globalista, cujo porta-voz mais ressalva, por sua vez, foi diagnosticada e expressa em tempo há-
notório é a ONU. Dessa mesma origem provêm inúmeros ou- bil pelos socialistas fabianos - especialmente Bernard Shaw -,

L.B. Johnson ONU: promessa de eliminação da miséria

134 MuNDOreAL
O capita- O Brasil é
lismo é uma folha
uma força de levada na
expansão, o tempestade,
globalismo uma incapaz de
força de contração. controlar o seu
Equivalem, no destino e até de
simbolismo compreendê-lo,
alquímico, ao graças à inépcia
mercúrio e ao geral dos
enxofre 'intelectuais'

não sendo, pois, de espantar que o fabianismo tenha se tornado, ca desse objetivo ao longo das próximas décadas, apesar de
formal ou informalmente, a ideologia dominante das elites bu- todas as conquistas da técnica agrícola e industrial. A tensão
rocráticas globalistas. A tensão aparentemente insolúvel entre entre capitalismo e globalismo não resultará necessariamen-
expansão do capitalismo e centralização burocrática mundial te em tragédia global, mas é quase impossível que ela não de-
lateja no fundo do conflito, acima mencionado, entre os EUA e semboque mais cedo ou mais tarde em agressões militares de
os organismos globais. conseqüências incalculáveis. O capitalismo é uma força de
expansão, o globalismo uma força de contração. Equivalem,

11 Exatamente como as propostas globalistas em educação,


ecologia e cultura religiosa - cujas fontes analisarei em outro
artigo --, a promessa de eliminação mundial da pobreza é uma
no simbolismo alquímico, ao mercúrio e ao enxofre. A produ-
ção da resultante - alquimicamente, o sal - é um processo in-
finitamente delicado, sutil e complexo, mais sujeito ao acaso e
parte integrante de um discurso ideológico globalista, e a ela não à providência divina do que ao arbítrio humano. A atenção
corresponde nenhum mecanismo prático de realização exceto devota, a paciência, a prudência e a busca constante da com-
aqueles já desencadeados espontaneamente - e anteriormente -- preensão do processo são aí incomparavelmente mais úteis e
pela expansão planetária do capitalismo, à qual o globalismo só necessárias do que os programas e as palavras-de-ordem.
vem a acrescentar, em última análise, um elemento parasitário: os Mais úteis ainda para aqueles países que, sem ter voz ativa no
custos crescentes de uma burocracia planetária cada vez mais in- processo, não podem contar senão com a esperança de uma
tromedida, paralisante e contraproducente. adaptação vantajosa às circunstâncias de cada momento. In-
felizmente, é precisamente nesses países que prolifera de ma-

12 A luta contra a pobreza e a desigualdade social encontra-


se hoje no seu ponto de máxima tensão. De um lado, a re-
volta radical contra esses males milenares se incorporou de tal
neira mais incontrolável a raça dos "intelectuais" amantes de
slogans e palavras-de-ordem.

modo à mentalidade coletiva, que por toda parte se espalhou a


expectativa insana de soluções globais a prazo relativamente
curto. De outro lado, essa mesma expectativa alimenta o cres-
cimento da burocracia planetária que suga e desvia para seus
próprios objetivos políticos os frutos da expansão mundial do
capitalismo, retardando a distribuição dos seus benefícios a bi-
lhões de seres humanos necessitados.

13 O Brasil, nesse panorama, é uma folha levada na tempes-


tade, incapaz não só de controlar o seu destino mas até
mesmo de compreendê-lo, graças à inépcia geral dos "intelec-
tuais" nacionais, que estão entre os mais despreparados, levia-
nos e pretensiosos do mundo.
Assim descrito o quadro, na medida das minhas possibi-
lidades, e ressalvada qualquer imprecisão devida à pressa da
redação jornalística, permito-me agora emitir uma opinião.
Como qualquer outro ser humano, eu desejaria uma vida me- Diário do Comércio
lhor para todos, mas, ao contrário da maioria deles, não acre- 10/10/2005
dito que se deva esperar algum progresso substancial na bus-

MuNDOreAL 135
DIA DO Com idêntico espírito
verde-amarelista
propôs Rebelo a instituição
do Dia do Saci, para
oferecer uma alternativa

SACI local ao Halloween, o Dia


das Bruxas.

