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pO mais excelso ícone russo da Trindade Santíssima

Tido em alta estima por cristãos do Oriente e do Ocidente, este ícone é uma das
mais profundas visualizações jamais produzidas sobre o Deus Uno e Trino. Por
Philip Kosloski | Maio 24, 2016
“É absurdo e impróprio pintar em ícones a Deus Pai com barba cinza e o Filho
Unigênito em seu seio com uma pomba entre ambos, posto que ninguém viu o Pai
segundo a Sua Divindade, que o Pai não tem carne […] e que o Espírito Santo não
é, em essência, uma pomba, mas, em essência, Deus” (Grande Sínodo de Moscou,
1667).
Para a Igreja Ortodoxa Russa, representar a Santíssima Trindade na arte tem sido
uma questão controversa ao longo dos últimos mil anos. Embora o Concílio de
Niceia, em 787, tenha permitido a representação artística de Deus, a Igreja
Ortodoxa Russa se mostrou descontente com as imagens populares de Deus Pai e
de Deus Espírito Santo.
Eles consideraram que o homem de barba grisalha e a pomba não faziam jus ao
mistério insondável do Deus trino e uno. Em vez daquelas difundidas imagens de
Deus, eles optaram por usar o ícone da Trindade de Andrei Rublev como adequado
para representar o Pai, o Filho e o Espírito Santo.
O ícone russo é difícil de entender para as pessoas de fora da tradição ortodoxa, e, à
primeira vista, nem parece representar a Santíssima Trindade. A cena central do
ícone vem do livro do Gênesis, quando Abraão recebe três estranhos em sua tenda:
“O Senhor apareceu a Abraão nos carvalhos de Mambré, quando ele estava
assentado à entrada de sua tenda, no maior calor do dia. Abraão levantou os
olhos e viu três homens de pé diante dele. Levantou-se no mesmo instante da
entrada de sua tenda, veio-lhes ao encontro e prostrou-se por terra (…) Abraão
serviu aos peregrinos [pães, um novilho tenro, manteiga e leite], conservando-se
de pé junto deles, sob a árvore, enquanto comiam” (cf. Gênesis 18, 1-8).
O ícone de Rublev apresenta a cena com os três anjos, semelhantes na aparência,
sentados a uma mesa. A casa de Abraão aparece ao fundo, bem como um carvalho
atrás dos três convidados. Embora o ícone pinte esta cena do Antigo Testamento,
Rublev usou o episódio bíblico para fazer uma representação visual da Trindade
que se encaixa nas estritas diretrizes da Igreja Ortodoxa Russa.
Public Domain via WikiPedia
O simbolismo da imagem é complexo e procura resumir a doutrina teológica da
Igreja sobre a Santíssima Trindade. Primeiro: os três anjos são idênticos em
aparência, correspondendo à fé na unicidade de Deus em três Pessoas. No entanto,
cada anjo veste uma roupa diferente, trazendo à mente que cada pessoa da
Trindade é distinta. O fato de Rublev recorrer aos anjos para retratar a Trindade é
também um lembrete da natureza de Deus, que é espírito puro.
Os anjos são mostrados da esquerda para a direita na ordem em que professamos
nossa fé no Credo: Pai, Filho e Espírito Santo. O primeiro anjo veste azul,
simbolizando a natureza divina de Deus, e uma sobrepeça púrpura, indicando a
realeza do Pai.
O segundo anjo é o mais familiar, vestindo trajes tipicamente usados por Jesus na
iconografia tradicional. A cor carmesim simboliza a humanidade de Cristo,
enquanto o azul é indicativo da sua divindade. O carvalho atrás do anjo nos lembra
a árvore da vida, no Jardim do Éden, bem como a cruz sobre a qual o Cristo salvou
o mundo do pecado de Adão.
O terceiro anjo veste o azul da divindade e uma sobrepeça verde, cor que aponta
para a terra e para a missão da renovação do Espírito Santo. O verde é também a
cor litúrgica usada em Pentecostes na tradição ortodoxa e bizantina. Os dois anjos à
direita do ícone têm a cabeça ligeiramente inclinada em direção ao outro,
ilustrando que o Filho e o Espírito procedem do Pai.
No centro do ícone há uma mesa que se assemelha a um altar. Colocado sobre a
mesa, um cálice dourado contém o bezerro que Abraão preparara para seus
hóspedes; o anjo central parece estar abençoando a refeição. A combinação dos
elementos nos lembra o sacramento da Eucaristia.
Embora não seja a representação mais direta da Santíssima Trindade, é uma das
mais profundas jamais produzidas. Permanece nas tradições ortodoxas e bizantinas
a principal maneira de representar o Deus Uno e Trino. Este ícone, de fato, é tido
em alta estima também na Igreja Católica Romana e é frequentemente usado por
catequistas para ensinar sobre o mistério da Trindade.
E a Trindade é, em suma, um mistério – e sempre o será nesta terra. Às vezes,
porém, nos são concedidos vislumbres da vida divina, e o ícone de Rublev nos
permite espreitar brevemente por trás do véu.

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