O
deputado Aldo Rebelo, cujo cargo o melhor que podem uma expressão de res-
de presidente da Câmara custou peitosa seriedade. Fazem isso para não me
quinhentos milhões de reais em fa- humilhar, mas só conseguem é me humi-
vores distribuídos pelo governo lhar mais ainda. Eu preferiria que rissem lo-
para elegê-lo, não parece ser pes- go da minha cara. Antes ser alvo de gozação
soalmente um corrupto nem um conspira- que de piedade.
dor maquiavélico. Durante um tempo che- O Congresso deveria instituir logo o Dia
guei a imaginar que fosse homem honesto. da Mula-Sem-Cabeça. Só não faz isso para
Hoje compreendo que ele não pode ser não parecer badalação do presidente da Re-
honesto nem desonesto, porque ambas es- pública. Mas, após o Dia do Boto, o Dia do
sas condutas requerem um pouco de imagi- Curupira, o Dia da Mãe d´Água e os dias de
nação. Ele é o inverso simétrico do Super- várias outras criaturas inconcebíveis, virá
Homem de Nietzsche: está aquém do bem quase que infalivelmente o Dia do Aldo Re-
e do mal. Se pertence ao partido que aplau- belo, ou Dia da Curtura.
diu o genocídio empreendido por Mao Um país precisa estar na última lona, na
Tsé-tung, não é porque seja malvado, nem mais desesperadora miséria espiritual, pa-
porque consiga seriamente enxergar al- ra apelar a uma brincadeira de crianças co-
gum bem em tanta crueldade: é porque, mo símbolo representativo da sua cultura,
reunindo todas as forças intelectuais de principalmente porque brincadeiras de
que dispõe, não chega a atinar com a dife- crianças são, por definição, arremedos in-
rença entre o número de sessenta milhões fantis de símbolos representativos. Ne-
de chineses assassinados pelo regime co- nhum menino americano brincaria de cau-
munista que ele tanto admira e o das três bói, de confederado, de fuzileiro ou de pa-
centenas de vítimas da ditadura militar que raquedista se não tivesse havido uma epo-
ele tanto abomina. péia da ocupação do Oeste, uma Guerra
Insensível às diferenças quantitativas, é Civil e duas Guerras Mundiais e se esses
natural que o deputado Rebelo o seja mais capítulos grandiosos e sangrentos da His-
ainda às qualitativas. A distinção entre enal- tória não tivessem se cristalizado em sím-
tecer a pátria e humilhá-la, por exemplo, lhe bolos tradicionais que a imaginação infan-
escapa completamente. Ele é o autor de uma til só pode imitar de maneira diminuída
lei que, sob alegações nacionalistas, proíbe a e caricatural.
importação de palavras, lei que, se fosse apli- No caso do Dia das Bruxas, a distância
cada, produziria velozmente a redução do entre o símbolo originário e a brincadeira é
vernáculo à condição de dialeto local sem co- maior ainda, na medida em esta não alude
municação com o mundo. Vá ser patriota as- nem remotamente a valores tradicionais,
sim lá na Bruzundanga. mas, ao contrário, resulta da diluição pro-
Com idêntico espírito verde-amarelista gressiva com que a cultura se livrou de um
propôs ele a instituição do Dia do Saci, para contravalor que ela desprezava. O Dia das
oferecer uma alternativa local ao Hallowe- Bruxas veio para a América de contraban-
en, o Dia das Bruxas, que no seu entender foi do, trazido por feiticeiras espalhadas entre
introduzido no Brasil como parte de um pla- os imigrantes irlandeses, e não era era se-
no perverso de dominação cultural. Quan- quer representativo dessa nacionalidade
do conto isso aos americanos, eles nem riem. minoritária, acentuadamente católica: era
Engolem em seco e, mediante esforços pro- o vício sintomático de uma minoria dentro
digiosos de autocontrole muscular, imitam da minoria. Tão deslocado estava no novo

136 MuNDOreAL
meio social, que logo perdeu a virulência
da intenção originária, tornando-se brinca-
deira de crianças. Era uma celebração sata-
nista, virou folclore infantil. Só é um sím-
bolo cultural americano no sentido em que
uma marca de vacina é um monumento à va-
ríola, ou no sentido em que a "Farra do Boi",
pela analogia remota com a malhação do Ju-
das, é um ritual cristão. É nesse mesmíssi-
mo sentido que o deputado Rebelo é um pa-
triota. Acreditando enaltecer a cultura na-
cional, ele a avilta e a espezinha pela escala
diminutiva em que a concebe, proporcio-
nal à visão mesquinhamente pueril que
tem da cultura vizinha. Direi então que o
deputado Rebelo é uma diluição, uma cari-
catura de patriota? Não. Diluição, caricatu-
ra, era Policarpo Quaresma, o homem cheio
de boas intenções imaginárias, traduzidas
no mundo real como propostas nacionalis-
tas irrealizáveis, inúteis e sem sentido. Mas
Policarpo tinha ainda algum fundamento
na realidade, na medida em que seu conhe-
cimento de história do Brasil e das línguas
indígenas era genuíno. O deputado Rebelo
não tem nem isso. Ele só é um patriota no
sentido duplamente indireto em que a cari-
catura de uma caricatura, a imitação da imi-
tação, o postiço do postiço, a diluição da di-
luição, pode ter ainda alguma ligação com o
objeto originário. Mas por isso mesmo ele é
representativo daquilo que, no Brasil de
hoje, se chama de cultura nacional - o culto
de bonecos de papelão improvisados ao sa-
bor de um oportunismo publicitário sufo-
cante. A imagem completa de um país espi-
ritualmente morto.

Diário do Comércio
03/10/2005

MuNDOreAL 137
Jason Reed/Reuters

A vitória
ambígua
A deputada
Nancy Pelosi,
futura presidente
da Câmara,
saúda militantes
do Partido
DOS DEMOCRATAS
Democrata na

O
festa da vitória, marquês de Sader diz que a esquerda é É difícil que isso chegue a acontecer, pois,
em Washington "responsável pelos melhores momen- quando tiveram a chance de levar à prática a
tos da história da humanidade". Vou proposta de retirada imediata que advogavam
lhes dar um exemplo entre outros inu- da boca para fora, os democratas recuaram
meráveis. Em 1974, os soldados ameri- mais que depressa. Eles sabem perfeitamente
canos se retiraram do Vietnã, deixando o campo que o Irã, atualmente já o maior fornecedor de
livre para os comunistas, que então promove- recrutas para o terrorismo iraquiano, está
ram a matança de três milhões de civis vietnami- pronto para ocupar o território do país vizinho
tas e cambojanos, o mais hediondo episódio de ou pelo menos para realizar ali uma matança
genocídio da segunda metade do século XX, su- sem precedentes tão logo veja os soldados
perando em mais de três vezes o total de mortos americanos pelas costas. E uma coisa é falar
da guerra. O resultado era mais que previsível, mal do governo, outra é compartilhar das res-
mas os amorosos pacifistas que se esforçaram ponsabilidades de governo. Uma dessas res-
para torná-lo realidade jamais foram cobrados ponsabilidades, que George W. Bush agora se
na grande mídia pelo crime imensurável que sente aliviado de poder dividir com seus críti-
ajudaram a praticar. Alguns, como Noam cos mais ferozes, é a de decidir o que fazer com
Chomsky, ainda fizeram o possível para ocultá- Kim Il-Jung. Mais provável e mais iminente do
lo, e por isso são honrados até hoje como exem- que uma retirada do Iraque é um ataque à Co-
plos de honestidade intelectual. réia do Norte. Neste momento, os EUA estão
Outro belo momento, que poderá levar o reforçando suas tropas na Ásia e dando os re-
marquês ao êxtase, anuncia-se para breve no toques finais ao plano de bombardear com
Iraque, caso os radicais de esquerda do Partido mísseis Tomahawk as instalações coreanas de
Democrata americano, embriagados pela vi- processamento de plutônio em Yongbyon. Há
tória fácil na Câmara e no Senado, se deixem outras opções militares menos devastadoras,
levar pelo entusiasmo pacifista de John Mur- mas alguma delas terá de ser levada à prática
tha, Nanci Pelosi e outros que tais. em breve, a não ser na hipótese de que Kim vol-

138 MuNDOreAL
te atrás nos seus planos já anunciados de atacar mocrata nos EUA como se fosse o começo do
os EUA. Entre os democratas, alguns esperam fim da "direita religiosa", se não do abominá- Os radicais
ou dizem esperar que ele seja induzido a isso vel Império americano inteiro.
democra-
pelas pressões da Coréia do Sul e sobretudo da Mas, se é verdade que o povo americano es-
China. Mas aí a coisa se complica espetacular- tá mesmo cansado da guerra no Iraque, nunca tas sabem
mente, porque, segundo o relatório em prepa- a política internacional, sozinha, decidiu uma perfeitamente que
ro pela U.S.-China Economic Security Review eleição nos EUA. Ninguém duvida de que o o Irã atualmente
Commission (Comissão de Revisão da Segu- Partido Republicano pagou pelos pecados de já é o maior
rança EUA-China), cuja versão oficial deverá George W. Bush, mas a rejeição nacional ao fornecedor de
ser divulgada ainda este mês, a China, ao mes- presidente tem muito menos a ver com a guer-
recrutas para o
mo tempo que fingia apoio aos EUA, ajudava ra do que com as atitudes dele com relação a
secretamente o programa norte-coreano de ar- gastos públicos, imigração e legislação eleito- terrorismo
mas nucleares. O relatório baseia-se em infor- ral - e, nessas três áreas, ele não errou contra os iraquiano
mações de testemunhas diretas. Partes do do- democratas, e sim com o apoio entusiástico de-
cumento foram passadas ao jornalista Bill les. Deles e dos chamados Rinos (republicans in
Gertz por assessores parlamentares, de modo name only, "republicanos só no nome"), como
que ninguém no Congresso pode verossimil- John McCain e Lincoln Chafee.
mente alegar completa ignorância a respeito. O exemplo mais notório foi a lei de imigra-
No tempo em que os democratas eram apenas ção. Enquanto o país inteiro clamava por medi-
oposição, informações como essa os ajudavam das drásticas contra a imigração ilegal, o presi-
a espremer o pobre George W. Bush na parede, dente tramava com os rinos e os democratas um
obrigando-o a escolher entre o risco de ignorar plano ridículo que não só anistiava os invaso-
a ameaça e o de tomar sozinho uma decisão im- res, mas lhes dava mais direitos do que os imi-
popular. Agora, quem está na parede são eles. grantes legais jamais tiveram. A proposta des-
Esse é só um dos motivos por que, nos cír- pertou tanta revolta que os republicanos con-
culos conservadores, ninguém está lamentan- servadores na Câmara dos Deputados frustra-
do muito a derrota republicana. É verdade que ram o esquema, trabalhando contra seu próprio
os jornalistas brasileiros nem falam disso. presidente e suprimindo da lei contra a imigra-
Apanhar de petistas enragés não há de tê-los ção ilegal o dispositivo de anistia. Isso foi em de-
tornado mais inteligentes, nem extinguido em zembro. Então já havia conservadores chaman-
seus corações as afeições esquerdistas que já se do Bush abertamente de "traidor".
tornaram a sua segunda natureza. A esta altu- Bush complicou muito sua própria situação
ra, eles estão comemorando a dupla vitória de- quando deu apoio a uma nova legislação elei-

Ahmad-Al-Rubaye/AFP

Tropas
americanas
patrulham ruas
centrais de
Bagdá, em dia
de explosões e
violência

MuNDOreAL 139
Bazuki Muhammad/Reuters/3/8/2006 Alexander Nemenov/AFP/23/8/2003

Ahmadinejad, presidente do Irã: Kim Il-Jung:


fornecimento de terroristas o que fazer com ele?

toral que limitava severamente a ação das mente com o presidente. Confuso e indeciso,
Uma das ONGs não partidárias. Ora, essas ONGs como optou por fazer-se de morto, o que era o mesmo
por exemplo a National Rifle Association, a que pedir aos eleitores que o sepultassem.
responsa-
American Family Foundation e sobretudo os Mas é claro que nem toda a justa irritação
bilidades das think tanks como a Heritage Foundation ou a dos conservadores contra Bush poderia trans-
quais Bush agora Claremont Foundation, são a principal força formá-los em esquerdistas. O que eles fizeram
se sente aliviado do movimento conservador americano. É cla- foi o que havia de mais inteligente a fazer: es-
de poder dividir ro que os democratas, que nunca conseguiram colheram os mais conservadores entre os can-
com seus críticos montar um think tank que funcionasse, adora- didatos democratas, e votaram neles. Deste
mais ferozes é ram a nova regra e os conservadores viram ne- modo, o sucesso do Partido Democrata não foi
la uma traição explícita de Bush à causa que nem uma vitória da esquerda nem uma derro-
a de decidir o que professou defender. ta do conservadorismo. Foi uma derrota de
fazer com Kim Mais motivo ainda para revolta o presiden- um presidente ambiguamente "tucano" e de
Il-Jung te deu quando violou ao mesmo tempo duas seus aliados rinos.
leis sagradas do conservadorismo, gastando Entre os republicanos, o comentário geral é
um dinheirão do governo para aumentar a in- que o partido tem de abandonar o bushismo e
terferência estatal na educação infantil, com a voltar à boa e velha linha conservadora de
ajuda, é claro, dos democratas. A repugnância Goldwater e Reagan, que Bush, por momen-
Quando dos conservadores ao excesso nos gastos pú- tos, fingiu representar.
tiveram a blicos é tradicional, mas sua resistência à edu-
chance de levar à cação estatal, que era apenas moderada, se
transformou em ódio ostensivo quando ficou
prática a proposta
claro que as escolas americanas estavam se tor-
de retirada nando centros de doutrinação politicamente
imediata do correta orientados... pela ONU.
Iraque, que O pior de tudo foi a súbita revelação dos pla-
advogavam da nos secretos do Council on Foreign Relations
boca para fora, os para dissolver as fronteiras entre os EUA, o Ca-
nadá e o México, praticamente eliminando a
democratas
nação americana como unidade política inde-
recuaram mais pendente. A idéia já era antiga, mas quando al-
que depressa. guém levantou a lebre e um cidadão apelou ao
FOIA (Freedom of Information Act), obrigando
o governo a divulgar os documentos sobre o as-
sunto, o que se descobriu foi que Bush já estava
formalmente comprometido com os governos
do Canadá e do México a realizar o plano. O Diário do Comércio
Partido Republicano, onde há tantos membros 13/11/2006
do CFR quando no Democrata, não podia nem
aprovar uma coisa dessas nem romper aberta-

140 MuNDOreAL
A CIA QUE

NINGUÉM CONHECE
T
odo mundo no Brasil imagina que a CIA é uma espécie de
KGB de direita, um governo invisível dominando com mão
de ferro uma multidão inerme. No plano internacional,
uma vasta organização subterrânea empenhada em fo-
mentar golpes de Estado, assassinar intelectuais esquerdis-
tas e implantar por toda parte o império do capitalismo ianque.
Se essas fantasias imitam tão simetricamente o modelo da es-
pionagem soviética, é porque foi ela mesma que as criou à sua
própria imagem e semelhança, invertendo apenas o signo
ideológico da sua realidade macabra para formar o dese-
nho de um tipo de organização que, num país com elei-
ções e imprensa livre, jamais teria condições de existir.
Esse desenho foi espalhado pelo Ocidente através de
toda uma imensa subcultura editorial e cinematográ-
fica produzida, sobretudo, entre os anos 60-80.
Após a abertura dos Arquivos de Moscou, nin-
guém mais tem o direito de ignorar, por exemplo,
que o enredo conspiratório do filme de Oliver Stone,
"JFK", saiu direto dos escritórios da KGB, nem que o ex-
agente Philip Agee, badaladíssimo pela mídia popular
pelas denúncias escabrosas que fez contra a CIA no seu li-
vro Inside the Company: CIA Diary (1975), esteve sempre na folha
de pagamentos do serviço secreto soviético e hoje é um agente

MuNDOreAL 141
full time do governo cubano. Mas não há país do mundo em veis de um dissidente iraniano sobre esquemas terroristas di-
que esses fatos tenham sido suprimidos mais sistematica- retamente concebidos pelo governo de Teerã. O principal era o
mente da mídia do que o Brasil. Resultado: as balelas mais plano de atirar aviões com pilotos suicidas não sobre um sim-
sonsas postas em circulação por aquela subcultura tornaram- ples prédio comercial como no 11 de setembro, mas sobre o rea-
se, aí, verdades de evangelho cuja contestação ainda soa, no tor nuclear de Seabrook, Massachusetts, ocasionando uma ca-
mínimo, "polêmica", isto quando não lança sobre o contesta- tástrofe do tipo e das dimensões de Chernobyl. O informante
dor a fama de psicótico... ou de agente da CIA. dava também detalhes sobre a fabricação da bomba atômica
Para avaliar a distância entre o imaginário brasileiro e os fa- iraniana em íntima associação com a Coréia do Norte - um pro-
tos, basta notar que aqui nos EUA também circula uma mul- jeto em estágio muito mais avançado do que se imaginava no
tidão de livros contra a CIA, mas que a maioria deles a acusa de Ocidente --, descrevia a rede de agentes iranianos infiltrados
fazer exatamente o contrário do que os brasileiros imaginam no Iraque para espalhar o terror e esmagar no berço a demo-
que ela faz. Nenhum americano razoavelmente culto ignora cracia iraquiana, e resumia atas e mais atas do "Comitê dos No-
que esse serviço de inteligência, há bastante tempo, trabalha ve", a entidade criada pelo governo do Irã para coordenar a ati-
mais para grupos políticos - de esquerda em geral - do que para vidade terrorista em escala internacional. Dizia ainda que
o governo do seu país. Isso começou na era Reagan. Ronald Osama bin Laden se encontrava refugiado no Irã como hóspe-
Reagan foi um grande presidente, mas nas últimas semanas de de de honra e que entre os projetos terroristas em andamento
mandato fez uma burrada monumental: privatizou uma par- estava o assassinato do ex-presidente George H. W. Bush.
cela importante dos serviços secretos. Quem podia comprar Mas a surpresa maior estava por vir. Quando tentou passar
comprou um pedaço e o pôs a serviço de si próprio. A família essas informações para a CIA, Weldon se defrontou não só com
Clinton, por exemplo, tem lá seu feudo particular. Sem saber uma barreira de má-vontade e indolência, mas com uma hos-
dessas coisas, o público brasileiro entende às avessas aconte- tilidade ativa que tentava por todos os meios - inclusive a
cimentos importantes como a falsa informação sobre as armas ameaça de coerção física - bloquear o acesso ao informante e
de destruição em massa de Saddam Hussein. O que aos olhos impedir que os dados fornecidos por ele chegassem ao primei-
brasileiros pareceu uma desculpa maquiavélica inventada ro escalão do governo.
por George W. Bush para legitimar a invasão do Iraque (até ho- Isso continuou mesmo depois que a mais espetacular das re-
je isso é repetido na mídia nacional como obviedade de senso velações, a do ataque a Seabrook, foi integralmente confirma-
comum) foi na verdade uma cama-de-gato armada para o pre- da pela prisão, pelo governo canadense, de um grupo de ter-
sidente por gente desleal dentro da CIA. Daí a limpeza geral roristas preparados para realizar a operação - o que, segundo
que o governo está fazendo nesse serviço de inteligência, tro- Weldon, não significa que o plano tenha sido abandonado e
cando tipos suspeitos por funcionários concursados. não esteja sendo levado adiante neste preciso momento, em al-
Uma das melhores fontes para estudar o assunto são os ar- gum outro lugar do mundo.
tigos de Jack Wheeler, filósofo que abdicou da carreira acadê- Weldon tentou por todos os meios articular os vários ser-
mica para levar uma vida de aventureiro, caçador de tigres e viços de inteligência para que fizessem a análise cruzada
estudioso de culturas primitivas, acabando por ser conhecido dos dados, mas todos os seus esforços foram boicotados de
como "o Indiana Jones da direita". maneira tão ostensiva que ele desistiu de buscar a atenção
Wheeler trabalhou na CIA por algum tempo e não modera do governo e resolveu apelar diretamente ao povo america-
as palavras ao dizer o que viu lá dentro: um panorama que vai no, publicando os relatórios do seu informante clandestino
da indolência anárquica ao antipatriotismo militante de altos na esperança de que a opinião
funcionários empenhados em amarrar as mãos dos agentes pública pressione o governo
por meio de exigências "politicamente corretas" impossíveis para levar a fundo a reforma
de cumprir, quando não em sonegar ao governo informações do sistema de segurança.
vitais para a segurança do país. Wheeler me disse que o em- "Este livro - escreve ele no
preendimento mais importante do governo Bush era justa- prefácio - é um ato de desespe-
mente a reforma dos serviços de inteligência, mas que seus re- ro. Trago-o à presença do leitor
sultados seriam muito lentos, tamanhas as resistências que en- porque não consegui que a co-
contrava entre os marajás remanescentes da era Clinton. munidade de informações fi-
Mesmo depois da conversa com Wheeler, porém, eu não zesse nada a respeito, embora
imaginava que essas resistências podiam chegar ao ponto do minha fonte tenha provado sua
boicote sistemático e da rebelião ostensiva. O que me abriu os credibilidade e embora a infor-
olhos foi o livro de Curt Weldon, Countdown to Terror ("Conta- mação que ela fornece anuncie
gem Regressiva para o Terror"), publicado há uns meses pela um ataque terrorista maior aos
Regnery e a mais importante dentre as obras sobre a CIA que Estados Unidos."
entraram na lista de bestsellers do New York Times. Não é possível ler essas coisas
O autor é um deputado pela Pensilvânia, reeleito consecu- e continuar não enxergando o
tivamente por vinte anos. Durante sua experiência como vice- abismo de diferença entre a rea- Diário do Comércio
presidente de duas comissões parlamentares encarregadas de lidade da CIA e o que se escreve a 11/07/2005
assuntos de segurança, Weldon obteve informações confiá- respeito dela na nossa mídia.

142 MuNDOreAL
APÊNDICE

O Foro de São Paulo,


versão anestésica
D
epois de esconder por dezesseis anos a existência
da mais poderosa entidade política latino-
americana, a mídia chique deste país, vencida pela
irrefreável divulgação dos fatos na internet, trata
agora de disfarçar, como pode, o mais torpe e
criminoso vexame jornalístico de todos os tempos. O
expediente que usa para isso é ainda mais depravado:
caluniar, difamar, sujar a reputação daqueles poucos que
honraram os deveres do jornalismo enquanto ela não se
ocupava senão de prostituir-se, vendendo silêncio em troca
de verbas estatais de propaganda.
Envergonhada de si mesma, ela não tem nem a
dignidade de citar nominalmente essas honrosas exceções.
Designa-as impessoalmente, fingindo superioridade,
mediante pejorativos genéricos. O mais comum é "radicais
de direita". Encontro-o de novo no artigo "Os limites de
uma onda esquerdista", assinado por César Felício no jornal
Valor no último dia 12.
O autor é uma nulidade absoluta, e eu jamais comentaria
uma só linha da sua fabricação se as nulidades não se
tivessem tornado, num jornalismo de ocultação, os
profissionais mais necessários e bem cotados. Por favor, não
me acusem de caçar mosquitos. Compreendam o meu
drama: nas presentes circunstâncias, a recusa de falar de
nulidades me deixaria totalmente desprovido de material
nacional para esta coluna.

MuNDOreAL 143
A primeira coisa que tenho a dizer a esse moleque é bem "O grupo que se reúne a partir de hoje em San Salvador...
simples: Radical de direita é a vó. Antigamente chamava-se atende pelo nome de 'Foro de São Paulo' e nasceu sob o
por esse qualificativo o sujeito que advogasse a matança patrocínio do PT, em 1990. Os encontros anuais não
sistemática de comunistas como os comunistas advogam e costumam chamar muita atenção, a não ser de certos radicais
praticam a matança sistemática de populações inteiras. Hoje de direita no Brasil."
em dia, para ser carimbado como tal, basta você ser contra o Ora, como é possível que encontros esquerdistas anuais
aborto ou o casamento gay. Basta você achar que o Foro de repetidos ao longo de uma década e meia, com centenas de
São Paulo existe e é perigoso. Basta você fazer as contas e participantes, entre os quais vários chefes de Estado, não
notar que centenas de prisioneiros morreram de tortura na chamem atenção exceto de radicais de direita? Ninguém na
Guantanamo cubana e nenhum na americana. Basta você esquerda prestou atenção ao Foro de São Paulo? O sr. Lula
apelar à matemática elementar e concluir que a guerra do fez um discurso presidencial inteiro a respeito sem prestar a
Iraque matou muito menos gente do que o regime de mínima atenção à entidade da qual falava? Antes disso,
Saddam Hussein sob os olhos complacentes da ONU. Se quando presidia pessoalmente as sessões da entidade até
você incorre em qualquer desses pecados mortais, lá vem o 2002, não lhes prestou nenhuma atenção? Entrava em transe
rótulo infamante grudar-se na sua pessoa indelevelmente, hipnótico e balbuciava mensagens do além, sem se lembrar
como marca de escravo fujão ou ferrete de gado. E não vem de nada ao despertar? Os jornalistas de esquerda que, às
por via de nenhum jornaleco de partido, de nenhum panfleto dezenas, compareceram aos debates, foram lá por pura
petista. Vem pela Folha de São Paulo, pelo Globo, pelo desatenção, dormiram durante as assembléias e voltaram
Estadão, pelo jornal Valor - os órgãos da burguesia para casa sem coisa nenhuma para contar? O sr. Bernardo
reacionária, segundo o site oficial do PT. Kucinsky, um dos fundadores da entidade, que emocionado
Que é que posso concluir disso, objetivamente, senão que a assistiu ao nascimento dela num encontro entre Fidel Castro
esquerda radical conseguiu impor à grande mídia a sua escala e Lula, não prestou a mínima atenção àquele momento
de mensuração ideológica e o correspondente vocabulário, supremo da sua vida de militante esquerdista? Pago com
agora aceitos como opinião centrista, equilibrada, mainstream, dinheiro público para relatar aos eleitores os atos
enquanto as opiniões que eram da própria grande mídia presidenciais, calou-se por mera distração, e também por
ontem ou anteontem já não podem ser exibidas ante o público mera distração guardou os fatos para contá-los depois no seu
porque se tornaram politicamente incorretas? livro de memórias, onde só os colocou porque não tinham a
Será extremismo de direita concluir que o eixo, o centro, se mínima importância?
deslocou vertiginosamente para a esquerda, criminalizando Ora, menino bobo, você não sabe a diferença entre a
tudo o que esteja à direita dele próprio? Será extremismo de desatenção e a atenção extrema acompanhada de um
direita concluir que a única direita admitida como decente na propósito deliberado de ocultar? Que você seja desprovido
mídia chique é o tucanismo - abortista, gayzista, quotista do senso da verdade, vá lá. Sem isso não se sobe no
racial, desarmamentista, politicamente corretíssimo, jornalismo brasileiro. Mas será que você precisa também
padrinho do MST e filiado à internacional socialista, além de desprover-se do senso do ridículo ao ponto de tentar
bettista e boffista, quando não abertamente anticristão? Será minimizar a importância do Foro e logo em seguida, citando
extremismo direitista notar que o traço mais saliente dessa documento oficial da entidade, alardear que "na primeira
direita bem comportadinha é a abstinência radical de reunião do grupo, em 1990, os integrantes estavam no
qualquer veleidade anticomunista? Será extremismo de governo em um único país: Cuba. Hoje desfrutam o poder na
direita entender que esse fenômeno é a manifestação literal e Venezuela, Brasil, Bolívia, Nicarágua, Argentina, Chile,
exata da hegemonia tal como definida por Antonio Gramsci? Uruguai e Equador"? Você acha mesmo que a organização
Será extremismo de direita concluir que o establishment que planejou e dirigiu a mais espetacular e avassaladora
midiático deste país é, no seu conjunto, um órgão da expansão esquerdista já observada no continente é um nada,
esquerda militante mesmo nos seus momentos de superficial um nadinha, no qual só radicais de direita ou teóricos da
irritação antipetista, quando jamais proferiu contra o partido conspiração poderiam enxergar alguma coisa?
dominante uma só crítica que não viesse de dentro da Na verdade, o próprio Felício enxerga ali alguma coisa.
esquerda mesma e que não fosse previamente expurgada de Ele cita o documento oficial: "Passamos a controlar uma
qualquer vestígio de conteúdo ideológico direitista? cota de poder, mas as outras cotas continuam sob controle
Qualquer pessoa intelectualmente honesta sabe que um das classes dominantes. Os chamados mercados, as
juízo de fato não pode ser derrubado mediante rotulação grandes empresas de comunicação, os setores da alta
infamante. Tem de ser impugnado pelo desmentido dos fatos. burocracia do Estado, os comandos centrais das Forças
Se quiser rotulá-lo, faça-o depois de provar que é falso. Não Armadas, os poderes Legislativo e Judiciário, além da
antes. Não em substituição ao desmentido. Ora, o tal Felício, em influência dos governos estrangeiros, competem com o
vez de desmentido, fornece uma brutal confirmação. Vejam só: poder que possuímos."

144 MuNDOreAL
Ou seja: a entidade que já domina os governos de nove No tempo em que havia jornalismo no Brasil, um sujeito
países não admite, não suporta, não tolera que parcela como esse não seria designado para cobrir nem partida de
alguma de poder, por mais mínima que seja, esteja fora de futebol de botão. Hoje ele é uma espécie de modelo,
suas mãos. Nem mesmo as empresas de comunicação reproduzido às centenas em todas as redações. O resultado
e o judiciário, sem cuja liberdade a democracia não é óbvio. Faça um teste. Segundo pesquisa da Folha
sobrevive um só minuto. Com a maior naturalidade, de São Paulo, a opinião majoritária dos brasileiros é
como se fosse uma herança divina inerente à sua essência, acentuadamente conservadora. É contra o casamento gay,
o Foro de São Paulo, com a aprovação risonha do nosso contra o aborto, contra as quotas raciais, contra o
partido governante, reivindica o poder ditatorial sobre desarmamento civil. É contra tudo o que os Felícios amam.
todo o continente. É até a favor da pena de morte para crimes hediondos. E
Felício lê esse documento assim: "Os limites a um poder confia infinitamente mais nas forças armadas do que na
absoluto parecem incomodar os participantes do encontro." classe jornalística que as difama sem cessar. Quantos
Parecem, apenas parecem. Quem ficaria alarmado com jornalistas, nas redações das empresas jornalísticas de grande
aparências, senão radicais de direita? Afinal, eles vivem porte, se alinham com essa opinião majoritária? Não fiz
enxergando comunistas embaixo da cama, não é mesmo? nenhuma enquete, mas, por experiência pessoal, afirmo:
Para tranqüilizar a população, Felício trata de lhe mostrar poucos ou nenhum. A leitura diária dos jornais confirma isso
que no Foro não há socialismo nenhum, apenas o bom e da maneira mais patente.
velho populismo nacionalista, tão difamado pelos agentes A opinião pública brasileira não é refletida nem
do imperialismo. "Um mesmo discurso estava presente na representada pela grande mídia. Não tem direito a voz, a não
oposição a Perón e a Getúlio nos anos 40 e 50. Reapareceu, ser por exceção raríssima concedida a algum colaborador
quase igual, no tipo de ataque recebido ano passado por ocasional só para depois ser exibida como exemplo de
Lopez Obrador no México e Evo Morales na Bolívia." aberração extremista, felizmente compensada pela pletora de
A circunstância de que, ludibriados por milhares de articulistas serenos, normais e equilibrados que igualam
Felícios, até membros da oposição temam dar nome aos George W. Bush a Hitler e Abu-Ghraib a Auschwitz.
bois, preferindo falar de "populismo" em vez de A idéia mesma de que uma mídia só pode ser equilibrada
comunismo, é usada como prova de que o Foro não é uma quando reflete proporcionalmente a divisão das correntes
organização comunista. O fato é que as idéias e as pessoas de opinião no país já desapareceu por completo da
dos velhos populistas jamais aparecem citadas nos memória nacional. O simples ato de enunciá-la tornou-se
documentos do Foro como exemplos a ser imitados. Ao prova de direitismo radical. Resultado: a elite microscópica
contrário, os apelos à tradição revolucionária comunista de tagarelas esquerdistas que domina as redações (não
ressurgem a cada linha, com todos os seus heróis e mais de duas mil pessoas) se permite tomar a sua própria
símbolos, com todos os cacoetes lingüísticos medonhos do opinião como medida da normalidade humana,
jargão marxista-leninista mais típico e obstinado, condenando como patológicas e virtualmente criminosas
acompanhados da declaração explícita, infindavelmente as preferências gerais da nação.
repetida, de que a meta é o socialismo. Mas, decerto, todos Quem se coloca em tais alturas está automaticamente
os participantes do Foro, todos aqueles tarimbados liberado de prestar quaisquer satisfações à realidade. Não
militantes revolucionários treinados em Cuba, na China e quer conhecê-la, quer transformá-la. Para transformá-la, não
na antiga URSS, estão equivocados quanto à sua própria é preciso mostrar os fatos às pessoas: é preciso alimentá-las
ideologia e metas. Eles apenas pensam que são comunistas, de crenças imbecis que as induzam a se comportar da
socialistas, marxistas. Felício é quem, penetrando com seus maneira mais adequada para favorecer a transformação. Da
olhos de raios-x no fundo das almas deles, sabe que não são classe empresarial que lê o jornal Valor, que é que se espera?
nada disso. São getulistas que se ignoram. Que permaneça idiotizada e passiva, embriagada de falsa
A prova? Ele não se recusa a fornecê-la. É esta: "Antes de segurança, incapaz de mobilizar-se em tempo para se opor à
ser uma verdadeira marcha ao socialismo, a ofensiva de onda revolucionária que vai submergindo o continente. Foi
Chávez... sugere a coroação de um processo de para isso que os Felícios lhe negaram por dezesseis anos o
concentração de poder". Entenderam a lógica profunda? Se conhecimento do Foro de São Paulo. É para isso que, hoje,
é concentração de poder, não é socialismo. Pena que não podendo mais levar adiante a operação-sumiço, apelam
ninguém avisou disso Marx, Lênin, Stalin, Mao, Fidel e Che à operação-anestesia, chamando-a, cinicamente, de
Guevara. Todos eles sempre entenderam, ao contrário, que jornalismo. E são pagos para fazer isso pelos próprios
a concentração de poder é a única via para o socialismo, é a empresários de mídia, aqueles mesmos cujas empresas o
essência mesma do processo revolucionário. Mas talvez Foro de São Paulo promete calar ou expropriar junto com
estivessem enganados, tanto quanto a turminha do Foro. todos os demais instrumentos de exercício da liberdade, num
Quem entende do negócio é César Felício. futuro mais breve do que todos imaginam.

MuNDOreAL 145
ESTANTE
Obras de Olavo de Carvalho
1. UNIVERSALIDADE 10. UMA FILOSOFIA
E ABSTRAÇÃO E ARISTOTÉLICA DA
OUTROS ESTUDOS CULTURA:
São Paulo, INTRODUÇÃO À
Speculum, 1983 TEORIA DOS QUATRO
DISCURSOS.
2. O CRIME DA Rio, IAL & Stella
MADRE AGNES OU : Caymmi, 1994
A CONFUSÃO ENTRE
ESPIRITUALIDADE E
PSIQUISMO
São Paulo, 5. OS GÊNEROS
Speculum, 1983 LITERÁRIOS: SEUS 8. O JARDIM DAS
FUNDAMENTOS AFLIÇÕES. DE
METAFÍSICOS EPICURO À
Rio, IAL & Stella RESSURREIÇÃO DE
Caymmi, 1993 CÉSAR – ENSAIO
SOBRE O
6. O CARÁTER COMO MATERIALISMO E A
FORMA PURA DA RELIGIÃO CIVIL
PERSONALIDADE. São Paulo, 11. O IMBECIL
Rio, Astroscientia É Realizações, 2000 COLETIVO I:
Editora, 1993 ATUALIDADES
INCULTURAIS
BRASILEIRAS
3. ASTROS E São Paulo,
SÍMBOLOS É Realizações 2006
São Paulo,
Nova Stella, 1983

4. SÍMBOLOS E MITOS
NO FILME "O
SILÊNCIO DOS
INOCENTES"
Rio, IAL & Stella
Caymmi, 1993 7. A NOVA ERA E 9. COMO VENCER
A REVOLUÇÃO UM DEBATE
CULTURAL: FRITJOF SEM PRECISAR
CAPRA & ANTONIO TER RAZÃO.
GRAMSCI COMENTÁRIOS À
Rio, IAL & Stella "DIALÉTICA ERÍSTICA" 12. ARISTÓTELES EM
Caymmi, 1994 (1ª. DE ARTHUR NOVA PERSPECTIVA:
ed., fevereiro; 2ª. ed. SCHOPENHAUER INTRODUÇÃO À
revista e aumentada, Rio, Topbooks, 1997 TEORIA DOS QUATRO
agosto). DISCURSOS
São Paulo,
É Realizações 2006

146 MuNDOreAL
Coleção História Essencial da Filosofia

16. Aula 4 – 21. Aula 9 – 26. Aula 14 - IDÉIA


ARISTÓTELES FILOSOFIA VERSUS REALIDADE
São Paulo, PATRÍSTICA E São Paulo
É Realizações, 2003 ESCOLÁSTICA É Realizações 2005
São Paulo,
17. Aula 5 – É Realizações, 2004 27. Aula 15 –
PRÉ-SOCRÁTICOS A ESCOLÁSTICA
São Paulo, 22. Aula 10 – SANTO São Paulo,
É Realizações, 2003 AGOSTINHO É Realizações 2006
São Paulo,
18. Aula 6 – PERÍODO É Realizações, 2004 28. Aula 16 – Xavier
HELENÍSTICO I Zubiri e a Escolástica,
13. Aula 1 – HISTÓRIA São Paulo, 23. Aula 11 – SÃO São Paulo
DAS HISTÓRIAS DA É Realizações, 2003 TOMÁS DE AQUINO É Realizações 2006
FILOSOFIA E DUNS SCOTT
São Paulo, É 19. Aula 7 – PERÍODO São Paulo, 29. Aula 17 –
Realizações, 2002 HELENÍSTICO II É Realizações, 2004 A ESCOLÁSTICA II
São Paulo, São Paulo,
14. Aula 2 – O É Realizações, 2003 24. Aula 12 – É Realizações 2006
PROJETO SOCRÁTICO FILOSOFIA ISLÂMICA
São Paulo, 20. Aula 8 – São Paulo, 30. Aula 18 – SANTO
É Realizações, 2002 ADVENTO DO É Realizações, 2004 TOMÁS DE AQUINO
CRISTIANISMO São Paulo
15. Aula 3 – São Paulo, 25. Aula 13 – É Realizações 2006
SÓCRATES E PLATÃO É Realizações, 2003 FILOSOFIA CRISTÃ
São Paulo, São Paulo,
É Realizações, 2002 É Realizações, 2005

NO PRELO:

31. Aula 19 – MAQUIAVEL 34. O IMBECIL


E A FORMAÇÃO DAS COLETIVO II: A LONGA
IDENTIDADES NACIONAIS MARCHA DA VACA
São Paulo, PARA O BREJO & OS
É Realizações, 2007 FILHOS DA PUC
São Paulo,
32. O FUTURO DO É Realizações, 2007
PENSAMENTO
BRASILEIRO. ESTUDOS 33. A DIALÉTICA 35. O IMBECIL
SOBRE O NOSSO LUGAR SIMBÓLICA: ENSAIOS COLETIVO III: O IMBECIL
NO MUNDO REUNIDOS JUVENIL
São Paulo, São Paulo, São Paulo,
É Realizações, 2007 É Realizações, 2007 É Realizações, 2007

Você também pode gostar